Às vezes, é preciso “botar quente” – Crônica de Elton Tavares (Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Se tinha uma coisa que eu adorava quando bebia no Bar da Euda, era escutar as histórias do meu amigo Fernando Bedran. Fernandinho é um sábio malandro, no bom sentido, claro.

Por conta de seus “causos”, devaneios e pontos de vista paid’éguas, meu irmão, Emerson Tavares, diz que o Bedran “é melhor que tira-gosto de charque para tomar umas cervas”.

Durante uma de nossas conversas regadas a cerveja, Fernandinho, que é contra qualquer tipo de violência, contou que, certa vez, precisou usar a força. Segundo ele, em uma fase de nossas vidas é preciso “botar quente”.

Bedran contou-me que tinha vinte e poucos anos, na década de 80, trabalhava no Ver-o-Peso, velho centro comercial de Belém (PA), e estudava à noite. Por causa de suas atribuições profissionais, faltava muito às aulas.

Por conta disso, um professor começou a perseguir o nobre amigo, mesmo após explicar a situação ao educador, que se manteve irredutível. Para completar, o tal docente da escola que Bedran estudava o ridicularizava na frente dos colegas de classe. Comportamento que, segundo Fernandinho, era comum com todos os alunos, mas acentuado em relação ao Fernando. “O cara era um “pentelho escrotal arruinado, um verdadeiro cri-cri”, desabafou Fernandinho.

Passados alguns meses naquela patinhagem, Bedran se aporrinhou com a “maquinagem pesônica” do professor em relação a ele e foi indagar o educador, que logo lhe disse: “quer saber, você não assistirá mais minhas aulas. Fora daqui!”.

Fernando disse que tentou e tentou, sem sucesso, resolver a situação. A reprovação era certa, já que ele não frequentava mais as aulas do nojento professor. Foi quando ele foi meditar no boteco, depois de um dia de trabalho, e decidiu cancelar sua matrícula.

Ao adentrar na escola, rumo à secretaria, Fernando Bedran passou pela sua turma e lá estava o dito cujo dando aula. Ao olhar para o professor, o debochado abriu um cínico sorriso, com um estranho ar de vitória e superioridade.

Foi quando Fernando Bedran explodiu e disse:

Grande corno filho da puta. Mete a cara que eu vou te dá-lhe é porrada!”.

Aí ele fez a merda e, ao me contar, disse: “Elton, dei uma mina de porrada no filho da puta. E tu pensas que a galera apartou? Porra nenhuma! O pessoal vibrou com a surra que dei no frescão”, vibrou Fernandinho (e eu também!).

Resultado: Bedran foi expulso da escola, mas com a alma lavada. É, como ele mesmo disse no início da história: “é preciso ‘botar’ quente”.

Boto fé!

Essa foi só uma das inúmeras aventuras do Fernandinho, “figuraça” que alegra nossas noites quentes, assim como as cervejas geladas.

Vida longa ao espirituoso Bedran, dono de um dos melhores papos que conheço, principalmente nos botecos da cidade.

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado em novembro de 2021.

Poema de agora: Sapiência inculta – Marcelo Abreu

Sapiência inculta

Cuidado com a luz
que pode te ofuscar;
o conhecimento profundo
que pode te afundar.
A superficialidade dos tolos
tem a sua sabedoria.
Tu não és o dono da verdade
a tua letra te afoga
e traz à tona
a sapiência dos iletrados.
Não permitas que a soberba
babuje e sobrepuje
a humildade dos simples.
És puramente pó,
barro, farelo que se esvai
com o tempo e só.

Marcelo Abreu

É Carnaval, é a doce ilusão, é promessa de vida no meu coração – (Crônica de Elton Tavares sobre a maior festa cultural brasileira)

Tá rolando ,ais um Carnaval, a maior festa popular do Brasil. Amo Carnaval, particularmente do de rua. Carnaval é paixão, só entende quem sente. Para aqueles que acham tudo uma grande besteira, azar o de vocês, pois não sabem curtir a maior festa cultural brasileira.

Macapá já teve bons carnavais de clube. Na época, os foliões compravam temporadas carnavalescas, bons tempos. Cresci no meio de gente alegre: meus pais, tios e os amigos deles, todos “pulavam” nos bailes carnavalescos mais disputados da cidade. Eram realizados no Trem Desportivo Clube ou no extinto Círculo Militar (esse mais elitizado). Ainda adolescente participei de muitas dessas festas memoráveis.

Esse ano, desfilarei mais uma vez pela minha amada Piratas da Batucada, como faço desde 1990. O lance é curtir o Carnaval, a emoção e a alegria que ele proporciona. Afinal, “todo mundo bebe, nas ninguém dorme no ponto”. Mentira, muitos passam sim, mas a gente gosta assim mesmo.

Não tenho ziriguidum, não toco surdo de repique, tamborim ou bumbo, tudo pra não atravessar o samba. Também não sou pierrô e nem palhaço, mas já fui Rei Momo e serei sempre pirata.

Sim, sempre fui um folião de raça. E nem me venham com o lance de ser “pão e circo”, isso é argumento furado de quem não entende que essa é a maior festa popular do Brasil. Cheio de memória, arte, homenagens, é muito mais que uma disputa de agremiações em uma grande passeata festiva.

O Carnaval é inspiração, vibração, talento, organização, imaginação, arte, luz, cores, alegria, magia e amor. Fala de nossos costumes, história e tradições. Um contagiante evento de luz, cor e muita alegria. Sem falar na importância que possui para a economia.

Tô louco pra andar todo o percurso de A Banda (risos), a louca marcha alegra. Sim, também estarei naquela multidão de máscaras coloridas e fantasias hilárias. Vamos botar pra quebrar nas ruas de Macapá. Como diz a velha marchinha do remador: “Se a canoa não virar, olê, olê, olá, eu chego lá”.

Enfim, o Carnaval é festa que contempla as tradições e a história afro-cultural brasileira e nos dá a falsa sensação de liberdade, música, suor e alegria. Como diz o samba: “É Carnaval, é a doce ilusão, é promessa de vida no meu coração”. O que resta é esperar a cor que virá depois do cinza. E ela virá (se Deus quiser). Afinal, a festa da carne é isso: ludicidade, beleza e esperança. Tenham todos um ótimo Carnaval!

Elton Tavares

A genial jornalista e escritora/poeta Alcinéa Cavalcante gira a roda da vida. Feliz aniversário, querida amiga! – @alcinea

Sempre digo aqui que gosto de parabenizar neste site as pessoas por quem nutro amor ou amizade. Afinal, sou melhor com letras do que com declarações faladas. Acredito que manifestações públicas de afeto são importantes. Neste décimo nono dia de fevereiro, a jornalista e escritora Alcinéa Cavalcante gira a roda da vida e lhe rendo homenagens.

Alcinéa Cavalcante é brilhante em tudo que se propõe a fazer. Jornalista, escritora premiada, uma das maiores poetas amapaenses, ativa militante cultural, respeitada blogueira, fotógrafa, numismática, apreciadora da Lua, experiente e perspicaz repórter, imortal da Academia Amapaense de Letras (AAL), membro (enjoada e apaixonada por sua verde rosa) da Escola de Samba Maracatu da Favela, esposa do gentil Soeiro, mãe do meu querido amigo Márcio Spot, avó amorosa da Alice, amante de carnaval, degustadora de Chandon, entre outras muitas coisas porretas que a Néa é, é também amada amiga deste editor.

Néa herdou o talento de seu pai, o lendário Tio Alcy Araújo (um cara que eu queria ter conhecido). Literalmente o toque dela, por onde vai, faz a diferença no mundo. Com seus mágicos origamis, espalhava poesia pela cidade na época do seu Poesia na Boca da Noite. Com ela, palavra vira poema ou notícia, informação coesa e responsável, pautada pela sua marca pessoal, a credibilidade. Dia a dia vira retrato de uma paisagem antiga, que a gente não quer esquecer.

Sabem, eu lia a Alcinéa no passado e sempre tive admiração pelo trabalho dela como jornalista. Depois, como poeta. Mas, para mim, ela é ainda mais importante como amiga, conselheira, incentivadora, confidente e protetora (sim, ela protege e é extremamente fiel aos seus).

Já escrevi alguns textos sobre a Alcinéa Cavalcante e sempre repito: Néa é um misto de doçura e acidez. Quando jornalista, suas colocações inteligentes, com pontos de vista diferenciados, o leve humor ácido e a abordagem refinada sobre qualquer tema, fascina leitores. Quando poeta, desperta as melhores sensações em quem lê ou escuta seus lindos poemas, pura ternura.

Adoro quando vou até ela e a gente fica batendo papo (só nós dois) no escritório de sua casa (saudades disso e a culpa é toda MINHA), uma mistura de biblioteca e sala de estar aconchegante. Quando passo tempos sem ir (vou corrigir isso), ela me ameaça e fala que irei para seu caderninho de ex-amigos. Logo dou um jeito de dar as caras, colocar a conversa em dia e rir bastante em sua companhia.

Nea, como carinhosamente a chamamos, é uma pessoa sensacional. Uma mulher do bem, mas que combate o mal com força (e ela é forte pra caramba, pensem numa caneta pesada). Não à toa, nós, seus amigos, a amamos. E é impossível ser diferente.

Alcinéa, querida. Parabéns não somente pelo seu dia, mas por ser essa pessoa lindeza que és. Sou grato pelo apoio mútuo e pela amizade que construímos. É uma honra pra mim ser querido por alguém como você . Que teu novo ciclo seja repleto de luz, saúde, harmonia e paz. Que tua vida seja longa. Que sigas alegrando nossas vidas com teus poemas, sacadas, ironia fina e amor. Sou feliz pela tua existência orbitar a minha. Agradeço sempre pelo apoio contínuo e aprendizado. Que sigas, por pelo menos mais uns 100 fevereiros, com essa alegria, energia e força contagiantes.

Parabéns pelo seu dia e feliz aniversário!

Elton Tavares

Hoje é o Dia da Amizade (um agradecimento aos meus incríveis amigos) #diadaamizade

Hoje (14), sei lá porque, é o “Dia da Amizade”. Sempre escrevo aqui sobre datas curiosas e sua origem, mas mesmo sem saber o motivo, vos digo: todo dia é dia da amizade. Quem consegue conquistar minha amizade sabe que é algo que cultivo, se for recíproco, claro.

Segundo pesquisa, “o Dia Internacional da Amizade, inicialmente foi adotado em Buenos Aires na Argentina, através de um decreto. A data aos poucos passou a ser comemorada em diversas partes do mundo, e atualmente, quase todos os países acabam festejando esta data especial“.

Bom, os amigos são a família que escolhi, o meu povo, os meus amados (e às vezes odiados). Afinal, as brigas fazem parte da coisa. Por causa dos amigos, já me meti em brigas, fofocas, me endividei, bati e apanhei. Não me arrependo de nada, eles fizeram por mim também. É na hora que o bicho pega que vemos quem é quem.

Li em algum lugar que “Amigo é aquele que o coração escolhe”. Em outro, que “não fazemos amigos, os reconhecemos”. Em outros casos, uso a frase de Paulo Sant’Ana: “tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos”. É, gosto demais de uma galera que considero pra caralho! Uma coisa é certa, a amizade é um bem precioso. E como é!

Ilustração de Ronaldo Rony

Tenho amigos de infância, amigos doidos varridos, amigos velhos, amigos jovens, tenho amigos pra caralho (só assim pra vencer uma porrada de inimigos que possuo). Difícil é nomear todos, mas lhes rendo homenagens aqui neste site sempre que trocam de idade. Sobretudo, enfatizo a minha família (mamãe e irmão), eles sempre foram e sempre serão os meus melhores amigos.

Sempre que precisei muito dos meus verdadeiros amigos, fui atendido ou socorrido. Afinal, sempre brinco (e falo sério) quando digo que tenho mais inimigos que o Batman. Sou grato à todos. Ah, que fique registrado: amo vocês, comparsas.

Por tudo isso, hoje agradeço a Deus pelos meus verdadeiros amigos (que são muitos, de todas as classes sociais, ideologias políticas, héteros, gays, raças e crenças). Vocês que fazem parte da minha vida e a tornam muito mais feliz e feliz pra cacete! Sei que me aturar não é fácil.

A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro” – Platão.

Elton Tavares

Poema de agora: Canção do Soluço…antes do sufocamento – Luiz Jorge Ferreira

Canção do Soluço…antes do sufocamento

Enquanto meu amigo Musico Persio manda mensagem que colocou frases de Cello em uma Musica que fizemos com Fernando Canto chamada Ferroada.
Eu ouço um acorde da Melodia de Burt Bacharach..
E muito distante os passos desequilibrados de um terremoto alucinado…
Que enterra e esmaga crânios e sonhos doutro lado da azulada Terra.
Sob meus pés sentimentos eclodem.
Não há grafites que resistam aos terremotos
….não há desespero que resista ao espalhamento do Ketchup em meio ao sangue coagulado.
…as bandeiras tremem…
…as aves de migração fazem meia volta e entram em rota de colisão com notas de Chopin…que sobrevoavam Atenas.


Não há espaço para que dancem Fados, Boleros, e Tangos…
Ravel de olhos fechados teme o som criado pelo Terremoto que se mantém agarrado ao seu próprio som.
…não peço a Deus que ordene um basta as placas tectônicas, pois o som de sua voz estimularia mais as tremulacões…
Então a mim resta soprar em direção ao tempo para que ele acelere seus dias e noites, e traga o verão para que suma a neve que eriça a pele dos bebês quase moribundos, e provoca calafrios durante o choro.
Resta-me a memória amiga do esquecimento…
Eu posso esconder-me e sumir com a visão disso que vejo…
Mas não posso cobrir os que estão sob quilos e quilos de paredes e fragmentos de teto e telhas…com a névoa do esquecimento…
…então lhes mando entre palavras e a linguagem desconhecida dos Dialetos…
Esse desespero em forma de poema.
…então lhes mando entre palavras latinas e a linguagem muda dos emudecidos…


Esse desespero em forma de poema.
…e caso não baste, que me arranquem a carne,
…que me sufoquem a voz, que em mim espalhem a sede…e soprem o calor dos sufocados pelo interior dos meus pulmões.
Mas libertem as almas desses aprisionados sob toneladas, para que elas possam antes de se elevaram em si, descortinarem noutros longínquos confins, ainda assim, qualquer uma das muitas existentes Primaveras.

Luiz Jorge Ferreira

Escritora amapaense participa do Encontro Mulherio das Letras Indígenas em São Paulo

Escritoras da região norte do Brasil, integrantes do Coletivo Mulherio das Letras Indígenas, participam do Encontro apresentando trabalhos e debatendo sobre a produção literária indígena na contemporaneidade.

A participante do Amapá é Claudia A. Flor D’Maria, macapaense, indígena em contexto urbano. Mestre e doutoranda em Ensino pela UNIVATES/RS. Professora e pesquisadora do IFAP. Seus escritos versam sobre a cultura indígena, ribeirinha e afroamapaense, bem como a importância desses saberes no currículo escolar.

Claudia se apresenta junto das escritoras Márcia Mura (RO), Jama Wapichana (RR), Sônia Wajãpi (PA), Danielle Munduruku (AM) e Naieme (PA). A Curadora e Mediadora do encontro é Eva Potiguara (RN).

Sobre o Coletivo

Mulherio das Letras Indígenas é um coletivo formado em 2021, composto por mais de cem mulheres indígenas de várias etnias de todas as regiões do Brasil, que atuam como artesãs, professoras, cantoras, escritoras e artistas em diversos segmentos. Trata-se de um coletivo formado por mulheres cis, trans e da comunidade LGBTQIA+.

Serviço:

Encontro Mulherio das Letras Indígenas Letras

Data e horário: Terça-feira | 7 de fevereiro de 2023 | 19h

Local:
Sesc Pinheiros – SP
Auditório – 3º andar

Duração: 120 minutos

Retirada de ingressos com 30 minutos de antecedência

Atividade presencial gratuita

Fotos: arquivo pessoal

Mary Paes Assessoria de imprensa
(96)98138-5712

MACAPÁ: 200 MIL AÇOITES – Por Fernando Canto #Macapa265Anos

Foto: Juvenal Canto

Por Fernando Canto

Neste 04 de fevereiro de 2022 Macapá faz 265 anos. Aproximadamente 200 mil marés do Amazonas lhe fustigaram a orla desde a fundação até hoje, contando parte dos anos bissextos.

Por obra e graça de Ianejar este lugar é o produto da eterna luta entre o rio e a terra, ambos iluminados pela luz do equador no meio do planeta em movimento, onde a lua rebrilha o surgimento de mistérios e suscita mitos e lendas. E aqui mesmo a Mairi construída pelos homens e mulheres resiste às chibatadas d’água.

Macapá é uma terna fonte vinda do oco da terra sob a energia radiante dos solstícios e equinócios e da oscilação do efeito coriolis. Aqui as espirais de água e vento giram em sentidos contrários, sempre conspirando em diálogos contínuos.

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Aqui somos seres a-sombrados pelo sol iridescente, cujos raios incidem sobre nossas cabeças no pino dos equinócios. Daí vem a luz que necessitamos a cada seis meses para que renovemos nosso amor por esta terra, convictos que somos de sua correspondência manifestada nas ondas das marés lançantes, ainda que seus governantes costumeiramente lhe neguem o amor que ela tanto necessita para se tornar mais bela e aconchegante.

Quisera que as 200 mil marés desse período não só lhe açoitassem a terra, mas que fossem adentro de seu corpo e penetrassem o coração e a alma para que seus habitantes, num ímpeto de emoção, bebessem sua água represada e transformada em nascente de amor e gratidão para sempre.

Foto: Juvenal Canto

Quisera que os 200 mil açoites servissem também para que não esquecêssemos da cruel colonização e da pele sofredora dos escravizados que deram o sangue e a vida para que ela e suas construções permanecessem no tempo e se tornasse um ícone da Amazônia.

Depois disso ela será, então, a bilha que saciará nossa sede à sombra de uma fortaleza, protegida por um santo e lavada pelas águas do rio mais belo, sempre abraçada e beijada por todos os que lhe querem bem.

Foto: Renato Ferreira

BILHA QUE ME SACIA A SEDE

Não morro mais de banzo
Nem sofro nos silêncios.
Nem choro por espiralados ventos de memórias.
Sou como fui sempre, parte da tua angústia, Macapá
E peça-carne do teu sofrimento.
Vínculo de ferro/elo de candura
Âncora/ferrugem/tempo oxidado
Limo esverdeado, se me queres
Pronúncia silabada que sepulto
Em teu armazém de água:
– Bilha viva e intransportável
Que me sacia a sede
À revelia do baque do cipó timbó
Que me cicuta artérias
Que nada sei, eu sei.

Apenas venho inaugurar silêncios
Romper murmúrios e espúrios sons
E desnudar-me diante de ti
Antes de fundir-me em ti em espírito.

Saudade de Macapá – Crônica saudosa de Ronaldo Rodrigues #Macapa265Anos

Crônica saudosa de Ronaldo Rodrigues

Eu não passei a infância e a adolescência em Macapá. Foi lá em Curuçá/PA (infância) e Belém do Pará (resto da infância, adolescência e parte da vida adulta). Talvez essas duas cidades tenham me preparado para reconhecer em Macapá também a minha cidade. A cidade que, com as duas citadas acima, dá forma triangular ao meu coração e completa minha geografia humana. A cidade que não vivi na infância e adolescência, mas da qual eu estaria, certamente, morrendo/vivendo de saudade hoje.

Saudade do maior rio do mundo rodeando a Fortaleza de Macapá. Saudade das festas populares que aconteciam no local onde hoje é o Teatro das Bacabeiras. Saudade do Igarapé das Mulheres, de viajar na nave que o poeta Osmar Júnior faz lembrar naquela música que é uma obra-prima.

Saudade de ir à Fazendinha curtir uma domingueira com familiares e amigos. Saudade de passear pelo velho trapiche. Saudade da praia do Araxá e dos bares do Aturiá. Saudade das tertúlias da sede do Trem e dos bailes de Carnaval do Amapá Clube. Saudade do Jet’s Bar, do Gato Azul, do Maguila, do Lennon, do Urca Bar e do Royal. Saudade do La Boheme, último empreendimento do Nena Leão, o Rei da Noite. Saudade do Liverpool Rock Bar.

Saudade da Banca do Dorimar, da Casa Leão do Norte, do Flip Guaraná, do Largo dos Inocentes, do Formigueiro. Saudade do Poço do Mato.

Saudade do Quiosque Norte e Nordeste, informalmente conhecido como Bar da Floriano, comandado pelo casal gente boa Neide e Alceu. Saudade do indefectível Antônio, garçom meio marrento, mas também gente boa, que se dividia entre as mesas servindo a uma galera que não estava nem aí pra sanidade.

Saudade de ir, na companhia do Euclides Campos de Moraes, descolar umas namoradinhas nas festas no Círculo Militar ou no Teleclube. Saudade de curtir uma noitada na companhia do Alcy Araújo e Isnard Lima. Saudade do Hélio Penafort, Correa Neto, Sacaca, Suerda, Macunaíma, Ivo Cannuty, Babá, Bi Trindade, Pai Véio e Pai d’Égua. Saudade do Fred Lavoura, do Foa, do Pururuca.

Saudade de ir às terças-feiras assistir ao Projeto Botequim, no antigo Sesc Centro. Compromisso selado de uma galera que, em certo momento, nem se interessava mais em saber qual o artista que iria se apresentar. O nosso encontro era o que nos atraía. Depois, sair pela noite e, esgotadas todas as opções de bar, tomar a saideira na sede da Úbma.

Saudade do tio Duca, do bar do Metralha, do Tigrão. Saudade do Xixi e do Xiri Molhado, do Bang Bar, do Cabaré Safári, do Bar Caboclo, do Hollywood, do Juçarão. Saudade do Pau Preto, hoje Black Dick, do Bar da Loura, da Casa das Máquinas, da Casa Amarela, do Fundo de Kintal.

Saudade de sair com a minha turma de rebeldes do Colégio Amapaense e tomar umas inocentes brejas no Xodó, pitoresco bar capitaneado pelo não menos pitoresco Albino.

Saudade de assistir a um bom filme de Tarzan no Cine João XXIII, no Cine Macapá, no Orange, no Veneza ou no Territorial. Saudade de ir com a minha galerinha (que devia se chamar patota naquela época) tomar sorvete no Novotel.

Saudade das conspirações contra a ditadura. Saudade do Chaguinha. Saudade do Moap (Movimento Artístico Amapaense), onde o mestre R. Peixe agitava arte, com Olivar Cunha e o indomável Estêvão da Silva.

Saudade do início do grupo Pilão, de ouvir o Canto do Fernando. Saudade dos primeiros acordes do Movimento Costa Norte. Saudade do Nonato Leal solando seu violão mágico e do Mestre Oscar regendo sua orquestra.

Saudade de me sentir chocado com as peças do Celso Dias, como A Santificação de Agarantu, que custou ao autor um processo de excomunhão.

Saudade de ouvir histórias sobre o engasga-engasga. Saudade de ficar aterrorizado com a seringa contaminada do Bambolê.

Saudade do tacacá da tia Bebé e da tia Luci. Saudade do salgado da tia Nenê, de degustar um quitute da Zinoca e da Dedeca. Saudade da arte de Niná Nakanishi. Saudade de Ladislau, tia Gertudes, tia Chiquinha, Julião Ramos, mãe Luzia.

Saudade dos craques Bira, Aldo, Jasson. Saudade do Zé Penha, goleiro que defendeu as cores do Ypiranga e São José.

Saudade de ouvir aquele amontoado de sons no Complexo Zagury, com cada quiosque levando uma música ao vivo. Lula Jerônimo e Lady Púrpura pontificavam por lá. E o Fineias (de vasta cabeleira e antes de incorporar o Nelluty ao seu nome) cantando e tocando seu teclado. Por falar em Fineias, saudade da Jéssica Kandomblé.

Saudade de sair deslizando no papelão como se fosse um carrinho de rolimã lá na praça Zagury. Saudade de andar de patins e skate no estacionamento do Banco do Brasil. Saudade de roubar manga da fazenda do seu Barbosa, que, quando descobria, recebia a molecada com tiros de sal disparados por uma velha espingarda de ar comprimido. Saudade de pedalar por uma rampa tosca, ao lado do trapiche, e saltar com bike e tudo dentro do rio Amazonas.

Saudade do Museu da Imagem e do Som na gestão do Alexandre Brito, único período em que o MIS realmente aconteceu. Saudade das maquinações artísticas do Espaço Caos. Saudade do Festival Quebramar. Saudade das intervenções urbanas do grupo Urucum. Saudade do Arthur Leandro, do Antônio Messias e da Niudes Pereira.

Saudade das festas que aconteciam na casa do Ronaldo Rony, do Edson Índio, do Mariozinho Dias e do Ginoflex. Saudade das idas ao Lontra do Pedreira e à Ilha de Santana. Saudade da casa da Av. Maria Quitéria onde alguns amigos, como Celso Dias e Roni Moraes, se reuniam e de onde saíram muitas músicas.

Saudade dos desfiles cívicos e carnavalescos na Avenida Fab. Saudade das festas de marabaixo no Curiaú. Saudade de, não só ver a Banda passar, mas sair na Banda.

Saudade de uma vida inteira desta cidade que existe em mim somente há 25 anos, mas pulsa dentro do meu peito como se aqui eu tivesse vivido sempre, sem, é claro, desmerecer os lugares em que estive antes. Tudo vai se somando na memória afetiva, real e fictícia deste cronista, filho adotivo e emotivo desta terra.

Macapá celebra hoje seus 265 anos de eterna juventude. E haja fôôôôôôôlego! Vamos à festa!

*Colaboraram para esta crônica Andressa Pereira, Wender Gemaque, Maria Lídia, Patrícia Andrade, Honorato Jr., Celso Dias, Pequeno e Elton Tavares.

Projeto cultural Sextou Poesia tem sua primeira edição do ano em parceria com a Unifap

Em continuidade ao “Sextou Poesia”, o Coletivo Juremas realiza a primeira edição do projeto deste ano de 2023. O evento acontece na próxima sexta-feira (3), em parceria com a Unifap e o programa Especial MPA – Levada do Marabaixo, da Rádio Universitária (96,9).

O mote do Sextou deste mês é “Minha Macapá – 265 anos” uma homenagem ao aniversário da capital.

Vão participar desta edição, Carla Nobre, Brenda Zeni, Hayam Chandra e Andreia Lopes.

O projeto Sextou Poesia está em seu segundo ano de atividades e vem contribuir para o fomento da cultura literária no estado, oportunizando os grupos e artistas, contribuindo para o fomento das artes literárias, tornando-se uma ferramenta oportuna para o fortalecimento de novos saberes.

A iniciativa busca fortalecer a literatura na sociedade promovendo a interação entre público e autor, agregando outras linguagens como a música, o teatro, o audiovisual, entre outras, na medida em que provoca o surgimento de novos talentos, grupos e coletivos.

Os encontros vão acontecer toda primeira sexta-feira de cada mês, durante o ano em curso, de forma itinerante, potencializando novos espaços e contribuindo para a formação de plateia.

Realização: Coletivo Juremas e Unifap por meio do Programa Especial MPA (Rádio Universitária – 96,9).
Parcerias: Quarta de Arte da Pleta, Governo do Amapá e Secult-AP.

Serviço:

Sextou Poesia “Minha Macapá – 265 anos”
Dia 3 de fevereiro | Sexta-feira | 16h
Local: Unifap – Campus Macapá | Em frente à Rádio Universitária
Macapá/AP
Fotos: Mary Paes e Luan Macedo.

Poema de agora: “Reahu em Parimã” – As lágrimas Yanomami – Jorge Herberth

“Reahu em Parimã” – As lágrimas Yanomami

Parimâ é verso
Verde
Montanhas de flechas
Inverso do tempo
Dos parentes
Sustentando o céu

Montanhas
De ferro
São Parimã
Abraço cósmico
Em corpos de sal e sol

Montanhas de pedra
Arco de amor
É Parimã
Fonte da sobrevivência
Morada dos fortes
Mutá de liquidar quebrantos
E assombrações

Macapaba sustentável
De espíritos e vidas
Do Brilho de Fogo
Das dores que passam
O amor que fica
É Parimã

Casa de sentimentos
Rupestres
Em flores de pedras
É Parimã
Feito bailarina
Perene
Prenha de danças
Selvagens
Odores de frutos
São Parimã

Serras de encantados
Flores de Sol
Montanhas benzidas
Na fumaça de tauaris
E Pajés
Em dias e noites
De Solstícios
Em Equinócios equatoriais
De saberes verdes
Wãiapi, Galibi, Palikur, Karipuna, Galibi Marworno
Sabedoria de parentes Tucujus
Rangôe e Samaracás

Parimã
É terra de parentes
De almas embrenhadas
Coloridas
Pela solidão chuvosa
Em proteção e
Liberdade
Para suas filhas e filhos

Parimã é
Mãe das folhas e pedras
Do caminho de Erês e Curumins
Em noites frias
Em dias de morte

Ah Parimã!
Como te proteger
De Rondons e colonizadores
Dessa gente que mata
A frio e ouro
Yanomamis e seus filhos
Fragilizados pela fome e ganância
Das feridas desse mercúrio do ódio

Será que daremos conta?
Quando o céu desabar?
A Lua
Apagar?
A pagar por quê?
Quando o Sol
Morrer
Nas mãos sujas de sangue dessa gente torpe?
Não!
Não morreremos por ódio
Mercúrio ou desumanidade
Como teus rios
Não!
Não deixaremos ninguém morrer mais!
Nem calaremos pelo silêncio do medo
Ou escravização
Nem deixaremos Parimã ser
A Urihi
Terra-floresta triste
De Araras e Mapinguaris

Parimã alegre do Amapá
É colo
Abraça Yanomami
Da Parimã parente

Xamãs e Xapiripês
Protejam a vida
Em Urihi
Do TumucUmac
Ao Pico da Neblina
Que o olhar lá de Xaripo
Seja consagrado

(Jorge Herberth / 01.02.2023)

Ifap publica livro com talentos da literatura amapaense

O Instituto Federal do Amapá (Ifap) realizará, através de sua editora, Edifap, o lançamento de seu primeiro livro reunindo autores e autoras amapaenses de contos e poemas . O evento acontecerá dia 1/2, às 17h, de forma on-line no canal do Ifap no Youtube, o TV Ifap. Trata-se do I Tucuju Lirarário, iniciativa que nasceu através de um edital da Pró-reitoria de Extensão, Pesquisa, Pós-graduação e Inovação (Proeppi), destinado ao fomento da literatura e cultura amapaense. 

Assista ao evento aqui

A obra reúne, ao todo, 17 contos e 89 poemas, totalizando 63 autores contemplados. Ela será disponibilizada ao público interessado em dois formatos: a versão e-book, que poderá ser baixada gratuitamente na página da editora e na versão física impressa, que terá tiragem de 500 exemplares que serão distribuídos sem fins lucrativos.

Além das obras literárias, a publicação é ricamente ilustrada com fotografias de autoria de Aluízio Cardoso e Eude Rocha, uma dupla de fotógrafos especialistas em registrar as belezas da Amazônia amapaense.

Instituto Federal do Amapá (Ifap)
E-mail: [email protected]

Ascom Ifap

Poema de agora: Despojos – Pat Andrade

Despojos

tranquei o medo
na última gaveta da cômoda
numa segunda-feira à tarde
a chave joguei no canal
[perda total]

larguei a insegurança
num ramal qualquer da BR
[duvido que consiga voltar]

a tristeza afoguei no Amazonas
num domingo de céu azul
[sem nenhum remorso]

a dor está na calçada
dentro de um dos baús
que o lixeiro nunca leva
[é lá que vai ficar]

me livrei de quase tudo
tomei o chá de sumiço
[prescrito pelo doutor]

me banhei com jasmins
e fui dormir mais leve
[melhor que seja assim]

essa convivência besta
com minha própria angústia
pesava demais na existência

Pat Andrade