Crônica de Fernando Canto
A gente fica meio besta ao tentar compreender a rapidez das mudanças comportamentais que ocorrem com a família da gente e dos amigos, por conta da forma como cada uma encara os fatos. Mas longe de mim tentar impor costumes não mais existentes ou querer mudar o rumo de coisas que necessariamente acontecem devido ao horário de trabalho, academia, escola e outros afazeres individuais. Comportamento novo, modo de vida, forma ligth de viver, liberdade total, seja o que for são conceitos que abrem caminhos diferentes e esboçam desenhos de um novo quadro de qualidade de vida por conta de valores individuais que prevalecem sobre os valores grupais.
Só um dia destes me dei conta que almoçava só, sem companhia, sem conversa. O horário de trabalho era incompatível com o horário e a fome de todos os outros integrantes da casa. Meio chateado reclamei, mesmo sabendo que o quadro iria se repetir, porque a família nuclear hoje está tendendo mais para uma instituição fissurada, onde fatores espontâneos ou provocados liberam outras energias e a atomizam. A esses fatores dá-se o nome de estabilidade na modernidade, na qual o dinheiro pode comprar toda uma parafernália eletrônica, quer queira quer não, nas melhores famílias, promovem até certo ponto essa atomização e a individualidade compulsória de seus membros. Apesar de todos os esforços dos pais (Conversei com vários deles.), à medida que a família cresce, dentro de cada casa, cada quarto de filho ou filha, com seus devedês, televisor, computador, games e internet, torna-se “território proibido” para os pais. Vira núcleo de acesso apenas para a empregada fazer limpeza e para os amigos(as) ou namorados(as). É uma suíte de um hotel confortável e reduto do(a) guerreiro(a).
Lembro quando almoçar com a família tinha horário marcado. O pai, e/ou a mãe, chegavam do trabalho, obrigavam todos a lavarem as mãos, faziam sua prece de agradecimento e só depois que o chefe se servia é que outros podiam comer. Até hoje as mães dão os melhores pedaços da galinha aos filhos. Só mais tarde é que fui descobrir porque elas “gostam” tanto do pescoço, do sobre e das asas. Depois do almoço a sesta do chefe era sagrada. Havia de descansar para voltar ao trabalho da tarde, em busca do sustento da família.
Com o advento da televisão, as famílias que conseguiam comprar um aparelho se reuniam ao redor daquela luz azulada, na sala cheia de parentes e vizinhos, após o jantar espremido entre e o banho e a hora da novela. Esse encanto só se repetiria com a aquisição de um televisor a cores. Certa vez a luz apagou, foi embora e foi geral. Um silêncio total chegou com a escuridão na sala, até que alguém perguntou onde havia uma caixa de fósforos para acender uma vela. Ninguém mais sabia conversar, a não ser sobre a ansiedade da chegada da energia e com impropérios normais à companhia de eletricidade. Mas lembro que lá fora a lua macapaense, patrimônio dos olhos, brilhava, brilhava, e um satélite cruzava o céu do equador sobre a cidade às escuras.
O mundo gira no espaço, e nós como os satélites ao redor dele, às vezes brilhantes, às vezes precisando de conserto, mas sempre transmitindo mensagens e informações seguras aos filhos, tentando preservar alguns valores familiares. Quando a família está “brocada” e decide que não quer jantar, pede uma pizza gigante para comer diante da telinha do big brother, regada à maionese e ketchup. Depois vem a “facada”: – Empresta a chave e uma grana aí, velho! Mas isso não é nenhuma novidade. Só nova forma de repetir o que a maioria de nós já fez. O tempora! O mores!