As recordações, os cheiros e o gosto dos sábados em casa

Ir à feira dia de sábados é andar pra trás na linha do tempo e visitar uma época gostosa que levarei para sempre em meu coração. Lembrar do papai e mamãe saindo cedinho para a feira, de mãos dadas, sacola de náilon, ele de bermuda, camisa de botão e sandálias nos pés, ela, de saia e camisa florida ou com a imagem de Nossa Senhora ou vestido. Atravessavam a ponte que liga a Mãe Luzia com São José com a maestria de quem já andou muito em cima de madeira no interior. Voltavam com sacolas de peixes, carnes, verduras, e iniciavam o ritual de sábado: temperar comida para semana toda, som ligado com chorinho, de vez em quando papai interrompia o corte da carne e a mamãe a mistura de temperos para dar uma “rascunhada” pela cozinha.

Como bons ribeirinhos, eles estavam acostumados com peixes, e diferenciavam só de olhar, o pescado novo do moído. Papai foi pescador, e navegou muito atravessando o Amazonas em barco à vela do Bailique até Belém, com a embarcação cheia de mercadorias, ou com o carregamento de madeira. Para ele o rio não tinha mistérios, e conhecia todos os peixes da região, e deles falava com detalhes que deixavam a boca com saliva. Eram estes pescados e mariscos escolhidos com zelo que embelezavam nossa mesa, especialmente aos sábados.

Meu olfato foi treinado para o cheiro de sábado, mais do que dos outros dias da semana, é o que mais faz falta, eles estimulam as recordações e permanecem em minha memória. Cheiro da comida, da caipirinha do papai, do vinho da mamãe, das frutas do quintal, da limpeza feita na casa com capricho, da cera cachôpa ou cardeal passada no piso, do óleo de peroba nos móveis, da carne assando no fogareiro, mujica de camarão, da banana frita, mingau de banana e de tapioca, as coisas de sábado, que até podiam ter outros dias, mas no sábado era feito diferente.

Papai temperava muito bem, mas mamãe cuidava de peixe e carne como ninguém, seu tempero era inconfundível, e o cheiro de sua comida ficava na casa toda e atravessava os muros, fazendo inveja em quem sentia o odor de comida caseira. Fomos acostumados a comer de tudo em casa, de peixes do mato à vísceras, de caça à carne de primeira. Dificilmente comíamos comida congelada, até o frango era abatido em casa, assim como o porco, que também criávamos no quintal. Tudo era muito saudável, a comida sempre fresquinha na nossa mesa, por preferência deles. Mamãe gostava mais de urucum do que colorau, a pimenta ela trazia em grãos, e em casa batia em um pano, torrava no fogão e eu passava espirrando pela cozinha, porque o cheiro dava cócegas no meu nariz.

E os sábados seguiam assim, até a hora do almoço, quando a mesa ficava linda de tanta gente de casa, que vinham comer a comida da mamãe, cozida no fogão ou na brasa, era um entra e sai que se estendia até de noite, porque invariavelmente o almoço emendava com o lanche e a janta. Quando papai comprou o Santa Maria, final dos anos 80, esses costumes de sábado passaram para nosso paraíso, com direito a banho de igarapé e horas de alegrias, união e felicidade da molecada e dos adultos. Era uma carinhosa confusão de redes, moleques atentados, gritaria e muitas, mas muitas gargalhadas. Estas lembranças estão tatuadas em meu corpo e alma. Acho que nossos filhos nunca irão esquecer dessa época, e sinto pena de nosso netos, que não viveram esta experiência de passar dias no meio do mato, brincando de caçar, pescar, jogar bola, alimentar o gado e as galinhas, colher verduras e comer frutas tiradas na hora.

Sempre que posso vou aos sábados na feira, aquecer a saudade. Não aprendi a diferenciar peixe fresco do moído, infelizmente não herdei a aptidão para a cozinha, e mesmo que tivesse facilidade, nunca iria fazer o tempero da mamãe, aquele gosto inconfundível, que não senti mais. A casa não fica mais com o cheiro das comidas e dos costumes da sábado, às vezes eles me vêm do nada na cabeça, já acordei no susto sentindo o gosto do passado e com o nariz empesteado do cheiro da nossa casa, principalmente aos sábados. É nesse dia que eu paro em casa e a saudade aperta o peito e escorre pelos olhos. Sinto uma enorme saudade de nossa vida aos sábados, da casa com quintal e desse depois da reforma que concretou nosso espaço, mas que nunca deixou de ser um local de afeto e reunião da família e amigos.

Mariléia Maciel

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *