“Nem tudo é comunicação” . Qual sinal de pontuação você usaria nessa frase? – Crônica de Crisler Samara – @CrislerSamara

Imagem: adobe stock

Olá, me chamo Crisler Samara, ainda tenho 30 e poucos anos e “sou xovém” – Referência: Adenia, a menina do mkt da marca @affthehype.

Sou jornalista e transito na área de comunicação social há 15 anos. Tudo comunica até quando a intenção não seja comunicar”. A questão é: como fazer isso de forma mais assertiva e que possa gerar os resultados que você busca?

Gosto de comunicar e mergulhar nos mais diversos formatos on e off, através do jornalismo, no digital, com a publicidade, e o nosso apaixonante audiovisual. Tive o prazer de atuar como repórter de jornais impressos (e de tv em campanhas políticas), assessoria de imprensa, social media, Atendimento Publicitário. Funções que me fizeram errar, engolir sapos, chorar e pensar em desistir..Mas sim, tive trajetórias de glórias e resultados. Percebi que se temos que engolir sapos, podemos colocar algum tempero para ter um sabor melhor. algumas vezes cresci na marra, outras foi tão leve que quando percebi eu já era outra profissional sem sentir muita dor e muito mais focada em soluções.

Sabe uma coisa bem legal? Nos piores e nos melhores momentos, eu tive pessoas ao meu lado, nossa, como sou grata! No final de todas as minhas experiências, busquei a autorreflexão, acessei caminhos repetidas vezes com mais leveza e criatividade, buscando me cercar de pessoas com o mesmo objetivo e valores, entendi todo o propósito. Hoje estou muito melhor e em constante crescimento.

A Comunicação fez isso comigo… me treinou, me preparou, me fez olhar para dentro enquanto um ser falho buscando ser disciplinado e uma comunicóloga que com as capacidades que desenvolvi e experiências que vivi, percebi, que comunicar está longe de ser nomeado apenas como “passar e receber uma informação”.

No meu ponto (de altos e baixos) de vista, a forma mais assertiva de comunicar é despedaçar o seu conhecimento, espalhar suas técnicas para enxergar quais agregam mais e assim, criar relação com a vida;, é experimentar experiências direta ou indiretamente; é fazer sentir através dos mais diversos conteúdos, seja texto, áudio, um olhar, um sorriso, uma escrita ou o silêncio; é conseguir alcançar a dor, a alegria, a fome, o desejo do outro e nas entrelinhas dizer: VOCÊ NUNCA ESTARÁ SOZINHO. E eu simplesmente amo criar e viver essa conexão, esse é o meu propósito.

Um brinde à vida!

Crisler Samara

Sobre insônia e cartas de amor – “Do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”

Ilustração de Ronaldo Rony

Há cinco anos e pouco, uma amiga disse: “Elton, vou te enviar uma carta”. Eu: “Correio eletrônico?”. Ela: “Não, cara. Uma carta mesmo, escrita em papel, dentro de um envelope e com um selo”.

Pensei: “Égua, pode crê”. Lembrei do tempo que trocava correspondências. Recebi muitas nos anos 90. Esse papo me lembrou histórias e memórias afetivas legais. Pura nostalgia.

Passou uma porrada de lembrança em câmera lenta nesta minha cachola insone.

O mundo mudou tanto e, com ele, a praticidade dos e-mails, redes sociais etc. A comunicação está supersônica nestes dias, mas deu uma saudade daquela sensação de esperar pelo carteiro, abrir e ler os textos açucarados e exagerados daquela época.

Era firmeza receber e enviar cartas. Sou mesmo das antigas – que onda.

Sem nenhuma pretensão ou gabolice, digo-vos: recebi muitas cartas nessa vida. A maioria nem era de amor mesmo. Guardei uma grande quantidade. É, tenho uma caixa grande repleta dessas coisas, pois aproveitei ao máximo o poder e a beleza dos 20 e poucos anos.

Paralelo a essa curtição toda, fiz alguns julgamentos errados; por isso, joguei algumas delas fora – tem coisas que é melhor não guardar em nenhuma caixa, muito menos na memória.

Mas na caixa tem de tudo, desde rabiscos em lencinho de papel de lanchonete, escritos coloridos até cartões tipo de crédito – daquele casalzinho que tinha o slogan “Amar é…” – e uma penca de fotos. Às vezes, o conteúdo era pura pieguice; noutras havia originalidade nas histórias.

Já redigi material suficiente para publicar pelo menos uns três livros, muitos destes textos sobre temas que hoje em dia não fazem nenhum sentido, mas escrevi poucas cartas. E isso é esquisito.

Sobre isso, preciso escrever uma carta com a verdade e endereçar a quem precisa ler sobre o amor. No caso, o meu. Senão, mais que uma lembrança nostálgica da juventude, será uma correspondência não enviada de volta na caixa do meu imaginário. Na verdade, uma chance desperdiçada. É isso.

*Ernest Hemingway disse: “Escreva bêbado, revise sóbrio”. Segui o conselho do mestre neste texto (risos).

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em setembro de 2020.

Nem te conto… – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Tenho um segredo pra contar. Segue aí. Ou não.

Sempre passei a ideia de que sou analfabeto em termos digitais, aquele cara totalmente bronco, desprovido de recursos para manejar qualquer objeto eletrônico. E tenho convencido bem as pessoas do meu entorno. Sou considerado o avô do homem de Neanderthal ou alguém da Idade Média. O simples fato de apertar o play já é uma tarefa complicada pra mim. Games? O máximo que consigo jogar é paciência spider. E só com um naipe!

Pois bem, o segredo que quero contar é que, na verdade, sou um hacker foda pra caralho! Um daqueles caras que podem fazer um avião explodir só manejando um dispositivo tão avançado e tão pequeno que escondo embaixo da unha do meu dedo mindinho.

Ninguém pode saber disso. Vão achar que sou um infiltrado de alguma organização cyberterrorista, de uma milícia virtual, que passo o dia disparando fake News. Nada disso. Não sou esse tipo de hacker. Jamais usei ou usarei meus conhecimentos para o mal. Meu lance é só ser capaz de tal domínio sobre a tecnologia, pelo simples prazer de saber, movimentando um arsenal de gadgets apenas para o meu deleite, coisa que não interfere na vida de ninguém. Mesmo porque, como disse lá no início, isso é um segredo guardado a sete chaves, digo, sete senhas.

Promete não contar o meu segredo? O quê? Você tem uma proposta de trabalho irrecusável? Se eu posso, com o poder que tenho sobre informática, internet profunda, essas coisas, manipular resultados dos sorteios da loteria ou da corrida eleitoral? Claro que sim. Sou capaz de causar um terremoto em qualquer lugar do planeta ou entrar no sistema das bolsas de valores mundiais e fazer o maior estrago só colocando alguns algoritmos pra trabalhar. Mas prefiro mexer meus pauzinhos cibernéticos pra combater as queimadas na Amazônia, pra incentivar as pessoas a tomarem vacina e tal.

Mas pelo jeito, você aí que está trocando mensagens comigo, não entendeu nada. Eu sabia que não era uma boa ideia revelar esse segredo, portanto não o farei. Não insista, por favor. Não está mais aqui quem falou. Fui!

(Esta crônica não tem qualquer vínculo com a realidade e será deletada em 3… 2… 1!)

Hoje é o Dia da Saudade – Minha crônica sobre a data nostálgica

Hoje, 30 de janeiro, é “comemorado” o Dia da Saudade. Não encontrei o porquê de hoje ser destinado à falta de alguém ou um lugar. Só sei que todo dia é dia de sentir saudade. O conceito diz: “Saudade: Substantivo feminino – Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; nostalgia”.

De origem latina, saudade é uma transformação da palavra solidão, que na língua escreve-se “solitatem”. Com o passar dos anos, assim como outras palavras se transformam de acordo com as variações da pronúncia, solitatem passou a ser solidade, depois soldade e, finalmente, saudade. Palavra que só existe na língua portuguesa.

Bom, eu sou um cara saudoso de tanta coisa. Sinto saudades absurdas do meu pai. Grande saudade do meu avô paterno, de alguns parentes e amigos que partiram para outra vida (ou plano, como quiserem) como meu tio Itacimar (Ita).

Tenho saudade diárias do meu irmão, que reside em Belém (PA) e amigos que moram longe. Também sinto falta de todos aqueles que marcaram minha história positivamente e hoje em dia não fazem mais parte da minha vida.

O escritor Charles Baudelaire disse: “Aos olhos da saudade, como o mundo é pequeno”.

Quem dera ser tão simples. Já o poeta Paulo Leminski frisou “Haja hoje para tanto ontem”. Só que o Raul Seixas, o mais maluco dos compositores, foi mais enfático ainda ao dizer: “A saudade é um parafuso que, quando a rosca cai só entra se for torcendo, porque batendo não vai,mas quando enferruja dentro, nem distorcendo não sai”. Perfeito!

Sinto saudade da minha infância, da falta de responsabilidade e dos dengos da minha avó Peró. Saudade dos tempos do Colégio Amapaense, das memoráveis festas de rock, amanhecidas, dos bons tempos com ex amigos, da velha equipe de comunicação e até das boas brigas. É, a gente botava pra quebrar!

Sinto saudades do jornalista e amigo querido Tãgaha Luz, que nos deixou e seguiu para a redação celestial. Que saudades desse cara!

A maior saudade é da Perolina Penha Tavares, nossa linda e cheiros matriarca. Pois as saudades do papai, vovô, tio e amigos que já partiram estão calejadas pelos anos. A falta da Peró ainda não, mas com o tempo será amenizada. O amor por essas pessoas nunca passará, assim como as saudades, mas o tempo melhora o sofrimento do coração;

Deus, graças a ele, sobrevivi aos anos 90. Era tudo tão surreal, tão perfeito, tão legal, doce ilusão. Saudades daqueles anos vividos intensamente! Sinto saudades até de ter saudades de alguns que foram tão importantes e agora não passam de mais um rosto na multidão.

Sinto saudades de tanta coisa. Mas, como tudo na vida, há saudades justificáveis.

Também sinto saudades da época que era inocente, que não era tão duro, tão egoísta, tão cético e cínico. A saudade é alimentada pelas ternas lembranças guardadas na memória e no coração. E é tanta coisa que nem dá pra listar aqui. Isso acontece todos os dias e não somente hoje.

Li em algum lugar que, se sentimos saudades, é porque valeu a pena. Vida que segue. E graças a Deus, segue feliz, mesmo com minhas saudades. É isso!

Elton Tavares

CAMALEÕES URBANOS – Crônica porreta de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Por morar próximo a mata da Infraero minha casa vive cheia de passarinhos e abelhas em busca de alimento e água. Vez por outra uns sapos dão as caras. Mas um dia desses apareceu um camaleão que ficou hospedado mais de três dias entre o jardim e um açaizeiro, vindo, talvez, por um terreno baldio atrás do meu quintal.

O bicho parecia um dinossauro saído de um filme de Spilberg, com seu andar imponente. De repente corria rápido, fugindo ao olhar curioso dos habitantes da casa. Ficou dias no alto do açaizeiro, contemplado até pelas visitas que o admiravam sem incomodá-lo, ali, impressionantemente imóvel, olhando o tempo, aventando uma possibilidade de fugir pelo muro alto ou talvez do faro esperto dos cachorros da rua. Ao meio do quarto dia sumiu. Mas não sei se sobreviveu, pois a sua cauda de cerca de um metro e meio estava com a ponta quebrada e assim mesmo ele reagia aos que chegavam muito próximo para lhe fotografar, abanando-a com violência para se defender.

O interessante é que veio logo à memória um “ladrão” de Marabaixo muito cantado e antigo, cujos versos dizem:

“Eu vim neste Marabaixo
Você não me dá alimento
Eu não sou camaleão
Que enche o papo de vento”

A estrofe do cantador-compositor mostra logo o seu protesto contra o festeiro de alguma comunidade distante da sua, que deve ter lhe oferecido comida, bebida e todas as mordomias da festa para que ele fosse cantar, e não lhe deu o essencial na hora da fome, querendo dizer que vento não enche barriga.

Mas quem é esse réptil que a televisão mostrou servindo de alimento a famílias flageladas na mais recente seca do Nordeste? Quem é esse inofensivo animal, cujos ovos, chamados “ovas de camaleoa”, são tão apreciados na dieta alimentar de pessoas aqui na Amazônia? O Aurélio nos diz que se trata de um réptil lacertílio, da família dos iguanídeos. A maioria tem uma prega mento-faríngea capaz de se encher de vento, crista serrilhada no dorso, língua curta, grossa e não protrátil. É arborícola e muda de cor e também é conhecido por papa-vento, senembi, sinimbu, tijibu, etc. Por desconhecerem a sua importância para o equilíbrio ecológico das nossas florestas, caçam-no e lhes comem a carne impiedosamente. No sentido figurado é o indivíduo que assume o caráter conveniente aos seus interesses; o indivíduo que adapta sua opinião ao interesse do momento.

E neste justo momento que vivemos um processo de transição política é que surgem, sem dúvida, bandos de camaleões políticos infiltrados nas diversas campanhas. Oportunistas, traíras (coitado do peixe!) e cães (“coitado do melhor amigo do homem”!) subservientes, sem terem nada a contribuir, a não ser com fofocas e intrigas, enchem o papo de vento para dar a impressão que tudo sabem. Entretanto querem mesmo é a atenção dos líderes políticos para poderem viabilizar seus interesses econômicos, políticos e até familiares, posto o exemplo das oligarquias decadentes do Amapá.

Já vi esse filme. Certamente não se chamava “O Camaleão Invisível” nem era algum documentário ecológico sobre mimetismo. Era, talvez, a arte de grudar dissimuladamente em qualquer campanha política, cujos protagonistas estejam viajando na penumbra sem que disso saibam.

Então, rendo aqui minha homenagem ao camaleão visitador do meu quintal pelo seu porte aparentemente grotesco; louvo a forma crassa em que ele veio ao mundo e pelo seu grau na escala evolutiva dos animais, que desconheço. Ora, eu não o admiro apenas pelo papel que exerce no meio da floresta. Eu o tenho na memória como um extraordinário ser que, imóvel, acompanhava o sol na sua trajetória todos os dias aqui entre os perigos da cidade, sem que soubesse que homens inescrupulosos roubam-lhe o nome e suas características naturais para se darem bem na vida.

Bairro do Trem, o MEU SETOR e o carnaval – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Crônica de Telma Miranda

Atualmente moro, novamente, no bairro do Trem, meu berço, pois a minha avó, dona Amélia, costureira de mão cheia e conhecedora do poder de cura das plantas, óleos e unguentos, veio pra cá junto com o meu avô, Seu Miranda, quando ainda era tudo mato e a linda orla do Santa Inês ainda era a Vacaria.

Quando paro pra pensar na evolução do meu setor, lembro que a minha mãe, Dona Dalva, sempre atuante em sua função social, me levava uma vez por semana pra Vacaria, onde ela alfabetizava voluntariamente adultos através do método Paulo Freire, e eu, criança, não entendia o tamanho do gesto dela, só queria saber de chegar lá, passando pelas pontes, pra ver a cotia de estimação da família que cedia a casa para o feito da mamãe. Quem olha hoje essa orla tão linda, com seus restaurantes maravilhosos, não imagina como tudo mudou tão rápido, pelo menos pra mim.

Quando olho para meus vizinhos, da mesma geração que eu, lembro de como esperávamos ansiosos várias datas, em especial o carnaval por vários motivos:

Piratas da Batucada, Piratão, dono do meu coração até hoje. Cresci vendo minha família vibrando, torcendo, saindo na escola, participando dos eventos para angariar fundos e dos ensaios, ora na antiga sede dos escoteiros, ora na sede do Trem, e CLARO, xingando e brigando na apuração, pois todos queríamos, mais uma vez campeões, participar do desfile da vitória, sempre com o dia amanhecendo que eu achava lindo. Tenho uma tia maravilhosa que durante muitos anos comprava uma ala inteira pra família sair de tão apaixonada. Somos todos Piratas da Batucada apaixonados até hoje.

Futebol a fantasia na Praça Nossa Senhora da Conceição, onde os Solteiros e Casados viravam Dondocas e Bonecas, fazendo a festa desde um tempo não tão politicamente correto, mas que nas minhas lembranças vem carregado de alegria, cor, graça e pureza, com os jogadores vestidos de mulher e até ao jogar tentado ser delicados e finos. Alguns eram mais arrojados, outros mais simples, mas todos carregavam seu brilho e arrancavam gargalhadas de todos, em especial na narração do jogo, que enchia de mais adereços o que culminava no desfile para escolher a mais bela do jogo, e eu, geralmente sentada nos ombros de algum tio assistia a tudo gargalhando.

Baile Rainha das Rainhas do Carnaval na sede do Trem Desportivo Clube, de onde deriva o nome do bairro, que nas minhas lembranças de infância parecia tão grandioso e imponente, e que ainda resiste na esquina da rua General Rondom com a Av. Feliciano Coelho. Disputadíssimo como todo concurso de misses, com as torcidas organizadas e a tradicional revolta por causa do resultado, sempre acabando em confusão, gritos e xingamentos, mas que sempre se resolvia e a festa prosseguia. Eram outros tempos. Se fosse hoje, acho que terminaria na justiça. Eu nunca fui num, mas no outro dia acompanhava os babados através da mamãe, tias, tios, primos e primas. Eu ia no das crianças, quando se vestir de índio ainda não era apropriação cultural (faz tempo, mas abafa o caso!).

Maksuel Martins

E ver A Banda passar tocando coisas de amor com suas marchinhas tradicionais aqui pelo meu setor era e é uma festa também aguardada, com os vizinhos organizando suas fantasias, blocos, mini trios, encontrar os conhecidos, apreciar a criatividade e graça ao lado da família e amigos e depois ir pra casa feliz, comentando que tal fantasia foi a melhor, mas que o bloquinho tal também estava lindo. Mesmo quando não estava morando aqui no Trem, assistir A Banda com os meus aqui sempre foi preferência.

Bairro do Trem, meu Carnaval, vizinhos que ainda estão aqui e que mesmo não sendo mais as crianças que éramos, sonhamos ainda com o Carnaval que vivenciamos e com os que ainda virão, mesmo estando quarentões e cinquentões, mas como o cinquenta é o novo trinta, tenho fé que ainda veremos não apenas A Banda passar aqui pela Feliciano, mas essa pandemia também. Amém.

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

Hélio meu amigo Pennafort – Por Fernando Canto – @fernando__canto – (republicado por conta de hoje, 21 de janeiro, seria o aniversário de 84 anos de vida do escritor e jornalista Hélio Pennafort) .

Hélio Penafort – Foto encontrada no blog Porta Retrato

Por Fernando Canto

Ao dar o nome de Hélio Pennafort a sua biblioteca a instituição SESC realizou um ato de carinho às nossas letras e uma justa homenagem ao escritor e jornalista que muito contribuiu para que o Amapá tivesse as suas mais legítimas manifestações culturais conhecidas. Foi através do Hélio que a maioria dos que fazem a formação da opinião local hoje, se basearam para sistematizar a questão da identidade do homem amapaense. Fora ou dentro das academias seu trabalho ganhou a dimensão esperada e a valorização merecida, posto que só ele conseguia expressar com elegância nos seus textos as formas rudes (para nós) do falar cotidiano da vida do interior. Muitas vezes publiquei sobre a obra do Hélio por considera-lo um narrador excepcional das coisas da nossa gente. “Triste como um tamaquaré no choco”, “foi cocô de visagem” eram expressões do homem interiorano que ele usava no dia-a-dia. Para qualquer objeto ou situação complicada chamava “catrapiçal”. Vivia contando anedotas de caboclo se divertindo a valer com elas. Era extremamente sincero com seus amigos e não guardava o que tinha de dizer. Apesar de ter exercido inúmeros cargos importantes no Governo, tinha lá suas fraquezas e de vez em quando fugia do expediente para ir ao Abreu ingerir uma gelada, mas era também grave e sério nas suas responsabilidades.

Arquivo pessoal de F.C.

Ainda adolescente andei em sua companhia, juntamente com o Odilardo Lima, repórter e poeta que virou delegado de polícia, e o Manoel João, um telegrafista e caçador de primeira linha, bom contador de histórias. Minha função no grupo era tocador de violão e guardião da memória deles, afinal iriam precisar de detalhes que fatalmente esqueceriam, quando da redação das reportagens que faziam para a rádio Educadora e o jornal A Voz Católica. Hélio proporcionava muitas histórias engraçadas, como certa vez em Mazagão, no início dos anos 70. Fomos de barco até a sede do município, e de carro até Mazagão Velho registrar a festa da Piedade. Ele ia dirigindo (Pasmem!) um jeep, e nós vínhamos tensos, no maior medo, porque até então ninguém jamais o vira dirigir, a não ser uma bicicleta. Com alguns atropelos e barbeiragens chegamos ao destino. Anoitecia e ele foi à casa do seu Osmundo, que liderava o conjunto “Mucajá”. Era um grupo rústico, de pau e corda e clarinete que tocava samba, baião, polca e outros ritmos. Lá pelas tantas, devido sua generosidade etílica, acabou o suprimento de uísque e cachaça. Em toda a vila também não tinha nada de álcool. Ele chamou uma rapaziada e disse: – Vão ver se encontram cachaça que eu dou uma grana pra vocês. Eles voltaram com uma “meiota” de “canta-galo”. O Hélio deu uma golada e cuspiu: “Querendo me enganar… É, seus porras? Cachaça com água eu não bebo, inda mais se é de mulher que acabou de parir”. Fiquei sabendo depois que as mulheres do lugar usavam aguardente na assepsia do pós-parto e que os moleques haviam roubado a garrafa de uma senhora que parira uns dias antes. Esse episódio só fez solidificar a minha admiração pela figura simples e humana do jornalista.

Dia da posse da de Fernando Canto na Academia Amapaense de Letras, 1988. Com os jornalistas Jorge Basile e Hélio Pennafort. Arquivo pessoal de F.C.

Fecundo no seu trabalho, Hélio sempre procurou dar a ele novas formas em linguagens diferentes. Em 1984/85 associou-se ao talento do piloto e vídeo-maker Roberval Lavor e produziu inúmeros vídeos sobre aspectos turísticos do então Território do Amapá. Embora não se adaptasse ao computador, o apregoava como instrumento do futuro, pois era atualizado nas informações tecnológicas.

*Hoje, 21 de janeiro, o escritor e jornalista Hélio Pennafort faria 84 anos (nascido no Oiapoque (AP), em 1938).

Desfeitas & Desfeiteiras (Crônica paid’égua de Fernando Canto)

Crônica paid’égua de Fernando Canto

A desfeita era uma injúria, uma ofensa que cavalheiro nenhum levava para casa sem antes não se vingar, depois de ser recusado em seu convite para dançar pela dama escolhida. O injuriado estapeava a dama e, formada a confusão, a festa invariavelmente acabava. Pelo menos era isso que acontecia há alguns anos.

A Desfeiteira provém disso. Era uma dança praticada em quase toda a Amazônia. Os caboclos dançavam em pares ao som de um conjunto pau-e-corda. De repente a música parava e o par que ficasse perto dos instrumentistas tinha de dizer um verso, na realidade uma quadra (ou uma trova ou poesia, rimada ou não), sob pena de pagar uma prenda e ainda ser vaiado. Era uma brincadeira divertida dos lugares onde não havia aparelhagem de som que ainda ocorre em Alter-do-Chão, e ocorria no Bailique e no litoral do Amapá.

O Hélio Pennafort contava a história de um caboclo que se meteu numa Desfeiteira lá no Sucuriju. Só faltava ele dizer o seu “velso”. Não conseguia articular palavra porque estava muito embriagado. Mas o adularam tanto que ele declamou a única sextilha que sabia. E começou; “Na cidade do Irará /No interior do Maranhão/ Existia um velho sacana/ Fdp e garanhão/ Cuja pele do culão/ encobria dez colchão”. Deram-lhe uma sova de remo que ele nunca mais apareceu no lugar.

De outra feita o mesmo Hélio em suas andanças jornalísticas pelo interior me levou junto para Mazagão Velho. Fomos de jipe, da sede do município até lá. O curioso é que ninguém nunca vira o Hélio dirigir em Macapá. Chegando à vila ele chamou o dono do conjunto “Mucajá” para tocar uma festa e o finado Osmundo não se fez de rogado: botou uns três solos de clarinete para animar a moçada do lugar e o “pau comeu”. Foi nessa ocasião que ele inventou a história da moça “que só dançava abenetando”. E que eu, justo eu, a teria convidado para dançar e ela recusara dizendo que só dançava abenetando. Como eu teria insistido ao dizer que sabia dançar abenetando, ela fechou a desfeita dizendo, tímida: “- Mas a Bené num tá!” A Bené era a sua irmã mais velha.

Depois disso visitei Mazagão Velho muitas vezes, pesquisando sua cultura e sua gente. Em uma roda de Marabaixo de rua, exatamente quando se preparavam para derrubar o mastro do Divino Espírito Santo, vi uma desfeita pesada. Quase todos os dançarinos já estavam “mais pra lá do que pra cá”, no dizer deles, tanto era o consumo de gengibirra. Um rapaz queria dançar um “dobrado” que os tambores tocavam na hora. A dança é feita em pares que se agarram pelos braços e giram o corpo para a esquerda e depois para a direita. É a parte mais rápida do Marabaixo. O rapaz, visivelmente tonto, viu uma jovem senhora e disse: – Quero dançar contigo. Ela respondeu: – Comigo não, violão. Então o rapaz, aborrecidíssimo, falou; – Tomara que tu morra amanhã às seis horas da tarde! A vingança foi a praga lançada.

Guardo ainda na memória uma desfeita acontecida na sede do Esporte Clube Macapá. Um rapaz de conceituada e tradicional família, hoje ilustre advogado, era apaixonado por uma moça. Tímido, porém, não tinha coragem de falar em namoro com ela. Os amigos lhe aconselharam a tomar uma dose de uísque para criar coragem e ir até ela.

Mas ele exagerou na dose. Assim mesmo, depois que “Os Mocambos” se preparavam para tocar “Devaneio”, sucesso da época, ele atravessou o salão olhou para ela com um olhar lânguido e disse: – Bora dançar? Ela respondeu na bucha: – Eu não danço com gente bêbada. Ele ficou meio desconcertado e ainda perguntou, meio afirmando: – Quer dizer que transar nem pensar, né?!

Gino Flex, o Rei dos Malucos de Macapá – Crônica de Elton Tavares (Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Em novembro de 2013, dia 12, precisamente, morreu o artista, músico, inventor do Clube do Vinil, Dj oficial de encontros memoráveis e Rei dos Malucos de Macapá, Gino Flex. Não sei quantos anos ele tinha, mas acho que eram quase 60 verões.

Conheci o Gino em 1997, ainda com meus 20 e poucos e curta estrada na boemia da capital amapaense. O cara era querido por todos.

E não é porque morreu não.

O cara era do naipe do fictício Quincas Berro D’Água e do real Charles Bukowski.

O estilo de vida era “de boa”, verdadeiro ode à boemia e hedonismo. Sim, o velho Gino era “brother”. Gino Flex estava internado há dias com complicações no fígado. Chegou a ser operado, mas não resistiu. Que sua passagem para a outra vida seja como foi nessa, leve.

“A vida manda os seus sinais, basta ter o coração aberto e ser amalucado o suficiente pra entender” – Cabo Martim, personagem do livro “A morte e a morte de Quincas Berro D’água”, de Jorge Amado.

Vira e mexe, lembro do Gino Flex, o Rei dos Malucos de Macapá. Ali foi figuraça!

Até a próxima vez, Gino!


*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado em novembro de 2021.

D. Aristides e a terapia de Deus – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Quando o Santo Padre visitou o Brasil, em julho de 1980, esteve também no Pará. João Paulo II foi a Belém para ver os hansenianos da Colônia de Marituba, onde seu amigo, D. Aristides Piróvano, há pouco mais de dois anos, desenvolveu um extraordinário trabalho de amor e dedicação ao próximo.

Aristides Piróvano era ligado ao PIME – Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras – órgão que tem missões espalhadas em vários países do mundo. Depois de deixar o cargo de Superior Geral daquele instituto, optou servir no Brasil: “Quando consegui passar o encargo para outro, eleito e aprovado pela Santa Sé, como bispo, tive o direito de escolher – aposentar-me ou optar por serviço à minha escolha. Decidi voltar ao Brasil e vir para Marituba.”

O trabalho que D. Aristides desenvolveu na Colônia de Marituba (23 km. de Belém) foi praticamente a continuação de uma série de esforços empreendidos no decorrer de uma vida eclesiástica. Alto, magro, barbas longas e brancas, de um falar agradável e quase sem sotaque, bastante dinâmico no seu trabalho, o bispo dizia que uma de suas principais metas na Colônia era “ser amigo de todos”, em virtude de ali existirem pessoas de várias religiões.

D. Aristides Piróvano trabalhou no sentido de proporcionar aos internos a oportunidade de sair da Colônia e juntarem-se às suas famílias, através do aprendizado de uma profissão. “Minha tarefa é terrível. Começo às cinco e meia da manhã e termino geralmente às onze da noite. Não tenho mais um minuto de tempo.”

Como primeiro Prelado em Macapá, D. Aristides e seu grupo conseguiram construir escolas e prédios e ainda prestar assistência até o interior para os mais necessitados. Para o clérigo, Macapá representava uma grande família, com algumas divergências, mas depois tudo voltava a seu devido lugar. D. Aristides chegou a comentar o Marabaixo, confessando-se muito amigo de Julião Ramos, porém arrematou: “Folclore é folclore, religião é coisa séria e não podemos misturar as coisas. A Igreja não é contrária à diversão do povo, mas não se pode misturar a água benta com o diabo”.

Dessa forma, lembrou ele da proibição feita aos negros, que antes dançavam o Marabaixo dentro da Igreja-Matriz, por ocasião da Festa do Divino Espírito Santo: “Reclamávamos desse folclore que depois acabava sempre com festa, sempre com orgias, principalmente no interior. Quando você voltava lá, no ano seguinte, tinha filhos para batizar daquela festa”(risos).


*Texto dos anos 80.
* Dom Aristide Pirovano morreu em 3 de fevereiro de 1997. Ele foi o segundo bispo prelado da Diocese de Macapá.
Fotos encontradas no Blog Porta Retrato, PIME Amapá e Tribuna Amapaense.

Rumo ao pó das estrelas – Crônica de Fernando Canto

 

Crônica de Fernando Canto

Como o silêncio é uma árvore dormindo e um oco à espera do desejo, expresso meu princípio e estratégia de beijar-te perante o fogo do amor e o som das palavras.

Não justifico esta vontade só pelo prazer de interpretar metáforas, pois tudo urge no rio em seu curso indômito, sobre o rosnar das águas que lhe arranham o dorso pétreo. É um compartilhamento perene de dons alimentados mutuamente depois de tantas estiagens e abruptas enchentes, desses vilipêndios que causamos pela nossa natureza, talvez humana.

Penso que um ciclo temporal da vida não satisfaz o beija-flor. Apesar da abundância de flores sequer ele dispensa primaveras.

O tempo abre caminhos que se estreitam ao sabor da gravidade. E os sulcos da epiderme onde outrora líquidos corriam, abrigam fótons de raios siderais e apenas lampejos de dores passadas.

O amor, então, não é fator de espanto, de risco ou substância para qualquer sobrevivência, antes é uma nítida energia que transforma as leis do tempo em furtivas estrelas.

Afirmo, pois, que o meu amor não é discurso que reduz insumos oriundos de sistemas prontos, não se mensura por linguagens de processos. Ele é fonte criadora, útil, nascida, morta e renascida da alquimia da alma, da música estelar que harmoniza a vida.

Eu beijo à reorientação do inesperado, porque o amor não colhe néctar diariamente nem se prende a primaveras ou solstícios invernais, é mais que uma tabela, uma equação, é a minha e a tua vontade em dois relógios atrasados na viagem que não planejamos ao rio, ao mar e às estrelas.

Eu conto com o cúmplice ardume do amor: a poesia. Eu trago a contemporaneidade do sonho: o pesadelo do futuro, o ambiente maltratado, a água impura. Eu vivo! Ora, eu canto a perplexidade da vida e a paradoxal ternura que há nesses caminhos que contigo andei e continuo andando, obstinado, rumo ao pó das estrelas.

Os Prisioneiros do Lar e a Era das LIVES – Crônica de Elton Tavares (Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”)

Em conversa rápida com o velho amigo Werlen Leão, ele fez um comentário engraçado sobre estes tempos em que vivemos confinados (sim, pois ficar em casa é a única forma de seguir vivo), pois rememorou a antiga banda amapaense “Prisioneiros do Lar”. O extinto grupo da década de 80/90, formado por Jony, Guri, Jessi e Black (o “Black Sabbá”, de Sebastião, um dos amigos doidões porretas que fizemos nessa jornada), era Rock n’ Roll demais!

Pois bem, somos todos “Prisioneiros do Lar” nestes 2020 e 2021 tristes e sombrios.

O que a vida reservou pra gente, hein?

Estamos em um aprendizado que mistura amor e dor enquanto os dias se arrastam, cheios de perdas e notícias tristes. A nossa única válvula de escape é a arte. Talvez, depois que tudo isso passar e VAI PASSAR, eu escreva sobre esse período sofrido. O título será: “Depois do Fim do Mundo – Uma crônica para sobreviventes”.

Sobre a arte, estamos vivendo a era das lives. E falando em conversas com velhos amigos, tive um excelente papo com a Clícia Vieira Di Miceli sobre isso. Ela comentava comigo, no dia seguinte do show do seu marido, Enrico Di Miceli (foi muito Phoda), sobre o encontro e reencontro dos amigos nessas apresentações musicais on-line.

Clícia, que é uma competente produtora cultural, fez uma boa contextualização. Segundo ela, quando a pandemia passar, os artistas farão grandes shows para vendas (assim como já ocorre no Youtube com filmes e outras plataformas virtuais). Por exemplo, a apresentação que custará centavos, será assistida por um grupo de amigos. Isso cobrirá custos da cadeia produtiva artística. Ou seja, uma evolução no mercado da música.

Sim. É gente aplaudindo o artista, “chegado” que não falava com outro há tempos, referências a saudades, entre outros papos porretas – como se todos estivessem em um grande bar no mundo virtual. Pura alegria cibernética!

“Estamos curtindo a ressaca de felicidade, entre trancos e barrancos, com toda a beleza do visual da live e da competência do Enrico. Aqueles atropelos que ocorreram também fazem parte do processo”, comentou a Clicia sobre pequenas “falhas” que ocorrem em todas as lives. Afinal, é uma nova modalidade de show musical.

Tem live de todo jeito e de todo tipo. Algumas são solidárias, com causas nobres, como arrecadação de alimentos ou grana para entidades assistenciais às vítimas da pandemia. Outras são, de fato, uma possibilidade para o artista levantar recursos para cobrir suas despesas, já que a classe musical precisa de público também para se prover. E, ainda, existem aquelas que só rolam pelo simples fato do músico querer tocar e alegrar nossas noites. O que também é um motivo e tanto.

Durante essas lives, sejam de artistas locais, nacionais ou gringos, interagimos, além dos comentários no próprio perfil onde o show é transmitido, também nas redes sociais e em grupos de WhatsApp.

Nestes momentos de farra virtual, esquecemos nossas tristezas, dividimos alegrias, rimos, choramos e temos breves momentos de leveza. Hora numa paulada Rock and Roll, noutras numa roda de samba, marabaixo, MPB, MPA ou intervenções poéticas. As lives proporcionam os melhores momentos nestes tempos de solidão, dureza e prisão domiciliar.

Entre sons, emoções, lembranças e “goles”, temos um pouco de prazer virtual acompanhado de desatinos porretas. Assim, a internet e os artistas nos trazem o afeto que está tão em falta no nosso cotidiano. Decerto, a live é uma forma de estarmos juntos. Essas apresentações possibilitam a empatia.

Apesar do melancólico e inimaginável período que a Covid-19 nos impôs, as lives preenchem as vidas de nós, os ‘prisioneiros do lar’ de 2020 e 2021. E trazem a felicidade aos pedaços, como partículas de alegria cibernética. Sim, a farra, por hora, é virtual. E isso ilumina esses dias cinzentos e noites obscuras.

Elton Tavares

“A arte existe para que a verdade não nos destrua” — Friedrich Nietzsche.

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado em novembro de 2021.

A “Confraria dos Otaros” – Uma crônica barateira de Elton Tavares e Fernando Canto (ilustrada por Ronaldo Rony)

Noite dessas, durante conversa com o Fernando Canto, ele me falou que alguns poetas do Amapá estão (pasmem!) comprando diplomas de instituições literárias gringas ou títulos com padrinhos tipo William Shakespeare (exemplo genérico, pois são vários figurões da arte literária mundial). Pensei: égua-moleque-tu-é-doido! Como diria esse último monstro da Literatura citado: “Há mais coisas entre o céu e a terra tucuju do que pode imaginar nossa vã filosofia”. É ou não uma verdadeira “Confraria dos Otaros”?

Má rapá. É deslumbramento e uma necessidade de se autovenerar. E pior, pelos nomes citados pelo amigo Canto, que para mim é o maior escritor vivo deste nosso lugar no mundo, alguns dos apadrinhados/diplomados pelos vultos literários são falsos intelectuais. Sim. Daqueles que nem falam e nem escrevem direito, mas…

Não entendemos o motivo dessa pavulagem. Sério mesmo. Não que queiramos atravessar vários minutos de discussão ou encher o saco dessas figuras. É que estou admirado mesmo.

A propósito, ancorados em suas inteligências superiores, será que esses intelectuais “otaros” ficam mostrando uns aos outros seus diplomas ou títulos, meio que competindo por quem tem um padrinho ou documento com mais peso histórico/literário e pensam que isso reflete em suas mentes foscas as fazendo brilhar?

Deve ser a tal “Teoria do Medalhão” do Machado de Assis. E ainda vão dizer que nossas críticas são motivadas por inveja. Afinal, todos temos o direito inalienável de sermos considerados inteligentes do jeito que queremos nos iludir. Né, não?

Somos amigos de alguns verdadeiros gênios. Mas eles são humildes. Sem essa boçalidade típica da “Confraria dos Otaros”. É como disse Nelson Rodrigues: “dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”. Com certeza. Também compra um diploma de sabido ou apadrinhamento de figurão da história, falecido há séculos (risos).

Mas por que “Confraria dos Otaros”? Trata-se de parte de uma frase usada para o mesmo significado (otário), pois antes de ser atributo de pessoas de má fé, ingênuas, carrega o peso da vaidade. E toda vaidade é ilusória, fútil, jactanciosa e frívola, ainda mais no meio artístico em que muitos dos seus protagonistas se acham talentosos e dizem estar além da capacidade comum dos mortais. Muitos desses pavões se danam a produzir gestas sobre si mesmo, mas são verdadeiros valdevinos literários, estando ou não em grupos ou academias, o que, aliás, é o que não falta no Brasil. Para entrar em algumas delas basta comprar o diploma, como o fazem os falsos médicos e enganadores profissionais.

Um diploma ou uma medalha comprada não caracteriza um autor, pelo contrário, o ridiculariza perante os que não se deixam enganar pela fatuidade apresentada, tão típica dos que querem porque querem ser admirados, mesmo que não mereçam.

Não queremos com esta crônica ofender a honra de alguém ou de alguns. Entretanto, o pélago existente entre os “otaros” e os que levam a literatura a sério é maior que a Sofia do Porto de Santana e mais extenso que uma pororoca que havia no Araguari. Esses glabros de letras deviam era se esmerar para produzir uma literatura que nos faça melhor, que nos torne mais felizes e parar com essa onicofagia nervosa e permanente de autobajulação.

Ainda bem que vem uma geração com a literatura pulsante nas veias por aí. Por exemplo: os poetas Gabriel Guimarães in “Ágil Peste Celeste – Poemas Primeiros” (Portugal – Brasil – Angola – Cabo Verde), Chiado Books, 2021; Lara Utzig, in “Efêmera”, publicado pela editora Lura (2020); Rafael Massim, in “Amores, o Meio do Mundo e Outras Contemplações”, Edição do Autor, Macapá, 2020 e Gabriel Yared com o romance “Semente de Sangue”, Editora Corvus, Feira de Santana/BA, 2021. São escritores jovens, assim como muitos outros que estão revelando seu talento pós-pandemia.

Há alguns que ainda não publicaram livros, mas que estão “bombando” nas redes sociais, como é o caso de Jaci Rocha, Lorena Queiroz e outras tão marcantes quanto essa. Se não caírem nas asas da presunção, podem se tornar verdadeiras pedras angulares que sustentarão nossa literatura no futuro, ainda que lidar com a personalidade de artistas seja meio complicado.

Apesar dessas otarices, temos grandes escritores e poetas, homens e mulheres como Manoel Bispo, Alcinéa Cavalcante, Maria Ester, Paulo de Tarso, Ronaldo Rodrigues, Tiago Quingosta, Lulih Rojanski, Pat Andrade, Marven Junius Franklin, entre tantos outros, que não precisam de títulos ou de medalhas adquiridas pela compra, e que já estão inscritas na história da nossa literatura com muito mérito.

É verdade que cada um tem suas próprias escolhas por isso não condeno quem quer que seja, nem posso julgar a relação desses poetas com as instituições das quais fazem parte, pois não as conheço a não ser das postagens jactantes nas redes sociais. Sobre isso creio que o patrono Shakespeare já se antecipou, referindo em “Hamlet, Príncipe da Dinamarca”: to be, or not to be, that is the question.

E, antes que nos chamem de invejosos, digo estas palavras meio chulas oriundas do tupi (te’bi): toba ou não toba, ora vão tomar. A questão não é nossa. Enfim, essa galera deve achar uma bobagem antiquada aquele papo de “ler para ser”. E, sim, resolvemos escrever esse texto só de sacanagem, para rirmos depois. É isso!

Elton Tavares e Fernando Canto

A gente já riu muito de vocês, otaros!

*Uma dica: boa parte da “Confraria dos Otaros” apoiou a rasteira na poeta Pat Andrade.

A ARCA DE NÃO É (Crônica legal de Ronaldo Rodrigues)

Depois do temporal fiquei olhando aquele mar sem fim que a chuvarada tinha plantado.

Eu tinha ficado só no mundo, depois do dilúvio.

Minha preguiça não me permitiu concluir o grande barco que a voz tinha dito para eu construir.

Era um sonho louco que eu tinha toda vez que chovia muito.

Uma voz me dizia para eu construir um barco imenso, onde coubessem muitas espécies de animais.

Uma dessas chuvas poderia demorar muito a passar, alagar e afogar todos os que não estivessem no barco.

Até comecei.

Pedi a um amigo construtor de barcos para desenhar um esquema que eu pudesse executar.

Ele esboçou uma arquitetura naval impressionante, bem mais avançada que as loucuras de Da Vinci e sem aquelas frescuras que Niemeyer adorava inventar.

Julio Verne não teria conseguido imaginar algo tão engenhoso.

Desenhou um barco que, se estivéssemos num filme, poderíamos batizá-lo de Titanic, tal sua imponência e capacidade de navegação.

Eu fiquei de comprar o material e construir o bruto do barco, do jeito que a voz mandou.

Mas dava uma preguiça danada pensar naquilo, aliada ao fato de que a inflação crescia e o dinheiro diminuía.

Sei que se tivesse me empenhado teria conseguido juntar a grana.

E não estaria agora só, no meio do mar.

Vou dormir e tentar sonhar com a voz. Quem sabe ela me diz o que fazer.

Ronaldo Rodrigues