Depois que A Banda passa – Texto porreta de @heluanaquintas

Por Heluana Quintas

Passa a Banda com toda a gente da cidade. Estranhas figuras reptilianas respiram água no mormaço e transpiram sob tecidos coloridos. Para cada penacho molhado, há um milhão de gotinhas de suor varando o poro das lantejoulas e explodindo no choque, no chacoalho e no chão.

A marcha pirada, foliã do improvável, do cenário verde-molhado, conduz uma alegoria movida a vapor de asfalto e um sentimento de disposição para o inesquecível. Acenam galhofeiros, fanfarrões, lambisgoias e no destaque uma mulher de meia rasgada côa assovios entre os dentes.

Chega a noite e todas flores de mangue já estão carnívoras. Sobram pela FAB os brigões, os bêbados e os blefados. Pela manhã, passa nas avenidas, o bloco das sandálias perdidas. É a banda da sandália. No seu curso ímpar, ela é a piada do amigo, o resto da briga, o passo incompleto. Ela é parte do conto inesquecível de alguém, é a prova de que a Banda passou mais uma vez com seu antigo sucesso de mormaço aos vinte e um dias do mês de fevereiro.

O trajeto da A Banda através do tempo e antigos pontos de referência (minha crônica saudosista)

Foto: Maksuel MArtins

 

Crônica de Elton Tavares

Durante mais de 20 anos, saio na Banda pelas ruas de Macapá. Eu e meus amigos esperamos a terça-feira gorda o ano todo, pois a marcha louca e feliz sempre foi um dos dias mais felizes. Como disse minha amiga Rejane: “o coração batuca na esperança de ver a Banda voltar a passar”. Republico essa crônica por motivos de HOJE TER A BANDA mais uma vez. 

A Banda, maior bloco de sujos do Norte do Brasil, tem o mesmo trajeto nestes 58 anos de existência, mas o que ficou pelo caminho do tempo nestas mesmas ruas de Macapá? Fiz uma espécie de resgate (um tanto desordenado) de vários locais que povoam a memória afetiva do macapaense. Deixa suas lembranças agirem e vamos lá:

Foto: Arquivo da PMM

O ponto de partida do bloco, o mais popular dos festejos de Momo no Amapá, é na esquina da lanchonete Gato Azul e a loja Clark. Os foliões seguirão pela frente da loja A Pernambucana, dobrarão na esquina do Banco Bamerindus (pois “o tempo passa, o tempo voa…); Farmácia São Benedito; Moderninha e da Banca do Dorimar. As pessoas se trombam ao redor dos trios e carros de som. Todos molhados de suor, ou chuva.

A folia desce a Rua Cândido Mendes e o trajeto passa em frente também da Irmãos Zagury – Concessionária da Ford; Farmácia Modelo; do Banap; lojas São Paulo Saldo; Esplanada; Cruzeiro; Hotel Mercúrio; Casa Estrela; Casa Marcelo; Setalar; Tecidos do povo; Tecidos do Sul; A Acreditar; Casa Estrela; Beirute na América, ponte do Canal; Banco Econômico e Farmácia Serrano. Pelo caminho, muitos se juntarão a multidão.

Os foliões passarão em frente a Fortaleza de São José de Macapá, dobrarão na esquina da Yamada, subindo pela lateral da Feira do Caranguejo, em frente a boate Freedom e subirão a ladeira até o supermercado Romana, na esquina, a curva do Santa Maria. Sempre com os ritmos levantam nosso astral.

A marcha alegre seguirá pela Feliciano Coelho, onde a maioria já estará possuído pela cerveja, passará pelo Urca Bar; Leão das Peças; Cine Veneza e Farmatrem. A Banda chegará à Esquina do Barrigudo, na Leopoldo Machado. Continuará a passar em frente a Acredilar, lanchonete Chaparral, Casa Nabil, Hotel Glória e Baby Doll. Na brincadeira terá folião de toda idade, a maioria na maior curtição, sempre driblando os poucos que querem confusão.

Hoje tem de novo e com a mesma magia. Bora pra A Banda!!

É Carnaval, é a doce ilusão, é promessa de vida no meu coração – (Crônica de Elton Tavares sobre a maior festa cultural brasileira)

Tá rolando ,ais um Carnaval, a maior festa popular do Brasil. Amo Carnaval, particularmente do de rua. Carnaval é paixão, só entende quem sente. Para aqueles que acham tudo uma grande besteira, azar o de vocês, pois não sabem curtir a maior festa cultural brasileira.

Macapá já teve bons carnavais de clube. Na época, os foliões compravam temporadas carnavalescas, bons tempos. Cresci no meio de gente alegre: meus pais, tios e os amigos deles, todos “pulavam” nos bailes carnavalescos mais disputados da cidade. Eram realizados no Trem Desportivo Clube ou no extinto Círculo Militar (esse mais elitizado). Ainda adolescente participei de muitas dessas festas memoráveis.

Esse ano, desfilarei mais uma vez pela minha amada Piratas da Batucada, como faço desde 1990. O lance é curtir o Carnaval, a emoção e a alegria que ele proporciona. Afinal, “todo mundo bebe, nas ninguém dorme no ponto”. Mentira, muitos passam sim, mas a gente gosta assim mesmo.

Não tenho ziriguidum, não toco surdo de repique, tamborim ou bumbo, tudo pra não atravessar o samba. Também não sou pierrô e nem palhaço, mas já fui Rei Momo e serei sempre pirata.

Sim, sempre fui um folião de raça. E nem me venham com o lance de ser “pão e circo”, isso é argumento furado de quem não entende que essa é a maior festa popular do Brasil. Cheio de memória, arte, homenagens, é muito mais que uma disputa de agremiações em uma grande passeata festiva.

O Carnaval é inspiração, vibração, talento, organização, imaginação, arte, luz, cores, alegria, magia e amor. Fala de nossos costumes, história e tradições. Um contagiante evento de luz, cor e muita alegria. Sem falar na importância que possui para a economia.

Tô louco pra andar todo o percurso de A Banda (risos), a louca marcha alegra. Sim, também estarei naquela multidão de máscaras coloridas e fantasias hilárias. Vamos botar pra quebrar nas ruas de Macapá. Como diz a velha marchinha do remador: “Se a canoa não virar, olê, olê, olá, eu chego lá”.

Enfim, o Carnaval é festa que contempla as tradições e a história afro-cultural brasileira e nos dá a falsa sensação de liberdade, música, suor e alegria. Como diz o samba: “É Carnaval, é a doce ilusão, é promessa de vida no meu coração”. O que resta é esperar a cor que virá depois do cinza. E ela virá (se Deus quiser). Afinal, a festa da carne é isso: ludicidade, beleza e esperança. Tenham todos um ótimo Carnaval!

Elton Tavares

A genial jornalista e escritora/poeta Alcinéa Cavalcante gira a roda da vida. Feliz aniversário, querida amiga! – @alcinea

Sempre digo aqui que gosto de parabenizar neste site as pessoas por quem nutro amor ou amizade. Afinal, sou melhor com letras do que com declarações faladas. Acredito que manifestações públicas de afeto são importantes. Neste décimo nono dia de fevereiro, a jornalista e escritora Alcinéa Cavalcante gira a roda da vida e lhe rendo homenagens.

Alcinéa Cavalcante é brilhante em tudo que se propõe a fazer. Jornalista, escritora premiada, uma das maiores poetas amapaenses, ativa militante cultural, respeitada blogueira, fotógrafa, numismática, apreciadora da Lua, experiente e perspicaz repórter, imortal da Academia Amapaense de Letras (AAL), membro (enjoada e apaixonada por sua verde rosa) da Escola de Samba Maracatu da Favela, esposa do gentil Soeiro, mãe do meu querido amigo Márcio Spot, avó amorosa da Alice, amante de carnaval, degustadora de Chandon, entre outras muitas coisas porretas que a Néa é, é também amada amiga deste editor.

Néa herdou o talento de seu pai, o lendário Tio Alcy Araújo (um cara que eu queria ter conhecido). Literalmente o toque dela, por onde vai, faz a diferença no mundo. Com seus mágicos origamis, espalhava poesia pela cidade na época do seu Poesia na Boca da Noite. Com ela, palavra vira poema ou notícia, informação coesa e responsável, pautada pela sua marca pessoal, a credibilidade. Dia a dia vira retrato de uma paisagem antiga, que a gente não quer esquecer.

Sabem, eu lia a Alcinéa no passado e sempre tive admiração pelo trabalho dela como jornalista. Depois, como poeta. Mas, para mim, ela é ainda mais importante como amiga, conselheira, incentivadora, confidente e protetora (sim, ela protege e é extremamente fiel aos seus).

Já escrevi alguns textos sobre a Alcinéa Cavalcante e sempre repito: Néa é um misto de doçura e acidez. Quando jornalista, suas colocações inteligentes, com pontos de vista diferenciados, o leve humor ácido e a abordagem refinada sobre qualquer tema, fascina leitores. Quando poeta, desperta as melhores sensações em quem lê ou escuta seus lindos poemas, pura ternura.

Adoro quando vou até ela e a gente fica batendo papo (só nós dois) no escritório de sua casa (saudades disso e a culpa é toda MINHA), uma mistura de biblioteca e sala de estar aconchegante. Quando passo tempos sem ir (vou corrigir isso), ela me ameaça e fala que irei para seu caderninho de ex-amigos. Logo dou um jeito de dar as caras, colocar a conversa em dia e rir bastante em sua companhia.

Nea, como carinhosamente a chamamos, é uma pessoa sensacional. Uma mulher do bem, mas que combate o mal com força (e ela é forte pra caramba, pensem numa caneta pesada). Não à toa, nós, seus amigos, a amamos. E é impossível ser diferente.

Alcinéa, querida. Parabéns não somente pelo seu dia, mas por ser essa pessoa lindeza que és. Sou grato pelo apoio mútuo e pela amizade que construímos. É uma honra pra mim ser querido por alguém como você . Que teu novo ciclo seja repleto de luz, saúde, harmonia e paz. Que tua vida seja longa. Que sigas alegrando nossas vidas com teus poemas, sacadas, ironia fina e amor. Sou feliz pela tua existência orbitar a minha. Agradeço sempre pelo apoio contínuo e aprendizado. Que sigas, por pelo menos mais uns 100 fevereiros, com essa alegria, energia e força contagiantes.

Parabéns pelo seu dia e feliz aniversário!

Elton Tavares

Declaração de amor ao Juvenal, meu gato – Crônica de Pat Andrade

Crônica de Pat Andrade

Eu me pergunto se todo o mundo que tem gato já viveu coisas assim…

Posso estar redondamente enganada, mas às vezes tenho a impressão de que meu gato me despreza descaradamente. Quando eu o chamo pelo seu nome, Juvenal – sempre de maneira muito carinhosa – ele me retribui com um olhar mal dado sobre o ombro e segue impávido o seu caminho, com a cauda devidamente erguida, indo se aninhar em alguma caixa velha ou entre as roupas de cama recém-lavadas, embora ele tenha uma caminha linda, fofa e confortável que encomendei de uma artesã caríssima. Só atende ao meu chamado se e quando quer.

Não raro, o surpreendo me olhando satisfeito durante o seu banho diário lambendo minuciosamente cada pedacinho das patas e das pernas, alongando-as e esticando-as até um limite inimaginável sem nenhuma dificuldade – claramente exibindo sua elasticidade felina. É como se me perguntasse: “tu consegues fazer isso?”

Quando sobe nos móveis, indiferente aos meus protestos e pedidos para que desça, me pisca os olhinhos, ignorando completamente minha irritação e derrubando a primeira coisa ao alcance de sua pata, sem nenhum indício de preocupação. Não satisfeito, me lança aquele olhar imponente e altivo, como se me desafiasse a tirá-lo de lá. Se por acaso me aproximo para fazê-lo descer, ele desce antes que eu chegue perto o suficiente, me deixando com cara de boba e ainda mais irritada. Se esfrega em mim e se afasta tranquilamente, com a cabeça e a cauda erguidas, ostentando uma dignidade de dar inveja a qualquer reles mortal.

Mas Juvenal também adoça meus dias quando me dirige suas piscadinhas ternas e quando aperta suas patinhas em volta das minhas mãos, num inexplicável e delicioso abraço de gato; ele me aquece o coração quando invade a cama e deita no meu peito reivindicando toda a atenção possível até enfadar-se totalmente de mim e de meus carinhos; ele alegra a minha vida quando abro a porta da casa e o vejo à minha espera deitado no tapete da sala – ainda que não pareça exatamente contente. Devagarinho, levanta e caminha em minha direção; se enrosca nas minhas pernas dando cabeçadas suaves, pedindo colo e comida.

É esse serzinho adorável e irritante que é o dono dos meus olhos, dos meus cuidados e dos meus amores. Sei que não posso vacilar com ele, porque do amor ao desprezo pétreo e dos carinhos às mordidas implacáveis é só um salto – de gato, claro.

*Hoje é o Dia Mundial do Gato.

Hoje é o Dia da Amizade (um agradecimento aos meus incríveis amigos) #diadaamizade

Hoje (14), sei lá porque, é o “Dia da Amizade”. Sempre escrevo aqui sobre datas curiosas e sua origem, mas mesmo sem saber o motivo, vos digo: todo dia é dia da amizade. Quem consegue conquistar minha amizade sabe que é algo que cultivo, se for recíproco, claro.

Segundo pesquisa, “o Dia Internacional da Amizade, inicialmente foi adotado em Buenos Aires na Argentina, através de um decreto. A data aos poucos passou a ser comemorada em diversas partes do mundo, e atualmente, quase todos os países acabam festejando esta data especial“.

Bom, os amigos são a família que escolhi, o meu povo, os meus amados (e às vezes odiados). Afinal, as brigas fazem parte da coisa. Por causa dos amigos, já me meti em brigas, fofocas, me endividei, bati e apanhei. Não me arrependo de nada, eles fizeram por mim também. É na hora que o bicho pega que vemos quem é quem.

Li em algum lugar que “Amigo é aquele que o coração escolhe”. Em outro, que “não fazemos amigos, os reconhecemos”. Em outros casos, uso a frase de Paulo Sant’Ana: “tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos”. É, gosto demais de uma galera que considero pra caralho! Uma coisa é certa, a amizade é um bem precioso. E como é!

Ilustração de Ronaldo Rony

Tenho amigos de infância, amigos doidos varridos, amigos velhos, amigos jovens, tenho amigos pra caralho (só assim pra vencer uma porrada de inimigos que possuo). Difícil é nomear todos, mas lhes rendo homenagens aqui neste site sempre que trocam de idade. Sobretudo, enfatizo a minha família (mamãe e irmão), eles sempre foram e sempre serão os meus melhores amigos.

Sempre que precisei muito dos meus verdadeiros amigos, fui atendido ou socorrido. Afinal, sempre brinco (e falo sério) quando digo que tenho mais inimigos que o Batman. Sou grato à todos. Ah, que fique registrado: amo vocês, comparsas.

Por tudo isso, hoje agradeço a Deus pelos meus verdadeiros amigos (que são muitos, de todas as classes sociais, ideologias políticas, héteros, gays, raças e crenças). Vocês que fazem parte da minha vida e a tornam muito mais feliz e feliz pra cacete! Sei que me aturar não é fácil.

A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro” – Platão.

Elton Tavares

Minha vida com a Bruna: sete meses felizes meses coloridos

O sete é considerado por diversas pessoas como um número mágico, perfeito, poderoso e sagrado. Dizem que os gatos possuem sete vidas. São 7 chakras em nosso corpo. As constelações Órion e Ursa Maior são formadas por sete estrelas visíveis a olho nu.

Aliás, 7 é cabalístico. Na Numerologia, representa a perfeição, a perfeita integração entre os mundos físico e espiritual, sendo, portanto, o símbolo do Universo em transformação. Pois é a primeira manifestação do homem para conhecer as coisas do Espírito, as coisas de Deus, a Criação. E são tantas curiosidades sobre o número, como afirmou Pitágoras, matemático e pai da numerologia.

Pois é. Hoje completo sete meses coloridos, com quase todos os sete pecados capitais, muito amor, algumas raivas (pois faz parte), diversão, parceria e felicidade com a Bruna Cereja, minha linda namorada.

Tem vezes que a gente pinta a vida com as cores que pode. Noutras, colorimos o caminho com nossas escolhas. Aliás, são SETE as cores mais destacadas do arco-íris são: vermelha, laranja, amarela, verde, azul, azul-escuro e violeta. Mas ela é a cereja vermelha, assim como suas unhas e seu batom, que tanto amo. Sim, “She’s A Rainbow” (Ela É Um Arco-íris), assim como a música dos Rolling Stones.

Outra coisa com o mesmo número sete pecados capitais, destes, não temos avareza alguma, seja de pena de torrar a suada grana que ganhamos com nossos respectivos trampos ou inveja, pois não invejamos ninguém.

Temos um pouco de soberba, pois a gente é boçal. Às vezes ficamos irados um com o outro, mas passa logo. Vivemos numa luxúria só, pois a gente se pega valendo. A gula por comidas legais, vinhos e cervejas é uma marca nossa. Ah, às vezes temos preguiça sim.

E, ainda, existem sete maravilhas no mundo antigo, mas no MEU mundo, ela é uma das mais maravilhosas, assim como minha sobrinha, mãe e irmão. Como disse Renato Russo, na canção “Sete Cidades”, da Legião Urbana: “Já me acostumei, com a tua voz, com teu rosto e teu olhar…”

Sim, neste tempo juntos, já pintamos o sete. E foi cada missão difícil até para o 007 (risos). Brincadeiras e curiosidades numerais à parte, a verdade é eu escolheria a Bruna nesta ou em mais sete vidas.

Sim, foram sete meses felizes meses coloridos. Feliz dia 9, de novo. Te amo, Cereja!

Elton Tavares

Saudade de Macapá – Crônica saudosa de Ronaldo Rodrigues #Macapa265Anos

Crônica saudosa de Ronaldo Rodrigues

Eu não passei a infância e a adolescência em Macapá. Foi lá em Curuçá/PA (infância) e Belém do Pará (resto da infância, adolescência e parte da vida adulta). Talvez essas duas cidades tenham me preparado para reconhecer em Macapá também a minha cidade. A cidade que, com as duas citadas acima, dá forma triangular ao meu coração e completa minha geografia humana. A cidade que não vivi na infância e adolescência, mas da qual eu estaria, certamente, morrendo/vivendo de saudade hoje.

Saudade do maior rio do mundo rodeando a Fortaleza de Macapá. Saudade das festas populares que aconteciam no local onde hoje é o Teatro das Bacabeiras. Saudade do Igarapé das Mulheres, de viajar na nave que o poeta Osmar Júnior faz lembrar naquela música que é uma obra-prima.

Saudade de ir à Fazendinha curtir uma domingueira com familiares e amigos. Saudade de passear pelo velho trapiche. Saudade da praia do Araxá e dos bares do Aturiá. Saudade das tertúlias da sede do Trem e dos bailes de Carnaval do Amapá Clube. Saudade do Jet’s Bar, do Gato Azul, do Maguila, do Lennon, do Urca Bar e do Royal. Saudade do La Boheme, último empreendimento do Nena Leão, o Rei da Noite. Saudade do Liverpool Rock Bar.

Saudade da Banca do Dorimar, da Casa Leão do Norte, do Flip Guaraná, do Largo dos Inocentes, do Formigueiro. Saudade do Poço do Mato.

Saudade do Quiosque Norte e Nordeste, informalmente conhecido como Bar da Floriano, comandado pelo casal gente boa Neide e Alceu. Saudade do indefectível Antônio, garçom meio marrento, mas também gente boa, que se dividia entre as mesas servindo a uma galera que não estava nem aí pra sanidade.

Saudade de ir, na companhia do Euclides Campos de Moraes, descolar umas namoradinhas nas festas no Círculo Militar ou no Teleclube. Saudade de curtir uma noitada na companhia do Alcy Araújo e Isnard Lima. Saudade do Hélio Penafort, Correa Neto, Sacaca, Suerda, Macunaíma, Ivo Cannuty, Babá, Bi Trindade, Pai Véio e Pai d’Égua. Saudade do Fred Lavoura, do Foa, do Pururuca.

Saudade de ir às terças-feiras assistir ao Projeto Botequim, no antigo Sesc Centro. Compromisso selado de uma galera que, em certo momento, nem se interessava mais em saber qual o artista que iria se apresentar. O nosso encontro era o que nos atraía. Depois, sair pela noite e, esgotadas todas as opções de bar, tomar a saideira na sede da Úbma.

Saudade do tio Duca, do bar do Metralha, do Tigrão. Saudade do Xixi e do Xiri Molhado, do Bang Bar, do Cabaré Safári, do Bar Caboclo, do Hollywood, do Juçarão. Saudade do Pau Preto, hoje Black Dick, do Bar da Loura, da Casa das Máquinas, da Casa Amarela, do Fundo de Kintal.

Saudade de sair com a minha turma de rebeldes do Colégio Amapaense e tomar umas inocentes brejas no Xodó, pitoresco bar capitaneado pelo não menos pitoresco Albino.

Saudade de assistir a um bom filme de Tarzan no Cine João XXIII, no Cine Macapá, no Orange, no Veneza ou no Territorial. Saudade de ir com a minha galerinha (que devia se chamar patota naquela época) tomar sorvete no Novotel.

Saudade das conspirações contra a ditadura. Saudade do Chaguinha. Saudade do Moap (Movimento Artístico Amapaense), onde o mestre R. Peixe agitava arte, com Olivar Cunha e o indomável Estêvão da Silva.

Saudade do início do grupo Pilão, de ouvir o Canto do Fernando. Saudade dos primeiros acordes do Movimento Costa Norte. Saudade do Nonato Leal solando seu violão mágico e do Mestre Oscar regendo sua orquestra.

Saudade de me sentir chocado com as peças do Celso Dias, como A Santificação de Agarantu, que custou ao autor um processo de excomunhão.

Saudade de ouvir histórias sobre o engasga-engasga. Saudade de ficar aterrorizado com a seringa contaminada do Bambolê.

Saudade do tacacá da tia Bebé e da tia Luci. Saudade do salgado da tia Nenê, de degustar um quitute da Zinoca e da Dedeca. Saudade da arte de Niná Nakanishi. Saudade de Ladislau, tia Gertudes, tia Chiquinha, Julião Ramos, mãe Luzia.

Saudade dos craques Bira, Aldo, Jasson. Saudade do Zé Penha, goleiro que defendeu as cores do Ypiranga e São José.

Saudade de ouvir aquele amontoado de sons no Complexo Zagury, com cada quiosque levando uma música ao vivo. Lula Jerônimo e Lady Púrpura pontificavam por lá. E o Fineias (de vasta cabeleira e antes de incorporar o Nelluty ao seu nome) cantando e tocando seu teclado. Por falar em Fineias, saudade da Jéssica Kandomblé.

Saudade de sair deslizando no papelão como se fosse um carrinho de rolimã lá na praça Zagury. Saudade de andar de patins e skate no estacionamento do Banco do Brasil. Saudade de roubar manga da fazenda do seu Barbosa, que, quando descobria, recebia a molecada com tiros de sal disparados por uma velha espingarda de ar comprimido. Saudade de pedalar por uma rampa tosca, ao lado do trapiche, e saltar com bike e tudo dentro do rio Amazonas.

Saudade do Museu da Imagem e do Som na gestão do Alexandre Brito, único período em que o MIS realmente aconteceu. Saudade das maquinações artísticas do Espaço Caos. Saudade do Festival Quebramar. Saudade das intervenções urbanas do grupo Urucum. Saudade do Arthur Leandro, do Antônio Messias e da Niudes Pereira.

Saudade das festas que aconteciam na casa do Ronaldo Rony, do Edson Índio, do Mariozinho Dias e do Ginoflex. Saudade das idas ao Lontra do Pedreira e à Ilha de Santana. Saudade da casa da Av. Maria Quitéria onde alguns amigos, como Celso Dias e Roni Moraes, se reuniam e de onde saíram muitas músicas.

Saudade dos desfiles cívicos e carnavalescos na Avenida Fab. Saudade das festas de marabaixo no Curiaú. Saudade de, não só ver a Banda passar, mas sair na Banda.

Saudade de uma vida inteira desta cidade que existe em mim somente há 25 anos, mas pulsa dentro do meu peito como se aqui eu tivesse vivido sempre, sem, é claro, desmerecer os lugares em que estive antes. Tudo vai se somando na memória afetiva, real e fictícia deste cronista, filho adotivo e emotivo desta terra.

Macapá celebra hoje seus 265 anos de eterna juventude. E haja fôôôôôôôlego! Vamos à festa!

*Colaboraram para esta crônica Andressa Pereira, Wender Gemaque, Maria Lídia, Patrícia Andrade, Honorato Jr., Celso Dias, Pequeno e Elton Tavares.

Hoje é o Dia do Publicitário (meus parabéns aos profissionais criativos)

Hoje é o Dia do Publicitário. O profissional que traça estratégias para alcançar seu público-alvo no intuito de convencê-los a comprar um produto ou ideia. Sempre unindo arte, informação e muita criatividade.

O Dia do Publicitário no Brasil é comemorado no dia 01 de fevereiro em referência ao Decreto de Lei nº 57.690, de 1º de fevereiro de 1966, que por sua vez regulamenta o Decreto de Lei nº 4.680, de 18 de junho de 1965, que normaliza o exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda no país.

Estes figuras são persuasivos, inovadores e inventivos. Admiro a elaboração de campanhas publicitárias, principalmente as que possuem doses de sagacidade e humor.

A criatividade é responsável, entre outras coisas, pelas invenções. Uma pessoa nasce criativa ou trabalha e desenvolve sua criatividade ao longo do tempo? Para mim, as duas coisas são possíveis. Os inventores praticam, aperfeiçoam e criam. No meu caso, já inventei histórias (contos) e termos (neologismo). É o meu jeito de tentar ser criativo.

Admiro pessoas criativas. Elas possuem autoconfiança; alta capacidade de associação; percepção; capacidade intuitiva; muita imaginação; capacidade crítica; curiosidade; foco; entusiasmo; e tenacidade.

Portanto, meus parabéns a todos os publicitários do Amapá. Em especial aos amigos Walter Junior, Ronaldo Rodrigues, Bruno Jerônimo, Renata Sampaio, Beliza Alfaia, Yasmin Brito, Marly Mafalda, Mauro Panzera, Chico Cavalcante, Clayse Silva, Elielza Cardoso, Sandra Borges, Ricardo Toledo, Alessandro Moutinho, Giuliana Sanguinete, Jair Júnior, Marcelo Corrêa, Ewerton França, Thomé Azevedo, Nagib Júnior, César Cardoso, Marcelo Serrão, Zezinho, Franck Belini e Antônio Costa.

Ah, é claro, em especial, minha publicitária preferida e a mais competente que conheço, Bruna Cereja. Ah, tenho a sorte dela ser minha namorada, mas quem me conhece sabe: sempre a admirei como profissional brilhante que ela é e também sempre recomendei seu trampo. Parabéns, amor. Sucesso sempre!

Enfim, congratulações a todos que militam neste nobre ofício. Meus parabéns aos publicitários e suas mentes brilhantes. Vocês são admiráveis!

Elton Tavares

Minhas dezenas de fitas K7 e a nostalgia – Crônica de Elton Tavares (do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”)

Arte de Ronaldo Rony

Certa vez, há alguns anos, ao procurar meus livros dentro do armário do quarto, dei de cara com minhas duas caixas de sapatos repletas de fitas cassete. Constituída por dois carretéis de fitas magnéticas, a fita cassete é popularmente abreviada como K7. Esse tipo de “tecnologia” foi desenvolvida pela empresa Phillips, em 1963, para substituir a fita de rolo e o formato 8-track, que eram semelhantes, mas muito menos práticos e mais espaçosos.

A tecnologia desse artefato traz uma fita de áudio de 3,15 milímetros de largura, que rodava a uma velocidade de 4,76 centímetros por segundo. Antigamente a gente ouvia tudo na fita K7, no vinil e, muito depois, CD. Hoje, apesar de alguns ainda usarem o “Compact Disc”, quase tudo é no MP3 e MP4.

Minhas caixas, com quase 40 fitas, têm de tudo: Sony, Maxell, Bulk, Basf, Phillips e TDK, de 40, 60 e 90 minutos. A maioria não possui mais capa, mas as que ainda têm estão com os nomes das músicas ordenadamente anotadas no papel interior da fita.

Naquela época, nós caçávamos sons novos como as bruxas eram perseguidas durante a Inquisição, ou seja, incansavelmente. Época de micro system Sanyo (Alguém aí se lembra do que é “rewind”?), walkman Sony e festas de garagem.

Dentro das caixas os velhos companheiros: Depeche Mode, The Smiths, New Order,The Cure, Iron, U2, A-ha, David Bowie, Queen, Pearl Jam e Nirvana (muito Nirvana) Titãs, Ira! ,Paralamas, Legião Urbana (muito Legião), Barão Vermelho, Engenheiros… todos esses e outros heróis da juventude. Além de umas do velho Chico Buarque.

Fizeram sucesso no final de 80, todos os 90 e início dos anos dois mil. Não tenho vergonha de ser tão antiquado. Meu brother André fala sempre, em tom pejorativo, que todo mundo já gravava CDs em 1999 e eu fitas. Bons tempos!

Aliás, gravar fitas era porreta. Quando curtia muito um som, todo um continha somente uma música (podia ser 30 ou 45 minutos de cada lado, com a mesma canção). Às vezes, ficava com o dedo no tape deck, esperando o locutor da FM calar a boca e soltar o som para que eu o tomasse. Oh, saudades!

Enrolar e desenrolar fitas com lápis ou caneta, sem falar em limpar cabeçotes do tape deck, isso sim é nostalgia.

Minhas fitas. Tenho dezenas até hoje. Sei que são inúteis, mas é o apego nostálgico.

A fita cassete não voltou como o vinil, que hoje é objeto cult. No máximo, estão em forma de adesivos de smarthfones (que acho legal pra cacete).

É, minhas velhas e empoeiradas caixas de sapato não estão somente repletas de fitas cassete, mas de ótimas lembranças. Eu as olhei por dezenas de minutos e as guardei novamente no armário, na memória e no coração…

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em 2020.

Hoje é o Dia da Saudade – Minha crônica sobre a data nostálgica

Hoje, 30 de janeiro, é “comemorado” o Dia da Saudade. Não encontrei o porquê de hoje ser destinado à falta de alguém ou um lugar. Só sei que todo dia é dia de sentir saudade. O conceito diz: “Saudade: Substantivo feminino – Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; nostalgia”.

De origem latina, saudade é uma transformação da palavra solidão, que na língua escreve-se “solitatem”. Com o passar dos anos, assim como outras palavras se transformam de acordo com as variações da pronúncia, solitatem passou a ser solidade, depois soldade e, finalmente, saudade. Palavra que só existe na língua portuguesa.

Bom, eu sou um cara saudoso de tanta coisa. Sinto saudades absurdas do meu pai. Grande saudade do meu avô paterno, de alguns parentes e amigos que partiram para outra vida (ou plano, como quiserem) como meu tio Itacimar (Ita).

Tenho saudade diárias do meu irmão, que reside em Belém (PA) e amigos que moram longe. Também sinto falta dos antigos amigos, que marcaram minha história positivamente e hoje em dia , por algum motivo, não fazem mais parte da minha vida.

O escritor Charles Baudelaire disse: “Aos olhos da saudade, como o mundo é pequeno”.

Quem dera ser tão simples. Já o poeta Paulo Leminski frisou “Haja hoje para tanto ontem”. Só que o Raul Seixas, o mais maluco dos compositores, foi mais enfático ainda ao dizer: “A saudade é um parafuso que, quando a rosca cai só entra se for torcendo, porque batendo não vai,mas quando enferruja dentro, nem distorcendo não sai”. Perfeito!

Sinto saudade da minha infância, da falta de responsabilidade e dos dengos da minha avó Peró. Saudade dos tempos do Colégio Amapaense, das memoráveis festas de rock, amanhecidas, dos bons tempos com ex amigos, da velha equipe de comunicação e até das boas brigas. É, a gente botava pra quebrar!

Sinto saudades do jornalista e amigo querido Tãgaha Luz, que nos deixou e seguiu para a redação celestial. Que saudades desse cara!

A maior saudade é da Perolina Penha Tavares, nossa linda e cheiros matriarca. Pois as saudades do papai, vovô, tio e amigos que já partiram estão calejadas pelos anos. A falta da Peró ainda não, mas com o tempo será amenizada. O amor por essas pessoas nunca passará, assim como as saudades, mas o tempo melhora o sofrimento do coração;

Deus, graças a ele, sobrevivi aos anos 90. Era tudo tão surreal, tão perfeito, tão legal, doce ilusão. Saudades daqueles anos vividos intensamente! Sinto saudades até de ter saudades de alguns que foram tão importantes e agora não passam de mais um rosto na multidão.

Saudades de ser jovem (risos)

Sinto saudades de tanta coisa. Mas, como tudo na vida, há saudades justificáveis.

Também sinto saudades da época que era inocente, que não era tão duro, tão egoísta, tão cético e cínico. A saudade é alimentada pelas ternas lembranças guardadas na memória e no coração. E é tanta coisa que nem dá pra listar aqui. Isso acontece todos os dias e não somente hoje.

Li em algum lugar que, se sentimos saudades, é porque valeu a pena. Vida que segue. E graças a Deus, segue feliz, pois não tenho do que reclamar, já que tenho uma existência porreta ao lado de pessoas que amo, mesmo com minhas saudades. É isso!

Elton Tavares

Se vivo, hoje João Espíndola Tavares, meu avô, faria 96 anos (para lembrar do “Juca”)

João Espíndola Tavares, meu avô, o nosso “Juca”.

Hoje, meu saudoso avô, João Espíndola Tavares, faria 96 anos. Nosso patriarca partiu para a outra vida em janeiro de 1996. Espíndola, como era conhecido em Macapá, onde foi delegado, diretor da Penitenciária Agrícola do Estado (hoje Iapen), entre tantos outros cargos públicos. Ele nasceu em 27 de janeiro de 1927, filho de Gracindo Nelson Espíndola e Raimunda Emiliana Espíndola, na Região do Alto Maracá, no Sítio Bom Jesus, uma região de difícil acesso, no município de Mazagão.

Vovô também foi prefeito de Mazagão, onde se casou com a minha amada avó, Perolina Penha Tavares. Lá nasceram o meu pai, José Penha Tavares e os meus tios, Maria Conceição Penha Tavares e Pedro Aurélio Penha Tavares. João era um visionário doméstico, pois resolveu vir morar na capital para que os filhos tivessem acesso à educação.

Em Mazagão, seu patrimônio era relativamente grande para um interiorano da década de 40. Entre os bens, estavam galpões para a armazenagem de Castanha do Pará, barco com motor de popa e motor de energia elétrica, que abastecia a vila de moradores da propriedade.

Já em Macapá, nasceram os filhos Maria do Socorro Penha Tavares e Paulo Roberto Penha Tavares. Com força de vontade e determinação, Espíndola também conseguiu sorver conhecimento e concluiu o segundo grau (hoje ensino médio) na Escola Gabriel Almeida Café.

Além do sucesso no campo profissional e pessoal, João Espíndola foi um estudioso da filosofia maçônica. Vovô atingiu o ponto alto da nobre ordem, o “Grau 33”. Ele foi muito respeitado pelos membros da augusta arte real. Vovô foi um dos amapaenses presos injustamente, durante o golpe militar de 1964. Mas provou sua inocência com altivez e retomou sua gloriosa vida.

Uma curiosidade sobre o velho João era que, diversas pessoas o procuravam em sua residência, no centro de Macapá, em busca de conselhos. Eram ricos, pobres, brancos, negros, de diferentes posicionamentos políticos e religiosos. Às vezes, ele nem falava nada, só escutava o desabafo daqueles homens, que já saiam do muro das lamentações (apelido dado a uma área ao lado da casa, pelos seus filhos), de alma aliviada.

Reportagem bacana de 1997, por Bellarmino Paraense de Barros, sobre o meu avô – Acervo familiar.

Pouco antes de seu falecimento, Espíndola vivia um bom momento da vida, havia criado os filhos com sucesso, tinha uma bela casa, uma família unida e era respeitado no Estado. Em uma ocasião, em um festejo em sua residência, João agradeceu sua mulher por todos os anos de dedicação, disse-lhe, em frente familiares e amigos, que o grande homem que ele se tornou devia tudo a ela. Ao envelhecer, o pátrio poder deixou de existir, tornou-se um grande amigo de seus filhos.

No dia 7 de janeiro de 1996, por volta das 18h30 de um domingo, vovô faleceu, aos 69 anos de idade, durante uma colisão automobilística, na zona Sul de Macapá. Ele dizia que gostaria de morrer “pulando” e assim aconteceu.

Cerca de 500 pessoas foram ao seu funeral, dentre elas, secretários de Governo, políticos, empresários e cidadãos comuns, pois apesar de frequentar a alta roda da sociedade amapaense, Espíndola não tinha comportamento elitista, era amigo de peões e doutores, tratando-os da mesma maneira.

Sempre foi sincero, fascinante, carinhoso, especial, atencioso, cauteloso, cordial, caloroso, honesto, qualificado e contemporizador. Em nota, a Maçonaria divulgou: “Durante sua estada entre nós, sempre foi ativo colaborador e possuidor de um elevado amor fraterno”.

A história deste homem, que foi uma das figuras mais populares do município de Mazagão e da cidade de Macapá, é de uma magnitude e nobreza, que até parece uma obra de ficção. Ele não foi perfeito, mas, com toda certeza, foi um grande exemplo de pai, cidadão e ser humano. 

Em resumo, meu avô foi um grande cara. Com a ajuda fundamental da vó Peró, formou uma família íntegra da qual tenho a honra de pertencer. Sou tão fascinado pela trajetória dele, que o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de jornalismo foi sobre sua história.

Tenho orgulho de ser o mais velho dos seus nove netos. Até a próxima vez, vovô!

Elton Tavares

*Texto atualizado e republicado por motivos de saudades. 

Defina: dança (sobre o filme Wall-E) – Crônica/resenha de César Cardoso

Crônica/resenha de César Cardoso

Muito mais que “bonitinho”, Wall-E é, pra mim, um filme que fala muito sobre transformação. Transformação de pensamento, comportamento e vida. Acho que é essa a parte mais interessante: as pequenas transformações que ele vai causando nos personagens ao longo da história. Assim como o robozinho, certas pessoas que passam pela nossa vida, acabam por ocasionar pequenas revoluções. Gestos simples que aparentemente não fazem o menor sentido em um primeiro momento, mas que depois de um tempo nos mostram que a vida é sempre maior do que imaginamos e, portanto, sempre nos guarda uma surpresa e nos deixa com aquela sensação de “pqp! como eu não sabia disso!?”. Acho que deve ser por isso que não gosto de dormir. A impressão que tenho é que, de alguma maneira estranha, estou perdendo algo importante.

De repente, Wall-e pede passagem para uma moça que estava em sua cadeira e ela, ao ter o seu monitor quebrado, descobre que dentro da nave tem uma piscina. Assim como, mais tarde, ela descobre quantas estrelas pode ver da janela e um mundo novo se abre diante dos seus olhos. Assim como abre a cabeça do comandante que, ao descobrir que o planeta terra é o seu verdadeiro lar e, portanto, algo que vale a pena lutar para ter de volta. Ele descobre também que, assim como todos os habitantes da nave, ele não vivia. Era apenas uma amostra de seres que sobreviveram e seguiram adiante depois de uma catástrofe ambiental ocasionada pelo excesso de lixo. 700 anos não foram suficientes para a limpeza do planeta, mas foram para uma mudança de comportamento. Antes tarde do que mais tarde.

Talvez as pequenas mudanças de comportamento sejam mesmo responsáveis pelas maiores revoluções em nossas vidas. Uma música que ouvimos, a palavra de um amigo, um cara estranho que nos dá um “bom dia” ou nos dá passagem… Esses pequenos “Wall-E’s” estão todos aí e raramente nos damos conta disso. Isso me lembra que, há um tempo atrás, escrevi aqui sobre quais foram os meus.

Quais formam os seus?

Fonte: Retratismo do Cotidiano.

Chuva e literatura em Macondo e no Amapá – Crônica porreta de Júlio Miragaia – @julio_miragaia

Atmosfera poética do “inverno amazônico” é território da imaginação, da nostalgia e do inexplicável

Crônica de Júlio Miragaia

Volto a falar sobre “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez. Agora, o motivo é o início das chuvas nas bandas de cá do norte do Brasil. Nossa “estação das águas” embeleza as cidades amapaenses e suas respectivas paisagens, trazendo nostalgia, preguiça, imersões em si e outras tantas sensações numa época de festas que é o final do ano.

A chuva em Macondo, cidade fictícia da obra de García Márquez, é marca de belíssimas descrições de épocas inteiras ou cenas como a das aparições do velho José Arcádio Buendía, no quintal da família. O trecho a seguir é um dos meus favoritos:

“Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a sua roupa de domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento. O céu desmoronou-se em tempestades de estrupício e o Norte mandava furacões que destelhavam as casas, derrubavam as paredes e arrancavam pela raiz os últimos talos das plantações.(…) A atmosfera estava tão úmida que os peixes poderiam entrar pelas portas e sair pelas janelas, navegando no ar dos aposentos. (…) Foi preciso abrir canais para escorrer a água da casa e desimpedi-la de sapos e caracóis, para que pudesse secar o chão, tirar os tijolos dos pés das camas e andar outra vez de sapatos.”

Obra “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez. Chuva é elemento presente em cenas que transbordam emoção. Fotos: Júlio Miragaia

Em tempestades ou chuviscos, esse fenômeno da natureza conversa perfeitamente com as cenas de uma obra literária como a de Gabo. É fonte de inspiração para escritores e artistas e também fonte para a ativação da memória do homem.

Atravessei o Rio Matapi em direção às comunidades de Mazagão a trabalho justamente no primeiro dia em que tivemos uma chuva considerável na manhã e na tarde de quarta-feira. Fui junto com colegas de serviço até as comunidades do Carvão e do Piquiazal. Ao longo do caminho, pela estrada de asfalto e pelos ramais, a cena ganhava uniformidade como um filtro de imagem de uma máquina fotográfica de celular.

A chuva nesse dia me trouxe a memória de manhãs de quase duas décadas atrás na contemplação da orla de Macapá, mais especificamente nas adjacências do Trapiche Eliezer Levy. O Rio Amazonas a transbordar enquanto uma forte ventania empurrava com seus músculos de ar a chuva para toda a praça, fazendo quem ali estava se esconder debaixo de qualquer teto.

Trapiche é cenário de crônica de Luli Rojanski em “Lugar da Chuva”. Foto: Floriano Lima

Para este colunista e apreciador da literatura amapaense é impossível também não ligar essa recordação com uma crônica de Luli Rojanski no livro “Lugar da chuva”. Em “Sob o céu, no trapiche”, a autora nos leva até um passeio entre o intimismo e a contemplação da orla da cidade numa tarde qualquer de abril. A solidão do rio, o rumor das águas e a presença de um enigmático poeta a escrever são parte dos elementos que conduzem o leitor para fortes emoções no pequeno e belo texto. A escritora faz ainda conjecturas sobre o que escreve o jovem poeta:

“Para o poeta ali adiante, essa é a singular função do trapiche: ancorar almas, sobretudo as que sofrem, aportar sonhos, sobretudo os de amor.”

Encerro por aqui esta crônica sem grandes reflexões a fazer. Confessando minha admiração por essa época em que nossa região amazônica é banhada por algo além das águas. Por uma atmosfera poética inexplicável e comovente. Por motivos guardados a sete chaves pela natureza, somos invadidos por nostalgias amorosas, afetivas e de outras estirpes, que constroem paisagens internas de longas chuvas empurradas por ventos de passado, presente e futuro.