Poema de agora: Boa Noite minha saudade – Luiz Jorge Ferreira

Boa Noite minha saudade

Pai vai mimi, feliz
Por uma tia cristã que se recupera do Avc, por filho, pela vida…que jovializa o passado.
Coisa mais bonita…
Pela noite.
Pelos cães que ladram na rua cada um em um tom.
Pelos gatos que miam em desacordo com o silêncio, que acordo quando coço os cabelos, brancos da neve malina do mesmo Time.
…que abrigam os pensamentos que só são meus quando não os penso em sua totalidade.

Pai vai mimi, feliz
Por filhos, por dogs, pela vida pacifica dos livros na estante…
Coisa mais bonita…
Estórias…Histórias…
homens e mulheres que as criaram os quais não conheci, mas sei o nome, vagam em seus jardins de letras, vogais, virgulas, e consoantes, sobre as quais escondo os pés dentro de um par de meias.

Pela noite
Pelos cães que ladram na rua cada um em um tom.
Pelos gatos que miam em desacordo com o silêncio que acordo quando coço os cabelos
…que abrigam os pensamentos que só são meus quando não os penso em sua totalidade…como letras datilografadas…
…passam a ser da cidade que antes de mim já dormiu…

Passam a apostar corrida com a eternidade que se posta toda prosa e não poesia, se estou a pé e quero atravessar a Avenida, parece ter o tempo de uma vida.
E se estou no mesmo farol mas dentro do carro indo ao trabalho, leva incríveis 60 segundos que para mim representa o tempo eterno de criar o Universo, e varias reencarnações.
Papai vai compor uma canção de gritos, desunidos e uníssonos como os emitidos pelas crianças na ante sala da Vacinação.
Na cavidade única das quatros que possuo dentro do coração.
Há sempre som, por certo tempo.
Pai toca um acorde que não lhe acorda a alma.
Com sua mão menos ágil que quando a usava para ritmar frevos, ou desenvolver Baiões… está com o tempo espremido em uma marmita que aposto que a engule bem antes que o trem nesse vai e vem ultrapasse a sombra da lua que sobrevoa os degraus do trilho como se catasse mal me quer bem me quer, folha por folha, uma de sombras opacas, outra verdadeira…
Lá ou aqui adiante…
Os sonhos entram pela janela embaralham os chinelos, e a gente com eles não podem correr.
… Pai vai mimi.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: O Elogio do Pé – (Fernando Canto para Ubiratan do Espírito Santo, o “Bira”, craque do futebol amapaense)

O ELOGIO DO PÉ

I
Ainda que a mão guie
O rápido correr do atleta
O pé equilibra a perseguição da pelota e seu couro
Tal como o ouro em seu brilho
Desperta e arrisca o assombro à cobiça
No fado de explodir a bola
Num voo atômico em direção à rede.

II
O atleta – certeiro – atinge o alvo duas vezes
Pé e cabeça se harmonizam nesse objetivo
E mais vezes, mais os olhos se guiam à rede – incansável,
Mistura de inseto, soldado, animal de testa larga
Arranca cem vezes o grito da torcida enlouquecida.

III
É azul, preto e branco, vermelho
O gosto da loucura ecoante
De rugidos da selva, de cantares da alvorada
E de sangue guerreiro de norte a sul do Brasil:
É Bira de Nueva Andaluzia, paraoara,
Dos pampas, das alterosas,
Do espiritu sancto do gol, das vitórias domingueiras
Das tardes ensolaradas, crepúsculos festivos
Da tela não-pintada de Michelangelo
(Alegoria de Deus que entrega a bola a Adão
No leve tocar de dedos)
Como um contrato entre as partes no Éden tupiniquim.

IV
É Bira, príncipe da arte de chutar no gol
Viajante contumaz do oco da bola
Onde moram os querubins do futebol

V
No contato da chuteira e a bola
Centelhas rompem imperceptíveis aos olhos da torcida
Mas ali, na trajetória da pelota ensandecida
Girando em curva ou reta
Corre o chute mágico do atleta uBIRAtan
Que trave alguma, vento algum, goleiro algum,
É capaz de parar ante o fundo da rede, o seu destino.

VI
É certo que o tempo, implacável como o goleador
Também abre ruas no rosto em movimento
Ventos empoeirados surgem abruptos dos logradouros
Como quem logra a vida em ciclos imemoriais.

VII
Onde se vê de novo o voo rasante dos quero-queros
Sobre verde do gramado?
Talvez no espelho da lembrança
Porque a fama, efêmera e fugaz
Faz da vida o templo da memória, onde se clama
O que ficou para trás
Onde os cantares se repetem em rituais
Para abençoar a glória dos que vencem
Em tempos que escrevemos nosso esquecimento.

VII
A voz grossa dos que torcem e glorificam
Deixam grandes silêncios na alma
Cobram-se cobranças, cobram-se castigos
A falta, a mão, o pênalti
E o gol, que para sempre é objetivo
Resta, então, a festa da massa em labaredas
Em gritos, confetes e bandeiras
(ou o desterro infausto em outros horizontes)
VIII
Entretanto o pé-de-ouro arrisca
Em balés de pés-de-lã/ pés-de-moleque
Pés-de-pato sob as gotas de um pé-d’água na neblina
Nas estações mais aziagas das paisagens-penitências

E realiza seu trabalho de cerzir o tempo e as camisas coloridas

IX
Ora, a inveja é um olhar sinistro
Que se movimenta sobre a dádiva
Ofertada aos talentosos
É um ovo só
Saído das entranhas da serpente,
Para reduzir a alma que alimenta com seu ranço

X
Ora, o futebol não se limita a homens
Em seus campos de lama e de gramas aparadas
Há um árbitro, há rivais que se trajam de esperança
Oponentes opulentos em nervos eriçados
Quando a bola cintilante gruda ao pé do craque
E ele mergulha nas funduras do seu rio
Onde cardumes geram suas eternidades
E esperam uma coreografia não ensaiada
Para, enfim, soltar a voz contida em milênios de partida

XI
Ah, a pira dos deuses parece penetrar em águas abissais
De onde irrompe o grito final do campeão

XII
Quem não viu não mais verá. Nem ouvirá
O clamor dos ribeirinhos do Amazonas, o eco da baía de Guajará
O som ferrífero da serra do Curral e o brado dos gaúchos do Guaíba.
Quem não viu não sentirá
A poesia refletida na potência do olhar, da mira
Da luz mágica do Bira e seu bólido de vidro e luz
Transformando-se em espelho pela última vez.

XIII
E nós aqui tal degredados em nossa própria aldeia
Apenas com as imagens do passado e nosso orgulho
Fomos os pés, os pés do Bira
Quando o chute governava a bola
E a noite vigorava um brinde
A mais um campeonato ganho na história
Pelos pés do nosso ídolo
De sonho e de memória.

Fernando Canto

Bira e Fernando Canto – Foto: Facebook do Canto.

* Poema para Ubiratan do Espírito Santo, o “Bira”, craque maior do futebol amapaense, falecido em setembro de 2020.

Rede Tucuju será o nome da Rede de Bibliotecas da Unifap

“Rede Tucuju” foi o nome mais votado pela comunidade acadêmica da Universidade Federal do Amapá (Unifap) para a Rede de Bibliotecas da Unifap. A votação ocorreu de 2 a 12 de maio de 2023, via formulário on-line, e contou com a participação de 215 acadêmicos de graduação, 17 discentes de pós-graduação, 76 técnicos administrativos e 20 docentes.

CONFIRA O RESULTADO DA CONSULTA PÚBLICA

As outras opções de nome eram “Rede Angelim”, que obteve 127 votos (38,7%), e “Rede Aristé”, que ficou em terceiro lugar, com 70 votos (21,3%). Segundo Raildo Machado, presidente da Comissão de Trabalho de Implantação do Sistema Integrado de Bibliotecas da Unifap, os três nomes sugeridos foram escolhidos por representarem o estado do Amapá e ter relação com as características dos objetivos e serviços de uma rede de bibliotecas.

Raildo comentou que a escolha do nome “Rede Tucuju” não surpreendeu. “Apesar de Angelim e Aristé serem bons nomes e representarem bem o estado do Amapá, acredito que Tucuju é um nome que os amapaenses se identificam mais”, avaliou.

Participaram da votação membros da comunidade acadêmica dos quatro campi e polos da Unifap. A maioria dos participantes da consulta pública foi do campus Marco Zero do Equador, na capital amapaense, com 278 votantes. Em segundo lugar ficou o campus de Santana, com 23 votantes, seguido de Mazagão (20 participantes) e Binacional do Oiapoque, com três votantes. Quatro participantes da votação pertencem aos polos da Unifap.

Confira o significado do nome escolhido:

  • Rede Tucuju

Definição: O Povo Tucuju foi um dos primeiros povos indígenas do Estado do Amapá, habitavam onde hoje é localizado o município de Oiapoque. Apesar de atualmente extintos, os Tucujus são importantes para entender a história do Amapá na fase pré-pinzônica. A Rede Tucuju pretende coletar, representar, armazenar e preservar informações para o conhecimento como também compartilhá-lo entre a comunidade acadêmica.

Rede de Bibliotecas da Unifap

O Sistema Integrado de Bibliotecas da Unifap, denominado de Rede de Bibliotecas, está em processo de aprovação pelo Conselho Superior da Unifap e integrará as bibliotecas dos campi da Unifap. Serviços como aquisição de livros impressos, assinaturas de plataformas de livros digitais, programas de capacitação de usuários, entre outros, serão feitos de forma conjunta.

“A partir dos dados coletados, a Comissão de Implantação do Sistema de Bibliotecas da Unifap continuará as atividades para encaminhar o processo de criação da Rede Tucuju de Bibliotecas da Unifap, assim como a institucionalização de todos os serviços desenvolvidos e prestados pelas quatro bibliotecas em atividades na Universidade”, explica Raildo Machado.

Ascom Unifap

Um universo para Rita Lee Jones – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Na verdade, há que se mudar este título, pois Rita Lee Jones jamais caberia em um só universo. Mas vou mantê-lo, imaginando que a Rainha opinaria desta forma: – Ôrra, meu! Deixa o bichinho aí! Muda não! Tá fofo!

Não há muito mais o que falar de Rita Lee Jones, sua vida sempre esteve às claras, na luminosidade de sua figura no palco, sem se furtar a mostrar o fundo do poço. Encarou com as armas da verdade os desafios do mundo dos machos escrotos do rock, meteu o peito (mesmo que se achasse sem peito), quebrou barreiras e sobrevoou serena sobre a caretice reinante no planeta na cintilante cauda de um disco voador.

Ecologista de primeira hora e de verdade, defensora dos animais, crítica contumaz da farra do boi, rodeios e demais barbaridades que muitos chamam de esporte e diversão, Rita Lee Jones sempre esteve na vanguarda, desacatando autoridades quando estas não tinham a menor autoridade para coisa alguma. Não livrou a cara dos milicos, saudou a Democracia Corinthiana chamando para o palco Sócrates, Wladimir e Casagrande, defendeu seus fãs de baculejos violentos num show em Sergipe em 2012, episódio em que foi levada à delegacia para prestar esclarecimentos, já na era da nossa frágil democracia. Num caso de prisão anterior, em 1976, bem mais barra pesada, Rita Lee Jones recebeu a solidariedade e a visita de outra estrela maior, Elis Regina.

Beatlemaníaca, se sentiu traída quando os garotos de Liverpool se casaram com outras mulheres e rompeu com eles, só se reconciliando quando o beatle John teve seu trágico fim. Perguntada, num programa de televisão sobre qual beatle era o seu preferido, não hesitou: – Ah, os quatro! Dei pros quatro! Quem veio ao mundo com a marca da iconoclastia não deixava de cultuar seus ídolos. E do maior deles, James Dean, Rita chegou a fazer parte de um fã-clube de viúvas do rebelde astro hollywoodiano.

Da Vila Mariana para o mundo, a mais completa tradução de São Paulo (segundo Caetano Veloso e quem conhece a cidade), a Joana Dark do Lexotan lançou seu perfume inebriante e, de braço dado com esse tal de Roque Enrow, arrombou a festa da Música Popular Brasileira e deixou sua marca da zorra nos nossos corações.

A mim, só me resta admitir: a nossa ovelha negra é mesmo do balacobaco! Santa Rita de Sampa, milagrosa seja vossa festa!

Há 43 anos, morreu Ian Curtis, da banda Joy Division – Uma corda no pescoço do Rock – #IanCurtis #JoyDivision #LoveWillTearUsApart

No dia 18 de maio de 1980, há exatos 43 anos, com uma corda no pescoço do Rock and Rol, cometia suicídio Ian Curtis, compositor inglês, vocalista e líder da banda Joy Division, formada em 1976. Ele tinha 23 anos e se preparava para excursionar com seu grupo musical pelos EUA.

O jovem e atormentado músico, que era epilético, sofria de problemas conjugais, além da pressão pelo estrondoso sucesso de sua banda. Estes teriam sido os motivos do suicídio de Ian. Sei lá. Existem muitas lendas e teorias sobre a morte do cara.

Com somente um disco lançado, ‘Unknown Pleasures’, em 1979, o Joy Division havia concluído a gravação de ‘Closer’, que estava com o lançamento agendado para julho de 1980. A trágica morte de Ian Curtis não impediu que a banda se consagrasse como um dos melhores e mais importantes grupos de rock da década de 80, aliás, o principal do pós-punk.

Após seu falecimento, suas músicas foram distribuídas em mais quatro discos ao vivo, doze compilações, dois EP’s e cinco singles.

Existem duas versões para o nome da banda. Uma diz que era uma casa de prostituição de uma série chamada ‘The House Of Dolls’ (1965). Este nome teve origem nos campos de concentração nazistas e servia justamente para designar a área reservada às prostitutas.

Outros dizem que Joy Division era o nome dado à área onde prisioneiras judias eram abusadas sexualmente por soldados nazistas durante a WWII. Daí a tradução, “divisão da alegria”. Seja um ou outro motivo, a alcunha é provocativa e irônica.

Li em algum lugar em que não me recordo agora, que o fantástico compositor escrevia músicas autobiográficas, também da vida das pessoas de seu ciclo e de outros.

Li também que “Love will tear us apart”, a música mais foda do Joy Division, foi escrita como um bilhete de despedida à quase-futura-ex-esposa-e-súbita-viúva de Ian, Deborah. A minha antiga turma de amigos gritou muito nas festas de rock: “toca Joy Division”, pedindo para a The Malk e a Sterereovitrola que executassem a clássica canção.

Após a dissolução do Joy Division, os três integrantes remanescentes, Bernard Sumner (guitarra), Peter Hook (contrabaixo) e Stephen Morris (bateria), formaram o New Order, que também arrebentou e embalou muitas festinhas pelo mundo, inclusive em Macapá. No início, o som do NO era uma continuação do JD. Com o passar do tempo, a banda fortaleceu sua própria identidade, com produções de música eletrônica, pop e dançante.

Ian foi realmente genial. Com vocal grave (barítono), dança desajeitada e bacana pra caramba (dizem que lembra os movimentos dos seus ataques epiléticos), estranha performance de palco, letras obscuras e poéticas, Curtis veio a este mundo, deu o seu recado e partiu para as estrelas. Sua vida foi retratada no cinema no filme Control (recomendo).

São Paulo 2014 – Foto: Elton Tavares

Não à toa, Ian Curtis é/foi ídolo de Bono Vox (U2), Kurt Cobain (Nirvana), Robert Smith (The Cure), Jim Kerr (Simple Minds), Ian McCulloch (Echo & the Bunnymen) e Renato Russo, que copiou dele a famosa dança epilética, entre tantos outros que vieram depois dele.

Em 2014, acompanhado do meu mais que maravilhoso irmão, Emerson Tavares, assisti ao show do New Order, em São Paulo. A banda inglesa tocou, além de seus próprios sucessos, quase todos os seus clássicos do Joy Division como Transmission, Atmosphere e Love Will Tear Us Apart. Simplesmente inesquecível!

Curitiba 2018 – Foto: Elton Tavares

Em 2018, repetimos a experiência, em Curitiba (PR). Desta vez, o show do New Order foi ainda melhor. Mesmo com a ausência do carismático baixista Peter Hook, o New Order (com Phil Cunningham, Gillian Gilbert, Stephen Morris, Tom Chapman e Bernard Sumner) fez uma apresentação fantástica e emocionante. Sensacional mesmo! Ficamos felizes por ter vivido mais esse momento marcante em nossas vidas, pois são experiências como essa que fazem tudo valer à pena.

Ian foi tudo isso e muito mais. As mentes atormentadas são capazes de fazer coisas fascinantes. Joy foi, é e sempre será uma das maiores bandas de todos os tempos. É bom demais ver que as pessoas ainda lembram dele e da banda. Vida longa ao Ian e seu legado!”, comentou o meu amigo e amante de Rock and Roll, Anderson Miranda.

O rock é minha expressão artística favorita e Ian Curtis faz parte do Olimpo do Rock And Roll. A ele, minhas homenagens e gratidão pela obra. Valeu!

A vida sem a música é simplesmente um erro, uma tarefa cansativa, um exílio.” – Friedrich Nietzsche, em “Cartas a Peter Gast”, Nice, 15.1. 1888.


Quando a rotina bate pesado
e as ambições são pequenas
E o ressentimento voa alto
embora as emoções não cresçam
E vamos mudando nossos caminhos,
pegando estradas diferentes
Então amor, o amor vai nos separar de novo” – Love Will Tear Us Apart (O Amor Vai Nos Separar) – Canção de Joy Division

Elton Tavares

Defronte ao Bar Estábulo…Sal para Cavalos velhos – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

O vulto para mim um desconhecido, num banco afastado de onde estou, senta para descansar suando muito.

Sente mais perto, disse acenando com a mão, para que a notasse. Venha!

Ergue-se devagar, puxando fortemente da perna direita.

Aproxima-se limpando os óculos na roupa xadrez. Dá-me a mão e de perto noto que é cego do olho esquerdo, sob longas pestanas meio amareladas.

Enxerga apenas e muito mal, pelo olho direito. Tome…digo e dou-lhe um copo que ainda não havia tocado. Cerveja! Disse quase gritando. Tomou tudo de um gole só devia estar sedento. Depois me olhou como quem não entende mesmo o que se passa.

Os cavalos dos que estavam dentro do bar relincharam.

Eu espalhei um pouco de sal na mão e fiquei passando a língua. Voltei a mil novecentos e quarenta e cinco. Vivia viajando pelas estradas de barro, vendendo roupa por todo o baixo São Francisco, quando cheguei a cidade de Ilhéus. Neste instante fui desperto de meus pensamentos por palmas. Olhei e o carteiro acenava de defronte de uma casa enorme tipo estábulo, com cartas. Seriam cartas para mim?

Larguei o desconhecido bebendo e fui. Fugi dos pensamentos.

Duas éguas fogosas bebiam água no cocho em frente ao Bar quando entrei. Uma delas trazia MR marcado a fogo na ilharga.

Dei a mão suja de sal para que lambesse.

Ela a lambeu com tal jeito que eriçei os pelos.

Quando cheguei ao interior do Bar todo o salão pareceu-me mais escuro e custei mais a definir os rostos. Abri os alforjes cheios de roupas ali protegidas do pó que havia no caminho para Ilhéus. Doido para atravessar a praça em direção ao carteiro.

Aquela estação fora de boas vendas. Bati com os pés no chão. As sapatas de couro estavam ressecadas e como patas amarelas deixaram as marcas deles no desenho como grandes patas, sujando toda a madeira do assoalho por onde eu passava.

Eram muito mais de dezessete horas. Quase abracei o parceiro suado sedento próximo ao balcão. Manoel Raimundo, meu irmão! Manoel levantou-se me pegou pela mão e foi andando em direção a porta.

Antes de sairmos apanhei o saleiro espalhei no dorso mão e pus-me a lambê-la. Só quando chegamos próximo ao cocho dos cavalos. Foi que não suportando mais a sede. Abaixei a cabeça para beber água.

Ai foi quando senti de súbito uma vontade intensa de namorar as éguas suadinhas doutro lado da calçada.

Para chama-las pensei em gritar… alguma coisa como…ei !…ei !…ei !

Mas apenas saiu um relincho forte e alto …

Que atribui ao calor e ao gelado… e disparei em um galope desenfreado, coiceando os cães…

Dirram – um apelido pela metade – Crônica de Fernando Canto

Hélio Pennafort e Fernando Canto

Certo sábado o Hélio Pennafort chegou com aquele seu jeito de urubu balado no primeiro bar do Abreu e contou uma história de futebol ocorrida no Oiapoque. Hélio era oiapoquense da gema e da casca do ovo de bacurau, acostumado com o bafo do tafiá e a dança do turé.

Foi logo no início da década de 80,quando a França começou a se mostrar para o mundo como potência futebolística, com Michel Platini e tudo. Por isso mesmo os guianenses “tiravam barato” dos brasileiros nos jogos “internacionais” de pelada, ganhando sempre da gente.

Mas ele contou também que isso não durou muito porque lá naquelas densas “brelbas” do Oiapoque fora revelado um atleta para recuperar a fama do nosso futebol e salvar a honra nacional. Em um importante jogo comemorativo ao Sete de Setembro, a “seleção canarinho” do Oiapoque perdia de três a zero para a França no segundo tempo quando o treinador o colocou em campo, faltando quinze minutos para terminar. Era o último recurso. Mesmo ele entrando como reserva havia uma grande expectativa da torcida. O jogador parecia ser a arma secreta do time.

Segundo Hélio o tal atleta era um caboclo todo musculoso, entroncado e baixinho, desses que chamam popularmente de “caboco tureba”. Ele corria por todo o campo e não se cansava. Evitou um gol e correu para o ataque. Driblou dois adversários e fez o primeiro gol. A torcida incentivava chamando o nome do jogador: – Dirram, Dirram!

Logo em seguida veio o segundo gol do baixinho. De cabeça. No meio dos zagueiros crioulos, que tinham fama de grosseiros e rudes. E a torcida gritava: – Dirram, Dirram! Na arquibancada a charanga caprichava na marchinha “se você fosse sincera/ ôôôô, Aurora”.

Aos quarenta minutos ele fez um golaço de bicicleta ao receber a bola de escanteio, para o delírio da torcida que já cantava:- Dirram,Dirram! Mais um, mais um! No Último minuto Dirram tomou a bola do atacante francês e deu-lhe uma bicuda da linha da grande área no canto esquerdo da trave e fez um gol para ficar na história, se alguém tivesse filmado.

A torcida brasileira ao ouvir o apito final do juiz, já gritava alucinada e bêbada, encantada com o talento daquele atleta baixinho, rápido e bom de bola, um verdadeiro herói nacional naquele extremo fronteiriço do Brasil. Ainda ecoavam os delírios quando o atleta foi interpelado pelo técnico guianense. Depois de elogiá-lo perguntou se não era descendente de francês, pois seu sobrenome parecia indicar isso. Como assim, já “antão”? Indagou o atleta. O treinador lhe informou que ele possuía um nome de origem francesa. Ah, disse o brasileiro. É por causa do meu apelido que só chamam pela metade. Como assim, já “entom”? Perguntou o técnico francês. Então o atleta disse humildemente que o seu apelido por inteiro era “Cu de Rã”, mas que só lhe chamavam de Dirram porque gostavam muito dele.

Essa história do Hélio ficou um bom tempo sendo reproduzida no bar. A abertura das piadas do dia era regada a cerveja e churrasco, pois o bar do Abreu há pouco deixara de ser a lanchonete RR (Ronaldo e Rodrigo, quando juntinhos), mas ainda funcionava como açougue. Pedro Silveira a tudo ouvia e morria de rir, enquanto a Maria Bê atualizava o “Taperebá”, nosso jornalzinho mural, e o Mário Gaúcho contava uma mentira cabeluda dos pampas, limpando as mãos nos vultosos bigodes, para depois ganhar rumo no seu carro importado azul.

Hélio Pennafort e Fernando Canto

Vez por outra o bar fazia lançamentos literários, pequenos shows musicais com o Grupo Pilão, Nonato Leal e Sebastião Mont’Alverne e o Hélio passava seus vídeos sobre aspectos paisagísticos do então Território do Amapá, que fazia pelo interior com o piloto Roberval Lavor. Sem grandes opções de lazer e cultura a turma do bar fazia os eventos e se divertia com tudo isso. Na verdade todos éramos boêmios contumazes pela metade, que nem o apelido do Dirram.

*Texto publicado em “A Gazeta”, 10.04.2009.

A Pedra – Conto de Leão Zagury

Pedra do Guindaste – Arquivo de Floriano Lima.

Conto de Leão Zagury

A Pedra sempre me atraiu. Parecia enorme. Mas eu era uma criança e tudo me parecia grande demais. Andei perguntando como tinha surgido ali, tão sozinha, a cerca de trezentos metros da margem do rio Amazonas e a uns poucos do Trapiche Eliezer Levy. Ninguém soube me dizer. Pelo contrário, as únicas palavras que ouvi foram de advertência.

– Não chega por lá.

– A pedra é encantada.

– A noite os fantasmas cuidam da Pedra, e ninguém pode ficar olhando.

Uma moradora do Igarapé das Mulheres – um dos bairros mais antigos da cidade, onde ficavam isoladas as prostitutas – que encontrei, por acaso, perto do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, me afirmou que na Pedra existia uma cobra grande:

– Enorme mesmo. Ninguém sabe dizer quantos metros de tão grande que é, eu já vi.

Emocionada e parecendo ter medo de suns próprias palavras, afirmou:

– Quando o rio está na cheia a cobra sai para beber, de maneira que a água nunca consegue cobrir a Pedra. Se alguém remover a Pedra, a cidade vai ser inundada.

Tudo isso apenas aumentava minha curiosidade. Certa noite de lua cheia, acordei com calafrios. Todos dormiam. Silêncio. Senti medo. Um tremor estranho subiu pelas minhas pernas e um frio inexplicável tomou conta do meu corpo. Impulsionado, sei lá pelo que, talvez pela curiosidade infantil, desci da rede, tirei o camisolão que a Mindinha me obrigava a usar para dormir, e vesti o calção de sempre, que todos diziam já estar duro de sujeira, tantas vezes eu o usava. Me esgueirei por baixo da rede do meu irmão. Com muito cuidado, abri a porta do quarto e escapei para a saleta que se comunicava com a cozinha. Não senti o frio que esperava. Muito pelo contrário. Abri cautelosamente a porta que dava para o quintal e recebi na face uma lufada do vento que soprava do Amazonas. O ar suave percorreu meu corpo franzino e aumentou meus arrepios e meu medo. Em Macapá, depois de certa hora, a única luz que restava era a da lua.

Olhei para o céu. O satélite brilhava contribuindo para me amedrontar. Eu e meu calção saímos furtivamente, atravessando o quintal. O cacarejar das galinhas me assustou mais com a possibilidade de um escarcéu. Pulei o muro que separava o quintal da rua. Não foi muito fácil.

Precisei escalar algumas caixas que, empilhadas, facilitaram minha escapada furtiva. Caí do outro lado e senti uma leve dor na perna esquerda. Me aprumei e conferi. Não sofrera nada grave. Levantei e caminhei alguns passos na calcada até pisar na rua coberta com piçarra. Meus pés acusaram o pequeno sofrimento que as pedrinhas me infligiam. Machucavam meus pés.

Valentemente continuei. Eu queria ver a Pedra a luz da lua. Por que? Não sei.

Atravessei a rua e caminhei até a casa do meu amigo Cabeçudo. Portas e janelas fechadas. Bem que ele poderia acordar e me acompanhar na aventura, se não tivesse medo da Pedra.

– Não. Ele tem medo da pedra… – pensei comigo mesmo. À medida que caminhava em direção ao Macapá Hotel e da mureta, que fragilmente o defendia da maré alta do Rio Amazonas, uma sensação desagradável tomava conta de mim. Eu tinha receio. Não sabia de que, mas tinha. E muito. Me sentia ameaçado. A sensação estranha me deixou em estado de alerta e crescia a medida em que andava. Ao mesmo tempo, o medo aumentava minha curiosidade. A mesma bisbilhotice não me permitia recuar. O barulho suave que meus pés produziam, quando se chocavam à piçarra, marcava minhas passadas e ajudava a diminuir o medo porque prendia minha atenção. Logo percebi que além do meu ruído, outro mais forte, e arrastado surgira logo atrás. E aumentava. E se aproximava. Apertei o passo, mas o medo fazia com que minhas pernas ficassem presas e diminuía minha velocidade.

Foto: Renato Ferreira

– Será uma alma do outro mundo? Seriam os fantasmas que cuidavam da Pedra?

Com esforço consegui apressar o passo.

A essa altura o barulho na piçarra já estava próximo. O medo me impedia de olhar para trás. Enquanto tentava saber o que estava acontecendo, ouvi uma voz cavernosa.

– O que tu estás fazendo aqui, a estas horas da noite?

Aí sim. Consegui saber quem era. Para meu desespero era o seu Congó. Um homem negro e forte que já tinha sido escravo e fugira para o quilombo do Curiaú. Ganhava a vida fazendo biscates. Muitas vezes era contratado para assustar as crianças que faziam malcriação.

Diziam que comia crianças. E eu acreditava. Nessas ocasiões, com as mãos, revirava as pálpebras, expondo o vermelho da mucosa, conseguindo um aspecto assustador que sempre

me aterrorizava desde os primeiros anos de vida.

– Não tenha medo. Não vou lhe fazer mal.

Não teve jeito. O medo se tornou pavor.

– Tenho que fingir, se não ele vai me comer – pensei.

Blefando segurança, respondi que não tinha medo. Andamos lado a lado. Eu magrinho, sem camisa, encolhido pelo temor. Ele um homem enorme com tórax avantajado, braços longos e mãos grandes. Suas passadas arrastadas produziam um sibilar que parecia de cobra se arrastando na piçarra. Carregava um paneiro pendurado através de uma cinta que cruzava o tórax. Na mão uma vara de pescar. Usava camisa branca surrada, aberta no peito, feita de sacos de aniagem doados aos pobres pela dona da única mercearia da cidade, minha avó.

-Vou pescar – disse sorrindo.

Nunca lhe tinha visto os dentes. Tão brancos que faiscaram à luz da lua. Caminhamos calados. A dupla mais improvável na hora mais incerta. Com lágrimas insistindo em molhar meus olhos os esfreguei com força para disfarçar.

Aos poucos nos aproximamos da mureta em frente ao Macapá Hotel. Eu fascinado pelo homem, pela lua, pela Pedra e pelo medo. Não conseguia mover minhas pernas para correr, como era meu íntimo desejo. A essa altura eu não sentia medo, sentia pavor. Tremia antecipadamente, imaginando o que aquele homem poderia me fazer. Mental e gradativamente fui me reestruturando e resignado permaneci ao lado do seu Congó. Afinal, nós dois estávamos à procura de alguma coisa. Ele de peixes, e eu da Pedra. Eu, do piar. Ele, da comida. Eu, do sonho.

Ele, da realidade.

-Vem cá menino, vamos nos sentar aqui – disse ele, me puxando pela mão e me indicando um lugar na mureta.

A maré estava alta e as ondas, apesar de fortes, batiam na parede com suavidade.

Pareciam querer ouvir a história que o velho ia me contar.

– Maré cheia — falou.

Olhei para a Pedra. Estava linda. A luz da lua ressaltava suas curvas. Semelhantes às de uma mulher. O velho olhou para mim. E só aí vi que seus olhos eram cândidos e suaves, como o olhar de um puro. O luar destacava sua barba branca.

– Tu conheces a história da Pedra, meu filho?

– Não senhor- respondi.

– Vou te contar.

Acariciando minha cabeça, com mãos calosas e fala arrevesada, me contou que muito antigamente, mesmo antes de ter vindo para aquelas bandas, vivia ali uma tribo que se chamava Tucujú. Acrescentou que esse nome vinha da árvore do tucumã que tem frutas deliciosas e servem para fazer mingau ou vinho.

-Foram os primeiros a morar por aqui. Muito antes de se bandearem para o lado dos franceses e partirem para a Guiana – afirmou. Pudera, eram mais bem tratados por eles do que pelos portugueses! Dizem que muitos foram para o reino da França e nunca mais voltaram.

– Todos os dias um guerreiro saía de madrugada em busca de alimentos. Solitário,

caminhava pela praia para flechar algum peixe. Na tribo, uma linda mulher se encantou pelo guerreiro. Atendia por nome de Iara. Quando o guerreiro saía na calada da noite e a lua passeava pintando tudo de prata e o vento refrescava a terra, Iara, com seus cabelos longos, negros e lisos, levava à beira da praia seu perfume quente, rescendendo a pau rosa, para observar o homem. Resolvera seduzi-lo. Pensava, sorrateira, que tinha meios suficientes para fazê-lo esquecer de si e amá-la. Não se comparava às outras índias que competiam pelo amor do guerreiro. Fingiu que não o desejava usando um meio sorriso. O olhar furtivo e o corpo bonito acabaram por cativá-lo. O amor foi intenso e aprovado pela lua que os espiava na madrugada.

A namorada passou a acompanhar o guerreiro todos os dias e aguardava seu retorno até o sol se pôr, atrás da Lagoa dos índios. Voltavam juntos, enlaçados, à maloca. Em um dia especial, depois de fazer amor na praia na madrugada, o guerreiro partiu em sua busca diária. A amada ficou à espera, no local de sempre.

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Logo ali, onde fica a Pedra – disse seu Congó.

Eu me encolhi com o frio do vento, e ele me aproximou do seu corpo para me proteger.

– Pois é, o sol se levantou e se pôs, o tempo passou e o guerreiro não retornou. A indiazinha continuou a esperar. Chorando muito, como fizera todos os dias, Iara esperou, até que morreu de tristeza.

– Sabe, menino, a lua se compadeceu da mulher e chorou com ela. As lágrimas da lua

caíram justamente no mesmo lugar que estava a indiazinha e misturou as suas às dela. Das lágrimas e do corpo da moça nasceu a Pedra.

Seu Congó, vendo que eu chorava, acariciou, mais uma vez, minha cabeça com suas mãos calosas e aconselhou.

– Vá para casa, menino.

*Contribuição de Fernando Canto. 

**Texto que recebeu Menção Honrosa no Concurso Literário da Academia Madureirense de Letras (AML), em 2022, na modalidade Conto.

Poema de agora: Eu Que Nunca Falei de Amor – Marven Junius Franklin

EU QUE NUNCA FALEI DE AMOR

quando te conheci ouvia Friday I’m In Love
[e fazia um frio dilacerante em frente à plataforma de embarque]

quando te conheci andava feito saltimbanco por ruas e luas imaginarias
[estava deveras abatido dentro de meu guarda-roupa de sombras]

meus olhos buscavam o tempo que passou[ e já passava das 19h ]
sempre imerso em meu castelo de pedra

as verdades eram o que os meus mortos diziam
e a claridade[falsa incandescência] me ofuscava quando amanhecia lá pros lados de Saint George

ah! ao te conhecer beirava o suicídio
e quando você chegou [vestida de girassóis] as flores renasceram em meu horto de mentira [e agora as horas são sonetos de Pessoa que ouço em transe!]

ah! quando você chegou…Eu renasci vestido de bruma!

Marven Junius Franklin

Pétalas de chuva – Crônica de Márcia Corrêa – @marciamazonia

Pétalas de chuva – Crônica de Márcia Corrêa

Era assim a madrugada com ausência da chuva, silenciosa, desatenta, acabrunhada. É a chuva que lhe dá sentido, eleva sua valsa de rumores para a condição de hino dos amantes, dos amores, dos rubores e pecados inocentes. Sem a chuva, a madrugada é oca. Sem a pele do inverno, desidrata a lágrima da Amazônia.

Então, é em si uma trégua para que a gente de todo lugar sinta o calor do abandono com tanta força, que a solidão de ser vida se faça grito na sofreguidão. Ainda que o abandono não seja de verdade, enquanto o que houver por dentro de cada um for mistério, transformação.

Só a chuva é capaz de explicar a infinitude, a incompletude das horas, necessário caminho mais sólido que o fim da madrugada. Porque ela, a madrugada, solfeja ao vento enquanto se dissolve imperceptível, haurindo delicadamente o esplendor do dia.

Então não há fim, muito menos começo. Mas, haverá sempre o recomeço para mostrar que o amor é a estrada sagrada e sem aflição. O amor é o lago das pétalas de chuva respingadas com a sutileza da perfeição. É o que é, desde que o arremedo da paixão se cure na sabedoria.

*Publicado originalmente no Blog Papel de Seda, em 24 de janeiro de 2013.
**Márcia Corrêa é jornalista, servidora pública e ativista cultural.

Breve resenha do livro O Centauro e as Amazonas, de Fernando Canto – Por Elton Tavares (para @fernando__canto)

O meu exemplar é da primeira edição. Presente do autor e querido amigo.

Por Elton Tavares

Em “O Centauro e as Amazonas”, Fernando Canto, dono de um realismo fantástico peculiar, cria narrativas que prendem a atenção do leitor ávido para o desfecho do causo. Os contos deste livro misturam um pouco do folclore e lendas nortistas, cotidiano amazônida e saberes da floresta, temperados com hilários personagens em sua maioria. Noutros, o autor beira à confissão sobre sua vivência e sua jornada.

O escritor, que é estudioso observador do seu mundo, nos apresenta personagens criados em seu multiverso para saltar do surreal para a nossa realidade. Bons exemplos são o Ditirambo, Pira e Versiculorum, entre outros surreais chegam a ser irônicos dentro de suas estórias.

Canto me deu moral aí e fiquei numa pavulagem só.

Além disso, a obra possui uma variedade literária que promove um charmoso contraste do humor com a delicadeza e sabedoria de, por exemplo, “Caminhada”, “Tu a minha Espera” e “Poesia que não se Esgota”. Assim é Fernando Canto, um contador de estórias surreais dentro de contextos cotidianos, tudo isso com sua literária que é a surpresa, o final do conto, no que vai dar o en-Canto.

O livro é tão bom que a primeira tiragem (lançado no final de 2021) esgotou rapidamente. E a segunda foi lançada em março deste ano.

Acostumado a surpreender positivamente, vide seus outros quatro livros de contos anteriores, Fernando Canto segue eclético em “O Centauro e as Amazonas”, sempre como ficcionista de alto nível que usa a região amazônica como matéria prima. É isso.

* O livro pode ser adquirido com o próprio escritor. Informações no banner acima.

Academia Amapaense de Letras 70 anos – Presidentes da ALL e da OAB tratam das comemorações

O presidente da Academia Amapaense de Letras, Fernando Canto, e membros da diretoria reuniram-se hoje com o presidente da OAB-AP, Auriney Brito. Na pauta as comemorações dos 70 anos da Academia.

“Conversamos sobre a cessão da sede da instituição para realizarmos a programação dos 70 anos da AAL nos dias 19,20 e 21 de junho”, disse Fernando Canto. Auriney se mostrou bastante receptivo. Prometeu estudar a proposta, inclusive com a isenção de taxa de uso do auditório que se dá mediante a solicitação da Ordem à OAB nacional.

Durante o encontro, Auriney – que também é escritor e artista plástico – se interessou pela história da Academia, sua origem, seus membros e ações.

“Falamos sobre as origens do Silogeu, dos membros ativos e dos falecidos e das comemorações memoriais que queremos fazer pelos 100 anos de nascimento dos acadêmicos Álvaro da Cunha, Arthur Nery Marinho e Alcy Araújo”, contou Fernando Canto.

Ao final do encontro o presidente da OAB presenteou a Academia com um exemplar da coletânea “Estudos Jurídicos em homenagem à professora Luciana Uchôa Esteves”, coordenada por ele, e com um quadro de sua autoria que retrata o frontispício da velha OAB-AP e ex-Fórum do antigo Território do Amapá.

Também participaram da reunião os acadêmicos José Pastana, presidente da Comissão dos 70 anos, Paulo Tarso, secretário da AAL, Adaury Farias, membro e Ruben Bemerguy, membro.

(Ascom/AAL)

Livro organizado por docente do Mestrado em Letras aborda literatura da Guiana Francesa e Suriname

Reflexões sobre a literatura produzida na Guiana Francesa e no Suriname, levando em consideração o diálogo com diversas áreas do conhecimento, assim como com o seu entorno geográfico. É o que o leitor vai encontrar no livro “Literatura, decolonialidade e trânsitos: Guiana Francesa e Suriname”, publicado em abril e organizado pela docente do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Amapá (Unifap), Profa. Dra. Natali Fabiana da Costa e Silva. A obra pode ser baixada gratuitamente em https://www.nepaneditora.com.br/pagina-de-produto/literatura-decolonialidade-e-tr%C3%A2nsitos-guiana-francesa-e-suriname.

A obra é resultado das pesquisas de campo no Suriname e na Guiana Francesa realizadas pela Profa. Dra. Natali Silva e com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os estudos envolveram instituições e pesquisadores brasileiros, guianenses e surinameses que se dedicam aos estudos não só da literatura, mas também de outras áreas do conhecimento, com foco nas reflexões sobre a realidade social e cultural dos dois países.

“Dividi a obra em três partes: uma em que contextualizamos a região geograficamente, politicamente e socialmente, porque leitores que estão fora aqui do Platô das Guianas podem ter dificuldade de encontrar essas informações e de conhecer a região. A segunda parte trata especificamente da literatura do Suriname e da Guiana Francesa. E na terceira parte os pesquisadores trazem reflexões os dois países em diálogo com a produção brasileira e a caribenha”, descreve a Profa. Natali Silva.

A coletânea é composta de textos de pesquisadores da Unifap, da Universidade da Guiana Francesa, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) que fizeram parte do projeto.

De acordo com a organizadora da obra, uma das principais contribuições do livro é trazer reflexões e conhecimentos sobre a literatura e a realidade de dois países que fazem parte do Platô das Guianas, região onde o Amapá também está inserido. A Profa. Dra. Natali Silva destaca que há pouco texto crítico sobre a produção literária realizada no platô, dificultando o acesso ao pensamento literário da região.

“O Brasil não se dá conta da riqueza geográfica, ecológica, cultural, política, linguística da região das Guianas. A circulação de uma obra que traga informações científicas a respeito dessa região já causa um impacto. Apesar de ser difícil de medir o impacto que obras críticas de literatura possam trazer para o desenvolvimento cultural e socioeconômico, essa obra, em específico, tem um ponto favorável: são pouquíssimos pesquisadores de literatura das Guianas, então o que nós produzimos acaba tendo esse ineditismo e, como isso está também atrelado à nossa Universidade, estamos na vanguarda da produção científica dos estudos literários”, avalia a Profa. Dra. Natali Silva.

Serviço

Publicação do livro “Literatura, decolonialidade e trânsitos: Guiana Francesa e Suriname”

Org.: Profa. Dra. Natali Fabiana da Costa e Silva (Programa de Pós-graduação em Letras da Unifap). Editora Nepan. 135p. A obra pode ser baixada gratuitamente em https://www.nepaneditora.com.br/pagina-de-produto/literatura-decolonialidade-e-tr%C3%A2nsitos-guiana-francesa-e-suriname.

Assessoria Especial da Reitoria – Assesp/Unifap

Cartas Que recebi, Mas leio agora – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

19.07.1955

Caro Luiz Jorge,

D’aqui de ilhéus da Casa Amarela, tendo por céu o céu e por chão, o solo adorado da minha Bahia. Escrevo para comentar contigo modificações que fiz em Mar Morto, Quincas Berro d’Água, e o País do Carnaval. Inclusive estas vieram depois de trocarmos cartas sobre enredo e personagens destes acima citados romances.

Em o País do Carnaval. Paulo Rigger. Eu tinha dúvidas se ele ficaria no Brasil após suas paixões mal resolvidas ou voltaria para a Europa. Você até estranhou que a aversão dele pelo mulatismo do país fosse capaz de apaixona-lo a tal ponto de faze-lo ficar. Até insinuou que o navio em que ele ia regressar a Europa, afundasse, coisa que não fiz.

Ideia boa foi em Mar Morto, tratar Guma como lenda, porém muito temente. Mas a que? Veio em mim a dúvida. Ao que. Você quando leu os manuscritos. Devolveu-os grifados.A amuletos. Foi que fiz.

Perdoe esta mancha mais escura neste parágrafo. Não é tinta. Caiu um pouco de licor de cacau. Enxuguei com pano e coloquei giz raspado, mas não absorveu de todo. Já com Quincas Berro D’Água a ideia sempre foi faze-lo morrer duas vezes. Primeiro: Encontrado morto; e a segunda “imaginado vivo” pelos amigos, morrer afogado, após uma bebedeira de comemoração.

O diabo foi convence-lo de colocar as meias do avesso como reza a tradição no enterro dos pescadores. Você conversando com ele pensaria que sou eu.

Despeço-me antes que conversemos mais, pelo avançar das horas, porém guardo uns dois dedos de prosa para quando vieres, caso venhas, coisa que prometestes, e ainda não o fizestes.
Mesmo assim aguardo.
Um abraço.