À venda – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

O Brasil é tristemente notabilizado pela corrupção. E eu, brasileiro confesso, não me confesso corrupto. Mas estou reivindicando meu direito à corrupção. O lado ativo da corrupção, quero dizer. Aquele que se dá bem: não trabalha, enriquece e se aposenta em pouco tempo e com uma aposentadoria porruda. Talvez eu esteja prestando um desserviço à minha consciência e a tantos irmãos brasileiros, que se mantêm honestos toda a vida, mesmo em meio a tanta roubalheira, falcatrua, mamata, negociata.

Claro que isso que estou escrevendo é fruto de desesperança e serve pra exorcizar esse sentimento de impotência e revolta diante dos fatos que se descortinam nos meios de comunicação envolvendo os nossos parlamentares, governantes, “autoridades”.

Por que estou sempre entre as vítimas da corrupção? Se desviam dinheiro da saúde, sou eu que sofro, que tenho que ir marcar consulta de madrugada, pra ser atendido daqui a três meses, que não consigo leito nos hospitais, que tenho que dormir jogado no corredor, que sofro com a falta de medicamento. Se a escola não oferece condições necessárias para o aprendizado, porque o desvio de verba deixa toda a educação à míngua, adivinhe quem será afetado: os meus filhos. Se um grupo político rouba a grana do asfalto, quem cai no buraco da rua? Euzinho aqui. Por isso, resolvi que, se alguém tem que ser lesado nessa história, não serei eu. Não mais.

Eu quero ser corrupto, mesmo que me sinta incompetente pra tal função. E não é brincadeira. Já tentei ser corrupto e vejam só o que aconteceu.

Certo dia, me coloquei na esquina de casa segurando um cartaz. Era um pedaço de papelão com uns garranchos feitos com caneta piloto: “Estou à venda. Aproveitem. Preço de ocasião. Quem dá mais?”.

Devo ter cara de honesto mesmo, pois passei o dia inteiro na esquina segurando esse cartaz e ninguém se interessou. Nem uma tentativa sequer de suborno, nem um convite pra participar de uma maracutaia qualquer. Nem pra ser laranja, o laranja mais otário, aquele que só está no lance pra levar toda a culpa se tudo der errado. Nem pra isso me convidaram.

Resolvi fazer um curso intensivo, uma graduação na área. Catei as minhas últimas merrecas e parti pro maior centro de corrupção do Brasil, talvez do mundo, já que Sodoma e Gomorra foram riscadas do mapa há muito tempo pela ira divina. Cheguei a Brasília, me deparei com aquele antro do crime institucionalizado e respirei bem fundo, pra ver se me entranhava daquele ar viciado de corrupção.

Os corruptos profissionais me ignoraram completamente. A maioria é muito ignorante mesmo e o que resta aos ignorantes é ignorar. Só não ignoram a arte de enriquecer ilicitamente. Além do mais, não fui num período eleitoral, não estavam em campanha, logo não precisavam do meu voto. O único político que notou minha presença me deu um forte abraço e disparou um sorriso onde brilhavam seus caninos de vampiro muito bem cuidados. Estranhei, claro, mas o fato se esclareceu logo. O sujeito me deu aquele tradicional tapinha nas costas e se perdeu no meio da quadrilha. Fui procurar minha carteira, com meus últimos tostões e… nem sinal! O cara tinha levado tudo!

Eu, ovelha pirenta andando entre os lobos granados, empanturrados do meu dinheiro e dos seus, caríssimos leitores, voltei a pensar numa coisa bem irônica que de vez em quando me vem à cabeça: as pessoas morrem de medo de ser assaltadas por quem anda vestido de camiseta, bermuda e sandália e são assaltadas todo dia por quem usa paletó, gravata e os perfumes mais caros, pra cobrir o cheiro da podridão de caráter.

Voltei pra minha cidade, antes de ser totalmente tosquiado, e sigo minha vida de cidadão honesto, já que não sei ser de outra forma. E, para que esta crônica não termine em baixo astral, acredito que esses caras vão prestar conta com suas consciências, se é que eles têm isso e se é que vai chegar algum dia o momento da prestação de contas. O que me resta é seguir o conselho do meu pai, outro honesto incorrigível, esse bem das antigas mesmo, um incorruptível raiz. Ele sempre dizia que trabalho e honestidade são valores que jamais devem ser esquecidos e que, ainda que sejam motivos de chacota, um dia farão toda a diferença.

  • Hehehe… Muito boa…
    Esperemos que os corruptos que lêem…a leiam.
    Mas não te comprem, para em liberdade, escreveres outras.

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