Boca de lata (crônica de Ronaldo Rodrigues)

Ronaldo Rodrigues

Como no samba do Paulinho da Viola, “Tinha eu 14 anos de idade...”. Pois bem. Tinha eu 14 anos de idade e estudava no colégio Lauro Sodré, em Belém do Pará. Na minha sala, estudava um colega japonês. O que tenho a falar desse colega japonês é que ele era chamado de Boca de Lata. Era o bullying, sem esse nome, praticado sem a vigilância politicamente correta de hoje. Já era chato naquela época. Quem sofreu/sofre bullying sabe. Quem praticou/pratica, nem tanto.

Prosseguindo. O japonês (não vou citar o nome aqui porque seria meio chato e o Maurício Ishihara jamais me perdoaria, mesmo passados tantos anos) tinha o apelido de Boca de Lata por um motivo que hoje seria totalmente descabido: ele usava aparelho nos dentes. E tinha vergonha daquele sorriso envolvido por um monte de grampos. Pouquíssimas pessoas tinham aparelho nos dentes naquela época, só quem era abastado. O japonês era abastado (e um pouco abestado, mas deixa pra lá. Ao contrário das meninas, aos 14 anos os meninos são muito abestados). Naquele tempo, só quem tinha algum defeito dentário muito sério – e família com grana – usava aparelho. O sarro dos colegas era certo.

Como os tempos e os comportamentos mudam! Hoje em dia, aparelho dentário é a coisa mais comum. O incomum é ver algum adolescente sem aparelho. Alguns ficam até deslocados na turma e arranjam uma maneira de exibir um sorriso enlatado, mesmo que tenham a arcada perfeita e todos os dentes no lugar certo. E não são apenas os adolescentes.

Será que o meu colega japonês, personagem desta crônica e da minha vida colegial (fica frio que não vou entregar o teu nome, Maurício!), desconfiou que seria precursor dessa moda que virou mais um símbolo de ostentação, como o carro, o celular e uma porção de coisas que foram criadas para ter utilidade?

E para terminar a crônica, um filme que a turma ficava imaginando: o Maurício (ih! Falei o nome do cara!) namorando a menina mais chata da escola, odiada por ele e por todo o universo estudantil. Na cena que a gente criava para os dois, a menina beijava apaixonadamente o Maurício e ficava com a boca engatada na boca de lata do japonês.

Desculpa, aí, Maurício, mas aquela menina merecia e essa era a única vingança legal que a gente conseguia imaginar.

Nota do autor: o primeiro nome do japonês é Maurício mesmo, mas o segundo nome (Ishihara) é fictício, já que não lembro do nome verdadeiro. O final, a história do filme, também é de mentirinha. Eu precisava terminar esta crônica com um toque de humor, né?

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