Poesia de agora: Ucrânia – Pat Andrade

“Vocês são ocupantes, são fascistas. Por que vieram aqui com armas? Leve no bolso essas sementes de girassol, para que elas brotem quando vocês morrerem aqui” – Frase da senhora ucraniana para soldado russo no momento desta foto.

UCRÂNIA

na televisão gritos de horror
em uma língua estranha

mais uma vez a estupidez humana
arreganha os dentes podres para o mundo
à noite o céu clareia de um jeito mórbido
o coração do homem faz escuro

uniformes e coturnos
pisam escombros de muitos lares
os dias amanhecem sangrentos
mísseis e bombas cortam os ares

[é o futuro da gente ficando cinzento]

a mão inocente condenada à morte
ainda quer regar as flores no jardim
mas não há nada que brote
não há flor nem fruto
não há pão nem vinho

morrem homens mulheres
e seus meninos
os deuses fecharam os olhos
outras mãos tecem seus destinos

Pat Andrade

Poema de agora: MUNDO INVENTADO – Pat Andrade

MUNDO INVENTADO

era um desenho em giz de cera
uma estrada de mentira
com um céu bem azulzinho

lá por cima da mangueira
gritava alto uma arara
um gavião voava no horizonte
e o sabiá cantava afinado

era um quintal bem verdinho
com goiaba e manga espada
um pé de abiu um limoeiro
e jaca madurinha

era um mundo inventado
com unicórnio cintilante
ursinho cor-de-rosa
e uma vaquinha azul

nas tardes de sol tinha jardim
com grilo formiga e borboleta
rosas meninas e mil flores douradas
tudo pintadinho nas paredes caiadas

na casa pequenina
enfeitadinha de flor
morava uma menina cega
que pintava tudo de amor

Pat Andrade

Poesia de agora: RESPIRO – Pat Andrade

RESPIRO

quando preciso ser mais forte
é minha poesia que me dá suporte
quando minha voz se cala
é minha poesia que fala
quando me sinto triste
é minha poesia que subsiste
quando a angústia aumenta
é minha poesia que me sustenta

então não cale minha poesia
não encarcere minha rima
não sufoque minha lira
deixe que ela viva e grite
as dores do mundo
que chore e sofra o meu penar

é minha poesia que me faz respirar

PAT ANDRADE

Poema de agora: Caboca tatamirô (para Adriana Abreu) – Pat Andrade

Adriana Abreu – Foto: arquivo do poeta Herbert Emmanuel

Caboca tatamirô
(para Adriana Abreu)

essa caboca bonita
da pele morena
só toma caldo na cuia
cuida do gato que mia
consola o cachorro que uiva

essa caboca morena
tem um cabelo de cacho
só dorme embalada na rede
só se banha com água fria
só come doce do tacho

essa morena caboca
cata semente de dia
de tarde faz arranjo de flor
vive tecendo poesia
se derrama toda tatamirô

Pat Andrade

Poesia de agora: O SORRISO DA LUA – Pat Andrade

O SORRISO DA LUA

o dia
bateu a porta
na minha cara
e a noite
rosnou para mim…
quando pensei
que não me restava
mais nada,
veio a lua
e me sorriu
na madrugada

Pat Andrade

Poesia de agora: Filosofia barata – Pat Andrade

Filosofia barata

organizar as ideias
em ordem alfabética
e arrumar na estante
para quando precisar

essa a prioridade
do homem que sonha
do indivíduo que escreve
que faz poesia

imaginar o que sente
o eletricista
adivinhar o que pensa
o carteiro
divagar sobre morte e vida

arriscar a sorte na loteria
pagar a conta de luz
(mesmo sem energia)
dez por cento para jesus

oferta canalha
promessa vazia

Pat Andrade

Poesia de agora: Serenata para a chuva – Pat Andrade

Serenata para a chuva

Quando a dor
me tira o sono,
faço uma prece…
Medito em silêncios
que me aparecem
em infinitas gotas…
Estico os braços
até o limite da noite;
De olhos fechados,
canto pra chuva
e espero a dor passar…

Pat Andrade

Poema de agora: Macapá, minha cidade – Pat Andrade #Macapa264Anos

Foto: Elton Tavares

MACAPÁ, MINHA CIDADE

Minha cidade comemora
mais um ano de existência.
Digo minha, porque dela
me apodero, todos os dias,
em dura jornada;
todas as noites,
em longas caminhadas.
Macapá me cobre
com seu céu inconstante,
me descobre em versos e rimas;
me abriga em seus bares,
em suas ruas, em seus becos,
em suas praças, em seu rio…
Macapá me expõe, me resgata,
me ampara, me liberta…
E aqui permaneço,
retribuindo com meu amor,
minha esperança
e minha alma de poeta.

Pat Andrade

Poema de agora: APELO – Pat Andrade

APELO

a poesia quer
que você se espante
que você se assuste
que você se choque
e se escandalize

a poesia precisa
que você repense
que você opine
que você pare
e analise

a poesia implora
que você fale
que você grite
que você pule
e se manifeste

é urgente!
é necessário!
é preciso!

deixe que esse grito
se liberte que ele ecoe
e alcance o infinito

permita
que sua garganta doa
que ela inflame
que fique rouca

mas não se cale
quando seu irmão morra
quando a pátria mãe chore
quando o estado nos mate
quando o mundo precise

não seja um covarde
não seja um covarde

Pat Andrade

Poema de agora: Epílogo de uma história de amor – Pat Andrade

Epílogo de uma história de amor

quando o amor acabou
o andor se quebrou
o mingau desandou
o arroz queimou

pela primeira vez
foi João quem chorou
pediu e implorou
rezou com fervor
pra Jesus e Nossa Senhora

de nada adiantou

mesmo assim
Maria foi-se embora
não aguentava mais
pôs na mala os vestidos
a escova de dentes
e seu sorriso mais triste

partiu sem demora
sem olhar pra trás

no canal que enchia
jogou a chave fora

nem ela sabia
que era capaz

Pat Andrade

Poema de agora: Artimanhas – Pat Andrade

Casal de poetas Marcelo Abreu e Pat Andrade – Foto: arquivo Pat Andrade

ARTIMANHAS

eu adivinho teus olhos
por trás dos livros
e escrevo mil poemas
sobre eles

ensaio sorrisos
por trás da máscara
e invento causos
pra te fazer sorrir também

misturo as cores da tarde
com as estrelas da madrugada
capto sutilezas
antes que a eterna
nostalgia nos alcance

quebro a ampulheta
arranco os ponteiros do relógio
quero parar o tempo
mesmo sabendo
ser impossível

congelo o momento
para guardar na fotografia
te distraio com flores raras
e anuncio discretamente
o meu amor

Pat Andrade

Poema de agora: O primeiro amor na Amazônia – Pat Andrade

Ilustração de Ronaldo Rony

O PRIMEIRO AMOR NA AMAZÔNIA

quero te contar
que Eliana chorou
quando viu o barco
enfeitado de luz
cortar o rio
deixando o porto

a quilha cortando
laços e promessas

cheia de espanto descobriu
que a maré faz dançar
a lua e as estrelas
enquanto embala a saudade
pendurada no punho da rede

seu coração batia oco
no casco do barco
quase despedaçando
a cada onda mais forte

na beira do rio
(agora distante) ficaram
seus olhares mais longos
e seus gestos mais doces
para o moço pescador

durante a viagem
aprendeu com as águas
como dói renunciar
ao primeiro amor

Pat Andrade

Poesia de agora: Bye, bye, Belém – Pat Andrade (em homenagem aos 406 anos da capital paraense) #Belém406anos

Bye, bye, Belém

Meus passos de novo…
Não mais Cidade Velha.
Não mais Bengui.
Não mais Bar do Parque.
Não mais Feira do Açaí.
Mesmo assim,
Do velho cartão postal,
Belém acena e me sorri.

Patrícia Andrade

Poema de agora: DILIGÊNCIA NOTURNA – Pat Andrade

DILIGÊNCIA NOTURNA

nas noites sem sono

tento tecer poemas
feitos de alvoradas
de mesas de bar
de palavras embriagadas
de madrugadas desfeitas

tento tecer poemas
de olhares distantes
de toques ausentes
de bocas sedentas
de amores imaginários

tento tecer poemas
de mãos quentes
de beijos doces
de leitos perfeitos
de finais felizes

tento tecer poemas

Pat Andrade