Carvão Molhado (*) – Crônica atemporal de Fernando Canto sobre Eleições

Crônica de Fernando Canto

Nestas eleições há muito político por trás de campanhas de candidatos acendendo carvão molhado. Quem será que vai decolar, considerando os votos da capital e do interior? Embora não haja, até agora, pesquisas confiáveis para se ter uma ideia do que vai acontecer nas eleições de 02 de outubro, existem especulações sobre vencedores e perdedores, medidas por meio dos fofocômetros e das rádios cipós, órgãos tão culturalmente brasileiros.

Tal metáfora serve para dizer que o interior é o alvo daqueles que pretendem investir no próximo pleito, já começando agora, e proporcionando aos candidatos municipais algum tipo de benefício ou auxílio financeiro para a troca inevitável de apoio no futuro. Entretanto, se sabe que nem sempre isso é possível; que muitas vezes a aposta feita em certos candidatos flutua na enganação porque as campanhas são maquiadas por eles. Não é toda vez que o “investidor” percebe as artimanhas do apoiado e continua a acreditar nele, não se importando (ou fazendo vista grossa em função de compromissos assumidos) se o carvão molhado não vá pegar fogo nem que se bote gasolina.

Certa vez, um cabo eleitoral muito requisitado levou um deputado federal à sede de um município para apoiar o candidato de uma coligação a prefeito. Foi feito um comício com a presença de artistas e dançarinas e um imenso público que nunca havia assistido a um showmício. No dia seguinte o deputado realizou uma maratona de compromissos, naturalmente visando a conquista de novos eleitores para sua próxima campanha. Comeu feijoada, bebeu cachaça e comeu tira-gosto de peixe apimentado no tucupi com representantes populares, carregou e beijou crianças de colo, deu algumas “ajudas” aos eleitores, pediu votos para o candidato e por cima ainda teve que dançar a valsa dos quinze anos da filha deste, além, é claro de doar um belo presente à debutante. Depois que foi embora só recebia recados do candidato pedindo mais dinheiro para a ”boca de urna”, pois a eleição já “estava no papo”. O resultado esperado logicamente não ocorreu. Essa é uma história comum. Tão comum que o povo, cansado de ser enganado, também usa da arma do voto para enganar os políticos, já sabendo do cenário eleitoral.

Essa insistência de políticos que estão no poder em apostar em seus aliados está muito clara na atual campanha. Nunca se viu tanto candidato filho de deputado ou que não tenha algum grau de parentesco com algum político. Pelo lado profissional ou da escolha da carreira não vejo nenhum problema. Há médico filho de médico, artista filho de artista, professora filha de professora. Por que não pode haver político filho de político? Apesar de aí perpassar um sentido aparentemente inócuo, no fundo o que se quer é a manutenção do status quo e o aumento do poder econômico de uma classe política que se estabelece sem dar chances a outras lideranças, e que falseia e torna injusto o discurso da democracia. Mas ainda bem que muitos deles são verdadeiros carvões molhados. Pode assoprar que não vão acender.

(*) Texto de 2010, a propósito das eleições em outubro, publicado no Jornal “A Gazeta”.

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