As mínimas coisas – Crônica de Ronaldo Rodrigues

14536739_10202118162433152_1276438580_o

Crônica de Ronaldo Rodrigues

E aquele pequeno, bem pequeno mesmo, fiapo da camisa, da calça, que escapa do tecido e sai esvoaçando pela casa, pela rua? Quem dará conta dele no final das contas, no findar dos dias, no apagar das luzes?

E aquele pedaço de unha, bem do cantinho do dedo, aquele que deixa um fiapo de sangue e uma ponta de dor no lugar onde estava esse pedaço de unha? Quem estará registrando tudo isso que vai saindo da gente para mostrar no balanço das coisas que se desgarram de nós?

O fio de cabelo que, se juntasse a todos os fios de cabelo que se soltam do couro cabeludo, daria uma imensa peruca. Será resgatado cada fio de cabelo perdido?

Fico analisando essas coisas, aproximando meu pensamento daqueles que acham que tudo o que fazemos nesta vida passará por um julgamento e servirá de atenuante ou agravante para nossa absolvição ou condenação.

Mas a maioria das pessoas só pensa que os grandes feitos terão relevância ou os grandes segredos serão revelados no final de tudo. Pouca gente pensa no mínimo, na coisa miúda, no que é considerado insignificante.

Será que, no balanço da vida terrena de todas as criaturas que aqui vivem, que por aqui já passaram e que por aqui passarão só terá espaço para as grandes causas, os crimes hediondos, o heroísmo levado às últimas consequências, o retumbante fracasso, o sucesso estrondoso?

Eu não gostaria que este texto se constituísse apenas de perguntas, mas não consigo encontrar respostas para estas questões. Na verdade, devo estar apenas provocando, cavando, levantando pontos de discussão. Creio mesmo que isso não vai dar em nada, só me fazer adentrar mais ainda, e em maior confusão, em querer saber se as pessoas e as ideias que foram descartadas ao longo do caminho serão devidamente avaliadas em algum momento. Ou virão cobrar a falta de tato com que foram tratadas. Será explicado por que amei esta mulher e não aquela? Por que deixei escapar as muitas oportunidades? Por que não tive coragem de cortar os pulsos?

Gosto de crer nas possibilidades e imagino que haverá algum tipo de ajuste de contas com os nossos destinos quando tudo isto que chamamos vida terminar. E que, depois de tudo computado, verificado, esclarecido e cobrado, iniciaremos novo ciclo e ficará a lição de que devemos prestar mais atenção nas mínimas coisas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *