Adriano, o Imperador do Povo – Por Marcelo Guido (republicado hoje por ser aniversário do “Didico”)

Por Marcelo Guido

De menino da Vila Cruzeiro, subúrbio do Rio – onde qualquer garoto sonha em um dia ser craque -, abandonar a miséria, extasiar multidões em um Maracanã lotado. Realidade para poucos.

Os Deuses da bola deveriam estar em êxtase quando, no dia 17 de fevereiro de 1982, concederam todo o talento do mundo para Adriano Leite Ribeiro, o Didico.

Alto, forte, rápido deixava em prantos defesas adversárias, a bola sua amiga, era tratada com todo respeito merecido. Ao “matar” caprichosamente a pelota e partir em direção ao gol, era quase a certeza absoluta de alegria para seu povo.

Vestiu as camisas do São Paulo, Corinthians, Parma-ITA, Fiorentina-ITA, Internazionale de Milão-ITA, Roma-ITA, Atlético Paranaense, Miami United-EUA, mas honrou e jogou com o coração mesmo no Flamengo. Ali começou e foi feliz. Didico era o ser rubro negro em vestes totais.

Cria da base, lançado aos profissionais com 18 anos, Adriano não escondia de ninguém seu amor pelo Mengão, a objetividade máxima em procurar balançar as redes o colocou logo no coração da torcida, e a nação rubro negra já sabia que dentro de campo havia um representante seu – suor, garra e vontade não iriam faltar.

Trocado por Vampeta, foi descobrir o Velho Continente. Jogou o que muitos não jogaram a vida inteira. Suas credenciais foram mostradas e ele se tornou Imperador. Em cinco temporadas na terra da bota, vestindo azul e negro, Adriano não ficou um ano sem levantar uma taça; colocou seu nome na história do esquadrão de Giuseppe Meazza.

Formou o Quadrado Mágico na seleção. Muitos acreditavam estar vivenciando o surgimento do sucessor natural do Fenômeno. Calou um time inteiro de Hermanos quando, em uma final de Copa América, acertou um tiraço de esquerda e, aos 48 do segundo tempo, livrou-nos da derrota que já era certa; ali ele foi o craque de todas as torcidas.

Volta para o Brasil, para os braços de sua gente. Para muitos, acabado para o futebol. O menino da Vila Cruzeiro parecia triste; os ares de Milão já não o faziam feliz, muito relacionado ao falecimento de seu Pai, que antes de tudo era seu escudo. Uma boa passagem pelo Tricolor Paulista, 28 jogos, 17 gols.

Mas ele não era paulista; o Morumbi tem seu charme, mas não é o maior do mundo. Reencontrou seu brio perto dos seus, vestiu pela segunda vez o manto rubro-negro e comandou o seu Flamengo rumo ao título nacional, depois de 17 anos; uma campanha de superação, não só do time, mas dele. Didico estava vivo, em riste, calando críticos, sorrindo e sendo campeão.

Volta para Itália, passagem curtíssima pela Roma. Cai nos braços da Fiel Corintiana; o Imperador estava na democracia; outro título nacional, gol importante. A última vitória do time que se sagraria campeão em um zero a zero contra o Palmeiras, uma semana depois.

Entre várias tentativas de voltar ao ápice, todos sabiam que havia lenha para queimar, mas algo já incomodava o menino. Talvez os campos já não lhe enchessem mais os olhos, talvez as glórias já tivessem sido conquistadas; o desafio diário de estar sempre entre os melhores já não lhe caía bem.

O cansaço da rotina já tinha dado as caras para ele e o futebol se despediu de um dos maiores centroavantes que já honraram uma camisa dez.

Foram 207 gols em 429 jogos, por muitos pavilhões e pela seleção brasileira; dezoito títulos profissionais – ninguém que gosta de futebol pode dizer que não foi um vencedor nato.

A volta para seu reduto – ninguém escolhe sua manjedoura, sentimo-nos bem onde somos acolhidos. Talvez Milão tenha seu glamour, com seu vinho, suas belas ruas e mulheres, mas não tem o calor da Vila Cruzeiro.

Onde o Imperador é o simples Didico, situação que enche a boca de seus críticos, e os anos passam e vemos o reflexo da felicidade no seu rosto. Adriano é a prova que podemos viver nossos sonhos e que podemos transformar com talento nossa realidade sem esquecer de quem somos, de onde viemos e para onde podemos voltar com tranquilidade.

Largar o mundo rico do futebol, pela simplicidade da favela não é para qualquer um; é preciso coragem para ser quem você é de verdade. Seja com distribuição de presentes para menores carentes, levando uma lanchonete nunca vista por muitos moradores para dentro da comunidade ou simplesmente andando descalço, sem camisa como seus pares, Didico mostra que sempre foi ele mesmo.

O dinheiro, sucesso mais que merecido por quem batalhou de forma honesta para isso, deu a ele a oportunidade de mudar seu contexto sobre onde viver, mas não lhe tirou o desejo de, em sua essência, procurar a sua felicidade.

Sobre quem achou errada a sua escolha, esse problema não é do Adriano, nem do Imperador muito menos do Didico, esse problema é de Deus; pois então, Ele que perdoe essas pessoas ruins.

Salve Didico, seja você. Realmente é preciso muita coragem para ser feliz.

*Marcelo Guido é Jornalista. Pai da Lanna Guido e do Bento Guido. Maridão da Bia.

**republicado hoje por ser aniversário do “Didico”

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