Asas pra que te quero – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

De tanto reclamar da demora do ônibus, foi lhe dado o dom de voar. Claro que é difícil explicar ou acreditar em algo assim. Ele mesmo não acreditou. Isso só aconteceu quando abriu os olhos e viu que estava flutuando a uma altura de 20 metros.

Quando a espera do ônibus passou dos 30 minutos, ele havia fechado os olhos e pensado: “Como seria bom se eu não dependesse de ônibus pra chegar ao meu destino, lá no centro da cidade. Quando abrir os olhos, quero estar voando”.

E agora, ele estava ali, flutuando, com suas grandes asas. Sentiu um pouco de vertigem e demorou a acreditar naquela nova condição, de homem voador. Na verdade, um homem flutuador, planador, já que ainda não conseguira nenhum deslocamento.

Depois que passou a vertigem, ficou pensando em como dar a partida. Nem dirigir carro ele sabia, imagine algo parecido com avião… Mas não foi difícil descobrir. Ao pensar em se movimentar para a direita, seu corpo tomou essa direção. “Legal! O voo obedece ao meu pensamento. Muito bem! Quero ir direto para o centro da cidade. Iupiiiiiiiii!”.

Num voo tranquilo, sem escalas, ele chegou ao centro. Como ainda estava se acostumando com aquela situação, teve problema na hora de aterrissar. Não calculou bem a distância e por pouco não se estabacou no chão.

As pessoas em volta ficaram maravilhadas com aquele homem que chegou de forma tão inusitada. Tiraram selfies e encheram o homem de perguntas. Deixou seu contato para quem quisesse dar uma volta pelos ares, assim que ele estivesse mais acostumado com aquilo.

Uma equipe de televisão estava passando pelo local e, claro, o convidou para participar do programa de entrevistas de maior audiência do canal. Ele recebeu um polpudo cachê referente à exclusividade, mas os paparazzi não perderam tempo e, naquele mesmo momento, a foto do homem-pássaro foi parar em milhares de blogs e sites. As redes sociais transbordaram de imagens. Os jornais impressos, dando sinal de resistência à hegemonia da mídia digital, noticiaram o fato e bateram recordes de vendagem.

E assim, de um momento para outro, aquele homem simples, que só queria chegar ao seu destino, foi transformado numa celebridade, num gigantesco furo de reportagem. Mas o grande espanto deste texto não é o relato de um homem que pode voar e, sim, o fato de eu ter desenvolvido esta crônica no tempo de espera de um ônibus da linha Zerão-São Camilo, um tema já visto anteriormente aqui.

Neste momento, ainda estou na parada, esperando o tal ônibus. Estou criando raízes, teias de aranha, rugas, mas nenhum sinal de asa apareceu até agora.

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