P R I M H U S. – Conto Ficcional de Luiz Jorge Ferreira

Conto Ficcional de Luiz Jorge Ferreira

Ele mergulhou o pé caloso pelas inúmeras e frequentes caminhadas naquele terreno seco e pedregoso, e teve receio que as tiras ressecadas e praticamente a beira de se partirem, o fizessem…mas qual aguentaram firme e até relaxaram um pouco dando um leve descanso aos seus pés também repleto de cicatrizes …estava aflito…hoje o Primo viria ser batizado por ele…O Nazareno, como diziam…o que caminhava sobre as águas…o que apacentava as tempestades…dito isso para si mesmo, olhou o remanso que o movimento de balanço das suas pernas e pés dentro do riacho provocava…


O Rio Jordão estava quase transformado em um filete d’água se arrastando, uma seca se estendendo a muito tempo, queria beber de toda a sua água, já secará as Tamareiras e outros arbustos frutíferos por ali espalhados, sobrará aquele franzino ao seu lado que frutificava uns frutinhos escassos com textura de esponja e gosto de vinagre, que deixava um grude na boca, mas mesmo assim com eles ele enganava a fome, e quando um figurão da realeza mais por curiosidade que propriamente conversão vinha ter aqui trazendo consigo um servo mais afeiçoado pela família que desejava ser batizado, doavam-lhe um naco de pão preto, ou uma frasqueta de azeite de oliveira, o coração se alegrava…mas hoje seu Primo vinha, seu coração aguarda aos saltos.

Vinha porque os estudiosos das leis e dos livros Sagrados haviam escrito que um dia o Pastor de todas as as Tribos da Judéia, seria batizado nas águas de um riacho…as vezes ele fica a pensar, não seria detrás desses Montes, daquele outro, ou daquele mais longe, onde deverá ter um outro batizando, em nome de Deus?

Eu batizo aqui nesse lugar nem mesmo sei porque parei aqui e já se vão vários Equinócios….
Comecei a falar sobre o que vem na minha mente, e foram chegando pessoas, até mesmo de outras aldeias que não falam Aramaico, falam Grego, Latim, Hebreu, e outras , mas eu os entendo e se me perguntam se há um só Senhor do Céu e da Terra…eu respondo que sim …e lhes conto a Parábola do Bom Samaritano, e eles abençoam minhas palavras, e como foi que me entenderam, não sei…saem a dizer…Deus é um só, e seu filho está entre nós, para nós salvar.


Hosana!

A noite conto as estrelas, mas sempre as confundo com algum brilho de Pirilampos que se aproximam da lama das margens para umidecer suas bocas e piscam suas luzes de alegria quando encontram umidade, eu confundo os números, embora os tenha riscado na areia do chão…
Ele, dizem, sabe.


Como vou batizar ao Primo…se nao sou digno de lhe abotoar as sandalias, o que direi …se todos já dizem que ele é o filho de Deus entre nós…

Retirou os pés das águas do riacho e se encolheu medrosamente…estava amanhecendo…lá adiante uma carroça sem os animais jazia no chão como que desenhando contra os Montes um vulto de alguém de joelhos…prestou atenção e molhou os olhos com a água que escorria da sua mão…
Um dos que por lá pernoitara…se aproximou… João…João…beba e lhe deu uma caneca de chá cuja a fumaça subia dela formando uma branca espiral…

Tomou de um grande gole.
O Nazareno está chegando…
Tem certeza que é aqui, comigo, nesse riacho quase seco que ele vem ser batizado…?
Há outros que batizam atrás desses Montes cheios de Oliveiras…
Estas com medo João?
Perguntou o estranho.
Estou sim, respondeu…

O Monte Hermon, ali adiante, apontou, olhou ao redor, o estranho havia sumido.
Podia ouvir agora prestando mais atenção um barulho de vozes se aproximando, caminhando em sua direção , alguns da tribu de Jassé, que costumavam pernoitar com suas ovelhas por ali, perto da entrada da Gruta do Eco, assim chamada porque guardava consigo o segredo de provocar um eco até mesmo de uma pequena moeda e lhe multiplicar várias vezes, bastava que ela caísse ao chão na sua entrada.


Por isso eles cercavam a entrada dela com gravetos, para que as ovelhas lá não entrassem e provocassem um imenso bééééééééé….
Já despertos se aproximaram com suas fundas armadas com grandes pedregulhos.
Ele fez um sinal para que parassem e caminhou em direção ao grupo.
Reconheceu-o apesar dos muitos anos sem vê-lo., teve vontade de andar bem rápido e lhe abraçar…dizendo…

Que bom vê -lo…eu estou tão feliz…que agoro posso morrer…
Ao que o Primo, como que lendo seus pensamentos, pós a mão em seus ombros e disse…antes que faças qualquer coisa, cumpramos as profecias…me batize.


Dito isso, retirou a túnica descalçou as sandálias e entrou no Jordão, que perfumou-se de Alfazema, sem que houvesse nenhum arbusto dessa família por ali, a não ser o que frutificava pequenas frutinhos vermelhos ácidos e travosos, que depois que João voltou a si de tudo, seus pés, continuavam dependurados dentro do Rio Jordão, a silhueta da carroça havia desaparecido, nenhum balido de ovelhas, nem sinal da caneca de chá, e uma sensação estranha de silêncio interno, sentiu fome e esticou a mão em em direção ao arbusto de frutinhos azedos e travosos…
Mordeu… e atônito reparou que haviam se transformados em frutos a semelhança de uvas…e o que estava ali volumosa e carregada, era uma parreira.
Levantou-se, já chegava a noite…foi ao princípio da estradinha e viu marcas de muitos passos..haviam vindo muitos…
Abaixou-se a cheirar as pegadas, algumas delas cheiravam a um perfume que havia se diluído, mas não era de todo indiferente…
Pensou…teriam vindo…e ele dormirá?
Imaginava ter embebecido após tomar a caneca de chá de uma só vez, mas estava sedento.
Não havia ninguém…
As águas sabiam o que havia acontecido, mas as águas não falam…
Olhou o Rio Jordão…
Continuava ali…

Para o lado da caverna havia um barulho de vozes…lembrou -se dos pastores…
Foi caminhando…
Havia alguém falando mais alto que todos e o eco trazia as palavras até ele.
Aproximou-se reconheceu sua voz…que poderia estar falando…sim …pode ouvir com nitidez, estrondosamente, ele batizava o Nazareno. Prostrou-se ao chão…
Como um pesadelo, sonhou que sua cabeça jazia dentro de uma bandeja de prata e lhe chamava…
Venha João Batista.
Acordou sobressaltado…

O coração aos saltos…por acaso voltará a dormir, tão exausto que se encontrava.
O Rio Jordão quase moribundo, como por milagre recebia as primeiras chuvas.

* Osasco (SP) – 23.06.2020

Cartas Que recebi, Mas leio agora (parte III) – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

São Paulo
19.Junho.1944

Bonjour Monsieur, Francisco B. De Holanda.

Gracias, por ter respondido a carta que lhe encaminhei pelo Luiz Cláudio, excelente Músico, que por meio do nosso conhecimento há muito estabelecido, prestou-me esse favor.

Nesse período , em que plagiando você…’ A coisa aqui está preta’…eu em uma noite dessa ouvi…Beatriz…Sua e do Edu Lobo…inclusive frequentamos a mesma Sociedade…Escritores Médicos em São Paulo…eu e Sérgio Perazzo, ótimo Contista, que foi e o é, amigo do Edu, e com ele estudou desde as primeiras séries, até a conclusão do Segundo Grau, ambos jogando no time de Basquete do Colégio, que agora dele não me recordo o nome…era um time de ‘ pequenos ‘ grandes jogadores, assim ele relata…de maneiras que após ouvir Beatriz, fiquei instigado a criar perguntas de uma forma de poema, e lhe mandar, parece loucura que bolei isso, mas o fiz, não a giz, mas a caneta.

Ah…ah…ah… Obrigado. Já recebi Cartas de todos os lugares, todos pesares, e todos os algures…como diriam os Fadistas… Senhor Jorge Luiz… Desculpe…Luiz Jorge… Vinicius…O Cantuaria, homem de Zaga no time do Politheama…tem um primo Luiz Jorge…Inversão do invertido.

Mas , respondendo às suas colocações…

…Ela é triste porque é atriz. Ou porque as notas diminutas são lágrimas ocultas atrás do pedal do piano. Ela usa um vestido lilás, porque é a cor que a cena pede, ou porque realça mais o desenho do confete no apogeu da derradeira cena.

Ela corre para cair da escada, e tomar o rumo da história escrita a quatrocentos anos. Ou apenas ensaia um pulo repetido a tempos, e nada mais a acompanhará no fim. Nem a ela, nem a mim, que sei ser impossível entrar na sua vida.

Eu mesmo Chico…( rs..rs..rs) *Como poderia não ser eu… Não tenho por hábito fazer comentários sobre a parte do parceiro em nossas criações , porém ao ler o trecho de sua Carta em que chama a atenção para a sutileza Musical do Edu, ao usar bloco de quatro diminutas, em varias ocasiões do trecho melódico, e causar ao ouvinte, associada a parte da letra que insinua devaneio, devaneios, a semelhança de Litz, eu até mesmo aproveitei para imaginar Chopin.

Esse Comentário, não levei ao Edu, e talvez nunca com ele comente. Outrossim obrigado, por estar atento a presença da escola Provençal poética, ao caminho de Beatriz, o que é um caminho por mim…Chico, na confecção…um tecelão… ( rs…rs…rs)…você o disse.

Música para Peças Teatrais, são tecidas artisticamente e matematicamente coesas, com a cena, e os minutos do ator em cena. Agradeço tudo que exaltou em seu texto , e o trabalho que se deu, para faze-la chegar, até Luiz Cláudio,excelente Musico, que a mim entregou…

Quando voltarmos aqui em casa as ‘ peladas ‘ com bola (rs…rs…rs…) , um dia, será nosso convidado. Demais, e ademais, um abraço…recomendações a família.

Chico.

Cartas Que recebi, Mas leio agora (parte II) – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

19.04.1930

Eu …Fernando…e três guapos raparigos…brinco com você…Ferreira Luiz…

Aqui sentado, com a brisa vinda do Tejo, trazendo um pouco de água que embaça meus óculos…

Estou aqui a ler sua Missiva.

Ora pois…pois…embora acha que Vosmecê, errou na datação…ou a Companhia de Entrega de Correspondência, cá de Lisboa, atrapalhou-se com endereços, ou pouco me achou…

De fato é…que datas ela escrita em 2020, coisa com que me espanto, pois ao por meus olhos sobre um Calendário, que traz uma paisagem de Monet…ah!…

Precisavas conhecê-lo…sorve um Cálice de Absinto, como se bebesse pura água da mais limpa bica do escadão do Porto.

Mas nós encaminhemos para o assunto aqui tratado…olhando novamente o referido Calendário, vejo a data de 18 Abril de 1930…estou quase a fazer 42 anos.

Voltando ao assunto da Missiva em minhas mãos, estás nela a fazer um elogio ao Poema ‘A Tabacaria’…

Até o rotulas como um dos mais belos escritos em língua Portuguesa…ora pois pois…Guapo Raparigo do Brasil.

Muito me honra…apesar de que ao mostra-la para o proprietário da própria, qual foi -me o espanto, ele não lê…vi-me na obrigação de fazê -lo…ouviu…ouviu…em Silêncio…

Depois saiu a porta, foi até ao meio da rua e ficou a mira-la, certificar-se que era a mesma.

Alberto, Álvaro e Ricardo, rimos a não poder mais.

Pois acertastes, Gajo.

Quando dizes encontrar traços dos nossos jeito de escrever, dos três nesse Poema.

E eu aproveito para informar a Vossa Senhoria.

Que estamos sempre juntos…

Risos!!!!

Eliot…ias adorar essa conversa.

Eu traduzi ele, e foi pandego.

Não vou me alongar mais, pois não tarda para as Tabernas fecharem, e tenho evitado ser convidado a deixar ambiente tão agradável e acolhedor,em que eu, desculpe, nós…eles e eu…tanta coisa criamos.

E um pouco mais bebemos…

Ia cometendo um senão…

Abraços aos das Letras, inclusive soube do passamento de Castro Alves, tão jovem…

Mas infelizmente a vida nos prega essas peças.

Lisboa…

Já cá estamos em 19 de Abril de 1930.

Nos visite …Saúde…

Fernando Pessoa.

Uma tarde com a Big-Big – Conto (marginal) de Fernando Canto republicada.

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Conto marginal de Fernando Canto

Porra, eu andava puto porque tinha sido demitido da TV que trabalhava porque em uma transmissão ao vivo a Big Big apareceu e pegou no meu pau e eu gritei de dor. Não teve jeito nem chora minha nega. Fui pra rua mesmo por justa causa, falta de ética, descompostura, atentado ao pudor… essas coisas. O féla da pôta do patrão não estava nem aí pros meus argumentos. Não convenci o fresco do judeu insensível. Ele sabia que eu era solteiro e não adiantaria mentir.

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Conheci a dita cuja da Big Big quando eu cobria o Pronto Socorro para um jornal impresso. Ela tinha sido atropelada pela sétima vez. E já estava aleijada. A droga que ela se apaixonou por mim desde que me viu fazendo a reportagem pra televisão, pois me achou bonito e queria que eu a fizesse famosa. Onde eu chegava ela achava um jeito de passar a mão em mim. Até dedada eu levei dela. Ridículo. Logo eu, porra, um jornalista considerado…

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Fudido do jeito que eu estava, com o troco do salário que me deram, pois não tive direito a nada, fui lá na beira-rio tomar uma cerveja. Pensei em almoçar no bar do Nego, mas resolvi só beber e resolvi misturar cachaça com cerveja. Comecei a ficar porre e queria fazer sexo. Não vi nenhuma garota de programa pra afogar o ganso, o Neymar, o Messi e minhas mágoas. Bebi, mas bebi pra caralho. Quando já estava chamando uma coluna do bar de meu bem vi a Big Big caminhando arrastando a perna. Pensei, na minha visão meio truvisca, que ela dançava Marabaixo. Que nada! Ela dançava um reagge e estava linda com sua pele morena.

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Paguei a conta e ainda deixei dez por cento pro garçom Raimundo, que costumava me roubar nas contas quando eu estava por cima da carne do churrasco.

Chamei a linda Big Big e lhe disse sem pudor: – Pega à vontade no meu pau, amor.

Ela ficou me olhaaaando! Não disse nada.71759_461427497243620_567377479_n1

De repente eu caí em mim e vi a Matilde Joaquina com o câmera da emissora que eu trabalhava me filmando, só pra fazer o mal, pois ela havia ocupado meu antigo posto de trabalho. Porra, todo mundo ia saber que eu tinha quase um caso com a Big Big. Quase um caralho. Agora teriam certeza.

Pedi mais um copo cheio de cachaça pro garçom ladrão e segui desolado02253686300-217x300 até as muralhas da Fortaleza de São José de Macapá. Na realidade eu fui me lamentar naqueles muros. Chorei muito. Minhas lágrimas quase amolecerem as pedras da edificação secular.

O dia se punha no oposto do rio Amazonas. E os caminhantes habituais do parque do forte olhavam para mim, me reconheciam e riam. “Drogado”, diziam, “eu até que admirava teu trabalho”. “Safado”… Assim me chamavam.

oloucoFui cambaleando e encontrei um amigo artista plástico literalmente caído na sargeta. Tentei levantá-lo a todo custo, mas não conseguia . Até que senti uns braços fortes me ajudarem. Era a gostosa Big Big que pôs o pintor num lado do ombro e pediu com gestos que eu fizesse o mesmo com o meu. Levamos nosso amigo de cachaça até a prainha que fica entre aquelas falésias da Fortaleza e bebemos o resto da granada de duelo que ele tinha no bolso, e mais duas que ela guardava na calcinha, a gitinha logo. Cantamos e rimos até a lua surgir mais porruda que em qualquer outro lugar, como disse o poeta.

Acordamos com a maré enchendo suavemente, marulhando na areia.

A bacana companheira por fim falou e me revelou que a jornalista que me substituiu pagou a ela pra pegar no meu pau naquela reportagem que fiz ao vivo.

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Nessa altura do campeonato nem esquentei mais. Eu perdoei a Big Big porque ela precisava de dinheiro pra beber e pra dar pros caras dela. Agora, lúcidos que nem uns filhos de uma égua, estamos arquitetando um plano pra invadir o estúdio da TV ao vivo e pegar na buceta daquela jornalista desgraçada. Eu, meu amigo pintor e a minha noiva Big Big. Ora, Ora. Marrapá! Vamos sair na mídia nacional. Ihiihihihihihihih!

*Quando recebi este conto (ao qual gostei bastante), disse para o Fernando: os politicamente corretos cairão de pau na gente por causa deste escrito”. Canto, que é sábio e irreverente, disparou: “os bêbados e loucos fazem parte na nossa paisagem cotidiana da cidade”. É isso aí!

O RETRATO AZUL – Conto porreta de Fernando Canto sobre sua mãe

Conto de Fernando Canto

E agora estou aqui, engolindo este silêncio seco, sem saber o que dizer para você.

Por tantas vezes você me acariciou os sonhos e os cabelos e me aparou de quedas vertiginosas, falando em anjos guardiães. Às vezes, em pequenos pedaços de iracúndia você me insultou. – Burro, não é assim, é assado, é grelhado. Eu ouvindo, eu burro. Você me ralhava, dizia até com ponta de aspereza para que eu não me importasse com a perda das coisas, as que considerava tolas. Eu parado ouvia, mas dentro a cachoeira vinha abrupta e profusa. Havia de sentar ou fugir, me rebelando do trato ou a enchente me afogava.

Agora estamos nós dois sem saber o que fazer… Você aí sentado nessa rede com olhos brilhosos de lágrimas, olhando fixo o quadro que lhe demos de presente de aniversário. E você tem vergonha de chorar porque homem não chora, ainda mais um homem como você que sempre foi forte e capaz de transpor os obstáculos e desarmar, sorrindo, tantas armadilhas.

Você tem lembranças e elas são fantasias de nuvens. Você quer concreta a sua lembrança. Ela surge na forma que você quer. Ela vive em sua memória de um jeito estranho, pois o cenho não esconde a projeção e você a sente como se tivesse medo. Mas medo você não tem nem está triste, apenas lembra.

Eu ao seu lado toco em seus cabelos e na sua dor. Você me abraça. Nós, é óbvio, não temos a mesma idade nem a mesma opinião sobre os golpes que o tempo deixa, pois os ventos mudaram para outras pontas da grande rosa e os valores brilham em forma e conteúdo ou, como se diz comumente, qualitativa e quantitativamente. Hoje você vale o brilho que sabe demonstrar com sua esperteza. Hoje os fios do bigode são meros adornos de vaidade e moda. – E não culpe somente as mãos do mundo. Cuspa, se lhe aprouver. Eu vivo a contragosto esses valores e trago em mim a amargura do meu tempo. No entanto, estou aqui junto a você, agora sentindo uma reação esquisita, frente a essa tela.

Minhas lembranças não são mais nítidas que as suas porque o amor que eu sinto é diferente. Você esteve mais perto, então uma imagem lhe traz uma série de outras mais claras, mais tangíveis.

Para mim muita coisa é confusa. Os sentimentos da monocromia em azul saltitam sobre o retrato emoldurado. Consigo ver um tempo que não é meu e me sinto intruso perscrutando o que pertence a seu mundo, me metendo, penetrando no interior de seus sentimentos e elaborando apenas fantasia.

O retrato espelhado em seus olhos mexe com você até a alma. Um doce para mim se sou capaz de adivinhar. Você segura a minha mão com força como se de longe estivessem lhe chamando. Você está em dúvida. Eu respondo. Não quero que você vá. Mas quem sou eu para lhe impedir a vontade se você ama, se você quer ir.

Minha lembrança migra para uma tonalidade tênue e vejo você sentado no pátio de nossa velha casa de madeira conversando com ela sobre as atividades dos filhos, sobre a TV em preto-e-branco que desejam comprar, e especialmente sobre sua situação financeira que não está nada boa, desde que foi obrigado a vender seu comércio pra pagar dívidas contraídas pelo sócio mau-caráter.

Vejo vocês saindo da missa. Uma, duas, mil esperanças a cada domingo. Um almoço farto é imprescindível nesse dia da semana. Você diz orgulhoso:

– Em minha casa nunca faltou comida. E agradece a Deus. E come as delícias que ela fez.

Embora sua risada fosse discreta, os olhos demonstravam a cor do seu pensamento feliz. Havia tristeza, é claro. Ninguém vive sem sentir o gosto dos diferentes venenos que ingere. Porém, há remédio para tudo, isso até hoje você diz. Você pratica e ensina que há antídoto para as agruras; que existem meios e formas para superar qualquer barreira da vida; que não é necessário beber veneno, mas se for inevitável engole-se aos poucos para depois vomitá-lo todo. Então você vomita. Muitas passagens da vida são venenosas e a ação do tempo é emética, aprendo.

Não posso me arriscar a duvidar. Você foi feliz e sofre hoje. Todavia, a sua felicidade acabou no momento em que a paixão incrustou definitivamente, acho, assim como a tinta na parede, como o asfalto no leito da rua, como a cola no papel. Ora, você sabia da durabilidade das coisas porque consertou mil objetos. Sabia que nem tudo é resgatável, gastou horas e sentimentos lidando com minúcias para não esgotar a paciência. Perseverava sempre, até o limite técnico de sua vocação de engenheiro e alma de artesão incomparável. Sim, você sabia que a parede tomba com a violência do temporal, que a tinta escurece e descasca com as intempéries, que o asfalto rompe com o tráfego dos veículos, que a rua desnivela com as erosões, que a cola desgruda com as variações da temperatura, que o papel rasga e amarelece com o manusear constante. Você sabia tudo isso, mas levou tempo para admitir.

Você embala a rede que me roça as pernas. Eu afago seus cabelos brancos com uma ternura de me causar surpresa. Nós sempre fomos amigos, mas havia uma barreira. Talvez a do excesso de respeito, pelo que a aproximação arrefecia. Foi preciso tempo e esta situação para que eu me decidisse amá-lo com toda a força do meu coração, entendo-o agora, dizendo dentro de mim e, se eu quiser, bem alto e retumbante, um Eu Te Amo para impregnar este quarto onde mora a intimidade de sua memória, onde você cultiva sua solidão particular.

Há uma relação inquebrável, uma linha, um foco de luz entre seus olhos e a tela. Nela você penetra aos poucos. Eu deixo, porque a luz é sua, a transcendência é clara. Suas mãos emitem uma aura azul.

Você não percebe que eu desliguei a luz. Você enxuga uma lágrima cadente com a mão esquerda no rosto brônzeo e transmigra com os olhos fixos para dentro da figura tão bem pintada por um artista amigo da família. Com as mãos em seus cabelos acaricio, talvez, a necessidade de seu sonho. Sinto que alimento sua satisfação, embora a sua dor esteja explícita no cenho errado, duro, mas substancialmente alinhado agora. Você não parece ter a idade que tem. Eu observo seu rosto pelas réstias de luz fugidas da sala vizinha, através das frestas das tábuas. Há nele inevitáveis rugas. Mas um sorriso paira em sua boca. Um enigma.

O passado corre no quarto como um rio de volta para a nascente. Recordo suas velhas histórias. Longas e quase inacreditáveis. Histórias amazônicas, histórias que, sabemos, são verdadeiras, pois você nos ensinou que a mentira não é necessária, é sempre uma coisa dispensável. Todas elas traziam a liberdade sonhada nos quintais. Todas abrangiam um mundo particularizado, impenetrável porque aconteceram antes da devastação da floresta, o que tanto o entristece e o preocupa quando assiste aos jornais da televisão. Fogo, antes, só o fátuo – a ilusão. Eu criança e mesmo já adulto absorvia os mistérios dos seringais, as técnicas descobertas por extrema necessidade no meio da selva, e o idolatrava quando contava das farras feitas com seus irmãos, sempre aprontando alguma. Ríamos muito no final dessas histórias.

Um sentimento enorme tomava conta de nossa família. Você encanecia rápido, dizia que não era de preocupação, era genético. Mas eu sabia. Sabia quando você se preocupava, porque depois do almoço, quando mamãe saía para o trabalho, você ficava se embalando numa rede larga, de cor branca, fixando a vista em algum ponto da parede, assim como o faz agora na direção deste quadro. Depois saía sozinho, de bicicleta, ganhando a tarde.

Só você e ela sabiam das dificuldades que nos afligiam. Nós, os filhos, tínhamos o que queríamos e o que pedíamos no limite de nossa pobreza. Nunca reclamamos de nossa infância. Éramos felizes e tentamos até hoje dar um sentido racional a ela, sem, contudo, perdermos o vínculo do encantamento pretérito com a chuva de desencantos que às vezes caía sobre nós. Há um remédio para cada veneno. Lembra? Você não lembra. Está quintessenciado.

Será que erramos com a ideia do presente? Assim você sofre demais, deixando transparecer a debilidade do corpo que balança a rede. Você ainda me abraça e olha o perto/longe. Está lá dentro conversando com ela, caminhando nos paralelepípedos da cidadezinha do interior, de mãos dadas, com seu termo de linho branco, galante e contente, demonstrando o seu amor, inclusive às solteironas invejosas das janelas coloniais. Você sobe a ladeira com um sorriso de homem maduro. Mais alegre, ainda, é ela, a professorinha da Prefeitura Municipal, a desfilar com a graça de seu andar miúdo e um sorriso fulgurante, ajeitando de vez em quando a rosa amarela presa aos cabelos negros. É final da tarde de domingo.

Você a imagina assim, como no retrato. O retrato azul, transposto e ampliado de uma velha foto da década de 40. Minha impressão é que você confunde o real e o imaginário. Permanece o silêncio. Nós dois aqui.

Ah, falta o violão, imagino eu, para que você dê uns acordes harmônicos e cante músicas do seu tempo. Valsas, valsas. Mas o silêncio é seco. É áspero. É doído. Acho então que não estou errado. Seu semblante está feliz, está tocando, está ouvindo músicas. Não há amor sem música. Para ela havia muitas, dessas que entrelaçam e fortalecem uma relação aparentemente ingênua.

De repente você escuta o apito de um navio passando longe. E a convida para viajar, conhecer outras terras, começar a vidinha a dois. O apito do navio transporta o engano do futuro. Você é um aventureiro nato. Não desiste nunca. Mas não impõe. Os dois vão viajando trinta e poucos anos. E gostam. Não enjoam jamais da cara do outro. As brigas que se sucedem são só de vocês. Ai daquele que meter a colher.

Até parece que ela vive. Você devaneando me faz acreditar. Eu acredito. Você me diz: – Eu não estou triste, só lembro.

Lembrar é fato legítimo. É viver o presente com lucidez. E você vive. Apenas viajou.

Paro de afagar sua cabeleireira branca. Você me abraça e não me olha. Sei, no entanto, que está sorrindo, que está feliz. Você levanta, me dá três tapinhas nas costas e vai assuar o nariz no banheiro.

Acendo a luz fluorescente. Olho o retrato mais uma vez. O quarto está repleto de luz. Mamãe está sorrindo na tela com os olhos molhados de ternura.

“Diabo Assado” – Por Fernando Canto

Por Fernando Canto

Aos 30 dias do mês em curso, na Delegacia de Ordem Social e de Bons Costumes Tradicionais, onde se achava presente o senhor Bacharel e doutor Degelado, digo, Delegado, o escrivão do seu cargo ao final assassinado, digo, assinado, e o acusado, este confessou que na noite anterior dançou uns bregas num lupanar denominado “Casa do Calipso” e depois pegou um táxi acompanhado de sua namorada, a menor N.E.M. de 16 anos, a quem convidou para dormir em sua casa, sita à rua Maria Eudóxia, s/nº, bairro dos Prazeres. O indivíduo acusado que tem a alcunha de “Diabo Assado” é um perigoso meliante que tem inúmeras entradas nesta Delegacia por assalto à mão armada e lesões corporais. Ele disse ao titular da DOSBCT que achava que não morava gente na casa do lado da sua e que resolveu se refrescar tomando um banho de piscina em companhia de N.E.M. às 3:00h da madrugada. “Diabo Assado” disse ainda que a noite estava quente e escura por isso resolveu ficar nu, e se caso alguém aparecesse não iria notar. Tomou então quatro garrafas de “duelo”, digo, garrafas de cachaça “duelo”, e viveu momentos de rei com sua namoradinha menor de idade.

Também disse que acordou meio “coiote” de tanto “goró” e com uma arma apontada para seu nariz. Reclamou que levou um chute no meio das pernas de um policial violento e que até o presente momento dói muito. Falou ao doutor Delegado que não se arrepende do que fez, e que seus vizinhos são uns burgueses chatos e metidos a bestas e até humilham os vizinhos pobres com aquele casarão bonito e quase desocupado, mas que quando sair daqui vai acertar as contas. O doutor Delegado perguntou por que ele matou a namorada N.E.M, e ele, surpreso, respondeu que achava que não tinha sido ele porque gostava muito dela e que só lembrava de tê-la jogado na piscina para ver se ela aprendia a nadar como um boto.

Nestes termos lavro o presente interrogatório que vai por mim assassinado, digo, assinado, nestes dias de dicífel, digo, difícil convivência pacífica entre vizinhos.

*Do livro “Equino CIO – Textuário do meio do Mundo”. Ed. Paka-Tatu, Belém, 2004.

O evangelho segundo eu – Conto de Ronaldo Rodrigues

Conto de Ronaldo Rodrigues

Quando Jesus reuniu os apóstolos para a Santa Ceia, a proposta já estava firme em sua mente. Para espanto geral dos apóstolos, Jesus falou muito diferente, sua voz soou num tom bem acima do que costumava ser:

– Pois bem, senhores. Esta reunião é bem mais que uma ceia. É neste momento que começa a grande revolução.

Pedro sentiu o assombro nos olhos dos outros apóstolos e falou:

– Mas, mestre… O que o senhor está dizendo? A grande revolução já começou há muito tempo, quando o senhor passou a falar do amor que deve existir entre os seres humanos.

Com os olhos resplandecentes, com um fulgor muito mais forte do que o de costume, Jesus ordenou que retirassem os pães e o vinho que seriam consumidos na ceia e desenrolou um pergaminho sobre a mesa:

– Eis o plano. Tudo foi meticulosamente arranjado. A tarefa de cada um de nós, os horários e os locais de cada ação. Tomaremos o poder e libertaremos nosso povo da servidão que o Império Romano vem nos submetendo há tanto tempo.

Tomé, que estava um pouco apartado do grupo, se aproximou do pergaminho:

– Perdão, mestre, mas o senhor sabe: só acredito vendo.

E passou a examinar o pergaminho. A cada ponto que se aprofundava na estratégia ali determinada, sua perplexidade aumentava.

Os demais apóstolos também reagiram dessa forma, exceto Judas, que tomou a palavra:

– Então, mestre, o senhor chegou à conclusão de que a nossa vitória se dará através da espada e não da palavra, aquilo que o senhor sempre defendeu? Eu não precisarei entregá-lo ao exército romano e à sanha da elite judaica, para que o senhor, se sentindo pressionado, tome a rédea da situação? Meu nome na história não será sinônimo de traição?

– Isso mesmo, Judas. Seu nome será coberto de glória. Você será lembrado como um dos maiores comandantes desta guerra.

E distribuindo as espadas entre os apóstolos, falou com a autoridade de quem tem Deus ao seu lado:

– Vamos à rebelião, senhores! E podem acreditar: ainda hoje entraremos triunfais no paraíso!

Caixinha de Música – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Eu achei a caixinha de música no sótão. O estranho é que desde os doze anos eu não subia ao sótão. Eu achava que era por preguiça de subir os quase quarenta degraus da escada em caracol.

Culpava também meus acessos de espirros no contato com pó. E como havia pó no sótão. Dentro dele os móveis de minha avó estavam cobertos com panos e pareciam túmulos.

Última vez que eu havia estado no sótão foi por ocasião de um jogo entre os times da escola em que criamos bandeiras e eu precisei de pano colorido. Mesmo assim desci rapidamente, largando a única janela aberta o que fez com que mamãe durante a primeira chuva, vendo aquele rio de água descer pela escada, me aplicasse umas palmadas. Hoje eu sei. Eu tinha medo era do escuro do sótão. Tinha medo do seu espaço sempre em silêncio.

Depois achei a caixinha de música. Não, aí então eu criei coragem. Mas também eu já tenho oitenta anos. Agora subo as escadas com o auxílio de uma bengala de cabo rugoso. Lentes de grau espessas e uma paciência que nunca imaginei que criasse. Um pé por vez, pausadamente, como se ensaiasse um passo de balé. Demoro muitos minutos para vencer todos os degraus da escada. E cada dia parece que ela ganha um novo degrau. Antes eu os conferia. Agora deixei de fazê-lo.

Às vezes a roupa me pesa um pouco a mais e eu me dispo, atiro a calça, a camisa, a cueca e os chinelos escada abaixo e eles caem com um barulho de lata no chão. Deve ser pelos botões da roupa e o chinelo com biqueira de aço antiderrapante. Não tenho medo de atingir ninguém com meus pertences. Moro só. Todos partiram.

Da única janela do sótão posso vê-los. Digo, posso ver suas lápides que eu mesmo fiz com um desenho único para cada uma das cinco cruzes no jardim. A menor é a do nosso cão. Morreu de uma descarga elétrica. O único cão que eu soube que morreu atingido por um raio quando urinava debaixo de uma tempestade, em sua árvore favorita.

Da janela eu vejo cada um deles. E ela minha esposa. Era dela esta caixinha de música. Ganhou de presente num bingo da Igreja, mas nunca se afeiçoara a ela. Certo dia quando eu quis saber onde estava respondeu que havia perdido.

Quando ela morreu atropelada por um bando de borboletas enlouquecidas em disparada, fugindo de um incêndio, procuraram a caixinha para entreter uma menina de nome Anne Frank que chorava no velório, entediada. Ninguém a achou. Ficou por isso. Esta ocasião já morava aqui onde moro hoje. A casa era recém-construída. Eu recém-viúvo, os óculos recém-comprados, a unha recém-cortada e ela recém-vítima.

Fazia trinta anos que eu viera de Macapá. Nunca mais regressara. Fiquei só. Desliguei-me do emprego e comecei a pintar. Pintei as cercas que circulam a casa. Os muros. Os sacos de supermercado. As paredes da casa. A mim mesmo. Pintei-me todo.

Por fim não havia amigos que me visitassem ou que me telefonassem, cobrando notícias. Os dias eram enormes e as noites eram dias escuros. Não tendo nada mais a pintar.

Eu ia ao sótão todos os dias. E acionava a caixinha de música. Ouvia as melodias que eram cinco. Ouvia-as inteiras por várias vezes. Depois com saudades de todos, chorava. Estranhamente, um dia, comecei a pintar as lágrimas.

Luiz Jorge Ferreira

*Do Livro Antena de Arame – Rumo Editorial – 2ª Edição (2017) – São Paulo – Brasil

O SALto mortal do peixE engAsgaDOR – Conto de Fernando Canto

Conto de Fernando Canto

Todos riam sem acreditar na história que eu contava. Aí, eu tirava logo da carteira um amarelo recorte de jornal e mostrava a eles que não era mentiroso. Ainda comentava que o jornal concorrente publicara àquele dia o fato, a foto e a desgraça de um cara muito azarado que morrera de má sorte entalado por um peixe.

O pescador infortunado Natan Coelho de Tal saiu com mais dois amigos numa pequena canoa no Furo do Maguari para pescar douradas e garantir o alimento da prole faminta e doente. Aproveitaram a lua cheia para tomar umas pingas enquanto os peixes brincavam com caruanas loirinhos ali no fundo do rio.

Natan Coelho de Tal, o primeiro a se embriagar, deitou-se na canoa ressonando seu cansaço de trabalhador e pai, bocejando a toda hora com a face para o luar, sem esperar a desdita que o rio ali lhe ofertava.

Foi então, bem de repente, que um peixe prateado pulou de dentro d’água e se alojou na garganta do pescador desgraçado. Ele acordou-se sofrendo, mas nenhum dos seus amigos entendeu o que se passava.

Só depois de muito tempo quando o sangue do infeliz fugia pelos buracos é que foram compreender o que havia acontecido. Então levaram Natan para um hospital da cidade, em vão, porque no caminho o pescador já era morto. Mortinho como o tal peixe que numa noite enluarada morreu por falta de ar.

*Do livro “Equino CIO – Textuário do meio do Mundo”. Ed. Paka-Tatu, Belém, 2004.

DE QUE MORREU LÁZARO? – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Olhou os dois camelos no chão, lado a lado, babando e estrebuchando, como se picados por cobra. Mas ali, não havia cobras. Adiante, os demais que ele separara de manhãzinha estavam moribundos. Puxou a barba até sentir dor. Era assim que fazia quando muito preocupado. Com esses, já eram seis animais que adoeciam e morriam sem que ele pudesse fazer alguma coisa. Um deles era de Madalena. Nem havia contado para ela. Há dias não via a irmã. Estava apaixonada pelo novo profeta. Andava por toda a Galileia seguindo Nazareno.

Abaixou-se próximo aos animais e fez-lhes beber a infusão que preparara. Ficou apertando os focinhos até que engolissem. Estava sozinho. Todos tinham ido ouvir Nazareno, inclusive sua mãe que fazia oferendas de animais vivos ao Bezerro de Ouro do Templo. Partira com suas irmãs para ouvi-lo pregar.

Afastou-se dos animais, entrou na cabana e deitou-se. Pensou na possibilidade de Nazareno saber um remédio para curar a doença dos camelos e, assim, fazê-los sarar. De uma feita, encontrara o junto com seus seguidores em uma festa de casamento. Pareceu-lhe um homem despojado, apesar da grande fama de profeta. Madalena, em determinado momento, o pegou pela mão e levou-o até onde estavam sentados.

“- Este é Jesus.”- disse. Abraçou-os, como costume da região, mas não ficou entre eles. Soube que a certa altura da festa faltara vinho e ele enchera os tonéis com água e a transformara em vinho. E dos bons, pensou, lembrando se de como saíra da festa. Fora levado, como um menino, pelas mãos de Marta. O engraçado era que toda a vez que se lembrava de Nazareno, era invadido por uma sensação estranha, como se ele estivesse próximo. Podia sentir um cheiro de alfazema, contrastando com o cheiro de camelo que sentia em si mesmo. Passou a mão na cabeça. Suava muito. Estava calor, mas sentia muito frio. Puxou a pele de cabra aos pés por cima do corpo e enrodilhou-se todo. Quando amanheceu de novo, um cheiro fétido veio lá de fora. Com certeza os animais haviam morrido. Tinha que se levantar e enterrá-los. Logo seus corpos atrairiam os abutres. Sentiu que não tinha forças. Olhou para os pés inchados, sentiu a boca seca, e o corpo cheio de nódulos. Estava doente assim como os camelos. Esforçou-se para chamar alguém. Porém estava só. Pensou gritar por Madalena. E gritou em pensamento bem alto!

Dias depois, apreensivas, elas de longe avistaram o redemoinho dos abutres sobre os animais. Os dois camelos sobreviventes deitados moribundos sedentos. E dentro da cabana estava Lazaro. Semi coberto. Hirto. Morto. Devia estar assim há mais de três dias. As feridas já estavam cheias de vermes. As mulheres se desesperaram. Quem as iria sustentar? Mantinham-se pelo trabalho dele no trato com os animais. Trabalho de homens.

Madalena tomou de volta a trilha. Tinha que encontrar o Nazareno e convencê-lo a ver Lazaro. Já o assistira erguer os aleijados, aprumar os tortos, dar luz aos cegos, fazer ouvir os surdos. As outras mulheres ficaram umedecendo Lazaro com óleos numa tentativa inútil de amenizar o ressecamento que lhe apergaminhava. Ela o encontrou na casa de um dos Escribas que lhe dera pernoite, sem cansar de ouvir admirado as palavras que saiam de sua boca. Os guardas levaram Madalena até o interior da casa. Madalena contou o que se passara com os animais e com Lazaro.

“- Descanse um pouco.” – disse-lhe. “- Logo vamos.” Deram-lhe água fresca e alimentos. Partiram antes da quinta hora. O Escriba fez questão de ir. Seguiu com um séquito de mais de trinta empregados. Andaram rápido, porque Nazareno, acostumado a caminhar longos trechos, andava a passos largos. Ao se aproximarem, podiam sentir o cheiro forte dos animais. As mulheres tinham jogado terra sobre eles sem, contudo, enterrá-los. O escriba derramou óleo perfumado sobre as vestes antes de descer na porta da cabana. As mulheres se afastaram e Nazareno sentou-se ao lado de Lazaro que estava escurecido, todo molhado de óleo, encolhido em torno de si. O escriba e todos os outros com panos na mão cobriam o nariz. Ele olhou Lazaro coberto da cabeça aos pés, colocou seu rosto sob a pele de cabra que o cobria e o chamou soprando em seu ouvido, como se lhe contasse um segredo. Um vento trouxe uma poeira fina do terreno ao redor que encheu o cômodo. O cheiro fétido sumiu e surgiu um cheiro de alfazema, estranhamente, vindo do quintal junto com a fina poeira que invadiu o lugar onde estavam. Lazaro continuou a gritar por Madalena. Era como se estivesse com a boca cheia de tâmaras e vinagre em um tempo só. O pior é que tudo estava longe e perto ao mesmo tempo e o olhar parecia olhar e não entender o que olhava. Tudo parecia galopar rapidamente em seu pensamento de frente para trás. Foi ficando mais forte o cheiro de alfazema e quando abriu os olhos, sentiu a presença dele ao seu lado.

Antes de olhar seu rosto, sabia que ele ali estava presente. Abriu os olhos. Ele realmente estava sentado ao seu lado com a cabeça encostada ao seu ouvido. Não o ouvia falar nada. Era como se o chamasse, sem dizer, uma palavra. Logo pensou. Estava surdo! Olhou espantado a multidão. E o que fazia ali toda aquela gente? Até um escriba em sua casa? Olhou para Nazareno, parecia que repetia seu nome, mas não percebia mexer os seus lábios. Os outros movimentavam a boca pareciam dar graças aos céus, aos gritos. Mas ele não escutava suas vozes, só enxergava suas bocas em movimento, seus pescoços túrgidos e suas mãos erguidas. Madalena veio em sua direção. “- Minha irmã!” – falou, mas nenhum som saiu. Estava mudo!

Nazareno levantou se do seu lado e foi em direção a porta. Os outros se ajoelharam. O escriba tomou sua mão e a beijou. Sua mãe e suas irmãs e os outros saíram com ele. Pareciam tão felizes… Sozinho, Lazaro tentou se erguer, mas estava muito cansado parecia ter caminhado muitos dias sem beber e sem comer. Pensou nos animais lá fora. Se Nazareno houvesse chegado antes teria ensinado uma poção para curá-los.

As pessoas foram se afastando no caminho de volta a Vila de Karfun. Porque tinham vindo ter com ele até sua casa? Pensou consigo sem entender nada. Enquanto levantava cambaleante em direção ao poço de água, ouviu o barulho dos camelos agora curados.

*Conto do livro Antena de Arame – Editora Rumo Editorial – 2ª Edição (2018) – São Paulo – Brasil.

Frases, contos e histórias do Cleomar (Parte VIII)

Tenho dito aqui, desde fevereiro de 2018, que meu amigo Cleomar Almeida é cômico no Facebook (e na vida). Ele, que é um competente engenheiro, é também a pavulagem, gentebonisse, presepada e boçalidade em pessoa, como poucos que conheço. Um maluco divertido, inteligente, gaiato, espirituoso e de bem com a vida. Dono de célebres frases como “ajeitando, todo mundo se dá bem” e do “ei!” mais conhecido dos botecos da cidade, além de inventor do “PRI” (Plano de Recuperação da Imagem), quando você tá queimado. Quem conhece, sabe.

Na mesma linha da PRIMEIRA, SEGUNDA, TERCEIRA, QUARTA, QUINTA, SEXTA e SÉTIMA edições sobre seus papos no Facebook, mais uma vez selecionei alguns de seus relatos hilários na referida rede social. Saquem o sétimo capítulo dos disparos virtuais do nosso pávulo e hilário amigo. Boa leitura (e risos):

Papa

Se o Papa que é Santo perde o controle, avalie eu, que sou meio doido!

Governo Bozo

Esses bichos não gostam de professor, de estudante, não gostam de índio, de preto, não gostam de árvore, de funcionário público, não gostam de mulher, de viado nem pensar, não gostam de empregada doméstica. De onde saíram esses filhos de putas, que só sabem não gostar?

Não dá

Alguém avisa a moçada aí que não dá pra ser nazista, índio, negro e latino americano ao mesmo tempo.

BBB

Vendo o Piong levando esporro em rede nacional, lembrei de meu amigo Cayo Mira, que ainda ontem me dizia – “Negão, a birita antes de te matar, ela te humilha, te faz passar vergonha!!!”

Parasita

Se eu tivesse votado no cara, e o ministro dele viesse me chamar de parasita, eu ia ficar muito puto. Fica putinho não, tu não podes nem reclamar.

Samba e beleza

Sobre o Show do Diogo Nogueira, apesar de muita gente achar que somos muito parecidos, devo admitir, ele canta melhor que eu.

Prejuízo

Os eletrodomésticos aqui de casa parece que adivinham quando meu pagamento vai sair.

Vírus transfronteiriço

Eu morrendo de medo do Corona Vírus, afinal já chegou na França, logo alí, passando o Oiapoque.

Panemagem

Povo falando da abstinência no carnaval e aí eu te pergunto, na real, quantos carnavais faz que tu não comes ninguém? Preocupação desnecessária!

Blefo

Agora a pouco fui buscar minha filha no shopping e vi dois caras quase brigando por causa de uma vaga daquelas de beira de rua. Se tu não tens dinheiro pra pagar nem o estacionamento praga, o que diabos tu vais fazer no shopping? Tá liso, faz que nem eu, fica em casa miséria!!!!

Corona Vírus e Olimpíadas

Minha mulher vendo a reportagem sobre o Corona Vírus e o adiamento das Olimpíadas:
– Eu é que não iria pra essa Olimpíada.
– Ei bonita, não iria não, tu não vais, com ou sem Corona Vírus! ??

Bolsonaristas

Bicho, se tu és Bolsonarista, nem perde teu tempo mandando solicitação de amizade, aqui só terás aporrinhação.

Velocidade no diagnóstico do boato

O primeiro caso de Corona Vírus demorou quase dez dias pra ser diagnosticado em São Paulo, aqui em Macapá em duas horas a gente já confirmou. “A gente semos foda!”

Ronaldinho Gaúcho

Toda vez que você se sentir meio abestado, lembra do Ronaldinho, que usou um passaporte falso pra entrar no Paraguai.

Verônica, a submersa (conto porreta de Ronaldo Rodrigues)

Quando Verônica chegou em casa eu era uma criança a mais numa família de noventa e oito irmãos. Naquela cidade eram comuns famílias numerosas, que envelheciam muito cedo.

Verônica, quieta, tranquila, limitava-se a permanecer no fundo do tanque que lhe fora destinado. Comia pouco, apenas algumas algas que brotavam nas paredes do tanque. Parecia resignada, mas havia algo de resoluto em seus movimentos. Uma silenciosa determinação. Uma calma revolucionária, que tanto afligia quanto encantava. Sua diáfana presença a tornava forte, intacta.

Verônica gostava da minha companhia. Nos entendemos bem desde o primeiro olhar. E sem trocar palavras. A cumplicidade de nosso silêncio nos bastava. E nos fortalecia.

O silêncio selou um pacto entre nós. Eu arquitetei um plano para tirá-la daquela casa onde aprisionavam lindas mulheres em tanques frios e não davam a mínima atenção. Deixavam lá, no fundo do quintal, como prova de algo que eu não conseguia compreender.

Verônica era altiva e simulava distância de sua condição de prisioneira. Quando eu entrava para dormir, ficava imaginando Verônica entre as pedras do tanque. Linda. Enigmática. Verônica.

Finalmente, chegou o dia de realizar o plano. Acordei bem cedo, antes de todos. A casa era enorme e foi trabalhoso atravessá-la no escuro, desviando de tantas redes.

Eu estava fugindo de casa levando Verônica num aquário gigantesco, roubado no dia anterior. O aquário, preso a uma plataforma com rodinhas, era frágil, mas daria para chegar até o rio.

Rapidamente, Verônica foi remanejada do tanque para o aquário. Tudo aconteceu conforme o plano e chegamos ao rio antes que dia clareasse. Eu estava esgotado pelo esforço de empurrar aquele aquário imenso pelas trilhas tortuosas da floresta. Verônica me animava com seu olhar completo, inquebrantável.

E foi com o olhar que Verônica me fez compreender que nossa história de amor era impossível. Eu não poderia acompanhá-la, por não poder viver dentro d’água. Ela não poderia ficar comigo, por não poder viver fora d’água. Era uma barreira definitiva. Eu precisava compreender.

E compreendi. Verônica foi lançada ao rio e mergulhou bem fundo até desaparecer. Antes, acenou com os olhos, que transbordavam lágrimas iguais às minhas. A lembrança de seus olhos ficou comigo pelo caminho de volta para casa e por toda a minha vida.

Outras mulheres foram morar no velho tanque, ao longo dos anos. Belas e silenciosas como Verônica, que também precisavam de liberdade. Mas eu já estava velho demais para pensar em libertá-las. Como disse no começo desta história, envelhecia-se muito cedo naquela cidade.

Ronaldo Rodrigues

Pássaro de guardanapo – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Poeta Isnard Brandão (e outra pessoa que não sei que é)

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Lembrando de Isnard. Quando me perguntavam uma definição sobre ele eu dizia: com medo de viver o presente, vive a adivinhar o futuro. Quando eu ia a Macapá com mais frequência, sempre ia encontrá-lo ali no salão de barbeiro do Seu Aprígio, duas ruas adiante da Praça Veiga Cabral, lendo o jornal do dia, de costas para a porta para não ser incomodado pela brisa que soprava do rio – e levantava uma fina poeira amarela vinda da rua ainda mal amanhecida – em direção a seus olhos.

Poeta Isnard Brandão

Falava do zodíaco, curtia muito falar dos desgostos de agosto na política da confluência de Marte e Vênus. E quando me encontrava, me abraçava, tomava minha mão e lia a linha da vida, alertando-me sobre os perigos do coração. E sobre sentimentos, dizia: “O que eu não gosto em você – apontando o indicador contra meu peito – é esta mania de pássaro migrante, sempre de volta; recordar é sofrer várias vezes. É esta mania tola de querer amar todas as mulheres que cruzam seu caminho. Amor é uma arte, é um sorteio.” Recitava Camões, e dizia um trecho de Drummond. Cantava Edith Piaf, até que eu fingisse dançar, e ele engasgasse de rir.

Poeta Isnard Brandão

Da última vez que com ele estive, caminhamos juntos algumas quadras, e atiramos pedras a esmo em alguns cachorros que dormiam a sesta. Entramos praça adentro marchando como o exército de Brancaleone, chutamos restos de lanches, sacos de pipocas e algumas formigas saúva. Isnard apontou o rio, descreveu sua importância para a vida naquela região, criou algumas teorias como a da criação de um futuro deserto na Amazônia, e a inundação do Saara. Brincou com a ideia de pescar tilápias em Jerusalém. Esclareceu como faria para caminhar sobre os Oceanos, e voar entre os Andes para espantar algum condor distraído.

Antigo Fórum de Macapá, hoje sede da OAB (Wagner Ribeiro/2009) – Imagem encontrada no blog “Amapá, minha terra amada”.

Quando passamos próximo ao fórum que fica à beira do rio, bateu palmas, para despertar os dois leões de mármore esculpidos e postados ao lado da entrada do fórum. Gritou impropérios em alemão – que eu descobri serem trechos da fala de um herói nórdico de um Gibi muito conhecido entre os moleques macapaenses.

Descemos pela margem toda murada, sobre a calçada entre as bicicletas pra lá e pra cá, ele descrevendo o enigma da influência do zodíaco sobre os corações. Eu escutando atento, evitando olhar em direção ao vento que trazia poeira tão ardida para os olhos. Lá fora, na baía, os botos brincavam às dúzias.

Poeta Isnard Brandão

Isnard caminhava falante e lento, atento como se falasse para dentro e se admirasse com sua própria voz anasalada. Andava em zig-zag como a retraçar a margem esquerda do Amazonas e descrevia a abóbada celeste e o posicionamento das constelações. Vez por outra apontava para o meu coração como a convencer-me que era algo supérfluo. Nesta ânsia de me convencer, quase fez com que eu jogasse por terra o sorvete de abacate.

De repente passou por nós um amigo comum, que nos viu e veio nos abraçar. Isnard não conhecia muito ele e foi embora. Foi a última vez que o vi. Antes de se despedir, pediu-me que lhe dissesse alguma coisa nova: conto, poesia, coisas que houvesse feito e que ele ainda não havia escutado. Contei-lhe Caim e Abel. Ficou em silêncio dobrando entre os dedos da mão um guardanapo.

O outro amigo bateu palmas quando terminei. Nem havia necessidade. Todos dois conheciam o meu trabalho. Sabiam coisas que eu mesmo já havia esquecido.

Isnard deu-me um pássaro feito com o guardanapo, e se foi. O outro amigo presenteou-me com um CD de Taiguara e a fotografia de um pôr-do-sol ali na frente do hotel, com o flagrante de duas araras voando rasantes sobre a amurada do trapiche, talvez vindas de Marajó. Eu viajei de volta para São Paulo e guardei o CD, a foto e o pássaro de guardanapo em uma gaveta usada por mim para colocar meus objetos mais importantes.

Hoje, sabendo de sua morte, pego-me pensando sobre tudo isso. Levanto e vou até a gaveta. Acho a chave, destranco e procuro entre as coisas espalhadas os objetos que citei. Encontro o CD, que tantas vezes ouvi. Encontro a fotografia, mas não encontro o guardanapo. Chamo a mulher, chamo a empregada, chamo os meninos. Em vão. Ninguém viu, ninguém mexeu. Acredito. Todos evitam aquela gaveta, tão importante para mim.

Passo um bom tempo da noite escrevendo. De manhã saio sonado para o hospital. Passo o dia mal-humorado. Ligo para Tadeu, o outro amigo presente naquele encontro, e dou-lhe a notícia. “Morreu? Tinha instantes de Mágico, de Bruxo. Puta cara… Mas quando ele começava com este negócio de mistérios, Luiz, então era um incrível.”

A linha caiu, fico em silêncio, riscando com a caneta uns papéis. O telefone toca. Penso que é Tadeu, para dizer-me do outro dia, mas é minha mulher. “Luiz, encontrei o pássaro que você procurava. Está ficando velho, hein, meu caro? Você deu-nos a entender que era um pássaro de guardanapo que havia perdido. Olhando agora de manhã sua gaveta e na fotografia, eu encontrei. Só olhando bem a gente percebe. É branco, com as asas imitando o movimento do voo, perto da amurada, entre as duas araras. Que lindos os três, e o contraste do pôr do sol em suas asas. Por que você não disse logo que era um pássaro feito de guardanapo, mas que estava dentro da fotografia?

E o que você havia perdido era a foto. A gente não tinha procurado tanto…”

*Do Livro de Contos Antena de Arame – Rumo Editorial (2018) – São Paulo – II Edição.