A rosa – Crônica de Lulih Rojanski

Crônica de Lulih Rojanski

No último dia da quarentena – um domingo – os moradores do edifício Paraíso deixaram o prato esfriando sobre a mesa, o apresentador do programa dominical falando sozinho, o chuveiro ligado, o bebê chorando no berço, os sapatos no meio da sala, a vida de pernas para cima, e correram às janelas para assistir, em reverente silêncio, à queda de uma velha rosa vermelha de um canteiro da cobertura.

“É um pássaro”, disse um menino, louco para apanhá-lo no ar. “É uma borboleta”, disse uma menina, enamorada. “É uma trufa de avelã”, disse a senhorinha que há 300 dias só fazia tricô. Lá pelo sexto andar, a rosa, a quem Deus dera, àquelas alturas da morte, a dádiva de descer com a suavidade de um dente-de-leão, começou a despetalar-se. E o despetalar da rosa vermelha – ainda que já não tenha vida – há de ter sempre, segundo as leis do olhar poético, um pouco de milagre. Como o milagre do único pão, todos os que estavam à janela desejaram um naco. Uma pétala. E estenderam as mãos, súplices por aquela hóstia consagrada contra o inimigo previsível que andava rondando a vida.

Mas a rosa, em pétalas soltas, prosseguiu sua viagem rumo ao chão. Ninguém a alcançou, embora a todos tenha sido possível sentir dela o quase extinto perfume. Assim a rosa cumpriu seu honrado destino. Antes do fim do dia, os moradores do edifício, vendo apagados todos os sinais de alerta, correram à cobertura para ver todas as luzes do mundo se acendendo e para assistir ao esplêndido nascimento de uma nova rosa.

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