Poesia de agora: Distraída – Jaci Rocha

Distraída

Longe das ordinariedades
De um cotidiano pálido
Distante dos homens de palavra
Que falam e andam
costas envergadas por pesadas pastas

distraída de relatórios e notas explicativas
que delimitam fácil demais o sentido da vida
Afastada demais das Societés e suas comunhões
– O par a par da confraria de múltiplas convenções –

A poeta olha o céu.

Bebe água quando sente sede
Abraça p´ra doar calor
Molha os olhos quando sente dor
Ri, conversa com crianças
E gosta de ser e se vestir de amor…

Distante das esfinges de pedra
Que observam a vida sem deslumbre
Quase com desdém
desentendida de quem passa sem surpresa
Por canteiros e esquinas

Alheia às ilusões de poder
Que abrilham-se em mentes pequenas
e às vidas que antes do riso pedem identificação
num tipo de quid pro co
que ordinariza a emoção

– A Poeta olha o céu.

Gosta da vida e aprecia ser viva
Da luz das flores e das coisas coloridas
Aprecia o som da brisa e o sopro do vento
Segue distraída, entre sonhos, luz
fé e movimento.

Jaci Rocha

Olimpíada despertando o que há na memória de uma quase atleta de voleibol – Crônica porreta de Gilvana Santos

A então jogadora de vôlei Gilvana Santos, de camiseta branca, do lado esquerdo da foto – Imagem: arquivo familiar.

Crônica de Gilvana Santos

As Olimpíadas de Tóquio chegaram ao final neste domingo (8), e para nós brasileiros a participação do país podia ter sido fechada com chave de ouro, mas não foi possível. A nossa última chance de ganhar a medalha mais cobiçada tinha que ser em um esporte que caiu no gosto popular, o voleibol. Não deu ouro para a seleção feminina de vôlei, ficou na prata, mas valeu para reavivar nas memórias as minhas incursões e tentativas vãs de me tornar uma atleta de vôlei.

O gosto pela modalidade começou na minha adolescência, nos anos 80, por influência dos meus irmãos Clemerson e Girlane, jogavam vólei. Eu sonhava em ser da Seleção Amapaense de Vôlei para disputar os Jogos Escolares Brasileiros (JEBs).

À época, pensar em viajar para outro Estado era quase impossível, devido às dificuldades financeiras. Meu pai Marçal Batista trabalhava no INCRA e minha mãe Maria Juracy era costureira, para ajudar no sustento dos cinco filhos, porque a grana nunca sobrava, pelo contrário. Nossa vida só melhorou depois que mamãe passou no concurso público da Justiça Federal, de onde é aposentada.

Então, passei a enxergar no vôlei um meio de conhecer outras cidades, com pessoas e culturas diferentes. A prática era incentivada nas aulas de educação física do extinto Território Federal do Amapá.  Clemerson e Girlane estudavam no CA, enquanto que eu e Girlei estudávamos no GM, onde por sorte, tinha uma das melhores treinadoras de vôlei do Amapá, a professora Marli Gibson. Com ela aprendi as técnicas do esporte, o difícil era colocar em prática (risos), mas ainda consegui participar de alguns jogos (foto).

A então dançaria Gilvana Santos, de preto, no centro da foto – Imagem: arquivo familiar.

Nesse período, também houve um grande impulso com a inauguração das quadras de voleibol e basquete na Praça do Barão, no Centro. Era perto de casa, no Laguinho, e todo final de tarde eu ia com minhas irmãs Girlane e Girlei, sempre acompanhadas do Clemerson para tentar uma vaga em um dos times formados para as disputas que se formavam naquele espaço. Meu irmão era da elite, junto com o Bianor, Alcinão e Negrão, só pra citar os que eram mais próximos da família. Era uma festa, juntava os melhores jogadores de todos os bairros. Na “grade” iam formando os times para disputar com os vencedores, e eu, claro, nunca era escolhida porque não tinha domínio da bola (ô coisa difícil essa tal recepção do saque).

Gente, já deu para perceber que eu fui uma péssima jogadora de vôlei, mas tentei, tentei muito. Entrei na escolinha da Marli, que treinava seu time no Ginásio Avertino Ramos. Os treinos eram um sobe e desce interminável das arquibancadas e muita repetição, mas apesar de ser uma levantadora mediana, eu era péssima na recepção, daí não tinha jogo. E o saque? Meu Deus, o meu saque era horrível, dando soquinho embaixo da bola kkkkkkkkkkkk Era tão ruim que a Marli, que também era professora e organizadora das apresentações de dança, na qual eu era beeemmmm melhor, chegou ao ponto de pedir, quase implorando, que eu permanecesse somente no grupo de dança.

Mesmo com esse desempenho sofrível, eu insisti, e ainda consegui ganhar uma medalha, foi no Torneio de Calouros do Cesep – atual Unama, em Belém-PA. Eu organizei o time das alunas do Curso de Economia e também era a capitã. Fizemos a final contra as meninas de Arquitetura, um monte de patricinha, e nós éramos meras mortais, que com humildade levamos o torneio. Claro que para ganhar eu tive que me colocar na reserva e fiquei só administrando de fora do campo.  Não tenho fotos, mas tenho uma testemunha de Macapá, a querida Jacira Gomes, uma das atacantes que fez a diferença nessa conquista.

É meus amigos, vida de atleta não é fácil, ainda mais quando não se tem o talento para a coisa. Então, que esse artigo ajude na reflexão que a Olimpíada de Tóquio deixa, não julgue aqueles que não tiveram êxito, pois só de chegar na disputa já é uma grande conquista. Parabéns aos nossos representantes, e especialmente parabéns às meninas do vôlei, que mesmo desacreditadas, subiram no pódio e ganharam a medalha de prata. Eu? Bem, vou continuar me aventurando, sempre que possível, a bater uma bolinha.

*Gilvana Santos é jornalista, assessora de comunicação e querida amiga medalhista de ouro nas olimpíadas dos corações de seus amigos como eu. (Elton Tavares). 

Pai não parta – Carta de recebida pelo Luiz Jorge Ferreira…De seu filho Luiz Henrique Quando do lançamento do Livro Signo do Sol

Escritor Luiz Jorge e sua filha – Arquivo de família.

Pai não parta

Pai não parta. Se for, para onde ficará seus ideais?
Qual filho irá ser o que mais te lembrará.
Qual irá ver velhos amigos de seu pai falarem, você se parece tanto com ele.
Que chega abalar a mente e o coração do velho Senhor.

As memorias e os sentimentos sempre estarão guardados.
Mas o choque será tão forte que nem filhos nem mulheres, iriam se adaptar.
Um mundo sem um bom Medico, Filosofo e um ótimo pai.
Logico que a diferença estará em meu sangue e nos dos irmãos.

Para se adaptar é melhor dizer para os netos, que o avó foi repousar em seu sofá e lá permanecerá.
Falando em sofá, aquele será o Meu sofá daqui uns anos, meu filhos iram deitar e pensar…
O vô deitava aqui, será que ele achava confortável ?
Eu irei dizer, não importa o lugar em que você se deita, mas se você está se sentido bem, o lugar se torna um paraíso.

Não sou bom para escrever, como queria ser pai.
Mas aos anos vou aprendendo.
Falando em aprender nada melhor que ser Medico & Poeta.
Ser o filho que deixou seu pai orgulhoso e de que seguiu o Negocio da família.

Trabalhando e com uma foto de lado com a imagem de meu pai.
Lembrando seus ensinamento e conselhos, que por não ter um pai presente.
Mesmo longe do filho, fazia o máximo para estar presente.
Pegando uma longa estrada, na chuva e no sol. Para passar 2 horas com o seu filho caçula.

Para outras pessoas isso é cansativo, mas para o Luiz Jorge é a felicidade.
Ver seu filho crescendo e passando ele, com seu 1,60 de altura.
E um grande coração. Contando piadas e historias de antigamente.
Que o filho lembra todas elas, mesmo sendo varias e repetidas.

Daria um enorme livro sua vida, seus conselhos, ensinamentos.
Mas não são todos que precisão saber quem é você ou o que você fez, ou foi reconhecido.
Quem precisa saber são seus filhos, que por não se verem muito, uma coisa os ligam.
Seu pai, que quando partir irá dizer, não se afastem, família é tudo, já que só tive uma mãe.

Escritor Luiz Jorge e seu filho – Arquivo de família.

De valor para suas mães, por que ela não é eterna, cuide dela até o final.
E não conte para seus filhos, pois se você já ficou triste com a perda, seus filhos vão ficar triste também.
E a tristeza deles será a pior coisa do mundo, você não aguenta a sua imagine aguentar a deles ?
Siga em frente, tudo está normal, ninguém vê sua dor, ninguém imagina.

Quem diria que um pequeno homem, guardaria tanta coisa dentro de si. Não poderia ser apagada simplesmente.
Mas toda noite irei olhar para o céu e dizer, Obrigado pai por existir e me criar, me tornar melhor.
Dar uma vida melhor para minha mãe, que não tinha nada, só tinha você.
Que por acaso lhe deu um filho, amor, carinho e logico, uma vida boa para ambos.

Tudo em torno de você fica mais feliz, você faz as pessoas feliz, mesmo do seu jeito engraçado e palhaço.
As vezes bravo por telefone, mas diz não estar.
Ligando para a escola perguntando se o Filho está indo ou faltando.
Lhe dando dinheiro quando vai embora, lhe dizendo para usar com sabedoria.

Como a vida é engraçada, aqui estou eu escrevendo sobre sua vida.
Não sou bom em terminar as coisas, não termino nunca bem.
Mas eu acredito que não há outro modo, não existe outro te terminar.
Então ai está. Eu lhe amo pai. Você será eterno e sempre será lembrado por todos e por mim, não mude jamais.

*Carta recebida pelo Luiz Jorge Ferreira…De seu filho Luiz Henrique no lançamento do Livro Signo do Sol – Editora Rumo Editorial…2014….Osasco…São Paulo.

Meu inferno – Crônica infernal, mas bem humorada, de Elton Tavares – Ilustrada por Ronaldo Rony

Acho que se existir inferno, coisa que duvido muito, cada alma pecadora tem um desses locais de pagamento de dívidas de acordo com suas ojerizas. Nada como no clássico da literatura “A Divina Comédia”, o inferno do escritor italiano Dante Alighieri, que escreveu sobre os nove andares até a casa do “Coisa Ruim”.

Quem nunca imaginou como seria o Inferno? Como seríamos castigados por nossos pecados? Volto a dizer, pra mim o inferno é aqui mesmo. Mas vou pontuar algumas coisas que teriam no meu, se ele está mesmo a minha espera.

Bom, meu inferno deve ser quente. Não tô falando das labaredas eternas com o Coisa Ruim me açoitando pela eternidade. Não. Esse é o inferno mitológico e ampliado da imaginação religiosa. Falo de calor mesmo, tipo Macapá de agosto a dezembro, com quase 40° de temperatura (a sensação térmica sempre ultrapassa isso no couro da gente) e sem ar-condicionado.

Neste inferno, todo mundo é fitness, come coisas saudáveis e é politicamente correto. Meu inferno tem gente falsa, invejosa, amarga, que destila veneno por trás de sorrisos. Ah, meu inferno tem incompetentes, puxa-sacos, gente de costa quente que conta do padrinho que o indicou. E pior, neste inferno sou obrigado a conviver com elas diariamente.

No meu inferno tem gente que atrasa, que me deixa esperando por horas. Ah, lá tem caloteiros e enrolões, daqueles que demoram a pagar serviço prestado por várias razões inventadas.

Neste inferno moldado a mim tem parente pedinchão, “amigo” aproveitador, filas e mais filas para tudo. Tem também muita etiqueta e formalidades hipócritas. E também todo tipo de “ajuda” com segundas intenções. De “boas intenções” o inferno tá cheio.

Neste lugar horrendo só vivo para trabalhar, estou sempre sem dinheiro, sem sexo, sem internet e sem cerveja. Nó máximo Kaiser, aquela cerva infernal de ruim. No meu inferno toca brega, pagode e sertanejo sem parar.

Eu sei, leitor, que devo agora estar lhe aborrecendo. Mas perdoe-me, esta alma é chata e sentimental. Às vezes vivemos infernos mesmo no cotidiano, pois vira e mexe essas coisas aí rolam. Por isso dizem que o inferno é aqui. Ou como explicou o filósofo francês Jean-Paul Sartre, na obra “O Ser e o nada”: o inferno são os outros. É por aí mesmo.

Ainda bem que tenho uma sorte dos diabos e Deus é meu brother, pois consegue me livrar dos perigos destes possíveis infernos cotidianos e nunca fará com que tudo isso descrito acima ocorra por toda a eternidade. No máximo, de vez em quando, para que eu pague meus pecadinhos neste plano (risos).

Esse devaneio deve ser por conta do “inferno astral”, vivido sempre próximo de meu aniversário. Mas volto a dizer, este seria mais ou menos o MEU inferno. Como seria o seu?

Elton Tavares

*Do livro “Crônicas de Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em setembro de 2020.

Poesia de agora: Poetas – Marven Junius Franklin

Imagem: Logan Zillmer

Poetas

avalio que os poetas
são despojadas criaturas aladas
que habitam mundos isomorfos
e vez ou outra
Declinam a dois palmos do chão
[ao modo terrestre]

emanam em busca de suas Pasárgadas estilhaçadas
só assim são notados
e geralmente correndo atrás
de estrelas cadentes
[repousando exaustos]
no sopé
de singelas
auroras boreais

assim mano Benny
somos na verdade viajantes atemporais
nos iludindo com fantasmagóricos
moinhos de vento
que surgem [aleatórios] por trás de
suntuosos castelos de brisa

Marven Junius Franklin

Poesia de agora: Velhos & Novos – Jaci Rocha

Velhos & Novos

( ” por amor às causas perdidas”)

É demodé escrever à mão
Ouvir uma canção do Ney
Está ultrapassado, e, do outro lado
Ninguém acredita em papai Noel…

Dizem que daqui a 1000 anos
Ninguém saberá dizer ” te amo”
Não haverá camada de ozônio
E seremos alienígenas de nós…

Não existirá papel marché
Coisas que existem apenas para deleite
Como riso, teatro, sorvete
Ou bichos sentimentais,

Bichos como eu e como tu
São coisas esquisitas
Que pedem guarida
À memórias escritas com a tinta da emoção …

E, de antemão
Desistiram de fazer parte
Do dia a dia que arde
No calendário seco
Da modernidade

Perdem tempo – e ganham vida
Com a luz estonteante das estrelas
Brincam de escrever poemas
E escrever na areia
Mensagens de amor…

Jaci Rocha

Poesia de agora: Sobre as bênçãos – Jaci Rocha

Sobre as bênçãos

Eu e Deus

O universo respira em paz,
O vento sopra as novidades
eu, o espaço, os sons do chão e do céu…

Eu e Deus

e o fuxicar das flores,
do jardim ao mundo afora
o farfalhar alegre das árvores
Dizem em alto e bom som

‘ isso vai passar…’

A natureza sabiamente
Não deixou de trabalhar
Para a beleza do todo
E isso é um afago, uma certeza

-e um consolo!-

é também uma grande responsabilidade
enquanto a vida trabalha e faz sua arte
Para o grande milagre
é preciso cooperar…

E isso é forte. É suave e diário
Feito a asa de uma borboleta!
O efeito do ‘eu’ sobre o ‘alheio’
tem a exatidão do nosso – redondo e cíclico- planeta

Eu e Deus
nos entendemos bem!

E ele fala, nas mais belas lições – feito Francisco
E assim, a vida é mais do que um risco:
é um rio, um abraço,
cachoeira de bênção que cai macia, sobre mim….

Jaci Rocha

Poesia de agora: Saudade – Luiz Jorge Ferreira

Saudade

Tu precisas te tratar desta saudade.
Tu precisas deixar de mergulhar os olhos neste monte de lágrimas.
Hoje é Domingo!
Tu precisas deixar de arrumar delicadamente quase todos os dias, a roupa do teu filho que já cresceu.
Tu precisas deixar de recordar beijos e abraços, entremeados de adeus.
Tu precisas olhar a chuva caindo como coisa feita para molhar os jardins, e não barulho, que adormeça a alma.

Hoje é Domingo.

Tu precisas cantar as Canções antigas, sem dançar com o tempo.
O tempo já fez seu caminho, e o que ficou nas fotos, foram sorrisos felizes, e cabelos em desalinho.

Tu precisas ficar de bem, com o hoje.
Tu precisas encontrar contigo, ali , saindo correndo da escola, ou na mesa tosca do bar de sempre, batucando com os dedos um antigo Samba…

Aqui em Outubro, o Domingo se espreguiça…
E boceja.
A vida não esta, corre sem dar tréguas.
Égua, mano, que lindo!
Tu precisas te tratar desta saudade.

Luiz Jorge Ferreira

 

*Do livro “Nunca mais sairei de mim, sem levar as asas”.

Poesia de agora: Depois da Travessia – Fernando Canto

Depois da Travessia

Aqui o estreito:
Como as ruas da tua mãe europeia,
Como o rastro da lendária cobra
A apaziguar-se lentamente
Ao sonho de tuas construções.

Ainda agora velhos aposentos aconchegam
As mãos que brindam

O cálice do vinho/ o púcaro/ a xícara
A chávena de louça, cristais e porcelanas
Tilintantes ao som de um novo tempo

Como a flor do bougainville nos jardins
Brotando sob a lua cheia.

Fernando Canto

Corra riscos e viva! – Crônica de Elton Tavares

Podem até me chamar de tolo, mas corro riscos. A prudência é necessária, mas em algumas situações da vida, se jogar é fundamental. Pior é se arrepender do que não fez, do que não tentou.

Não guarde os sonhos e os desejos na gaveta. Se envolva, encare, caia dentro, se exponha, corra o risco de viver algo intenso. Se fracassar, paciência. Melhor do que viver com medo de tentar ser feliz de verdade.

Sofrimentos, raiva, desilusões, e daí? Correr riscos faz parte da coisa toda chamada vida. O maior perigo é não arriscar nada e viver pela metade.

Tem gente que vive e tem gente que só existe. Quem não corre riscos vive. É melhor que ser um covarde acomodado. Não, verdade, não é nada. Às vezes, demora, mas a gente entende.

Como disse Vinícius de Moraes: “quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu”. Portanto, corra os riscos e viva!

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em 2020. 

Poesia de agora: Cirandeio – Luiz Jorge Ferreira

Cirandeio….

Eu vou apagar a dor que pintei brincando de se esconder em mim.
E vou denuncia-la perfumando-a com a essência das flores de Maio.

Eu não me perdôo.
Eu desenho um fim.
Eu dentro de mim.
Eu fujo.
Eu nego.
Eu rodopio em meu redor…
Como um pássaro cego.
E que depois faço com a dança dos pirilampos namorando a lua.
Que faço com a solidão dos desertos.
Que faço com a sede do mar.
Que faço com o frio do Sol.
Com o anil do arco íris fingindo de ser blue.
Onde escondo o som em meus tímpanos fingindo não ouvir o silêncio.

Que faço com a fé de Deus.
O que faço com os sorrisos, com o balé dos Anjos, com o adeus dos amigos.
Comigo, em mim, até quando?
O que faço?

Eu apanho as sombras
dos lugares onde passei a pé ou no ventre materno.
Apanho as brisas que me assanharam os cabelos.
E liberto os sonhos do peso dos travesseiros.
Circulando em vielas escuras sem Sol, sem Lua.
Subo e desço escadas , carregando eu comigo.

Posso desenhar-me na areia, que um dia a chuva apaga, a terra traga, ou o tempo cicatriza.
Nem minha silhueta tatuada a minha camisa, escapa.

Minh’alma toda peralta , acredita que a mim sobreviverá, se embriaga de amanhãs, e desmaia em Agôsto.
Eu que guardarei para os amanhãs, maçãs para um recomeço?
…Ou hojes.
Secos, e sem sal.

Luiz Jorge Ferreira

*Osasco – São Paulo – Brasil, em 09.10.2020.

Poema de agora: AGOSTOS – Ori Fonseca

Ilustração: óleo sobre tela de Jacob Brostrup

AGOSTOS

Agora é tudo sombra nos meus olhos,
Aquela vida que eu pedi a Deus
Foi-se diluindo pelos anos,
A esperança até que me foi farta,
Mas o destino, negligente,
Deixou-me a ver navios.
Os sonhos que sonhei estão mofados,
A carta de promessas que escrevi
Perdeu as letras.
Encontro meus amigos em poemas velhos;
Minhas amadas, nos obituários;
O ano começou ontem de noite,
Pisquei de sono, e já sou agosto.
Reviro lugares na lembrança turva,
E me vejo verde numa cidade chamada Belém
— Seria esse o nome? —,
Moro em casas sem paredes,
Ando por ruas de água,
Visto roupas de plástico
E sinto o cheiro onipresente de nuvem.
Meus pais são moços envelhecidos,
Eu sou um velho remoçado e estranho,
Mulheres de minha vida
São etéreas e pálidas.
O que aconteceu com o vale do Tapajós?
Que almas flutuam em suas águas?
Que metais pavimentam seu leito?
Quantos amores foram levados pela correnteza?
Quanto de mim se afogou lá?
Agora é tudo sombra nos meus sonhos,
A vida se confunde com delírio,
Eu quero me justificar por o que sonhei.
E minto aos “homens, meus irmãos na Terra”,
Até que o sonho se fantasie de realidade,
E a verdade pareça ilusão.
Enquanto isso, uma existência se passou,
A roupa de plástico deu lugar a um manto sem cheiro,
As mangueiras de uma cidade chamada Belém (?)
Deixa despencar mercúrio no fundo do Tapajós,
Meus amigos começam a ser riscados do retrato,
Minhas amadas são etéreas novamente,
As nuvens têm gosto de sal,
Meus olhos se sustentam na muleta frágil do olfato,
E agosto me bate à porta
Para dizer que setembro não tem todo o tempo do mundo.

Mas eu não quero ouvir!

Ori Fonseca