Prefeitura de Macapá investe em programa de fomento à produção de aves no município

A Prefeitura de Macapá lançou no sábado (16), o programa ‘Proaves’, que vai fomentar a avicultura no município – para criação de aves. A iniciativa viabiliza o fornecimento de carne de frangos e ovos para a alimentação de crianças das escolas municipais. O programa também vai proporcionar aos alunos da Escola Família Agrícola o aprendizado prático na produção de aves e hortifruti.

“Estamos diante de uma grande oportunidade que é a produção de aves e ovos que trará desenvolvimento econômico ao nosso município. Um projeto que busca também produzir proteína animal para ser acrescentada na alimentação, de forma saudável, dos alunos do município. Inicialmente o Proaves contempla a região do Pacuí, mas a ideia é expandi para as demais localidades de Macapá”, destaca o prefeito Dr. Furlan.

O Proaves contempla a criação, inicialmente, de 450 pintas que se tornarão galinhas poedeiras. A expectativa é que elas consigam produzir cerca de 160 mil ovos no período de 15 meses. Além disso, o programa também estimula a produção de frangos caipira para corte. Neste primeiro momento será feito a criação de 800 frangos.

As secretarias de Agricultura (Semag) e de Mobilização e Participação Popular (SEMMOPP) são as responsáveis pela gerência do Proaves.

Termo de Cooperação Técnica

Por meio do Termo de Cooperação Técnica nº 001 de 2021, firmado entre a Prefeitura de Macapá e a Escola Família Agrícola do Pacuí, foi possível montar a estrutura na escola para implementação da primeira etapa do Proaves. A parceria incentiva também a formação de alunos da Escola na avicultura e na produção de hortifruti.

“A escola já formou mais de 300 técnicos agropecuários. Até uns meses atrás ela estava abandonada e enfrentando muitas dificuldades e hoje tem essa oportunidade de desenvolver. Agradecemos a parceria com a Prefeitura de Macapá e esperamos colher bons frutos desse novo caminho”, conta emocionado o vice-presidente da Associação das Famílias da Escola Família Agrícola do Pacuí, Ciro Ramos.

Para o secretário de Agricultura, Raimundo Azevedo, a escola tem um grande potencial e que a parceria traz benefícios para todos. “Uma alegria poder iniciar o Proaves na Escola Família Agrícola do Pacuí. Aqui temos estrutura e os animais serão bem tratados. Que este projeto seja o futuro do desenvolvimento econômico de Macapá”, afirma o gestor.

Estrutura

O espaço montado na Escola Família Agrícola do Pacuí é composto por galpões, casa de ração, bebedouros, comedouros, iluminação adequada, medicamentos e vacina direcionados aos animais.

Delmer Pereira é zootecnista, consultor e orientador do Proaves Macapá e explicou o processo de construção do espaço que comporta os primeiros pintos. “Foi necessário construir um galpão espaçoso e alto para ter uma boa ventilação. Uma avicultura eficiente representa animal de qualidade, manejo correto com alimentação e cuidados com a saúde, como a vacinação no período indicado, além de uma higiene do espaço”, explicou o profissional.

“Teremos quatro galpões para comportar os frangos. Eles serão depositados de forma escalonada sendo que, neste primeiro momento, foram apenas 210. As pintas, que se tornarão galinhas poedeiras, ficarão em um outro galpão que ainda está sendo construído. Os animais têm todo o suporte necessário e serão cuidados pelos técnicos e alunos da Escola”, complementa o subsecretário de Gestão e Planejamento da SEMMOPP, Emanuel Bentes.

Estiveram presentes no evento a primeira-dama e secretária de Mobilização e Participação Popular, Rayssa Furlan, e os secretários das pastas de Planejamento, Orçamento e Tecnologia da Informação, Iluminação Pública, Comunicação, agentes distritais, os vereadores Gian do Nae, Alexandre Azevedo e Carlos Murilo. Além do chefe-geral da Embrapa Amapá, Antônio Claúdio, o representante da Sicredi Amapá, Mateus Zimer, professores e alunos da Escola Família Agrícola do Pacuí e produtores da região do Pacuí, Coração, Lontra da Pedreira e Ressaca da Pedreira.

Laiza Mangas
Secretaria Municipal de Comunicação Social

Poema de agora: As Cores da Saudade – Kassia Modesto

As Cores da Saudade

Eu nunca vi interrogação tão grande e tão mal resolvida
Se eu fosse um pintor, eu faria da saudade a tela mais colorida
Se ela fosse uma cor, somente, eu me pergunto que cor ela seria
Um tom de azul, céu profundo
A me sugar solitária ao seio do mundo?
Um branco limpo e infinito
Enlouquecendo aqui dentro, como em um próprio hospício?
A saudade é uma parceira solitária e fugaz
Que caminha a espreita e vai correndo atrás
De uma fiel companheira, sangria voraz..
Saudade, saudade, saudade…
Minha companheira nas horas tardias
Gostaria de pintar de um azul, verde-mar
Ou as cores da primavera eu poderia recriar.
Dar-lhe um tom cintilante
E deixar pelo menos por um instante
A sua dosagem me embriagar…
A saudade que carrego comigo
É preto, é luto, é medo
A viúva negra a companheira eternamente ausente
O passado ainda presente
A lembrança constante,
O afago ao frio
O arrepio apenas na mesma recordação
A saudade que carrego comigo é como o preto,
É a ausência das cores que guardo no peito.

Kassia Modesto

Antônio Brasileiro, o homem misterioso que tocava músicas numa folha de mangueira – Crônica de @alcinea

Crônica de Alcinéa Cavalcante

Uns diziam que ele era louco, outros falavam que era um bêbado. Penso que nem uma coisa nem outra, talvez misterioso, diferente de todos os outros homens que andavam pelas ruas do antigo bairro da Favela. Ah, ele tinha sim mistérios guardados no olhar.

Sempre trajado elegantemente – calça social, sapato bico fino e camisa de mangas – diariamente ele percorria as ruas do bairro tocando maravilhosamente várias músicas, principalmente o hino nacional, numa folha de mangueira, por isso ficou conhecido como “seu Antônio Brasileiro”. Nunca vi ninguém, além dele, usar uma folha de qualquer planta como instrumento musical.

Louco não era, pois um louco jamais conseguiria essa proeza. Bêbado também não, pois caminhava sobre o meio-fio que, se muito, tinha um palmo de largura. Um bêbado não teria equilíbrio para tal.

Educado, mas de poucas palavras, cumprimentava todo mundo com um discreto bom dia, um aceno de mão ou inclinando a cabeça. Não falava de sua vida nem da vida de ninguém. Se alguém começava a lhe fazer perguntas tratava logo de pegar uma folha de mangueira e começar a tocar, assim fugia do interrogatório.

Quando ele aparecia tocando sua folha, as crianças corriam atrás dele e seguiam-no por alguns quarteirões. Ao ouvir o som, os adultos corriam para as janelas. Muita gente dizia que não havia ninguém que tocasse com mais perfeição que ele o Hino Nacional, em qualquer instrumento que fosse.

Antônio Brasileiro nunca contou quando e como ou com quem descobriu que podia tirar os mais belos sons e tocar lindas melodias, soprando uma folha de árvore.

Seu endereço exato ninguém sabia. O certo é que morava na Favela (aqui abro um parêntese para dizer que o bairro da Favela nunca foi uma favela), talvez perto do estádio Glicério Marques, pois era por ali, na rua Leopoldo Machado que se ouvia, pela manhã, os primeiros sons de sua folha, depois descia a avenida Mendonça Furtado e seguia não sei para onde. Horas depois voltava pelo mesmo caminho.

Tinha família? Tinha sobrenome? Ninguém sabia. E se alguém lhe perguntasse não respondia, se punha a tocar. Como já falei, era homem de poucas palavras. Misterioso. E todos queriam desvendar, sem sucesso, os mistérios daquele tocador de folhas, que tinha o olhar sereno e quase nunca sorria.

Tinha profissão? Dizem que foi um cozinheiro de mão cheia do Hospital Geral e que do nada abandonou o emprego e passou a perambular pelas ruas. Por isso que uns dizem que ele era louco e outros que ele perdeu o emprego para o álcool. Mas eu reafirmo: nem louco, nem bêbado. Era o retrato da liberdade, livre de todas as amarras, talvez preso apenas aos seus mistérios que ninguém conseguia decifrar.

Às vezes quando caminho pelos canteiros floridos da avenida Mendonça Furtado ou à sombra das mangueiras da Leopoldo Machado imagino “seu Antônio Brasileiro” aparecendo de repente. Ele arranca uma folha de mangueira, começa a tocar, as pessoas aparecem na janela. Ele passa por mim, me cumprimenta com a cabeça, desce a ladeira e segue rodeado por um bando de moleques não sei para onde.

E eu sorrio. E quem me vê sorrindo assim sozinha nem imagina o por quê.

Antônio Brasileiro deixou seus mistérios impregnados na paisagem da minha Favela.

Fonte: Blog da Alcinéa.

Poema de agora: Flutuante – Luiz Jorge Ferreira

Flutuante

Eu me lembro do calção encardido de açaí do Sussuca…extendido no limite do Mundo.
Eu me recordo das duas marcas sinuantes como rastros de serpentes, das rodas da bicicleta Merckswissa do Alceu.
E da fome atroz das Pipiras roendo cajus verdes, eu me lembro do dor d’olhos na imagem de São Benedito…na Capelinha do Laguinho.
Eu me lembro de mim…Gitinho…olhando para mim e perguntando para mim…Que Queres?

Foto: Blog Porta Retrato

Eu me lembro do Sol bebendo água no Pacoval…e a minha alma de cócoras, torcendo para que uma Mutuca ferrasse o dorso dele. Eu me lembro da minha sombra correndo atrás de mim e perguntando…
Tu acreditas em amor?
Eu amo a lua…
E eu respondendo…eu acredito em noite nua…
Que roupa ela veste?…perguntei.
É tecido de chita que ela usa para ficar mais bonita…e ela pega lá nas lojas da Doca da Fortaleza?
Eu acho que ela ama a Fortaleza. Admira a coragem dos passarinhos que pousam próximos aos seus canhões.
Eu me lembro de achar que jesuíta era um Padre que vinha por os índios em fila para apresenta-los a Jesus…

Foto: Wonders Brazil

Tu sabes onde moram as estrelas ?
Depois da mata dos Tucanos coloridos do Curiaú…
Sombra….sabes porque amas a lua…
Porque jogas por terra teus sonhos, assim que banhas.
Vamos passar pela Ernestino Borges…vamos até a venda de Bill pefir que Neusa nos leia a mão…
O cego que pede esmolas lá na Padaria do Seu Oswaldo…as leu…
O que ele disse não lembro …estava chovendo e levei a sombra para dentro da casa de titia Benedita…
A única que acredita que Deus é brasileiro.
Lá fora…dentro do olhar sem luz do cego que acredita enxergar o futuro o barulho das moedas agitadas dentro da cuia vazia ecoa.

A vida tropeça na sombra que ele arrasta que é a mesma que me convence que a lua ama a escura noite para ser notada sobre a luz dos pirilampos que esvoaçam atônitos com a beleza dela.

Sombra….Deixemos de andar a esmo…convide Pedro…chame Seu Rô…assuste Quincas…
Cubra o Sol com um pano rendado e com um anzol estrovado pesque restos de lembranças boiando no Matapi …e as traga até aqui, para o embevecimento do menino …
Que arrasta a sombra pelas marca feita ali pelo destino.
Embriagado de alegria…
Perambula…pela ilharga ímpar das costelas magras…desta tal de vida.

Luiz Jorge Ferreira

*Do Livro “Diante da Boca da Noite…ficam os dias de dias de Ontem” – Osasco (SP) – 10.10.2021

Poema de agora: Aquela máquina de Digitar Afetos – Jaci Rocha

Aquela máquina de Digitar Afetos

Aquela máquina de Digitar afetos
Nunca mais escreveu a palavra “Meu amor”
Por onde andas,
Afinal?

Verbo que é cheiro
Quanta falta tu faz em meu jardim…

Nem sempre fui assim, tão dislexa à paixão
Já fui mais atenta ao meu próprio coração
Mas a vida é assim,
Depois que passei a usar relógio

O tempo caçoa de mim:
– Faz com que tudo tenha exíguo começo, meio e fim –

É que o amor não cabe no curto espaço de 24 horas
isso aos poucos, creia,
A tudo devora –
E apavora

Mas… acalma, Coração
– Quem sabe ainda temos
Uma eternidade a mais
Na próxima Oração –

Quem sabe a gente se tropece
Em meio ao burburinho de um café
Quem sabe aquele velho ditado (Clichê)
Ainda esteja de pé

Ah! Incerta beleza de existir.
O verbo futuro é ingrato
Descumpridor nato
De quem achamos que seremos…

Faz tempo que não chove em Macapá
Mas o Equador vira água num súbito instante!
Quem sabe a vida seja assim: de se sentir o sabor
E agora, sob o intenso calor,

Me demoro a tentar compreender
O porque essa máquina (de bater)
nunca mais digitou a palavra
“Meu amor”…

Jaci Rocha

Fonte: A Lua Não Dorme.

Poesia de agora: Amadure-SER – (@cantigadeninar)

Amadure-SER

Hoje aprendi que posso viver dia após dia
Como se cada dia fosse o último, no presente,
E saber que não o é, na verdade,
Pois o que há depois do fim aparente,
Que a maioria acha,
É a eternidade,
Até que o ser humano renasça
E o ciclo todo recomece
A fim de que a evolução se faça.

Hoje aprendi que posso trabalhar sem demanda
Como se não existissem clientes me fazendo cobrança
E saber que o freguês da minha fila não anda
Pois a caneta sou eu quem comanda.
De tanto escrever sem oferta e procura,
Sou eu que ofereço minha própria cura
Até escorrer em versos, tinta, rima e epifania
Ou o que quer que seja que compõe este ofício
Onde não há encomenda ou precipício
Porque se trata de poesia.

Hoje aprendi que posso sofrer milhões de ofensas
Como se eu fosse um poço de fracassos subsequentes
E saber que perder, às vezes, não é nenhuma doença
Pois agora creio na vertente
De que ser menosprezada não importa.
Quantas vezes cair, mais ainda meu sonho será atraente
Pois é relativo o conceito de sucesso e derrota
Até que eu consiga e a mim mesma prove, por bem,
Que eu não preciso provar nada a ninguém.

Hoje aprendi que posso amar sem barreiras
Como se não existissem fronteiras
E saber que há equilíbrio na balança
Pois sentir sem medo não é sinônimo de ser aventureira.
Que se entregar é quase como ser criança
Quando se atira nos braços de quem deposita confiança.
Reconheci que sofrer é em vão
E entendi que o limite do amor
É o doce e etéreo sabor

Da imensidão.

Lara Utzig

Poesia de agora: Lições da Infância – Jaci Rocha

Lições da Infância

Quando criança,
sob as calçadas encardidas da Salvador Diniz
Aprendi que o céu era o limite!
E que o mapa encantado até a chegada existia
Ao fim dos pulinhos da amarelinha,
Desafio nosso de cada dia…

Oceano era a lagoa do quintal do meu avô
O tesouro, sempre ao fim do arco-íris
Os dragões eram vencidos por príncipes
E éramos grandes navegadores a navegar
E tudo parecia ter o seu lugar…

Passadas décadas, ruas e avenidas
Desaprendi esquinas
Pois a máquina de engolir vida
Apagou as linhas finas
Que apontavam por onde caminhar…

Agora, sigo desalinhada
Sei pouco sobre certezas e chegadas
Canso de ouvir – e escrever –
as mesmas palavras
e não sei onde dobrar…

Queria ter outra tarde
Daquelas mornas e empoeiradas de infância
Brincar de correr para todo lado
E ao fim do dia correr para o colo encantado
Dos olhos de mel da minha irmã…

Mas a máquina de engolir vida
Segue a comer lembranças
E aquela esperança vive
Da luz que existe na memória
Daquelas velhas histórias
Repetidas antes de sonhar!

Jaci Rocha

Poema de agora: UMA MULHER – Pat Andrade

Pat Andrade – Foto: arquivo pessoal da poeta.

UMA MULHER

não sou vítima
e não aceito o carrasco
que me castiga
não sou objeto
e não aperto a mão
que me bolina
não sou escrava
e não nasci pra te servir

não sou perfeita
e não acato os padrões apodrecidos do high society
não sou deusa
e dispenso teus altares

não sou dondoca
não sou boneca
nem tua gostosa
não sou louca
nem doida varrida
como tentas insinuar

quero e mereço respeito

sou uma mulher
e isso deve bastar

Pat Andrade

E hoje em dia, como é que se diz “Eu te amo” ? – Crônica de Elton Tavares (ilustração de Ronaldo Rony)

Sempre que escuto a velha Legião Urbana, entro em um portal do tempo/espaço e a cabeça viaja para um montão de memórias afetivas e pessoas, situações e etc. Música é fogo, nos transporta para antigos lugares e reflexões distintas.

Certa vez, há mais de uma década, em meio às canções (e entre as paixões, como diria Milton), que foram trilha sonora da longínqua adolescência, li um recado da Lorena Queiroz, minha prima “Loloca”, que morava em Brasília (DF) na época e hoje em dia está em Florianópolis (SC). Nele, ela disse: “Aí primo…quando leio estas coisas, até me aperta o coração, também te amo e morro de saudades. Beijo!.” (eu havia deixado na página dela do extinto Orkut duas palavras: te amo).

Vou explicar. Sou um cara cascudo, brabo, encrenqueiro, irônico e genioso, mas também sou amoroso com minha família e amigos. É uma sequência de “eu te amo para cá”, “eu te amo para lá” e assim vai. Isso acontece todos os dias, seja ao acordar e dar um beijo na minha mãe, ao telefone com o meu irmão (que mora em Belém), quando vou à casa da minha avó e digo “eu te amo” a ela e minha tia. Foi assim com várias outras pessoas que amo. Sim, amo uma porrada de gente, graças a Deus!

Não tenho vergonha de dizer “eu te amo”, principalmente quando sinto muita vontade. Sabem por que? Em 1996, meu avô faleceu em um acidente automobilístico. Eu estava em Belém, de férias. Retornei à Macapá e meu saudoso pai estava arrasado. Quando perguntei como ele estava, Zé penha (meu velho) foi categórico:

“Ta foda!”, e um “tá foda” descreve muito bem aquela situação. O que me marcou foi quando ele disse: “Nunca disse ao meu pai que eu o amava e eu nunca mais deixarei de fazer isso”.

Aquilo foi um toque, desde então, não parei de declarar meu amor aos meus. Acredito que precisamos sempre dizer que amamos as pessoas que realmente amamos, seja um parente direto ou alguém que vale muito para você. Muitos lerão isso aqui e vão achar que é frescura ou algo assim, mas parafraseando o velho Renato (duas vezes): “O mundo anda tão complicado. E hoje em dia, como é que se diz: “Eu te amo.”?

Se você é um cara daqueles antigões, que acha isso uma grande besteira, tente bicho, verás como é legal. Afinal, esquisito é não expressar nada, isso sim é bobagem. Então fica a dica, digam “eu te amo” para seus pais, filhos, irmãos, parentes, cônjuges e amigos, se isso for “de rocha”, claro.

Elton Tavares

Uma crônica para juntar pedaços – (Por Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena)

Crônica de Lorena Queiroz

O fim de qualquer coisa é sempre algo realmente curioso, triste e curioso. O fim de um ano é sempre instigante. O fim de uma vida é sempre inexplicável. O fim de um amor é sempre triste. O amor é sentimento complexo que todo ser humano, ao menos, deveria ter seu lugar de fala, mas infelizmente, tem gente que passa por essa vida sem se deparar com os benefícios e as pragas trazidas pelo amor.

Nós sabemos que o amor nada mais é que um complexo fenômeno neurobiólogo baseado em atividades cerebrais que vem pra foder a tua vida, mas calma, também tem muita coisa boa em se apaixonar. A ressaca é grande, mas o porre é bom. É muito mais fácil pensar que somos vítimas de um processo químico e que uma boa reprogramação mental e terapia podem levar embora. Mas dentro dessa crueldade terrena que usamos para nos defender de nós mesmos, o que seria da literatura, da música, da poesia, das artes em geral e, principalmente, dos bares, se não fosse essa dor uma constante comum entre nós, o desassossego.

Quem não lembra da busca desesperada de Horácio Oliveira por Maga em O jogo da Amarelinha, de Cortázar, ou de Heathcliff enlouquecendo em O morro dos ventos Uivantes. O fato é que essa dor é e sempre será a mola que produzirá da sua carcaça o melhor em todas as artes. Salvo no sertanejo, nesse setor eu retiro tudo que eu disse. Mas bem sabiam o que diziam Baden Powell e Vinícius no Canto de Ossanha ; ‘’pergunte pr’o seu Orixá, o amor só é bom se doer. Vai amar, sofrer, chorar, dizer’.

O fato é que o fim sempre gera muito mais assunto interno, esse mistério que circunda nossa total incompetência em entender como funciona um jogo em que, nem sempre, temos talento, mas desajeitadamente vamos trilhando os caminhos, furando os pés em alguns espinhos, mas caminhando sempre. Esse, que é o maior dos sentimentos humanos e que nos proporciona tantas dores e delicias, faz de nós melhores escritores, melhores músicos, melhores pessoas.

Tudo nessa realidade será um dia acabado, silenciado, mas o amor sempre continuará lá, seja em uma recordação ou em uma fotografia que registrou a felicidade daquele dia, estará como diz Chico ; ‘’… Num fundo de armário, na posta-restante milênios, milênios no ar”. E como disse acertadamente Javier Velaza ; “Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida”.

* Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site, além de prima/irmã amada deste editor.

Roberto Carlos de Santana, meu louco favorito – Crônica de Fernando Canto (republicada por conta do Dia Mundial da Saúde Mental)

Crônica de Fernando Canto

Não sei bem em que jornal eu li sobre um maluco que morava numa praia do Rio de Janeiro, mas quem o deixou comigo foi meu amigo RT na volta de uma viagem à cidade maravilhosa. O texto o descrevia como um homem corpulento, negro e barbudo, que fumava maconha, mas que não incomodava ninguém. Cumprimentava a todos e fazia parte da paisagem urbana de Ipanema. Todo mundo o conhecia no bairro e o autor do artigo falava em uma espécie de reencontro com ele depois de muitos anos que passou fora do Brasil.

Em Macapá conheci algumas dessas pessoas alienadas, praticamente abandonadas por suas famílias. E foi exatamente na minha adolescência, quando era estudante do ginásio. Na saída das aulas os mais velhos instigavam os mais novos a fazerem chacotas com elas e apelidá-las quando passavam em frente ao colégio.

Nunca esqueci a “Onça”, que possivelmente não era louca, mas viciada na cachaça. Quando convidada fazia espetáculos sensuais, levantava a saia rodada e dançava Marabaixo, sem se desvencilhar da garrafa de “Pitú’ equilibrava na cabeça, rebolando, para o delírio da turma, que a aplaudia sem parar, rindo e gritando com aquelas vozes de fedelhos em mudança, quase bivocais.

Ainda posso ver o “Cientista” lá pelas bandas do Mercado Central trajando seu paletó azul claro e um calção sujo e descolorido. A barba rala, as feições indígenas e o olhar sereno. Vez por outra procurava alguma coisa embaixo de uma ficha de refrigerante ou em uma pequena poça d’água, como se tivesse perdido algo muito valioso. À vezes anotava (ou fazia que anotava) alguma coisa em um papel de embrulho, daí as pessoas acharem que eram importantes fórmulas de um cientista, vindas em um “insigth”, um estalo de ideia. Eu o vi também trajando o pijama de interno do Hospital Geral, de onde fugia de uma ala reservada aos doentes mentais.

Quase decrépito, mas imponente, calvo e meio gordinho era o famoso “Pororoca”. Para mim é inesquecível a cena que vi dele descendo a ladeira da Eliezer Levy, no bairro do Trem, no sol quente do meio dia, bem embaixinho da linha do equador, quando os raios do sol pareciam rachar os telhados das casas e estalar a piçarra. Lá vinha ele, rindo à toa, descalço, de cueca branca e um imenso couro de jiboia enrolado no peito. Um figuraço!

Creio que todos os frequentadores do bar Xodó chegaram a conhecer o “Rubilota”, um senhor de aparência forte, que andava invariavelmente sem camisa, que pedia um cigarro e ia embora. Mas de repente surtava e começava a gritar pornofonias das mais cabeludas possíveis. Quando ficava violento era preciso chamar a polícia, mas com um bom reforço, pois ele era durão.

Quem sempre aparecia pela Beira-Rio era o Zé, cearense e empresário de sucesso, mas que enlouqueceu, dizem, de paixão. Ele me conhecia, e sempre que me via nos bares ia me cumprimentar ou pedir um cigarro. Os garçons tentavam expulsá-lo do ambiente porque andava sujo e com o pijama do hospital, de onde fugia igual ao seu colega “Cientista”. Porém eu não deixava que o escorraçassem.

Havia um cara que eu conheci ainda sem problemas psiquiátricos. Ele tocava violão e cantava na Praça Veiga Cabral, ali na parada das kombis que faziam linha para Santana. Estudava, salvo engano, no Colégio Comercial do Amapá. Anos depois eu o encontrei pelo centro da cidade cantando sozinho pela rua as músicas seu ídolo: era o Roberto Carlos de Santana.

O pessoal da sacanagem do Xodó chegava a pagar R$1,00 para ele cantar o “Nego Gato” no ouvido de algum freguês desprevenido. O RC de Santana chegava por trás da vítima (normalmente um amigo que não sabia da onda da turma) e dava um berro que até o Rei da Jovem Guarda se espantaria. Cantava “Eu sou o nego gato de arrepiar…” em alto e bom som e em seguida saía correndo com medo da porrada até a intervenção dos gozadores que morriam de rir.

Esse era o meu maluco predileto. Não sei por onde ele anda, se morreu como a maioria dos aqui citados, se ainda recebe uma grana para cantar o “Nego Gato” ou se ainda canta acreditando que é o Roberto Carlos, lá em Santana. O interessante é que as pessoas sempre têm uma explicação para a causa da desgraça alheia. Dizem que todos eles tiveram desilusões amorosas, que foram vítimas de traições, e por isso surtaram, e assim viveram e assim alguns morreram. Mas com certeza viveram bem, imersos no seu mundo, sem se importarem com que os “normais” pensassem a seu respeito, sem se indignarem com os acontecimentos inescrupulosos dos políticos indignos, estes sim, os deficientes mentais que precisam ser recolhidos definitivamente da sociedade.

*Republicada por hoje ser o Dia Mundial da Saúde Mental.

Poesia de agora: Caminhada – Fernando Canto – @fernando__canto

Caminhada

Aos que caminham dentro de si e ainda se assombram

De manhã
Meu corpo
É longo
Em sua sombra
Caminhante

Ao meio-dia
Assombro-me
Em segredo
– Encolhidinho –
No equinócio
Da alma

À tarde
Eu me projeto
Rumo ao mar
Com o sol
A bater meu rosto
Nos umbrais da noite

E se um lado é luz
Que me orienta
E de outro
Meu rastro
É a escuridão

Sou, perdoem-me,
Um obscuro ponto
Na paisagem
Que me embala
Ao sol do dia seguinte.

Fernando Canto

FLAUTA – Conto porreta de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

​De manhãzinha, seu Pedro descia os três degraus de escada, fechava a porta com chave, duas voltas, e seguia caminhando cabisbaixo como perseguido pelos sons da flauta que tocava nas horas de folga.

Sempre aquele soprar enfadonho, semi-tonado, choroso e cabisbaixo como ele quando caminhava para o centro da cidade, onde funcionava a barbearia em que trabalhava há 40 anos, ali debaixo do antigo Grande Hotel do Pará.



Quando seu Pedro voltava, já começando a noite, alguns gatos atravessavam a rua, vindos do terreno baldio em frente e, miando, subiam pelo telhado de sua casa, entre as ervas ali dependuradas e telhas soltas cheias de limo.

Com a noite alta, os gatos atravessavam a rua e retornavam às suas moradas no terreno baldio do outro lado da rua. Então, terminava a folga dos ratos. A flauta se calava e o pessoal da república, a uma quadra dali, – Joca, Edílson Calouro, João Silva Santos, Veríssimo, Alípio e Edivaldo – acomodavam-se para estudar. Eu podia ver as notas correndo pela vala em meio à água rala que pouco cobria o lodo do fundo. Na rua tinha um cachorro vagabundo que, vez por outra, pulava na vala atrás delas, e as engolia de um só fôlego. Era ele fazer isso que a estudantada saía pela porta da sala e divertia-se ouvindo-o latir. Uns latidos meio miados, meio zunir de ratos, meio barulho de tesoura cega cortando cabelo.



Veríssimo era o mais moleque e o atiçava com uma toalha. Certa vez, foi tanta a algazarra que seu Pedro saiu na porta de sua casa e tocou na flauta um fado tão lamento, que as notas saíram da vala, da boca do cachorro, do barulho de uma rasga mortalha, e coloridas e em fila retornaram para a flauta. Seu Pedro fechou a porta e, mais depois, amanheceu. Tudo foi tão rápido que os degraus não tinham se levantado quando ele abriu a porta e desceu.

Noutro dia, eu soube que ele caíra e fora levado para o hospital. E que mais tarde toda a vizinhança o fora visitar. Uns levaram caqui, outros restos de mar, outros nacos de sol. Eu levei alguns gatos pardos e malhados e um rato, o que costumava cantar mais alto. Não consegui entrar.


À noitinha seu Pedro morreu. A vala foi aterrada pela Prefeitura. Chegou o carnaval e os gatos viraram tamborins. A flauta ficou pendurada na sala, guardando notas enferrujadas. Até que a casa ruiu. Os estudantes concluíram seus cursos e sumiram. Eu fiquei sozinho, escrevendo contos irreais sobre flautas, gatos, ratos, cães e valas. Coisas em que seu Pedro, também sozinho, nunca acreditou.

– Seu Pedro era canhoto?

*Do LIVRO de Contos Antena de Arame – 2° Edição Editora Rumo Editorial (São Paulo – 2015).