Crônica de Marcelo Guido
Depois de 19 dias, os bombeiros encerraram as buscas. Cansados, exaustos e tristes. Sem a comemoração justa de quem encara o ofício, a missão desta vez, infelizmente, não pôde ser cumprida.
Terras desconhecidas por eles e pelas vítimas. Talvez só os soberanos senhores da floresta sabem de seus segredos e os guardam a sete chaves.
Foram em busca de açaí. Mas que tão saborosa era tal iguaria para valer esse risco? O açaí sem dono, sem grife nascido na terra alagada dos caroços regurgitados por pássaros, plantados por Deus.
Talvez fruto proibido, alimento ilustre de sabor sem igual, lembrava a maçã de Eva.
Os meninos se foram encantados pela floresta e por lá ficaram. A única testemunha do acontecido não pode falar, dizem que o cão nunca abandona o dono. O cachorro deles voltou.
Histórias como essa são escritas e descritas como lendas, viram rezas, viram estórias.
Vão ser contadas para sempre, para que nunca sejam esquecidas. Para que sirvam de lembrete.
Riscos e perigos sempre vão existir, cabe a cada um de nós desafiar.
Fiquem em paz pequenos, encontrem a felicidade em campos verdes e sejam novos caruanas, nos vigiem de seu novo mundo, tomem posse e protejam essa área.
Olhem por nossas vidas e vivam sempre nas matas, nos imaginários todos. Sejam encantados por excelência, sejam livres como vento, dissipados como memória. Virem verde, virem terra, virem vida.
A floresta agora é sua casa.
*Marcelo Guido é jornalista, pai da Lanna e Bento. Como tem um filho pequeno e uma filha adolescente, ele ficou comovido, como todos nós, com o desaparecimento de Renato Siqueira de Jesus, de 13 anos, e Fabrício Oliveira Barbosa, de 14 anos, na região de floresta no norte do Amapá, em abril de 2021.
** Publicado originalmente na época do desaparecimento dos meninos.