Poema de agora: SOLILÓQUIO SOBRE O TEMPO – Patrícia Andrade

SOLILÓQUIO SOBRE O TEMPO

o olho do invisível
está cravado em mim

é chegado o tempo

de afiar a navalha
cortar a palavra
rasgar o verso

desafiar essa vida canalha
reinventar a lavra
soltar o verbo

porque o tempo
não cabe na ampulheta
não volta
não para
não faz pausa
e nem exceção

é moto-contínuo
sem rédea ou limite
é estrada sem curva
é ida sem volta

o tempo porém
é remédio pra tudo
é cura pros males
é solução

Patrícia Andrade

Poema: MACAPÁ, BEM-TE-VI – Pat Andrade – Macapá 263 anos

Foto: Floriano Lima

MACAPÁ, BEM-TE-VI

Caminho pela cidade deserta…
Vazia de carros.
Vazia de gente.
Tanta coisa distinta…
Casas caíram,
Prédios se ergueram…
Mas em ambos, o abandono
Predomina.
Mudaram nome de bairros:
Não tem mais Igarapé.
Já não há mais o Laguinho;
Agora são outras as águas
Que nem vejo rolar…
O Barão perdeu o título,
E o Portinari agoniza
Tentando se recuperar.
Um cão sem dono
Me corta o caminho
Sem alegria
(não abana o rabo)…
Da mangueira antiga
Um passarinho grita
Que bem me vê.

Pat Andrade

Poema de agora: MACAPÁ, MINHA CIDADE – Pat Andrade – Macapá 263 anos

Foto: Richard Ribeiro

MACAPÁ, MINHA CIDADE

Minha cidade comemora
mais um ano de existência.
Digo minha, porque dela
me apodero, todos os dias,
em dura jornada;
todas as noites,
em longas caminhadas.
Macapá me cobre
com seu céu inconstante,
me descobre em versos e rimas;
me abriga em seus bares,
em suas ruas, em seus becos,
em suas praças, em seu rio…
Macapá me expõe, me resgata,
me ampara, me liberta…
E aqui permaneço,
retribuindo com meu amor,
minha esperança
e minha alma de poeta.

Pat Andrade

Poema de agora: DESAJUSTES – Patrícia Andrade

DESAJUSTES

uma parede sem prumo
uma porca sem rosca
uma faca sem corte
um barco sem rumo

um sapato sem solado
uma camisa sem botão
uma caneta sem tinta
um copo quebrado

uma espada sem fio
um isqueiro sem gás
uma caneta sem tinta
um bolso vazio

um beco sem saída
uma rua sem casa
um quarto sem janela
uma merda de vida

Patrícia Andrade

Poema de agora: ÊXODO – Patrícia Andrade

ÊXODO

vestiu-se de mar
e saiu pra ver o mundo
com seus olhos
há muito fatigados

sem se importar
com o futuro
seguiu em frente
desprendeu-se
do passado

partiu sem nada nas mãos
abandonou aleivosias
recusou a vil bagagem
levou apenas o coração

de cidade em cidade
em cada esquina
foi deixando
o pouco que tinha

um nada de dor
uma réstia de sorriso
um brilho no olho
um gesto de amor

sem olhar pra trás
ia e vinha
caminhava sozinho
seguia a própria trilha

em torno dele
vez em quando se via
estranho redemoinho

era assim que retomava
nas mãos calosas
o seu destino

Patrícia Andrade

Poema de agora: SOPRO – Patrícia Andrade

SOPRO

pela estrada deserta
o céu ameaça desabar

meu coração cálido
se comove
com a brevidade da vida
de uma borboleta

a morte azul e preta
se desenha dura e seca
sobre o asfalto quente

uma saudade
escorre
pelo meio-fio

len
  ta
        men
                 te…

os carros
correm
indiferentes

meu coração
amiudado e triste
implora aos deuses
apenas um sopro
de eternidade
para tudo o que for
belo e ausente

Patrícia Andrade

Poesia de agora: PARA O POEMA – Patrícia Andrade

PARA O POEMA

aqui dentro da gente
o poema inquieta
desassossega
mas não sai

é necessário
a tristeza completa?
é preciso a angústia
habitar o poeta?

não precisa ser assim
não precisa da dor lírica
não precisa da aflição
e também é dispensável
o desespero da solidão

para o poema bastaria
uma serenata ao luar
ou uma canção popular

para o poema bastariam
os cabelos molhados de chuva
a boca úmida de desejo

para o poema bastaria
o orvalho da noite
o vento alegre
na folhagem

para o poema bastaria
uma manhã de sol
a tinta azul
a se espalhar pelo dia

bastaria para o poema
despertar do pesadelo
da folha em branco
deixar fluir a utopia

escrever rios de amor
navegar uma paixão
e desaguar em poesia

Patrícia Andrade

Poema de agora: DE POESIA E VIDA – Patrícia Andrade

DE POESIA E VIDA

me fiz poeta
para saciar o desejo
de tocar o íntimo das coisas
que não posso ver

me fiz poeta
para permitir
que a escuridão me envolva
sem que eu jamais possa
errar o caminho de volta

me fiz poeta
pra me entregar
aos pecados do mundo
sem temer a dor
da penitência

me fiz poeta
para me atirar livremente
dos mais altos penhascos
sem o medo da queda

me fiz poeta
para morrer um pouco
a cada poema
e renascer de novo
a cada dia

Patrícia Andrade

Está pronto PORQUE NEM TALVEZ: o quinto livrinho virtual da poeta Pat Andrade

A poeta amazônida é colaboradora do Site De Rocha!; tem poemas publicados na coletânea Jaçanã – Poética Sobre as Águas, na Revista LiteraLivre, na Agenda Cultural e em outras coletâneas editadas durante a pandemia. Seu trabalho é estudado por acadêmicos do curso de Letras da Unifap e em escolas da rede pública estadual do Amapá e do Pará. Pat divulga seu trabalho autoral, há mais de 13 anos, em publicações que ela mesma produz.

Nestes tempos de pandemia, reinventou a maneira de mostrar sua poesia, fazendo vídeos ao vivo e editando livros em PDF. São cinco ao todo. O mais recente, PORQUE NEM TALVEZ, já está circulando pelas redes.

Os livros virtuais, além de serem a principal ferramenta para divulgação de seu trabalho como poeta, também são sua fonte de renda. E a maneira como ela vende seus livros é peculiar: cada exemplar custa apenas o que você quiser/puder pagar por ele. Costuma dizer “que o valor do livro está entre o que o coração manda e o que o bolso permite”.

Então, aos que quiserem/puderem adquirir, façam contato pelo Whatsapp: (91)99968-3341. Você faz o contato. Ela te envia o livro. E em tudo há poesia.

Poema de agora: Filosofia barata – Pat Andrade

Filosofia barata

organizar as ideias
em ordem alfabética
e arrumar na estante
para quando precisar

essa a prioridade
do homem que sonha
do indivíduo que escreve
que faz poesia

imaginar o que sente
o eletricista
adivinhar o que pensa
o carteiro
divagar sobre morte e vida

arriscar a sorte na loteria
pagar a conta de luz
(mesmo sem energia)
dez por cento para jesus

oferta canalha
promessa vazia

Pat Andrade

Poema de agora: Despertar – Pat Andrade

DESPERTAR

a chuva escorre em mim
borra o batom carmim
pintado na boca molhada

descarto planos de fuga
rasgo mapas sem trajetos
redesenho alegrias

resgato o desejo de vida
desperto a esperança
que julguei perdida

em silêncio agradeço
enquanto adormeces
nos meus braços

Pat Andrade

Poema de agora: LEVEZA – Pat Andrade

LEVEZA

ela corta corações
às oito da manhã
e leva o café na cama
tem o passo leve
só porque ama

ela faz orações
pede e clama
sempre à flor da pele
cede, acalma, reflete
tece lenta trama

ela canta canções
acende a chama
quando se revela
é luz, é brilho, é bela
é amor que se derrama

Pat Andrade