Aprendendo com a dor

 

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Certa vez, faz tempo isso, um professor ex-amigo meu, portador de muito conhecimento, orgulhoso e vaidoso de sua vasta cultura, poeta e compositor de renome, cujo nome cintila na Calçada da Fama dos artistas de Macapá, me saiu com esta pérola de ignorância declarada e descarada:

– Eu não me preocupo com esse papo de escassez de água! Vivo na Amazônia, lugar onde tem mais água potável do mundo! Nunca vai faltar água! Isso me dá o direito de esbanjar! Eu tomo banho com o chuveiro ligado o tempo todo! Sem essa de desligar pra eu me ensaboar! Não quero nem saber disso! Faço a barba com a torneira ligada o tempo todo! Quem tem que se preocupar com falta de água é quem vive onde não tem água! Foda-se!

Foda-se digo eu! Que idiotice é essa que esse cara está falando? Se é para ser ignorante assim, pra que ele estudou tanto? Argumentei que esse papo de que a Amazônia é uma fonte inesgotável de água e verde era o que o ensino do tempo da Ditadura dizia, na tentativa de nos tornar orgulhosos do nosso país, enquanto o governo militar vendia a mesma Amazônia para projetos internacionais que em nada beneficiaram o povo brasileiro. Não há nada grande demais para a ganância humana e as águas da Amazônia podem, sim, acabar, se não utilizarmos com a devida consciência. E creio mesmo que um dia haverá a guerra da água, como hoje temos a guerra do petróleo, com os Estados Unidos (sempre eles!) promovendo invasões a países com o pretexto de levar democracia ao resto do mundo quando estão mesmo querendo se apossar do petróleo.

Sem alarmismo, mas já há uma indicação de que as potências mundiais podem entrar aqui e roubar a nossa água. Tempos atrás, elas diziam que o Brasil não tem estrutura, condições técnicas e conhecimento para gerenciar seus recursos hídricos e florestais. Eles, que deixaram esgotar seus recursos naturais, acham que sabem e podem tomar conta dos nossos!

Vejo o Sudeste imerso nessa questão de falta de água e a população arrumando meios de economizar e reprocessar a água. Acho que será sempre assim. Vamos ter que aprender com a dor. Pensar em deixar de desperdiçar só quando a escassez estiver bem na nossa porta. Vejo todos os dias pessoas derramando água. Nas lavagens de carro, por exemplo, as torneiras ficam ligadas o dia todo. Tenho vontade de dizer aos lavadores de carro que essa água vai fazer falta para nós, ainda que moremos diante do maior rio do mundo. Só não digo nada porque, como já escrevi antes aqui neste espaço, o cara pode sacar um revólver e, antes de acabar com a água, acabar comigo.

A melhor maneira de não sofrer com tudo isso é não ter consciência, como o meu ex-amigo citado no início. Mas já que eu tenho, e creio que algumas pessoas têm, vou desligando, aqui e ali, as torneiras ligadas sem necessidade. E as lâmpadas também. Ih! Lá vem outro papo de desperdício, mas esse fica para futuras crônicas.

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