Meu esporte favorito – Conto de Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena

Conto de Lorena Queiroz

Quanto mais a vida batia, mais eu bebia. Acredito que para escapar da obviedade dos dias e matar alguns neurônios sem uso. Um dia, depois de um milhão de dias sem lembranças integras, o corpo arregou. Talvez porque o coração e o cérebro briguem e justamente quem paga o pato é o fígado, que pobre infeliz sem sorte.

Eu estava no corredor no consultório médico que tem cobertura de meu plano, praticava meu esporte favorito; a observação. Sim, músculos e suor nunca foram atrativos para mim. Sempre gostei de olhar para as pessoas e imaginar o que tem por trás de cada vida; um filho, um amor, uma fatalidade, um gato. Bem, sempre foram inúmeras opções.

Vi um obeso, provavelmente esperando para fazer um exame que dirá está fodido de colesterol, ou diabético e com o coração já implorando para parar de passar tanta gordura naquelas artérias. Porra, tomara que isso tenha sido tudo de tira-gosto! Perder a vida só por comida é um desperdício que Deus não pode permitir. Coitado, tomara que esse gordo tenha ganho metade dessa gordura enfiado em um bar.

Enfim chegou a minha vez, o Doutor de blusa gola polo e jaleco igualmente alvo como lavado por mãe, deve ser virgem esse filho da puta. Muito mais novo que eu, decerto. Ele me pede para entrar e eu sento com os exames nas mãos. Tenho a sensação que é meu inquisidor. Entrego os exames para ele, ele olha minunciosamente calado.

Começo a praticar meu esporte, imagino como será sua vida, deve ter uns quarenta anos, casado, pois logo vi o bambolê dourado no anelar do infeliz. Acho que foi um bom exemplo, daqueles que sempre desprezei; estudou, casou e comprou um cachorro, deve ser o orgulho dos pais, deve ser chato pra caralho. Nunca seria amigo dele, não tem substancia. Não consigo arrancar mais nada dali. Gente assim vive bem, mas vive pela metade.

Ele interrompe meus pensamentos com a sentença que me condenaria após a leitura dos exames. Eu não podia mais beber, não podia mais fumar. Aparentemente os pulmões tinham dado as mãos para o fígado e pulado juntos de um penhasco. O coração foi rir e caiu junto, esse fodido. Mas esse merece se foder, sempre aprontou comigo e, se hoje estamos assim, é muita pela insensatez desse filho da puta.

Saio de lá com todas as recomendações. Papeis para fazer mais exames, papeis para fazer mais consultas, papeis para comprar mais remédios, papeis que ditam os hábitos novos que preciso adquirir. Morrer é burocrático.

No dia seguinte comecei a saga de tentar fugir da foice de dona morte. Acordei cedo e fui me matricular na academia, foi horrível. Aquelas pessoas estando ali por vontade própria, que merda de valores essa gente cultiva? O instrutor odiosamente simpático, me manda para esteira alegando que tenho que me aquecer. Eu já odeio tudo e repenso a opção da morte. Eu não conseguia praticar meu esporte ali, todos pareciam iguais, gente com os mesmos objetivos.

Eu era o único velho com o bucho quebrado pelo álcool e pelo tempo. Ainda lembro da prostituta que adorava apoiar o copinho de cachaça na divisão entre meu estomago e o peito. Ela dizia que minha barriga inchada segurava o liquido perfeitamente. Isso que é uma moça de visão. Após uma hora e meia de tortura e monologo interno, sai daquele lugar e acendi um cigarro, não dá pra caminhar sem um cigarro, mesmo que seja até o inferno ele te faz companhia.

Meus dias seguiram assim; dieta que a nutricionista impôs, a vagabunda quer me matar de fome, essa sim tem muita praga nas costas, cadeiruda hipócrita; zero álcool e cigarro regrado. No decimo quinto dia de minha saga, estava entediado demais. Sai para caminhar domingo de manhã, eu nunca acordava cedo aos domingos. Domingo era o melhor dia pra se ter uma ressaca, pois o dia sempre foi chato e a ressaca era meu compromisso de domingo, minha missa. Calcei meus tênis recém comprados e custei pra achar uma meia limpa, sai pela orla da cidade, o berço que embala todas as almas que se perderam no dia anterior, ainda bebendo, gente bêbada, mulheres despenteadas com olhos borrados de maquiagem, lindos pandas etílicos.

Andei mais um pouco e, enfim, praticaria meu esporte com dedicação, ali sim tinha material com substancia a ser usado. Andei mais um pouco e vi um grupo, eram três homens e uma mulher. Ela era gorda, gigante, tinha um olhar caído e um rosto que denunciava que havia sido muito bonita. Atrasei os passos afim de escutar o que conversavam, mas os bêbados falam um dialeto que só acessamos quando estamos no mesmo grau de consciência.

Aqueles quatro com o isopor encardido me causavam muita curiosidade, era como se eu não pudesse sair de lá sem ter a certeza do que os movia a quererem a companhia um do outro até aquelas horas, ali tinha uma história. O rapaz de boné olhava docemente para a gorda, não acho que queria só comer o bacon, ela realmente tem algo que desperta o interesse dele. O outro rapaz só observava já muito sonolento, aguentou até as oito, guerreiro. O mais jovem faz convites à todas as moças que caminham com intuito saudável, todas entortam o nariz e ignoram àquela alma. Quanta história tem ali. Eu dou mais uma volta e paro em um mercadinho em frente ao trapiche, compro uma garrafa de vodca e volto para saber a história daquela gorda.

*Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site, além disso é escritora contista e cronista. E, ainda, de prima/irmã amada deste editor.

O TRAÍDO DO BAR DA MARIAH – Conto de Fernando Canto

Conto de Fernando Canto

Estava anoitecendo e eu acabara de tomar solitariamente uma cerveja supergelada no bar da Mariah. Ao me despedir levantei a mão para um grupo de jovens empresários e profissionais liberais burguesinhos, que ora prescrutavam as redes sociais, ora discutiam e gesticulavam. Eram contumazes fregueses de fins de semana reunidos para beber em uma grande mesa de plástico, uma junção de três outras. Na passagem para pegar meu carro ouvi um deles dizer:

– O poeta já vai dormir. Saudou-me com reverência.
Em seguida, um rapaz de barriga proeminente, barba aparada e cabelos da moda, mas extremamente bêbado, rosnou como um hipopótamo, babando pela boca adiposa.

– Esse poeta deve ser é corno. E gargalhava e tossia uma tosse seca, quase se afogando.

Seus amigos o censuraram imediatamente:

– Eh, rapaz, para com isso. Tu nem conheces o cara…
Fiz ouvido de mercador e em vez de chegar ao carro voltei para comprar algo esquecido. Tomei mais uma cerveja, paguei a conta, deixei passar um tempo, passei na mesa deles e disse, olhando bem a cara do ofensor, um sujeito que realmente eu não conhecia.

– Ei, bicho, nunca te vi. Por que que tu me ofendes, seu filho de uma puta?
Falei alto para que todos ouvissem. Ficou um silêncio de arrepiar os pelos. Os olhos verdes do bêbado cresceram sob o baque inesperado da minha reação.

– Eu ouvi o que falaste, mas vou te dizer uma coisa: é melhor ser um poeta sozinho e corno do que um idiota como você, seu porco fascista, que pelo jeito já deve ter tido essa experiência, porque tens cara de pederasta depravado, seu porteiro de puteiro.

Todos me olharam estupefatos. O cavalo do rio então… Mandava raios roxos de raiva em minha direção. Eu aproveitei o momento da surpresa e continuei:

– Eu não sei se sou ou não porque todo mundo é livre pra trair e pra fazer o que quiser, mas se eu sou eu vou saber. E prossegui: – Eu acho que tua diversão em ofender as pessoas deve ser um reflexo do teu recalque como um chifrudo que tu – eu disse apontando para a cara dele – que tu és, com certeza.

E completei, pra acabar logo a frescura:

– Não tô nem aí pra processo. Foda-se o politicamente correto. Tu não me conheces, sua baleia dopada.

O impacto da minha fala ligeira e contundente ficou no ar e nos olhos do pesado insultador. Ele babava, e quando pegou o lenço no bolso traseiro da calça, para limpar a baba e os líquidos que escorriam do nariz e dos olhos, fiquei tenso, pois pensei que fosse uma arma. Os caras que eu conhecia nessa mesa me aplaudiram fazendo pilhérias dele. O porco se tocou e quis se levantar, rebarbado, mas foi amparado para não cair.

– Senta aí, porra. Tu tás porre.
– Viu o que dá, ficar ofendendo as pessoas de graça?
– Te aquieta que ninguém compra uma briga dessas.
– Vai pra tua casa, caralho que tu tás bêbado, seu otário.

Para a minha surpresa o cara se acalmou e começou a chorar. Depois se levantou cambaleante, como se estivesse iluminado de uma necessidade de falar, e disse, se voltando para um companheiro a seu lado:

– Minha mulher está me traindo contigo, seu filho da puta. Tás pensando que eu não sei? Eu descobri e ela confessou. Vê aqui esse vídeo de vocês dois se beijando. Eu que filmei. Tu és um amigo falso. Não sei como é que ainda pago cerveja pra ti, porra.

O porcão chorava e apontava o dedo para o amigo impiedosamente. O acusado o abraçou e redarguiu que era tudo mentira, que era fake news, mas o traído não acreditava. E mesmo chorando e puto da vida falava a todos:

– Esse porra é o meu melhor amigo desde a infância. Eu amo ele. Mas ele me traiu com a minha mulher que me traiu com ele.

Enquanto os dois se perdiam perdão chorando abraçados, esfregando testa com testa em cima da mesa e seus amigos pagavam a despesa, eu pensei: “isso vai dar merda. É melhor tirar o time de campo”. Fui saindo à francesa na direção do carro, mas me viram. Ao ligar a ignição ouvi o porcão gritar meio choramingando ainda:

– Desculpa aí, tio. O corno aqui sou eu. E você está certo. Eu sou um idiota mesmo. E voltou a desatar no choro a mostrar o vídeo para os componentes da mesa.
Pelo retrovisor vi seus amigos rindo e acenado a mão para mim. O mesmo cara que me conhecia gritou:

– O poeta já vai dormir o sono dos justos.

_ooo_

Ainda era cedo quando cheguei em casa pensando no que se sucedera no bar da Mariah, inclusive nas possibilidades de reação e caminhos que teria, no sofrimento que passaria e nas inúmeras desculpas e culpas recíprocas, se eu traísse ou viesse a ser traído pela minha amada mulher. Ela era muito bonita e bem mais jovem do que eu. Tínhamos uma relação de confiança e respeito, mesmo assim imaginava que a segurança de cada um acaba quando o diabo nos lambe o rosto com sua língua preta em tempo e lugar não imaginado. Vinha abrupto na minha frente o desenho bíblico da serpente ofertando a fruta proibida à Eva no paraíso. Em seguida o anjo portador da espada de fogo os expulsava para a realidade da vida, nus, sob intempéries, sob tormentas.

Eu lembrei do amigo Lúcio, um professor de filosofia falecido recentemente de Covid-19, que dizia: “Minha alma é como a sociedade de Hobbes, a que perverteu o homem. Eu era puro e fui corrompido quando amei pela primeira vez na adolescência ao encontrar a mulher da minha vida. O gênero humano se corrompe reciprocamente, por isso cada um é o lobo de si mesmo. Então eu amei e me perverti, amei e me corrompi sempre, mas nunca fui radical com as mulheres que amei, tanto que as deixei que se amassem e se corrompessem, afinal eram lobas que se devoravam a si mesmas. Isso também é poesia, meu poeta”, ele afirmava às gargalhadas. Dizia ainda que “todos nós somos corrompidos pela sociedade e pelas circunstâncias, que passam pela janela dos desajustados e até pela fantasia do amor, meu irmão. Por isso eu te digo: Hobbes tinha razão, Rousseau tinha razão, Locke tinha razão. Todos esses filhos da puta contratualistas tinham razão. Eles mudaram o rumo interpretativo da humanidade para provar que ainda somos e seremos uns filhos da puta por muito tempo”. E gargalhava como só ele sabia fazer.

Fiquei refletindo sobre os acontecimentos que já testemunhei em bares, dos que vivi como protagonista em brigas e confusões e sobre como eles nutrem de matéria-prima a construção de textos poéticos ou não, afinal as coisas da vida são feitas de realidades, mas também de sonhos e pesadelos, de poder, amor, sedução e traição. E de fatos que penetram a mente do poeta e são manipulados pela imaginação. Parece até que deixam o inconsciente prenhe de material do qual precisamos fazer dowload para gerar a literatura que nasce da memória, do que vimos e do que nunca vimos.

Claro que fiquei surpreso com a minha reação no bar da Mariah. Logo eu que abandonei essa vida de confuzeiro e brigão. Logo eu que me havia descoberto um poeta e publiquei dois livros. Porém, pensei no outro eu, aquele que já havia brigado em todo lugar. Saía para a porrada em silêncio, sempre esperando o ataque dos desafiadores, chamando-os com gestos e punhos cerrados, prontos para enfiá-los nos focinhos deles. Juro que me surpreendi comigo mesmo. Hoje, lá na Mariah, talvez eu estivesse usando a mesma técnica ameaçadora e inútil dos meus antigos contentores, gritando ofensas, e utilizando-as em minha defesa porque já estava ficando velho e não aguentaria mais uma briga de bar. Porra, o tempo passa e não dá para ganhar mais no grito. Ora, até a voz fica baixinha. Afinal, não foram as palavras do bêbado que me ofenderam, mas a forma gratuita como foram colocadas. Daí veio uma espécie de ferimento, um fulgor inesperado que me atingiu o brio e a dignidade da minha querida esposa.

Eu queimava os neurônios lembrando do esforço que fiz para acabar com meus preconceitos de um certo tempo para cá. “Caralho!”, eu dizia. Como é difícil se libertar dessas coisas arraigadas. Isso está no íntimo de toda a minha geração, um monte de palavras amarradas nos escaninhos da alma, prontas a serem libertadas quando os fatos da vida nos surpreendem e nos obrigam inconscientemente a vociferar palavras desagradáveis contra o mundo e até mesmo a ofender com humor, pois queira ou não, nunca estaremos preparados para nos policiar sempre, desde a infância. É difícil se reeducar sob um arcabouço de preconceitos ao qual estamos abrigados. Tudo é volatizado até nas brincadeiras e conceitos que trazemos sobre pessoas diferentes de nós.

_ooo_

Naquela noite de sábado minha mulher tinha um compromisso com sua velha turma da faculdade e me esperava sorrindo, igual o cachorro do Roberto Carlos – assim pensei com o meu humor cruel e viscoso, inerente ao meu modo de ser, infelizmente. Ela estava tão contente com os cabelos pintados e penteados… As unhas postiças enormes e coloridas. Parecia uma adolescente se mostrando para o namoradinho.

– Amor, ainda bem que você já chegou. Estou esperando a minha brodona Katiúscia me ligar pra gente ir na festa de aniversário da nossa formatura. Todos vão estar lá. Cuide das crianças, tá?

Ainda pensei em perguntar: “Todos? Inclusive aquele seu primeiro namorado, o tal de Ted Garanhão?”. Só pensei. E resolvi engolir o meu ciúme.
Abri a geladeira, peguei uma heineken long neck e a enfiei na boca de um gole só. Ela desceu as escadas linda e sensual, perfumada e feliz. E eu puto ali me lembrando do porco pirado que tinha me ofendido. Ela ensaiou uns passos de forró universitário e umas gingadas de samba e funk, só pra me deixar mais enciumado ainda. Mas nem pode perceber como eu estava, pois sua excitação para a festa era maior que qualquer preocupação. Me deu um beijo no rosto, “pra não manchar a boca de batom” e falou:

– Me dá a chave do carro, moreco. Não sei que horas volto. Vou pegar a minha amiga.
E saiu rebolando como eu nunca mais tinha visto. E justo ia logo junto com a sua amiga solteira, também conhecida no bairro como “A Fera da Noite”.
Tomei todas as cervejas da geladeira. Terminei de ler um livro do Bukowiski. Liguei a TV para assistir a um filme bom, entretanto os temas que escolhia aleatoriamente eram sempre sobre traição, vingança, essas porras… Eu pensava nela, em mim e até no gordo traído do bar da Mariah. Meio atormentado, eu dizia reclamando sem necessidade: “caralho”, “caralho”. Até que bati uma bronha para ela e adormeci.

De manhã ela me acordou no sofá. Estava desgrenhada e meio porrote ainda. E muito invocada. Ordenou:

– Vai fazer o café, caralho! E faz umas tapiocas do jeito que eu faço pras crianças que eu vou dormir até tarde. Não me chama.
Entrou no quarto e se jogou na cama de roupa e tudo. Roncando e babando. Balbuciava: “égua da festa escrota”, “égua da festa escrota”. “Essa Katiúscia é foda, mesmo”.

Eu, com os Fernandos Bedran e Canto, sempre rindo dos “otaros”, no Bar da Maria

Enquanto eu fazia o café o sol rompia lá fora num clima quente que só o do inferno, onde mora a língua preta do diabo. Passei a mão na careca suada, lembrei de novo do traído do bar da Mariah com uma respiração de alívio, para depois rir aparentemente à toa, enquanto as crianças chegavam à mesa da cozinha esfregando os olhos remelentos e bocejando horrores. Nem liguei para o pára-choque do carro enviesado na garagem, todo batido. Eu ria igual nas redes sociais – onde ninguém sabe se as coisas são verdadeiras mesmo. KKKKKK! E dizia me rasgando de rir: “fowda-se!” “fowda-se!”, e repetia, para o espanto das crianças que sempre me viam muito sério. KKKKK! Elas riam comigo: -KKKKK! KKKKK! Kkkkk! KkKkK!

Dragão do Mar – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

A taberna estava azeda com a grande quantidade de marinheiros, bucaneiros, ex_piratas, vendedores de bugigangas e meretrizes aposentadas.

Era um barulho de goles, de tosse, de gargalhadas, de copos de couro lançando dados nas mesas e engasgos mil.

Quem mais gritava era o louro careca, um misto de maritaca e papagaio que engaiolado no alto da escada que ia até o sótão praguejava e xingava.

Aquele se possuísse saliva e pudesse cuspir já o teria feito dezenas de vezes.

Um marroquino vesgo, de bruços tatuado, cutucava-lhe com uma vara de apagar o castiçal de velas dependurado perigosamente próximo a sua gaiola.

Apaguem as velas…apaguem as velas gritava.

Cala o bico Rapunzel.

Cala a boca vesgo.

Rapunzel é a mãe.

Eu sou papagaio papagaio ô ô ô…

Ela chegou vinda do cais, era negra, estava ferida na perna direita e marcada nas costas com uma ferrada de meio palmo escrita Ex Librium.

Os homens afastaram-se para que ela entrasse.

Há alguns meses escapara de um negreiro, como chamavam os navios que transportavam escravos até o porto.

Tinha sido salva por um pescador que seu navio afundara, atingido-lhe o deposito de munição com um tiro desferido por um canhaozinho tosco de fabricação artesanal que ele mesmo fizera e o colocara sobre uma jangada e desde então se tornara um empecilho a chegada destes navios ao Porto.

De tanto combate-los de forma rudimentar e heroica era apelidado de Dragão do Mar.

Este era o dono do papagaio.

Um dia resolvera sozinho não permitir que aportassem estes navios com seus escravos vivos e cadáveres ali na região de Iracema.

Ele afundara o navio que a trazia, a salvara do mar e a trouxera para terra.

Tendo em vista que este carregamento estava adquirido pela Companhia Librium que ia incorporar estes homens e mulheres aos demais escravos, que já trabalhavam na Companhia Librium de construção de ferrovias.

Esta Companhia estava fincando dormentes em Crato.

O contrato da posse de um escravo dava trinta por cento de propriedade a quem lhe salvasse a vida.

Isto ficou acordado contra sua vontade.

Logo, a escrava a qual ele deu liberdade dos seus trinta por cento, estaria por nove meses engajada a frente escrava de trabalho no Sertão de Crato, e por três meses do ano livre.

Estaria por conta dele, e depois deveria ser devolvida apta para voltar ao trabalho, sob pena de em caso de perda da capacidade de trabalhar, ser a Companhia Librium indenizada em alta soma.

O tempo, contando os meses de Janeiro Fevereiro e Março, época das chuvas em que quase paravam os trabalhos na linha férrea, vinha ela para a capital depois de andar léguas e léguas a pé e punha-se a segui-lo.

Quando ele estufava as velas e largava-se ao mar para espreitar e combater as embarcações vindas da África, ela ficava a praia entoando canções africanas.

Quando ele ia a taberna, estava ela lá, entre os homens do mar.

Vendo-o de longe.

Davam-lhe de comer e água para beber.

Ela não falava português.

Ele não falava Nagô.

Isto se repetiu por anos e anos.

Foi assim ate que ele não voltou do mar.

Quando a taberna pegou fogo no Natal, só restaram cinzas e o esqueleto de uma gaiola.

Dizem que avistaram no mar uma jangada com um casal e um papagaio xingando em Nagô.

Outros dizem que é lenda.

Certidão de nascimento – Conto legal de Luiz Jorge Ferreira

Conto legal de Luiz Jorge Ferreira

Perdi minha certidão de nascimento. Muito confuso. Tentei retira-la em Osasco onde eu moro. Procurei os cartórios, mas em vão. Única saída é ir até Belém do Para e localiza-la no cartório em que fui registrado ainda recém nascido.

Conseguido o telefone liguei e para minha surpresa, negaram-me o documento. A única maneira para consegui-lo informaram é que eu vá até lá.

Que eu vá até lá para ter uma conversa com o Cartorista que lavrou meu documento e converse com ele e leve a esperança que ele me reconheça.

Daquele dia para hoje, passaram-se, mais de cinquenta anos. Bela memória. Deve ter a alma deste homem.

Sem dinheiro procurei o Braz para solicitar algum emprestado.

Haja visto que a vizinhança cochicha que ele foi premiado com uma grande quantia num sorteio da Mega Sena. Encontro com ele no Jardim dos Anjos em uma manhã fria de julho. Mas em vão, estava calado não me reconheceu e um pouco depois foi sepultado em uma gaveta extremamente decorada com azulejos portugueses. Ficou o dito por não dito!

Mesmo assim vou a Belém. Vou caminhando pela margem da rodovia Belém Brasília. Espero chegar ainda a tempo, se não corro o risco de ser detido no meio da rua por uma ronda policial.

– Documento Cidadão! E mesmo que eu entregue CPF, IPVA, IPTU, RG, FGTS, Carteira Profissional, Números de Telefones, Impressões Digitais, E-mail, Senha da Uol, Signo, Sinais, Cacoetes, Vício, Hábitos, Roncos? E a Certidão de Nascimento? Pergunta a autoridade.

E eu ali revistado por e sem a Certidão de Nascimento e balbuciando com voz tremula o lugar aonde nasci. Estou frito penso comigo mesmo. – Que ano nasceu Cidadão. Parto Normal? Induzido? Fórceps? Cesariana? – Comeu Mecônio?

Sem Certidão de Nascimento. – Hein?

Prende ele. Diz um Cabo. – Solte-o! Ordena um Capitão. Se nem nasceu não existe. E se existe pode ser “de menor” se é “de menor” não pode ser preso.

Mas não deve estar na rua há esta hora, sozinho. Procurem a sua mãe.

Enquanto discutem a legalidade da ordem. Saio de fininho com minha bengala na mão, procurando não fazer muito ruído.

Sem certidão de nascimento não sou nada, e sem ela na mão, não me deixam entrar mais de volta no asilo.

Este pensamento é que aumenta o frio.

*Do Livro “Defronte da Boca da Noite ficam os dias de Ontem”. Rumo Editorial São Paulo Brasil – 2020.

Verônica, a submersa (conto firmeza de Ronaldo Rodrigues, ilustrado por Ronaldo Rony)

Quando Verônica chegou em casa eu era uma criança a mais numa família de noventa e oito irmãos. Naquela cidade eram comuns famílias numerosas, que envelheciam muito cedo.

Verônica, quieta, tranquila, limitava-se a permanecer no fundo do tanque que lhe fora destinado. Comia pouco, apenas algumas algas que brotavam nas paredes do tanque. Parecia resignada, mas havia algo de resoluto em seus movimentos. Uma silenciosa determinação. Uma calma revolucionária, que tanto afligia quanto encantava. Sua diáfana presença a tornava forte, intacta.

Verônica gostava da minha companhia. Nos entendemos bem desde o primeiro olhar. E sem trocar palavras. A cumplicidade de nosso silêncio nos bastava. E nos fortalecia.

O silêncio selou um pacto entre nós. Eu arquitetei um plano para tirá-la daquela casa onde aprisionavam lindas mulheres em tanques frios e não davam a mínima atenção. Deixavam lá, no fundo do quintal, como prova de algo que eu não conseguia compreender.

Verônica era altiva e simulava distância de sua condição de prisioneira. Quando eu entrava para dormir, ficava imaginando Verônica entre as pedras do tanque. Linda. Enigmática. Verônica.

Finalmente, chegou o dia de realizar o plano. Acordei bem cedo, antes de todos. A casa era enorme e foi trabalhoso atravessá-la no escuro, desviando de tantas redes.

Eu estava fugindo de casa levando Verônica num aquário gigantesco, roubado no dia anterior. O aquário, preso a uma plataforma com rodinhas, era frágil, mas daria para chegar até o rio.

Rapidamente, Verônica foi remanejada do tanque para o aquário. Tudo aconteceu conforme o plano e chegamos ao rio antes que dia clareasse. Eu estava esgotado pelo esforço de empurrar aquele aquário imenso pelas trilhas tortuosas da floresta. Verônica me animava com seu olhar completo, inquebrantável.

E foi com o olhar que Verônica me fez compreender que nossa história de amor era impossível. Eu não poderia acompanhá-la, por não poder viver dentro d’água. Ela não poderia ficar comigo, por não poder viver fora d’água. Era uma barreira definitiva. Eu precisava compreender.

E compreendi. Verônica foi lançada ao rio e mergulhou bem fundo até desaparecer. Antes, acenou com os olhos, que transbordavam lágrimas iguais às minhas. A lembrança de seus olhos ficou comigo pelo caminho de volta para casa e por toda a minha vida.

Outras mulheres foram morar no velho tanque, ao longo dos anos. Belas e silenciosas como Verônica, que também precisavam de liberdade. Mas eu já estava velho demais para pensar em libertá-las. Como disse no começo desta história, envelhecia-se muito cedo naquela cidade.

Ronaldo Rodrigues

Na escuridão – Conto de Rafael Costta

Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Conto de Rafael Costta

Duas da madrugada. Edson voltava pra casa depois de uma bebedeira com os amigos. Morava em uma área de ressaca, uma casa de madeira em uma ponte, amontoada junto a tantas outras, numa “baixada” igual a tantas outras. A ladeira até chegar à ponte de madeira era um pouco íngreme, desceu da bicicleta para evitar de cair, os freios não estavam bons. Estava bêbado, mas ainda tinha lá um pouco de lucidez.

A rua estava escura, todas as ruas estavam. A parca iluminação noturna vinha das velas dentro das casas – que se podia ver pelas frestas entre as tábuas – e, bem mais raro, alguma residência que adquiriu um gerador, identificável a centenas de metros devido a zoada que fazia. A cidade estava há dias sem energia elétrica e sem uma notícia sequer de uma solução rápida.

Edson estava desempregado, ganhava trocados fazendo bicos, mas não tinha conseguido nada recentemente. Com os dias estranhos que se passavam o que restava era matar o tempo bebendo com os amigos, que encabeçavam com uma ou duas ou três garrafas de vodka – dessas de dez reais – e pelas tantas horas depois , tomavam o que tivesse à mão, cachaça, catuaba e qualquer “buchudinha” que desse pra mantê-los alcoolizados. Não dava para beber cerveja, os poucos comércios que tinham cerveja gelada pra vender estavam praticando preços “de garimpo”.

Saiu de casa às cinco da tarde, prometendo à esposa voltar às nove. Ao perguntar para um dos amigos da roda e saber que eram onze da noite, e prevendo o esporro que ia levar da patroa, resolveu esperar até a madrugada, quando ela não teria disposição para brigar e adiaria a bronca pro dia seguinte. E assim fez.

Empurrava a bicicleta na ponte com cuidado, de modo a não chamar a atenção dos cães da vizinhança e evitar os ressonantes latidos. Um dos cachorros se aproximou dele, mas, percebendo que era o vira-lata caramelo da Dona Odete, fez-lhe um afago rápido, no qual o cão sossegou.

Já tinha avançado bastante naquela ponte em que as madeiras pareciam distribuídas como num jogo de amarelinha. Uma tábua, dois espaços vazios, duas tábuas, um espaço vazio, e seguia-se a errática distribuição. Faltando uns cinquenta metros para chegar em sua casa, algo segura seu calcanhar, algo molhado e viscoso, algo saído daquele lago de água suja de dejetos humanos, lixo e outras tantas substâncias díspares que nem seria possível enumerar com exatidão. Um leve puxão foi mais que suficiente para Edson se desequilibrar. Caiu batendo a costela na borda da ponte, soltando um “Oh” abafado, perdendo o fôlego e em seguida foi, ainda com a boca aberta, de encontro ao lago, no qual sentiu aquela substância visguenta agora abraçá-lo por inteiro.

Cinco e meia da manhã, o primeiro vizinho sai de casa para trabalhar e vê a lastimável cena. A notícia corre rápido, a tristeza é generalizada, a família entra em desespero. A esposa grita lamuriosamente, perguntando aos céus o porquê e espraguejando os amigos de bebedeira do finado. O filho de três anos, agora órfão de pai, sem entendimento do ocorrido, ainda brinca com sua bolinha de leite – agora já meio ovalada –  verde com detalhes pretos. Não se falará disso na Rádio ou na TV, só se fala da falta de energia, e quase ninguém consegue ouvir ou ver as notícias também.

Edson não foi a primeira vítima daquilo, seja lá o que fosse “aquilo”. Também não seria a última. De tempos em tempos, em lugares e situações que não aparentavam ter relação alguma, vidas sucumbiram por conta disso. Em meio a vida sofrida e todas as mazelas e intempéries na saga diária do povo amapaense, tudo passava despercebido. Mas a verdade é que há muitas coisas estranhas acontecendo por aqui…

Dois minutos apenas – conto de Ronaldo Rodrigues

Estou em meu quarto, o lugar em que passei a maior parte da minha vida. Na mesa à minha frente, numa caixinha de música, uma bailarina repete suaves movimentos mecânicos.

O quarto fica no segundo andar da casa. No térreo, desenrola-se uma grande festa. É o casamento de meu irmão mais velho.

** ** ***

Meu irmão é mais velho por um pequeno espaço de tempo. Dois minutos apenas. Sempre mais rápido que eu, essa foi sua primeira vitória das muitas que se seguiram. A vitória de maior impacto acontece neste exato momento, nos compartimentos do térreo e nos jardins, por onde os convidados se espalham.

A festa deve estar efervescendo. Meu irmão é considerado, com total justiça, o portador da alegria. Certamente, está sorrindo para todos e abraçando aquela que será sua para sempre. Ela deve ostentar o seu melhor sorriso, já pensando em atender aos pedidos que fazem os convidados.

** ** ***

Os dois minutos que me separam de meu irmão são um abismo intransponível. Sua vida sempre foi intensa, rodeada por muita gente, pela turma do colégio e da nossa rua, pelo círculo familiar, no qual, com seu temperamento jovial, ocupava o centro das atenções. Enquanto eu, sombrio e esquivo, passei a vida confinado neste quarto, mergulhado em mim mesmo, longe de todos e em total silêncio, assistindo na distância a simpatia de meu irmão, escondido para não ser ofuscado pelo brilho de seu carisma.

Quando meu irmão me revelou sua decisão de casar, chegou mais radiante do que nunca e logo percebi que vinha anunciar mais uma vitória. Falou de sua noiva, linda, serena, de inteligência invulgar, tão bem-humorada quanto ele e que tinha uma paixão extremada pela dança.

** ** ***

Neste momento, imagino, a festa atinge seu ápice. A feliz bailarina se apronta para atender aos insistentes pedidos de seus convidados. Irá dançar como só ela é capaz. Com a mesma graça que me prendeu a atenção quando a vi pela primeira vez, exatamente dois minutos depois que meu irmão a viu.

** ** ***

Dou corda na caixinha de música, coloco algumas balas no revólver e o aponto para o ouvido direito. Fico olhando a caixinha de música soprando vida na bailarina até que a corda acabe.

Ronaldo Rodrigues

A cantora e o violonista – Conto meio crônica de Elton Tavares

Conto meio crônica de Elton Tavares

Ele tocava. Ele era bom com seu violão, dedicado e tals, mas ela… Ela era fantástica! A moça cantava as músicas que escrevia e ainda revisava as composições dele. E sempre as melhorava. A cantora e o violonista faziam uma ótima dupla. Até saíram em turnê. Fizeram a alegria de quem os assistia e acompanhava. E foram eternos enquanto durou aquela parceria.

Tantas canções, tanta prosa e poesia! Muita música e muito amor. Aí, um dia, começaram a brigar por tudo. Cancelaram shows, tentaram carreiras, fracassaram. Depois voltaram a se apresentar juntos e se separaram novamente.

Apesar de bons espíritos e grandes corações, eles eram incoerentes, estúpidos, insensatos, orgulhosos e morais (demais). Um pouco cômico, um tantinho comovente e muito irritante!

Ele com sua personalidade marginal, história tumultuada e talento pra arrumar confusão. Ela era um furacão formado de talento, inteligência, ironia, amor e teimosia. Uma fórmula perfeita de destruição.

Ah, mas como foram impecáveis! Eles escreviam fragmentos de tudo, juntavam, gravavam e, voilá, mais um sucesso! É, era assim. Inegável.

O casal era uma mistura de MPB e Rock and Roll, com muita influência literária. Aqueles doidos criaram seu próprio estilo musical. Entre tantos casamentos, namoros e rolos entre músicos, deles é que sempre lembro. Mesmo quando deveria ter esquecido, de tão improvável.

Alguns até pensaram que se tratava de mais um dos zilhões de casais apaixonados pelo mundo afora. A maioria deles fabricados, contudo, sem a mesma inspiração e piração da linda cantora e do músico doidão.

Acredito que nem tocam mais tão bem. Muito menos aquela velha canção dos doidos. E como cantou um poeta: eles partiram por outros assuntos, mas no meu canto estarão sempre juntos.

Hoje em dia cada um vive com relativo sucesso. Enfim, as carreiras solo “deram certo”. E, de longe, eles se observam. E, às vezes, até sentem saudades dos tempos que misturavam blues e jazz. Agora ela enlouquece calmamente e ele pira sedado.

DESTEMPO – Conto porreta de Lulih Rojanski

Conto de Lulih Rojanski

Era a primeira vez em muitos anos que eu não via Florentino Ariza* sentado sob a acácia da praça, que eu não pensava em Florentino Ariza. A manhã havia parado de correr às oito horas, cristalizada em um tempo imóvel, no ar inerte, no súbito silêncio do trânsito e dos cachorros que suspenderam a travessia da faixa de pedestres para olhar em direção às nuvens, pressentindo a imobilidade do tempo. O mendigo errante, que naquele dia morava no canteiro, ouviu a tristeza das raízes das papoulas sob a terra há dois meses sem chuva. Uma menina que viera de longe para assistir ao sol dos trópicos, com sua pele morim e sua sombrinha floral, paralisou-se atenta ao céu, espremendo entre as pálpebras o azul juvenil das íris.

Pelo tempo que durou o destempo. Passaram-se minutos que podem ter sido horas, que podem ter sido dias, meses, qualquer medida oficial de tempo, quando a manhã voltou a correr. Mas os relógios nos pulsos, nos bolsos, nos painéis ofuscados pela claridade das oito horas marcavam ainda oito horas. Foi quando os cachorros prosseguiram a travessia, o mendigo moveu o silêncio em direção à menina de sombrinha floral, que por sua vez apressou o passo atrás das borboletas que sobrevoavam as papoulas. Somente Florentino Ariza não voltou a aparecer sob a acácia. Foi necessário o destempo para apagar minha lembrança de Florentino Ariza.

*Personagem de Gabriel García Márquez em “O amor nos tempos do cólera”
**Conto publicado no livro Gatos Pingados

Bar do Redondo – Conto porreta de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

De onde estou posso vê-lo. Cercado de uma meia dúzia de pessoas, as quais eu não reconheço. Esta trajando laranja, cor que me lembra Yellow Submarine. Fala muito gesticula como se apanhasse uma mosca branca no ar. Os outros mais velhos o escutam com atenção.

Olho ao redor e encontro a mesa mais próxima. Puxo a cadeira e sento. Alguém pede um violão. Talvez ele cante Irene. Adoro Irene, penso enquanto aceno ao garçom. Que não encontra o violão. Plagiando a Irene que conheci em Belém do Pará. Das palavras dos gestos e dos planos loucos de democracia plena. No meio da vigilância noturna da polícia política, em meio a Festa de Arraial na Igreja de São Raimundo. Pichando muros.

O bar está quase deserto. Afora as pessoas que estão com ele temos um casal sentado perto do palco, um tablado mais alto que o assoalho uns quinze centímetros. Atores. Ela vestida de abelha e ele de rei. Provavelmente o Rei da Escócia. Provavelmente vindos de uma peça.

O pano que cobre a mesa de Caetano tem a figura do Zodíaco. Talvez ele role os dados.

Estalo os dedos para o garçom, um velho conhecido dali mesmo, eu um solicitador frequente de seus serviços.

Igreja Matriz de São Raimundo Nonato, padroeiro do Bairro da Aldeia e a Praça do Centenário. Fotografia do acervo de Edenmar da Costa Machado.

Chico! Sai um Gim! Chico parece não me escutar. O bar está às moscas. Mas o ar parece pesado. E ainda são duas e meia da manhã. As cerejas que carrego amassadas no bolso da japona espreitam no fundo do copo. O palito espetado, balança como fosse pêndulo, sem Norte.

Arranco a cutícula do dedo mínimo da mão direita. Não ergo a voz receio gritar desafinado e chamar a atenção deles. Batuco os dedos na mesa como um ritmo Caribenho. Eles me olham e sem dar importância voltam aos seus assuntos. Bebem vinho do Porto.

Abro meu livro de Saint Exupéry e finjo ler. Caetano está de safári e sandálias. Amarra os cabelos com um cordão de rastafári. Finjo ler por que logo levanto para ir ao banheiro. E passo bem perto deles. Discutem Joyce. O monólogo. Um dia apenas de setecentas páginas.

Volto, eles já se foram. Vinte anos depois, em 1988, no dia 8 de Agosto. Volto aqui. Só. Com medo da noite. Não da polícia política. Dos assaltadores. O bar cedeu duas metades esquerdas, uma para a cafeteira americana que serve café com hortelã e mostarda e a outra parte para que guardem carrinhos de amendoim e de vendedores ambulantes quer entopem o centro da cidade, com suas guloseimas inúteis.

Sento à mesa descascada que parece eternizar-se ali. Chamaria o Chico, garçom para que me trouxesse um Gim. Mas Chico morreu. Tento estalar os dedos para chamar o que se esforça para entre as mesas muito próximas rápido para chegar aos clientes, mas nada. Os dedos já não emitem som quando os estalo. Tento batucar com eles um som Caribenho, eles se contorcem sem êxito. Sai um som desafinado e sem definição.

O garçom chega e peço um guaraná diet. Puxo o cachecol. Sobra um medo, filho da revolução, e da sua polícia política. Um tremular de mãos agiganta-se. Herança ganha do exílio e das torturas físicas e psicológicas. Tudo tem um leve sabor amargo, distante. Parece que só me contaram. Tudo agora é historia com h minúsculo.

Bebo todo o copo de guaraná com duas pílulas coloridas. Esqueço o ritmo dos dedos. Parece que passo pela mesa. E ainda Joyce e agora outros que nas palavras que abortaram, perpetuaram-se, inclusive ele.

Vou ao banheiro devagar, entro retiro o tampão da sonda e solto a urina politicamente correta. Olho para a sonda alaranjada. Olho no espelho enquanto lavo as mãos. Há um senhor de idade refletido no espelho. Talvez seja ele que se lembre de Irene e não eu.

Vinha aqui para curtir a solidão desde a época do cursinho. Hoje parece que ela nunca deixou de ser minha. Vinte anos depois imagino que este lugar ainda esta lotado. Mas não está. Volto, eles já se foram. Todos se foram. Inclusive Irene de Belém do Pará, a que fingia me namorar encostando-se à parede enquanto pichava. Abaixo a Ditadura.

Eu saio como entrei. Calado. Nem a garoa, me acompanha. Na banca. Há uma manchete no jornal que diz que Fidel Castro foi operado. Está solitário, doente, e muito mal.

Até ele?

*Do livro de Contos “Antena de Arame” – 2° Edição 2017 – Rumo Editorial. São Paulo. Brasil.

FLAUTA – Conto porreta de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

​De manhãzinha, seu Pedro descia os três degraus de escada, fechava a porta com chave, duas voltas, e seguia caminhando cabisbaixo como perseguido pelos sons da flauta que tocava nas horas de folga.

Sempre aquele soprar enfadonho, semi-tonado, choroso e cabisbaixo como ele quando caminhava para o centro da cidade, onde funcionava a barbearia em que trabalhava há 40 anos, ali debaixo do antigo Grande Hotel do Pará.



Quando seu Pedro voltava, já começando a noite, alguns gatos atravessavam a rua, vindos do terreno baldio em frente e, miando, subiam pelo telhado de sua casa, entre as ervas ali dependuradas e telhas soltas cheias de limo.

Com a noite alta, os gatos atravessavam a rua e retornavam às suas moradas no terreno baldio do outro lado da rua. Então, terminava a folga dos ratos. A flauta se calava e o pessoal da república, a uma quadra dali, – Joca, Edílson Calouro, João Silva Santos, Veríssimo, Alípio e Edivaldo – acomodavam-se para estudar. Eu podia ver as notas correndo pela vala em meio à água rala que pouco cobria o lodo do fundo. Na rua tinha um cachorro vagabundo que, vez por outra, pulava na vala atrás delas, e as engolia de um só fôlego. Era ele fazer isso que a estudantada saía pela porta da sala e divertia-se ouvindo-o latir. Uns latidos meio miados, meio zunir de ratos, meio barulho de tesoura cega cortando cabelo.



Veríssimo era o mais moleque e o atiçava com uma toalha. Certa vez, foi tanta a algazarra que seu Pedro saiu na porta de sua casa e tocou na flauta um fado tão lamento, que as notas saíram da vala, da boca do cachorro, do barulho de uma rasga mortalha, e coloridas e em fila retornaram para a flauta. Seu Pedro fechou a porta e, mais depois, amanheceu. Tudo foi tão rápido que os degraus não tinham se levantado quando ele abriu a porta e desceu.

Noutro dia, eu soube que ele caíra e fora levado para o hospital. E que mais tarde toda a vizinhança o fora visitar. Uns levaram caqui, outros restos de mar, outros nacos de sol. Eu levei alguns gatos pardos e malhados e um rato, o que costumava cantar mais alto. Não consegui entrar.


À noitinha seu Pedro morreu. A vala foi aterrada pela Prefeitura. Chegou o carnaval e os gatos viraram tamborins. A flauta ficou pendurada na sala, guardando notas enferrujadas. Até que a casa ruiu. Os estudantes concluíram seus cursos e sumiram. Eu fiquei sozinho, escrevendo contos irreais sobre flautas, gatos, ratos, cães e valas. Coisas em que seu Pedro, também sozinho, nunca acreditou.

– Seu Pedro era canhoto?

*Do LIVRO de Contos Antena de Arame – 2° Edição Editora Rumo Editorial (São Paulo – 2015).

As que se chamam Flávia… – Conto muito porreta de Ronaldo Rodrigues sobre a chegada de outubro (republicada em todo 1ª de outubro)

Conto de Ronaldo Rodrigues

– Outubro é muito perigoso!

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

É preciso segui-la. Sinto isso logo que a vejo na livraria. Está folheando uma revista, sem muita atenção, fixando-se apenas nas fotografias. Parece estar ali com o mesmo propósito que eu, matando o tempo até voltar ao trabalho.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***
– Outubro é muito, muito perigoso!

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Ficamos lado a lado, embora a mulher permaneça como se só ela existisse. Tenho a visão no livro que folheio sem qualquer interesse e a atenção totalmente voltada para a mulher. Ela fecha a revista decididamente, olha para o relógio e o percebe parado:

– Sabe as horas, moço? – Pergunta, altivamente.

– Nã… Não! Não… sei… – Gaguejo, respondendo.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Quem sempre me dizia isso era o Capitão Nemo:

– Tenha muito cuidado, menino! Outubro é muito perigoso!

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Ela deixa a revista na estante e dirige-se à portaria. Confere a hora e acerta o relógio. Sai da livraria e eu continuo olhando aquela mulher, agora através do vidro da vitrine. Ou será que não existe vidro algum? Meu olhar é que fez a parede tornar-se transparente?

Pergunto o motivo do perigo de outubro e ele responde, depois de longo silêncio, os olhos em transe, na direção do mar:

– É em outubro que começamos a enlouquecer! É em outubro que costumam surgir as sereias!

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Ela atravessa a rua. Saio da livraria, disposto a segui-la, e paro na esquina. Contemplo, então, o espetáculo da rua silenciar-se para a passagem daquela mulher. A paisagem urbana torna-se repentinamente quieta, mas com uma acelerada pulsação interior que começa no asfalto e termina/continua no meu peito.

Ela entra num edifício e eu continuo seguindo seus passos. Ainda não me percebeu e acho que isso não acontecerá nunca. Ela aguarda a chegada do elevador junto a mais três pessoas. Incorporo-me ao grupo e passo a esperar também.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Todos dizem que não devo dar atenção às palavras do Capitão Nemo. Dizem ser louco tanto o Capitão Nemo quanto quem o escuta. Mas eu digo que não. É preciso buscar o sentido das palavras, principalmente das que nos parecem mais delirantes.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

O elevador chega, nos recolhe e inicia sua lenta subida. As pessoas vão ficando em seus respectivos andares até restar apenas eu e a mulher. Como música de fundo, meus batimentos cardíacos ecoam nas paredes do elevador confundindo-se com a palavra outubro.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Outubro. Agora compreendo claramente seu perigo. O Capitão Nemo ficou aprisionado em sua louca lucidez, nos destroços do seu navio, enfeitiçado por uma sereia. Eu estou preso neste elevador atraído por uma sereia. Aqui ficarei para sempre, aguardando todos os dias aquela mulher maravilhosamente perturbadora cujo nome conheço apenas a letra inicial (F), que vi uma vez em que ela abriu rapidamente a agenda.

Todos os dias, quando ela sai do elevador, ainda sem notar minha presença, recordo as palavras do Capitão Nemo, que todos acreditavam serem palavras de um louco:

– É preciso ter muito cuidado com as sereias de outubro. Elas são cruéis e nos enfeitiçam com desejos intocáveis. Principalmente, meu filho, as que se chamam Flávia…

* Este conto foi publicado em 1995, na coletânea Novos Contistas da Amazônia, em Belém, resultado de um concurso promovido pela Universidade Federal do Pará. Tempos depois, o conto inspirou a HQ Outubro, do cartunista Paulo Emmanuel, premiada em dois salões de humor. Isso mostra o quanto este conto é quente.

Macapá já se anunciava para mim, pois o livro trazia contistas que só fui descobrir aqui, como Archibaldo Antunes e Ray Cunha, e apresentação do grande Fernando Canto.

Gosto muito deste texto, creio que seja um ponto alto da minha carreira de contista, que ofereço agora como homenagem, digamos assim, ao mês de outubro.

Olhos do Cacique/ Olhos de Daniel- Conto de Fernando Canto – @fernando__canto

Conto de Fernando Canto

Os olhos do cacique Waiwai me incomodam, amiúde, ali naquela parede. São olhos fixos de uma entidade captada por outra, por meio de uma máquina enfeitiçada; olhos brilhantes, às vezes zâimbos, olizarcos, quando não olhorridentes que me fitam e que me sondam, cobrando uma atitude incompreensível, considerando a hipótese de eu ter em mim um certo percentual de sangue indígena.

Foto: Victor Moriyama

Eles me acompanham ao movimento fugitivo desta sala. Olham-me nos olhos – olhiagudos – e, olhizainos, se voltam ao nicho dimensional desse retrato.

Eu absorvo a tese de que um olho é uma voz silente/ que traz o ralho do mundo./ Astro cintilante/ caverna que abriga enchentes./ Enchente só de quebranto/ memória de um rio de gente./ Imagine a hora do click,/ quando o tempo parou no próprio tempo,/ mas não capturou só a alma do vivente./ Trouxe imagem, forma e jeito/ que desmonta o mundo.

O homem arrebatou-lhe a alma e a encarcerou num caroço de tucumã, onde vivem os males do mundo; prendeu-a na caixa pandemônica – pandoriana morada de palavras e de imagens nascituras. Ah, ali o índio envidraçado se revolta e pede uma saída para a quarta dimensão: largura, altura, densidade e espaço/tempo indissolúvel do andar da Via-Láctea. O cacique encarcerado sabe as voltas do tempo em espiral, de sua história circular no tempo mítico. Mas seu apelo morre no franzir da testa.

De onde vem, então, essa intenção anormal;/ obscuro intento de raptar dentro de dentro;/ maligno destino planejado há séculos,/ quando a ordem formal era obedecer à lei?/ De onde vem a lida da vindita/ escrita pelas mãos dos homens?/ Olho por olho, armas compulsórias de luta atrozes?/ De onde se origina a captação da alma pura?

De um cemitério de imagens, talvez, tu me respondes. De um sufoco de calor – brasa nos pés, fornalha babilônica sete vezes mais ardente, onde três caldeus renitentes condenados cantam. E os servos do rei alimentam o forno com a mais grossa veia do betume, com estopa, pez e feixes de videira. E as labaredas se levantam quarenta e nove côvados acima da casa de fogo insólito. E já entre nós, dizem os três homens incólumes, não há príncipe, nem há capitão, nem profeta, nem holocausto, nem oblação, nem incenso, nem lugar em que te ofereçamos nossas primícias (Quem narra é testemunha aflita do tempo de Nabucodonosor).

Pintura Daniel Na Cova Dos Leões – Peter Paul Rubens

Mas de onde se origina a retenção da alma pura?

De um sonho interpretado, talvez, eu te respondo. Em uma cova de um lago povoado por leões, selado pelas pedras e por anéis de poderosos, onde por duas vezes as feras não te atacam. E ali tu te alimentas do pão inesperado. E vês nascer em ti a visão das quatro bestas, a imagem das alimárias do destino apocalíptico, dois mil anos antes de João, dois mil depois de João (E é a tua biografia que conta).

Um olhar me sonda. Mira-me em certeiro alvo: os olhos meus. Oulhar/aolhar/Oolhar. Ourolhar. Cercado de tranças e colares sobre a pele rija, aureolado de diadema de penas coloridas, imagino eu, no meu delírio em preto-e-branco. E o índio ali. Fixo. Olhar atônito. Envidraçado na parede da sala.

Waiwai é o próprio Ianejar a caminho das estrelas, contando sua viagem para além da borda do final do mundo, onde mora com as borboletas, panãs desfalecidas em seus casulos.

Waiwai é quase um herói, um deus como Ianejar, que se desespera e pede a ele os cataclismas. Novamente o fogo se espalha na floresta. É uma fornalha viva fora da grande casa de barro – Mairi. Olhem, olhem: quarenta e nove mil côvados de altura para além das maiores samaumeiras, as labaredas.

Depois vem o dilúvio lavar as cinzas dos desejos, do medo e da mudança. E Mairi, a casa de argila, sobrevive ao fogo e ao frio e aporta sobre as águas caudalosas do Grande Paraná, onde os ancestrais dos waiãpi se salvam para contemplar um novo e espiralado tempo. Tempo que virá. De novo.

Ah, mas os olhos do cacique ainda me sondam. Fitam-me de fato. Eivados de líquidos diluvianos e de cataclísmicas centelhas de um dia, que por serem opostos se respeitam, se atraem e se anulam, se amam e se desprezam. Olhos envidraçados, quintessenciados na imagem como os leões da cova do lago aos olhos de Daniel.

Gigantes – Conto porreta de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Eu brincava com bolhas de sabão quando vieram os gigantes, cada um deles trazia outros pequenos gigantes, que pensei serem seus filhos, mas soube mais tarde que faziam parte de um circo, em que as pessoas nasciam sempre com mais de cinco metros. Eu vi quando um deles menorzinho, mas muito, muito grande, quebrou a torre da igreja e derrubou o sino que nos chamava para a missa nos dias de Domingo. O sino era verde por dentro, cheio de limo e espalhou este verde por muitos lugares.

Minha mãe assustou-se com a chegada dos grandes gigantes, não catou mais feijão, não se demorou mais indo ao poço apanhar água, nem foi mais a casa de Dona Maricota, que era pertinho então eu pensei que estavam de mal. O cego Faustino que costumava sacudir a cuia com moedas cantarolando gemidos e quase uivos, agora pedia com um mexer de lábios. Tinha medo de com os seus lamentos, acordar os gigantes. Eles ficavam na frente da televisão, riam e roíam as unhas e mexiam com as mãos entre os cabelos, depois atiravam no chão uns piolhões que possuíam o tamanho do carro de boi de Seu Jaime. Os piolhões corriam e começavam a cavar até desaparecem entre a terra que ficava fofa e amontoada formando um morro, que depois subíamos. Era tal como escalar uma montanha. Os gigantes apesar do fedor que exalavam, fomos nos acostumando com eles. Muitas vezes eu vi Seu Faustino entre os dedos dos seus pés, catando moedas. Até mesmo os cavalos dos que apeavam a frente da venda de Quele, pastavam encostados aos pelos de suas pernas. Eu voltei a brincar com as bolhas de sabão e mamãe voltou a atravessar dois quintais para ir a prosa com Maricota, bastava entardecer.

Eu já tecia paneiros que vendia para os pescadores do Porto, quando os gigantes foram embora. Os menorzinhos estavam pálidos e saíram arrastando os maiores e deixando enormes valados que acabaram por derrubar os montes abrir crateras e fazer com que aqueles piolhões pulassem de volta para o corpo deles. O cego iniciou a cantar lamentos para pedir moedas e eu comecei a tecer enormes caixões de cipós e folhas de açaí, de maneira que para quem olhava de longe já não enxergava mais minha casa e nem mamãe conseguia sair para ir ao poço apanhar água e nem ouvia mais Dona Maricota gritar.

– Ô vizinha!

– Ô vizinha!

Dentro de casa era sempre escuro porque os enormes caixões impediam a entrada da luz do sol. E eu não conseguia parar de tece-los Certa vez eu deitei dentro de um e morri.

Mamãe gritou tanto que estranhamente voltarão os gigantes e os piolhões. Agora tão pequenos, que para vê-los, ela precisou da lente dos seus óculos, uma sobre a outra. Ela se afeiçoou a eles. Passaram o resto de suas vidas, falando da minha vida aventureira e cristã.

E tecendo minúsculos paneiros e caixões. Construíram um sino de cipó, que todos os Domingos toca. Mas ninguém escuta.

*Do livro “Antena de Arame”.