Bairro do Trem, o MEU SETOR e o carnaval – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Crônica de Telma Miranda

Atualmente moro, novamente, no bairro do Trem, meu berço, pois a minha avó, dona Amélia, costureira de mão cheia e conhecedora do poder de cura das plantas, óleos e unguentos, veio pra cá junto com o meu avô, Seu Miranda, quando ainda era tudo mato e a linda orla do Santa Inês ainda era a Vacaria.

Quando paro pra pensar na evolução do meu setor, lembro que a minha mãe, Dona Dalva, sempre atuante em sua função social, me levava uma vez por semana pra Vacaria, onde ela alfabetizava voluntariamente adultos através do método Paulo Freire, e eu, criança, não entendia o tamanho do gesto dela, só queria saber de chegar lá, passando pelas pontes, pra ver a cotia de estimação da família que cedia a casa para o feito da mamãe. Quem olha hoje essa orla tão linda, com seus restaurantes maravilhosos, não imagina como tudo mudou tão rápido, pelo menos pra mim.

Quando olho para meus vizinhos, da mesma geração que eu, lembro de como esperávamos ansiosos várias datas, em especial o carnaval por vários motivos:

Piratas da Batucada, Piratão, dono do meu coração até hoje. Cresci vendo minha família vibrando, torcendo, saindo na escola, participando dos eventos para angariar fundos e dos ensaios, ora na antiga sede dos escoteiros, ora na sede do Trem, e CLARO, xingando e brigando na apuração, pois todos queríamos, mais uma vez campeões, participar do desfile da vitória, sempre com o dia amanhecendo que eu achava lindo. Tenho uma tia maravilhosa que durante muitos anos comprava uma ala inteira pra família sair de tão apaixonada. Somos todos Piratas da Batucada apaixonados até hoje.

Futebol a fantasia na Praça Nossa Senhora da Conceição, onde os Solteiros e Casados viravam Dondocas e Bonecas, fazendo a festa desde um tempo não tão politicamente correto, mas que nas minhas lembranças vem carregado de alegria, cor, graça e pureza, com os jogadores vestidos de mulher e até ao jogar tentado ser delicados e finos. Alguns eram mais arrojados, outros mais simples, mas todos carregavam seu brilho e arrancavam gargalhadas de todos, em especial na narração do jogo, que enchia de mais adereços o que culminava no desfile para escolher a mais bela do jogo, e eu, geralmente sentada nos ombros de algum tio assistia a tudo gargalhando.

Baile Rainha das Rainhas do Carnaval na sede do Trem Desportivo Clube, de onde deriva o nome do bairro, que nas minhas lembranças de infância parecia tão grandioso e imponente, e que ainda resiste na esquina da rua General Rondom com a Av. Feliciano Coelho. Disputadíssimo como todo concurso de misses, com as torcidas organizadas e a tradicional revolta por causa do resultado, sempre acabando em confusão, gritos e xingamentos, mas que sempre se resolvia e a festa prosseguia. Eram outros tempos. Se fosse hoje, acho que terminaria na justiça. Eu nunca fui num, mas no outro dia acompanhava os babados através da mamãe, tias, tios, primos e primas. Eu ia no das crianças, quando se vestir de índio ainda não era apropriação cultural (faz tempo, mas abafa o caso!).

Maksuel Martins

E ver A Banda passar tocando coisas de amor com suas marchinhas tradicionais aqui pelo meu setor era e é uma festa também aguardada, com os vizinhos organizando suas fantasias, blocos, mini trios, encontrar os conhecidos, apreciar a criatividade e graça ao lado da família e amigos e depois ir pra casa feliz, comentando que tal fantasia foi a melhor, mas que o bloquinho tal também estava lindo. Mesmo quando não estava morando aqui no Trem, assistir A Banda com os meus aqui sempre foi preferência.

Bairro do Trem, meu Carnaval, vizinhos que ainda estão aqui e que mesmo não sendo mais as crianças que éramos, sonhamos ainda com o Carnaval que vivenciamos e com os que ainda virão, mesmo estando quarentões e cinquentões, mas como o cinquenta é o novo trinta, tenho fé que ainda veremos não apenas A Banda passar aqui pela Feliciano, mas essa pandemia também. Amém.

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

  • Texto da Telma é bom , fluido parece que estamos vendo ela falar …com c”alma e elegância” Adoro !

  • Trem é reduto de amor, alegria , futebol , carnaval e fé !
    É forte …
    Que maravilha você lembrar do ambiente que íamos fazer a alfabetização…hoje , criar cutia não pode !!!!
    Parabéns minha filha!
    Quem tem memória, honra a história!

  • Realmente concordo com o Teco, você é demais amiga, parabéns! Nós que convivemos cada momento do bairro e suas culturas só nos Bate aquela saudade. Obrigado!

  • E tínhamos a temporada carnavalesca do clube do trem . Et 5 dias de muita folia . E o piratão onde a vizinhança toda saia só numa ala . Um incentivando , gritando pra outro cantar , não sair da pista , o outro puxando o bêbado . Bons tempos . Lindo texto sobre o melhor bairro de Macapá

  • Eu nunca assistir a um desfile de carnaval. Mas, enquanto Mestre/Historiador, leio sobre e também sofro ao observar que muitas coisas narradas na crônica de Telminha, se perdeu. Vejo que a arte deu lugar ao cifrão na maioria das diretorias de escola de samba no Brasil… porém, wue isso não desanime quem ainda busca ver em uma fantasia…. muitos Pierrot enamorados por colombinas e muita cultura disseminada pelos dedios digitais dessa nossa alma tucuju … bailarina.

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