Carta para meu ex-senhorio – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Adeus. Estou de partida. Estou deixando a sua casa. Por favor, aceite o que deixo. Sei que o senhor não precisa dessas coisas, mas pode doar, se quiser doar, doa a quem doer.

Aí vai o inventário, quase inventado, do patrimônio que ora outorgo ao senhor:

– Um guarda-roupa que já chegou velho na minha vida. Nele, deixo guardadas roupas, como seria de se esperar, já que se trata de um guarda-roupa. As roupas estão velhas, mas em ótimas condições de reaproveitamento, basta uma boa lavada. As pessoas que vão receber as roupas devem desempenhar essa tarefa.

– Um colchão, também velho, que recebeu sonhos tranquilos e alguns pesadelos bem agitados. Também tive sonhos eróticos, mas não cheguei a gozar no lençol, nem no colchão.

– Uma cadeira e uma mesinha, em que muitas vezes produzi os textos que os meus leitores recebem, vez em quando, aqui neste blog.

– Um ventilador desses bem grandes, que fazem um barulho ensurdecedor quando funcionam. Quando funcionam, o que não é o caso deste. Ele ainda pode ser consertado, mas duvido que volte a funcionar sem fazer o tal barulho.

– Três pares de tênis que se preparavam para dar no pé quando foram capturados pelo Esquadrão Caça-Quinquilharias-Tralhas-Trecos, formado por este escriba que digita estas mal tecladas linhas.

Outras coisas:

– Deixo a pia do banheiro sem funcionar, mas ela já estava assim quando ocupei o apartamento.

– A lâmpada do banheiro queimou e eu não tive dinheiro para comprar outra. Peça ao próximo inquilino que providencie a reposição.

– A durabilidade da lâmpada da sala deve ser alvo de todos os elogios. No tempo todo que aqui passei, mais de dois anos, a lâmpada sequer oscilou, mesmo com todas as quedas de energia que a companhia (ir)responsável foi capaz de descarregar sobre nós, pobres (e cada vez mais pobres) contribuintes.

Ao futuro inquilino que vier ocupar este quarto que já foi minha cidadela inexpugnável faço votos de que não seja perturbado pelo eco dos meus pensamentos e sonhos que ficarão impressos por muito tempo ainda nessas paredes.

Obrigado pelo período em que o senhor permitiu que eu passasse na sua casa. Quando eu tiver uma casa, faça uma visita, tome um café, fique por cinco primaveras. Minha casa sempre será sua casa, casa de todos nós.

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