Areia quente – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

O Josi El Marani Roberto amputou as mãos. Dia 17 de Abril de 2000 AC.

O fato é que foram os camelos que derrubaram a tenda e as cordas que a amarravam nas ferragens fincadas ao chão, foram juntas. E Josi ELMarani Roberto foi tentar segurar esta trouxa enorme e pesada que o vento cheio de areia arrastava, foi neste instante que ficou sem as mãos.

Os camelos têm medo de borboletas. Era quase ao pôr do sol, quando isto aconteceu. Os outros membros da caravana estavam trabalhando nos seus afazeres tentando deixar tudo pronto para de madrugadinha reiniciarem a viagem.

Dizem que foi a grande fogueira acesa no meio do acampamento que atraiu as borboletas. Acreditam outros que foi o perfume de jasmim emanado do cartão postal que Saulo mostra, em todas a s paradas, aos companheiros. Recordações de sua viagem a Karutapera.

Ou podem ter sido as estórias de castelos e fadas que o velho Pires de Oliveira de pé, enchendo a jugular de sangue. Conta. E grita! Imitando o seu personagem principal o Mapinguary. Mas ele nem chegou a terminar seu grito desta vez. Por que o grito de Josi EL Marani Roberto foi enorme. Minhas mãos! Minhas mãos!

Os outros membros da caravana correram em sua direção e com um tição da fogueira queimaram o coto amputado. O sangue espalhado no chão foi rapidamente apanhado pelas formigas, que por sua vez foram comidas pelas andorinhas, que mais logo foram caçadas pelos morcegos, que um pouco depois foram comidos pelos falcões.

A tenda foi encontrada na manhã do terceiro dia engatada em uma palmeira. Gabriel guiado por seu cão a recolheu, enrolou as cordas, mas não achou as duas mãos. A caravana seguiu seu caminho, foi seguindo seu rumo para Penha de França.

Josi El Marani Roberto aprendeu a realizar suas tarefas, erguer o acampamento, descascar nozes e tâmaras, encilhar camelos, cavalos, ordenhar cabras, com os cotos do punho, tudo isso com a ajuda dos dentes.

Continuou como membro da caravana, até que eu o encontrei, mais velho, afastado das rotas do deserto. Sentado em um tambor vazio de óleo a beira do cais, de olho nas gaivotas, borboletas, e navios que chegavam de deserto carregados de areia. Era quando descia e ia vê-los descarregar, ficava esperançoso de encontrar suas mãos no meio da montanha de areia trazida do deserto para a construção das pirâmides.

Fora isso era um bom papo, entre a chegada de um navio e outro, contava estórias, fumava e bebia muita cerveja, numa rapidez enorme parecia um camelo com sede, prestes a sair em viagem.

Havia adquirido uma agilidade muito grande com os tocos do punho e com a ajuda dos dentes enormes que usava com uma garra, quase nem sentia falta das mãos. Amolava os dentes correndo com a boca aberta encostada na beira do tambor para dar tempera de aço a eles e afinar seu corte.

Havia se tornado sábio ágil musculoso e violento. Por qualquer pequeno motivo brigava. Enfrentava soldados, marinheiros, cães pitibull e certa vez até mesmo um tigre que escapara da jaula ao ser desembarcado no cais do porto, não foi capaz de escapar de sua fúria. Era um gladiador.

Só temia borboletas. Estas o faziam, como eu vi, esconder-se no tambor até que fossem embora, quando vinham as primeiras chuvas. E demoravam dias circulando em redor do tambor em que se escondia como a procurá-lo.

Foram elas que trouxeram suas mãos, anos depois, que ele limpou e dependurou como um amuleto, agora secas, no cós da calça, e são elas, que quando ele se aproxima caminhando provocam um barulho vindo dos anéis encaixados nos dedos mumificados que imita um som de sino, que denuncia sua chegada a metros de distância.

No dia em que ele morreu, os marinheiros colocaram-no dentro do barril e o jogaram ao mar. As mãos, eles as levaram ao faraó, que admirador daquele aventureiro, contador de estórias, valente e lutador, as mandou colocar em uma estátua de mármore feita em sua memória.

E ela é a única das centenas de estátuas do palácio que com as primeiras chuvas fica cercada de borboletas.

Hoje. Eclipse lunar, meia noite e quinze. Elas começam a cavar.

*Do livro de Contos “Antena de Arame” – 2° Edição 2016 – Rumo Editorial. São Paulo. Brasil.

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