A SENHORA W. (Conto de Fernando Canto)

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Conto de Fernando Canto

tfgE6nhA marca registrada da senhora W., a bem dizer o que todos viam nela, era o seu pudor exagerado e sua cara de adolescente com nojo permanente. Em qualquer lugar que estivesse não admitia ninguém falar, nem cientificamente sobre sexo ou se referir aos novos modelos de roupas da moda. Insistissem, ela se retirava do recinto. E sempre encontrava alguma maneira de ridicularizar as pessoas, fofocando ou inventando histórias que pudessem comprometê-las frente aquela pequena sociedade de seu lugar que, aliás, não estava mais tãSalóo pequena assim.

Há tempos, o aparelho de Tevê que o pai lhe dera de presente foi destruído porque um programa que assistia no domingo à tarde mostrava cenas de homens e mulheres em condutas libidinosas, pecaminosas para ela devido a sua formação religiosa e uma carolice incurável. Detestava carnaval, “coisa do diabo”, e nunca mais comprou outro televisor para não perder tempo com besteiras.

obama-encara-brasileira2-reSeus 45 anos, porém, demonstravam um vigor físico e uma certa generosidade que às vezes podia se notar. Mesmo quando se trajava com sobriedade deixava transparecer a mulher que havia por trás daquelas roupas ridículas e fora de moda. E o seu andar miúdo não poderia esconder o balanço meio sensual “daquela bunda”, como disse ao delegado o moleque tarado Fortuno Didhei, de 17 anos, líder de uma gangue do bairro do Igarapé das MulheKearneyres, que tentara possuí-la em uma noite de terça-feira, quando ela voltava da novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Recém-saído de uma casa de detenção, Fortuno já acumulava uma série de crimes nos costados.

– Valei-me, Nossa senhora! Gritara apavorada ao ver o meliante.

Um chute no meio das pernas quase arrancava os testículos do perigoso Fortuno Didhei, que ao prostrar-se na calçada da ruazinha escura, também gritara pela Santa, atraindo a vizinhança e a carolapolícia.

O episódio fizera ela ficar tão ruborizada em seu depoimento na delegacia ao ponto de lhe queimar a face. Apesar da antipatia expressa, foi tratada como heroína pelas carolas da igreja, pois ao chutar no estuprador quase emasculando-o, atribuiu sua força para reagir como um atributo da Santa.download-4

A senhora W. era uma mulher infeliz. O que fazia na igreja e com as pessoas era consequência de um desvio psicológico, que desde que enviuvara a tornara inflexível e fria. Má, quando queria. Casou por pirraça com um comerciante distribuidor de gás oriundo da antiga Guiana Inglesa, muito mais por conveniência e com certa curiosidade para saber o que sentiria em uma cópula. Amor nem pensar. Sofria de prisão de ventre desde os tempos de estudante. Jamais poderia se mostrar mal-educada, ainda mais sendo filha do sargento Grato, o rígido professor de Educação Física de sua escola.

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Sua sensibilidade mudou depois de ser obrigada pelo pai a se casar com o empresário estrangeiro, o guianês negro e gordo que mal falava português e que de longe se anunciava pelo fato de não tomar banho. Mas feito o acerto convencional e o valor do dote velado, na noite de núpcias o distribuidor de gás, mister Woodhead, se cansou de correr nu atrás dela para consumir o ato e resolveu beber. Bebia, comia e soltava altas flatulências. download-5Na noite seguinte também não conseguiu, e tomou outro porre, seguido de roncos e novos sons noturnos. A semana toda esperou pela boa vontade da esposa medrosa que, por ser virgem e não ter grandes referências em educação sexual, jamais admitiria que um membro daquele tamanho penetrasse em sua intocada flor. No sétimo dia, Woodhead esperou até que ela dormisse para estuprá-la. Ao terminar o ato indigno ele se levantou e ingeriu uma garrafa de uísque e o que tinha no frigobar do quarto, contando vitória. Ainda nu, tombou sobre ela expelindo gases e vômito.

A senhora W. ficou cerca de uma hora para se desvencilhar daquele corpo enorme. imagem21Sangrada, violentada e morta de vergonha, chamou a gerência do hotel aos prantos para que retirassem dali aquele corpo monstruoso e sem vida. Foi uma experiência frustrante. E única, pois só a lembrança do fato lhe dava náuseas.
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Esse escândalo a abalou tanto que passou anos em casa apenas rezando e estudando os livros sagrados da Bíblia. Saía apenas para dar ordens no movimento administrativo e financeiro da distribuidora, apesar de detestar qualquer cheiro de gás. Só depois de muito tempo voltou a frequentar a igreja, ainda que persistisse nela o ódio e a arrogância. images (6)Foi quando quase foi estuprada pelo moleque Fortuno Didhei, que agora andava solto, sexualmente impotente e vingativo pelas vielas do bairro. Mas ela resolveu encarar novas relações sociais e passou a ministrar palestras para noivos, adolescentes e mulheres casadas, com a anuência do vigário, por causa das suas altas contribuições financeiras.

Um dia o dito marginal Fortuno Didhei entrou drogado e bêbado no salão paroquial onde ela ministrava um curso. Foi imediatamente repreendido. Então ele entornou a garrafa de cachaça na boca e, debochado, ofendeu a mulher. Ela o enfrentou, Kearneymas os presentes riram dela e começaram a dançar às gargalhadas em sua volta. Sabendo que ela não gostava, iniciaram uma sessão de ventosidades estrepitosas, arrotos, urinas e vômitos, bebendo a cachaça, fumando pedras e se divertindo com aquelas chulices corporais em cima da mulher moralista, com o intuito de fazê-la sofrer. E tantas foram as flatulências que evoluíram para um festival escatológico inusitado no salão paroquial.images (7)

Enquanto os moleques ensandecidos se lambuzavam naquela bacanal comandados por Fortuno Didhei, a Senhora W., caída ao chão, esbugalhou os olhos de pânico ao ver centenas de pombos, moradores do teto do salão, defecarem sobre todos os que se divertiam ainda mais em cima do seu corpo esfarrapado.

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