A mulher do traficante (conto de Ronaldo Rodrigues)

O traficante que atendia ao personagem desta história vinha de moto, com a mulher sempre acompanhando. Ele ligava, eles vinham. Os dois, sempre os dois.

Uma noite ele recebeu a ligação da mulher do traficante perguntando se queria alguma coisa.

– Hoje não. Estou sossegado, pensando em dormir. Além disso, estou sem dinheiro e sem vontade de drogas.
– Tudo bem. É que vou encerrar o expediente cedo hoje.
– Tá legal. Fica para outra vez. Obrigado pela atenção.
– Ok.

Meia hora depois, nova ligação. Era a mulher do traficante:

Oi. Tem certeza de que não quer nada?
– Tenho. Obrigado.

Em quinze minutos, ela ligou de novo:

– Eu vou abrir o jogo: eu quero fumar hoje e não gosto de fumar sozinha. Eu posso ir aí pra sua casa?
– E o seu marido? Por que não fuma com ele?
– Ele está de viagem. Foi buscar o produto. Posso ir?
– E ele não vai achar estranho, você fumando com um cliente?
– Ele nem vai saber. E ele sabe que eu nunca faço isso. Posso ir?
– Eu já disse que tô sem grana.
– Escuta. Você tá inventando muita coisa. Tá acompanhado?
– Não.
– Não se preocupe com grana. Vai ficar tudo por minha conta. Posso levar umas cervejas?

Ela chegou e foi logo apresentando o material:

– Vai preparando aí que eu vou colocar a cerveja na geladeira.

Ela voltou e os dois começaram a fumar. Ela estava meio calada, mas ele a deixou à vontade. Em algum momento, ela iria começar a falar. Agora, por exemplo:

– Eu tava muito a fim de fazer uma farrinha hoje.
– Me explica melhor. Pra onde foi seu marido mesmo? 
– Foi viajar pra fazer duas coisas: buscar a mercadoria e pensar um pouco na nossa relação.
Ele ficou em silêncio, ela continuou:
– O nosso casamento não anda muito bem. Não deixei de gostar dele, mas a coisa tá esquisita.
Ele permaneceu em silêncio, ela continuou, estava a fim de falar:
– Ele tá muito frio, distante… Ah, desculpa! Podemos falar de outra coisa. É que eu tô a fim de desabafar, mas não quero alugar ninguém com isso. A gente se conhece tão pouco.
– Pois é. A gente se conhece tão pouco e você quer desabafar comigo. Obrigado pela confiança. Pode falar, tá precisando. Fique à vontade.
– Ah, legal. Eu preciso falar mesmo. O nosso amor tá morno. Quase não rola sexo. Ontem, quando ele foi viajar, nós transamos. Mas foi um desastre. Ele sabe que tá ruim, por isso resolveu antecipar a viagem. Assim ele pega o produto e aproveita pra refletir um pouco.
– E essa vontade de farrear tem a ver com isso?
– Também. Me deu vontade de fugir um pouco da rotina. Dificilmente eu faço farra. E quando acontece é com ele. Queria algo diferente. Sem ele. Eu achei que podia fazer essa farra aqui. Lhe acho tão discreto, na sua.
– Claro. Pode vir quando quiser. Tá liberado. Quer dizer, enquanto ele estiver viajando…

Ela abriu uma garrafa de cerveja, bebeu com ímpeto. Ele notou que ela precisava falar mais daquilo, pra desencanar.

– Você tá tensa. Se quiser falar mais da sua relação pode falar.
– Eu tô carente, sabe? Acho que você já percebeu. Eu preciso de carinho, de um abraço.
– Olha, também acho que você tá precisando de um abraço. Eu posso oferecer esse abraço, mas preciso saber se você não vai achar que estou me aproveitando da situação.
– Claro que não vou pensar isso.
– Posso, então, lhe dar um abraço?
– Claro.

Eles trocaram um abraço bem afetuoso. Claro que ele estava com uma vontade danada de se aproveitar da situação. Ela era gostosa de abraçar. Aí ele sentiu lágrimas no peito, onde o rosto dela estava aninhado:

– Desculpa eu chorar. Eu sou mesmo uma boba. Eu queria que tudo se acertasse. Eu não queria trair ele…

Aí ela levantou o rosto e olhou bem dentro do olho dele. E falou com a voz trêmula:

– Mas tô com um tesão enorme.

O abraço foi ficando mais quente. Ele deu um cheiro no pescoço dela e sentiu o arrepio que aquilo provocou. Ela estava tremendo quando ele falou:

– Seu abraço é muito gostoso.
– O seu também.
– Aposto que tudo em você é gostoso. Quero provar mais.

Como resposta, ela encostou os lábios nos dele. Trocaram um beijo bem suave. Depois, foi ficando mais quente. Se abraçaram com volúpia, com força, vontade mesmo. Ele foi beijando o pescoço, o ombro, chegou aos seios. Tirou a blusa dela, enquanto ela tirava a camisa dele. Ficaram nus.

Transaram várias vezes aquela noite, entre um baseado e outro, entre uma e outra cerveja. Ela estava realmente carente.
***   ***   ***

Ela passou a visitá-lo todas as noites. Encerrava as entregas à meia-noite e partia para a casa dele. Ficavam até cinco, seis horas da manhã. Bebiam, transavam, fumavam, transavam, cheiravam, transavam. Foi um teste de resistência para ele. Uma noite ela chegou com um pacote de vinte camisinhas:

– Quero usar todas elas. Se garante?
– Se não garantir, tenho mais dez aí!
Usaram as trinta.

Era assim a rotina. Uma semana que pareceu dois meses, de tantas drogas e tanto sexo. Até que ela ligou, meio aflita:

– Ele vai chegar hoje à noite. Precisamos nos ver agora, de tarde. Pode ser? Não vale dizer que não.
– E se ele chegar antes? Vai lhe procurar e aí…
– Fica frio que eu sei o que faço. Vou praí já. Quero fazer tudo o que posso agora. Vai ficar difícil pra gente se encontrar. Tchau.
– Escuta…

Ela desligou. Ele ficou aflito. Nunca tinha se envolvido com mulher de traficante. Achava perigoso. Ela era muito gostosa e tal, mas ele não estava a fim de bancar aquele jogo. Quando ela chegou, o clima não era o mesmo dos encontros anteriores. Ela o abraçou e ele recuou:

– O que foi?
– Sei lá. Acho que tô com medo dessa situação, medo do seu marido.
– Mas ele não vai saber de nada. Ficamos juntos agora e depois veremos como fazer pra se encontrar.
– Vocês estão sempre juntos, vocês trabalham juntos.
– Isso tem jeito. Às vezes ele sai sozinho pra fazer entrega. E geralmente é pra muito longe. 

Ele fica duas, três horas fora. Vem cá. Vamos pensar nisso depois. Eu tô louca por você!
Aí que ele ficou mesmo apreensivo. Não pensava num caso agora. E logo com a mulher do traficante, que estava apaixonada. E ele desconfiava que também estava apaixonado.
Transaram, mas ele estava muito tenso. Não foi legal. Ela sentiu e foi embora, deixando um recado que ele entendeu como uma ameaça:

Acho bom você ficar frio. A coisa não é tão complicada assim. Amanhã a gente se fala.

Ele não conseguiu dormir. Passou a noite pensando o que fazer para se livrar dessa. Arrumou as malas, desarrumou, tornou a arrumar. Resolveu ficar, não tinha mesmo para onde ir. Além do mais, não tinha feito nada de errado. Só cedeu aos encantos de uma mulher que precisava ser tratada como mulher. Só isso. E o traficante não sabia de nada, ninguém sabia de nada. Será que ninguém sabia de nada mesmo?

Conseguiu dormir pelas sete da manhã, mas foi acordado pela mulher do traficante. Ela chegou junto com o traficante, que foi logo falando:

É o seguinte. Eu tô sabendo do lance de vocês. Ela me contou tudo, com todos os detalhes.

Ele ficou lívido:

Escuta, eu…

O traficante o interrompeu:

Você não tem culpa de nada. Nem ela. O culpado sou eu, que não dei a atenção que ela precisava. Tá tudo certo, parceiro. O meu rolo com ela já tava no fim mesmo. E eu conheci uma pessoa nessa viagem. Vou ficar com ela, quer dizer, com essa pessoa, quer dizer, com ele. É um homem. Descobri que o meu negócio é esse. Então eu tô aqui pra dizer que você pode ficar com ela, se quiser. Ela é dona de metade da mercadoria que a gente negocia. Você não vai ter despesa, ela se banca.

O traficante foi embora e deixou a mulher ali. Ela tinha uma pacoteira de droga:

Isso aqui dá uma boa grana. Vamos vender e multiplicar essa grana. E vai ficar bastante pro nosso consumo. Mas, antes de qualquer coisa, vamos desforrar aquela transa fuleira e dar uma trepada daquelas!

De uma tacada só ele virou traficante. E ela continuou sendo a mulher do traficante.

Ronaldo Rodrigues
  • O universo do Ronaldo Rodrigues é povoado por romances tão insólitos quanto possíveis. A intimidade do autor com os bares da vida e o cotidiano dos bairros populares de Belém do Pará, onde a religiosidade caminha não muito distante da permissividade das boates frequentadas por poetas, prostitutas e outras figuras que nascem, crescem e se reproduzem nas noites boêmias da cidade, faz dele um grande cronista do cotidiano. Suas histórias parecem sempre tão reais que a gente até pensa que são autobiográficas.

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