A foto do comandante Guerreiro – Crônica de Fernando Canto

Foto: Arquivo pessoal de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Contemplo a foto aérea tirada no ano de 1948 pelo comandante Guerreiro, piloto e instrutor de vôo do Aeroclube de Macapá, e gentilmente cedida pelo também piloto Paulinho Lopes.

Lá embaixo, depois do retilíneo trapiche Eliezer Levy, está a velha fortaleza de São José, encravada sobre a terra bruta, além das falésias de granito que a separam do grandioso rio. Ao lado dela a praia de areia branca, um dos pouquíssimos lugares da cidade privilegiados com a bela paisagem natural do Amazonas, junto ao Araxá, a vacaria e o Aturiá, que também se espraiam no horizonte. Árvores circundam a estrela de cinco pontas concebida por Gallucio e abrigam um lugar ainda sem o círculo militar, construído 20 anos depois.

A cidade parece puxá-la de dentro do rio, procurando trazê-la para mais perto do coração, mas ela resiste: é o próprio coração da cidade a pulsar ofegante em sua pujante trajetória de amor e de proteção a esta terra. A preamar mostra que ela se situa em uma península dividindo a orla em duas pequenas baías e não há dúvida que abarca o sonho territorial de mais de dez mil almas ávidas de progresso e bem estar, contidos nos inflamados discursos janaristas da “Mística do Amapá”. É ela o único vínculo que temos com o passado. É o legado arquitetônico que simboliza o desenvolvimento da cidade, apesar da igreja de São José ser mais antiga. Único elo, enfatizo, posto que gerações anteriores se omitiram da necessidade de preservar nossa memória e nossas referências dentro da cidade. Posto que por muito tempo ela quase era engolida pelo mato e um dia foi até curral de bois num tempo de degredos e segredos revelados pelos entes do rio-mar.

A frente da cidade jaz, ali, gravada na fotografia do comandante Guerreiro e até o rio é uma massa estática sob um trapiche sem embarcações observado pela pedra do Guindaste, antes de ser quebrada e abrigar o santo protetor. O velho Macapá Hotel espera imponente novos rostos que se aproximam à procura de trabalho e exibe orgulhoso o seu recente corpo construído para receber os visitantes. À sua direita o estaleiro emite os barulhos do calafetar os barcos que partirão para suprir novas necessidades. Casas se escondem sob as árvores frutíferas em bairros ainda desabitados e a asa do avião do comandante plana em vôo sobre a cidade que cresceria sob a égide do sol e a energia que brota diariamente entre a água e a luz.

*Crônica escrita em 2009. 

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