Carta para Osmar Jr. (De Obdias Araújo para Osmar Júnior).

Os poetas Obdias Araújo e Osmar Júnior – Foto: Flávio Cavalcante

Arquipélago do Marajó, 29 de julho de 2018.

Osmar Júnior, meu irmão de folia e brincadeira:

Às dez e cinquenta e um do dia vinte e oito de Julho de dois mil e dezoito a campainha toca por três vezes. O paquiderme escarra bolas de fumaça diesel, estremece e dispara.

Para trás fica o Porto de Santana com sua multidão de putas, escreventes, engraxates, jogadores de porrinha, jesuítas, um mergulhão entontecido e um imenso telhado de madeirite onde se leem fonemas de quatro metros por um e quarenta e cinco: Peter Von Schupemberg.

As redes se revoltam entrechocantes e um cheirinho bom de camarão frito é a tua mãe desaba insubitamente assaranhando os cabelos da moça bonita que usa óculos porque a cachorra é quase invisivel a olho nu.

Tudo é divino tudo é maravilhoso até por ser uma viagem de vinte e quatro horas que a poesia não explica complica e o leitor almejando vida mansa tem mais é que lamber sabão, enxugar gelo ou chupar um canavial de pregos!

Estou te escrevendo esta carta porque neste lado desfilam intermináveis acres de açaizeiras esguias e na margem esquerda se vê um pequeno cemitério com suas lápides de pau mulato ucuúba e sucupira escoradas na lama. Aposto que está cheio de curumins natimortos.

São 16 e 52. A chuva purifica as sarnefas do velho Breno que avança paranás acima bufando feito o burro do Pitaíca na temporada de equino cio. O clima é propício e velhas lembranças cochicham em meus ouvidos.

Você lembra? Sentados em roda na sala da tua casa na Av. F.A.B NÓS chorávamos sorrisos da mais genuína satisfação, posto que nos víamos nos sentíamos e nos amávamos poetas. Eu era o ancião do Grupo. O cara que estava ali só de passagem. Eu já sabia de cor e salteado a trêbada cartilha de Baco. Vocês, não. Eram imberbes. Franguinhas do primeiro ovo. Efebos. Putinhas de primeira quaresma. Seminovos! Semivirgens! Léguas de possibilidades escancaradas à frente.

Eu sabia, Osmar. Te juro que eu sabia que tu não mudarias de voz sem que teus talentos fossem todinhos eles vistos e revistos à exaustão. Sabia que teu nome ficaria escrito ad æternum no mármore das sapopembas dos ipês e samaúmas deste norte daqui.

O Amadeu (ou teria sido o Zé?) oraculou naquela tarde. Disse mais ou menos estas palavras: “vai chegar o dia e este dia virá em que cada um de nós irá proclamar o evangelho na sua peculiar maneira. Cantará sua própria modinha! E as montanhas dançarão até cair no mar!”.

Poetas Osmar Jr., Obdias Araújo e Bruno Muniz. Foto: Arquivo Pessoal do Obdias.

Hoje por volta das treze horas ainda havia metade da Baía de Macapá para vencer e eu lia o livro do Bruno Muniz. Moleque bom! Mais um que chega! Fico feliz à beça quando sou testemunha da surgimentação de um novo Poeta. Novo, não. O Poeta sempre esteve lá. Atemporal e belo. Magnífica gema que o soluçar dos tempos irá lapidar. O Bruno Muniz bem que merece este parêntese.

O sofrimento, meu poeta, o sofrimento cansa. O desamor, a perfídia, a traição te solapam por debaixo. Vêm das florestas intocadas e dos abismos subterrâneos. Das colinas do Strong Foot. Das masmorras dos anjos decaidos. Senão, como explicar o fato de que as canções expressas em tom relativo menor são as que tratam de angústia, solidão, tristes adeuses, desilusões e infidelidades?

Houve um tempo em que minhas dores eram de cristal. Acho que te chorei sobre isso. Meu coração estava todo pichado de tanto gemer! As meninas jogavam seus patacões sobre ele. Pulavam macaca nos meus sentimentos.

Hoje isso tudo mudou. A trilha musical de minha vida é tudo o que eu queria. Um acorde perfeito maior.

Uma angelina mulher de todas as idades desenha cafunés em minha cabeça. Tatua meiguices em meu grisalho coração. Ela é branquinha como a branca lã desfilando a sua tez amorenada pelo Saara de seus antepassados.

Você, Osmar, é um poeta no mais sublime conceito desta palavra. Você é humano! Revolucionário! Formalmente bom!

Você é Macapá! É Lino e Waldir Lira! Pavão e Dona Onça! Zé Crioulo e Pintão!

Agora, Poetinha, vou rezar um terço e dormir. O Scania 650 Horse Power respira alto um interminável mantra qume induz ao sono. Amanhã te falo do cardume de guarás voando baixo demandando o ninhal.

Por tudo isso que te digo, sei do impossível de conjugar o verbo Poesia sem lember teus versos. O resto, eu não conto. Metam as unhas na argila do Cassiporé! Țá tudo lá!

-Sem mais para o momento, vai para ti um beijunda deste velho de embornal vazio. Deste menino com olhos de goiaba. Deste poeta que soluça ternura.

-Teu fã e amigo
OBDIAS Alves de ARAÚJO.

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