A FORTALEZA E A GÊNESE DA OCUPAÇÃO – Crônica/resgate histórico de Fernando Canto

Fortaleza de São José de Macapá – Foto: blog Amapá, minha terra amada.

Crônica de Fernando Canto

Na continuação das nossas observações sobre a Fortaleza de São José de Macapá, temos a considerar que a memória é o deciframento do que somos à luz do que não somos mais (Nora, 1993), ela fixa os sentidos e a identidade, permitindo à sociedade traçar suas origens e reconhecer suas permanências independentemente do tempo. Mas ela também possibilita o reencontro com o sentido de pertencimento e tem a capacidade de viver o hoje, tornando-se princípio e segredo da identidade.

Fortaleza bicentenária – Foto: Floriano Lima

Desta forma, há uma necessidade de se observar o monumento, hoje, sob o olhar de uma memória coletiva, com suas significações que a levaram a ser um ícone da identidade macapaense e não mais exclusivamente como arquitetura militar ou obra de segurança e proteção da região. Faz-se necessário saber como foi construído e modificado o discurso de ocupação da Fortaleza de São José, hoje considerado espaço de preservação. Ela é o único monumento edificado que faz a vinculação com o passado, em que pese a igreja de São José ser mais antiga, mas que sofreu inúmeras descaracterizações. Apesar de ter surgido muito depois da fundação de Macapá ela, a Fortaleza, é a gênese do discurso de ocupação e de formação da cidade. Ao longo de mais de dois séculos o eixo de ocupação e a conotação do discurso artístico e histórico da cidade foi mudando. No presente momento, por exemplo, ela foi eleita uma das maravilhas do Brasil como monumento edificado. Daí sua dinâmica no tempo e no espaço.

Fortaleza de São José de Macapá – Foto aérea de Mateus Brito

A cidade de Macapá, como qualquer cidade de seu porte, por ser um lugar de alternâncias e de condições diversificadas que dão dinamismo ao cotidiano (e onde se situam tempos de transformação e de continuidade) é, também, o lugar das alteridades e transformações da Fortaleza de São José. Isso nos permite e nos possibilita enxergar e decodificar os significados das marcas impressas nesse tempo de quase dois séculos e meio, onde estão presentes inúmeros olhares, rupturas e imbricações.

Fortaleza de São José de Macapá – Foto: Manoel Raimundo Fonseca

A conquista da Amazônia pelos portugueses suscita uma história diversificada e rica de detalhes. As fortificações por eles construídas são marcos dessa luta por expansão de fronteiras. No bojo de tudo está a Fortaleza de São José de Macapá, na qual – repetimos – inúmeros olhares se fixaram e se desvaneceram pela memória quase diluída, pelas deslembranças expurgadas pelo nascimento do novo. Da sua construção até hoje as transformações nela operadas foram significativas (curral, quartel, museu, etc.), mitificadas pela mídia (“lugar bonito”), conflitivas (acordos pecuniários para derrubar os prédios da sua área de entorno, prisão de presos políticos) e espetaculares nas mudanças urbanísticas realizadas ao longo dos anos dentro e fora da sua área original.

Fortaleza de São José de Macapá – Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Há nessa idéia um imbricado processo de análise a ser observado, porque a história da Fortaleza de Macapá traz também uma história não-oficial daqueles que foram supostamente vencidos, a história registrada pelos vencedores e suas estratégias de sobrevivência e hegemonia, onde está expressa a relação do homem com a natureza de forma significativa, pelo que experimentaram na construção daquela obra (Bhabha, 2007).

Fortaleza bicentenária – Foto: Max Renê

E essas estratégias são muito bem produzidas no longo período da sua construção. Não apenas do ponto de vista do colonizador militar como pelas astuciosas fugas e “ausências” que os trabalhadores braçais e escravos usavam para minimizar seus sofrimentos (Castro, 1999). Os papéis ocupados pelos colonizadores de manter a construção, a ordem e o controle eram dialeticamente contrapostos nas adjacências da obra da Fortaleza por negros, índios e soldados desertores, que protagonizaram uma “original aventura para conquistar a liberdade. Com suas próprias ações reinventaram significados e construíram visões sobre escravidão e liberdade” (Gomes, 1999).

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