AS MACACAS – Conto de Fernando Canto

Foto encontrada no site Cultura Mix

Conto de Fernando Canto

O carro atolou na lama. Fiz tudo o que podia para tirá-lo do buraco. Não consegui. Desisti. Quando a chuva parou saí à procura de madeira para colocar sob as rodas traseiras, já que o terreno de terra mole fazia ele patinar à menor aceleração.
Ouvi o grito abafado.

Tio Lânqui, tio Lânqui, me tira daqui. Socorro!

A chuva voltara intensa, furava a minha cabeça, tal a força dos pingos. Mesmo assim corri para o carro onde meu sobrinho Mellírio gritava desesperado, com os olhos arregalados na vidraça lateral. Limpei a vidraça embaçada. Ele me viu e gritou novamente.

Tio, tio, me tira daqui logo. Por favor, por favor.

Rápido, abri a porta e abracei meu sobrinho que chorava convulsivamente.

O que houve, o que houve, perguntei aos berros.
– Elas, as ma-macacas, me disse Mellírio, assustado, gaguejando e não falando coisa com coisa.
– As bichas. As bichas peludas…
– Que bichas, garoto, perguntei já meio puto com o comportamento do menino, e ainda mais aborrecido com o atoleiro e a chuva.

Anoitecia rapidamente logo na saída da cidade. E nós ali. Eu puto e o moleque com medo. Tive a impressão de que a gente se perdera naquele intrincado labirinto de árvores e trilhas tão largas quanto estradas, mas cheias de buracos e paus caídos quando demos com a aquela vilazinha decadente caindo aos pedaços. Anoiteceu e um bruto luar se pôs sobre nós. Não havia uma viva alma sequer para nos dar uma informação sobre o caminho que precisávamos seguir. O carro atolado…

O luar era espantoso, parecia um dia, mas de cor amarelo-tênue, pálido, melancólico. As casas de pau-a-pique cobertas de palha uivavam vibrando o vento noturno. Assim pude entender o medo da criança, apesar de não me impressionar com essas coisas.

Passamos a noite inteira acordados. Ao longe ouvíamos um canto ininterrupto de uma orquestra macabra. Eram macacos, sim, que meu sobrinho vira que pareciam cantar nos cumes das árvores gigantescas um hino de guerra, talvez estivessem prestes a nos atacar.

Eu fiquei com o 38 na mão o tempo todo, até que de repente algum regente baixou bruscamente sua batuta e fez o cântico guerreiro parar.

 

Ficamos no carro até surgirem os raios dourados da aurora.

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