AMOR, POESIA E PRECONCEITO (carta colhida por Hélio Pennafort) – Fernando Canto

A pena do Hélio parece voar por aí reportando as histórias dos ribeirinhos da costa setentrional do país, onde suas pegadas ainda resistem à chuva.

A pena do Hélio. Apenas ela sabia da grandeza da alma do dono da pena. Sabia de uma alma grandona que não esperava marés e atravessava jardins de espuma sem jamais ter se perdido nos escantilhões deste mundo.

Fernando Canto

AMOR, POESIA E PRECONCEITO (carta colhida por Hélio Pennafort)

Querida Noca,

Escrevo-te somente esta porque não agüento mais a cuíra de saber de nossas difíceis notícias, Noca.

Domingo, no ucuubal, como eu te mandei dizer, não deixa de falar comigo, porque eu quero falar contigo, Noca.

Eu gosto do teu amor, da tua paixão, dos teus carinhos, tão bem como o buritizeiro que adora a mãe lua, quando ela tange com seu clarão as nuvens que não querem deixar o seu luar tocar os brotos das palmeiras, mexer com o siriubal ou alegrar o furo do Jenipapo.

Ainda me lembro, Noca, da primeira vez que te vi na reza da casa do tio Macário. Enxerguei teus cabelos, Noca, clareados pela lamparina, mais bonito do que os cabelos das espigas de milho da roça do Zé Manduca. Teus olhinhos, Noca, eram uma graça… brilhavam mais do que duas porongas de pesqueira, na noite escura, chuventa e panema de peixe…

Tudo em ti é belo, linda Noca, por isto eu gosto de ti. E tu também gosta de mim? Quando já… Eu não sou suficiente nem tenho competência para possuir o amor da garota mais faceira que existe em toda a extensão do Cassiporé. Mas espero um dia ao menos poder te tocar, te acariciar, te cheirar, te beijar… Noca.

*Texto de Fernando Canto, publicado no livro Equinócio – Textuário do Meio do Mundo. Ed. Paka-Tatu. Belém-PA: 2004

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