CARTAZISTA: Um olhar urbano da crise econômica na pandemia (Por Fernando Canto)

Por Fernando Canto

Depois das perguntas de praxe, o delegado encara o preso e pergunta:

– O que é que tu fazes na vida além de vender drogas por aí?
– Sou letrista eu, falou Tinzinho, cheio de empáfia.
– Quer dizer que tu és compositor igual ao Osmar Júnior… o Zé Miguel…?
– Não, só letrista, com muito orgulho.
– Huumm! Ah é, é. Mas onde é que tu publicas teus trabalhos, malandro? Na baixada?
– Não, doutor, lá no centro.
– Como assim? É na banca do Dorimar? Em alguma livraria ou na boca de fumo?
– Não, doutor, é nas esquina.
– Como assim?
– Sou letrista e cartazista eu.
– Diz logo, seu féla. Não me deixa ficar enfezado.
– É que eu tô desempregado. Faço qualquer negócio.
– Para com a mentira. Olha a palmatória….
– É que eu me divido entre vender droga e fazer as letra eu.
– Quer dizer que és universitário, hem? Tu também vende drogas pros intelectuaisinhos da Universidade?
– Não, doutor.
– Me dá essa mão aqui.
– Pelamor, doutor. É com essa que eu faço as letra.
– Que letras, caralho?
– Dos cartaz.
– Que cartazes, filho de uma égua?
– Ai, ai, ai, doutor, não me bata.


– Não vou bater. – Ô Alcinão, dá-lhe um sapeca aiai nesse traficante safado e mentiroso. Olha só a conversa do malandro…
– Por favor, por favor, seu doutor delegado…
– Diz logo, seu corno. – Pra quem é que tu vendes essas porcarias.
– Eu pego com o Papacu lá do PHelp. E com o Cleoinsano da baixada Pará. Pronto. Falei. Não me bata doutor nem mande esse monstro aí me bater também de novo.
– Porra, Alcinão o artista aí te chamou de monstro… Se eu fosse tu não alisava.
– Ai, ai, ai, doutor não deixe ele me bater.
– Tá bom, mas tu vais me dizer que cartazes são esses. É propaganda pra vender drogas? Ou tu és cafetão de alguma putinha de menor?
– Não, seu delegado. Longe de mim ser isso.
– E como é que tu faturas, como ganhas teu l’argent?
– O que é esse tal de larjan, delegado.
– Não enrola, rapá. Olha o Alcinão só te abicorando com a palmatória. – Diz logo, porra!
– Eu escrevo os cartaz de papelão pros meus amigo desempregado que ficam pedindo nas esquina do centro da cidade. Cobro dez real. Pode ver, doutor, a caligrafia é a mesma…

O delegado coça a cabeça, respira fundo e fala:

– Ô Alcinão, libera esse artista filho da mãe. Cada um que me aparece…

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