Crônica de Ronaldo Rodrigues
Sempre que chega a data do aniversário aparecem certos questionamentos. Comigo, pelo menos, é assim. Penso na vida percorrida até aqui e na proximidade da morte. Não penso na morte como algo pesado. Penso nela como recompensa. Pois lá vão algumas dessas paranoias:
– Várias vezes achei sem graça as coisas que me pertencem. Meu nome, meu signo, a data do meu nascimento. Hoje, já superei ou me acostumei com tudo isso, o que mostra minha acomodação diante dos fatos.
– Vim ao mundo meio que de empréstimo. Nada meu me pertence. Meu nariz, meus olhos, meus óculos. A morte deve me libertar dessas coisas e devolvê-las a quem de direito.
– Ninguém me perguntou seu queria nascer gente, pássaro, planta… Aí nasci eu.
– Luto insistentemente para não legar ao mundo e aos meus irmãos de geração as minhas maiores habilidades: o estranhamento, a solidão, a insegurança, a covardia e o medo.
– Sou grato a tudo que me serve. Roupas, sapatos, cigarros, companhias. Não são muitas coisas, mas me contento com elas.
– Gostaria de deixar algo de chuva, de cheiro de terra molhada, de fim de tarde. Algumas pegadas a mais no labirinto da existência.
– Amizades foram feitas, desfeitas, insatisfeitas. Algumas mulheres amadas armadas desalmadas ficaram ao longo do caminho. Flores não colhidas. O que foi e o que poderia ter sido.
– Várias vezes me senti como alguém que foi deixado esperando no cais, na estação ferroviária, no aeroporto, na concha, dentro da caixa de fósforos.
– Por que não fugi com o circo ou tomei veneno? Por que insisto em enfrentar o deserto?
– Tenho alguns companheiros inseparáveis, como a solidão, que me acompanha, a literatura, que me salvou, e Drummond, que me guiou.
– Penso que 90% da humanidade existem somente para atrapalhar a vida dos 10% restantes. Confesso minha impaciência com meus semelhantes. Geralmente, quando alguém me bate, penso em vinganças terríveis, mas fico só pensando e, no final das contas, acabo agradecendo ao agressor.
– O tempo até aqui me foi suficiente. Tive tempo para crer em Deus, tempo para duvidar de Deus, tempo para me reconciliar com Deus. E até me sentir o próprio.
– Devo dizer que sou grato à vida que me foi dada. Fui / sou / estou / serei feliz.
2 Comentários para "Aniversauro"
Criatura criativa!!! Pessoa do bem!! Dure viu!! Q bom ter vc no mundo Ronaldo!! Saúde e sucesso! Abração Aline Salvador.
O Drumond que tá na tua alma tem um doce jeito de nos literar. Parabéns! Vida longa a esse Drumond