A última cruzada – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Estou andando pelas ruas de Macapá quase em desespero. Na verdade, estou, sim, em desespero! Crise de abstinência, na certa! Revolta contra esse mundo que parece fechar suas portas pra mim! Bom, acho melhor explicar o que está ocorrendo na minha vida, se é que alguém se importa.

Eu tenho um vício muito forte: palavras cruzadas. Não tenho vergonha alguma de admitir isso e não é novidade pra ninguém. Não posso ficar muito tempo sem uma revistinha de palavras cruzadas que começo a me coçar, ficar vermelho, babar e desmaiar. É a dose de palavras cruzadas que falta na minha rotina. Ah, sim! Por falar em rotina, se eu relatar a minha, pode ser que meu querido leitor compreenda melhor. Não que seja uma coisa muito complicada, mas é inusitado, de qualquer forma, alguém que não consegue viver sem matar as questões das palavras cruzadas. Ou ser morto por elas.

As revistas de palavras cruzadas circulam regularmente pelas bancas de revistas. De tempos em tempos, eu passo na banca (dificilmente vario de banca; minha preferida é aquela ao lado da Secretaria de Educação). Pois bem, já faz quase três meses que faço essa peregrinação até essa banca e nada de as revistas chegarem. As que encontro por lá são aquelas fáceis demais e o meu nível preferido é o difícil. Chegavam três revistas inéditas desse nível e agora não acho uma sequer. Até existem algumas por lá, mas são republicações. Cheguei a perguntar ao dono da banca o que estava ocorrendo, por que estavam demorando tanto.

O dono da banca, depois de tirar minhas mãos do seu pescoço, me deu um copo d’água e pediu pra que eu me acalmasse. Segundo ele, os fornecedores alegam que a editora não está mandando mais revistas de palavras cruzadas. Eu, que já estava calmo, voltei a ter um surto psicótico e gritei a minha indignação:
– Será que pararam de produzir? Resolveram acabar com uma das poucas distrações que tenho na vida? Um dos poucos jogos (talvez o único) em que consigo me sair bem?

O dono da banca me deu mais um calmante, acendeu um incenso e cantou um mantra, até eu consegui relaxar. Ele explicou que existe uma crise no mercado editorial, concorrência com a internet, fim de publicações impressas, preferência do público por edições digitais, mudança nos hábitos dos leitores e… Buááááá!

Que foi isso? Foi a vez do dono da banca começar a chorar, diante do quadro que ele, talvez só naquele momento, começou a se dar conta. Eu o acalmei e disse algo como “isso passa e tal, enfim”, essas coisas. Mas fiquei muito preocupado. Com o impacto maior ainda que a tal da tecnologia trará ao negócio de bancas de revistas e preocupado comigo, remoendo o vazio que as palavras cruzadas estão deixando em minha vida. Fiquei pensando num complô do mundo moderno contra a minha pessoa. Como daquela vez que anunciaram o fim da fabricação de plástico-bolha. Estourar plástico-bolha é outro passatempo do qual não abro mão.

Amanhã vou sair novamente atrás das palavras cruzadas, com todo o entusiasmo de que sou capaz, como um esfomeado em busca de um prato de comida. E se você, meu caro leitor, vir uma pessoa descabelada, andando por aí a esmo, com o olhar desamparado, não tenha dúvida: as palavras cruzadas (e em breve, eu) não existem mais.

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