O DIA DO MEU ANIVERSÁRIO – Continho apocalíptico de Fernando Canto

Continho apocalíptico de Fernando Canto

Quando eu tinha 106 anos, a idade do meu avô morto no sítio dele num incêndio de setembro, eu queria viver um tempo em que no planeta não existissem mais pessoas se matando por deus e por Dinheiro (– Ô utopia velha besta!). Queria viver num tempo em que o carnaval matasse o tempo e abrigasse só alegria. Viver num tempo de expressões puras em que nenhuma fagulha de bomba, uma cinza de lava vulcânica, um novo vírus fugido de laboratório caísse sobre mim. Queria mesmo que uma pequena paina de samaúma flanasse no céu girando como uma borboleta sem rumo e pousasse sobre mim como pousa a luz do sol, assim quando eu ousava abrir minhas janelas, descerrando as grades para enfrentar sem medo os perigos rondantes. E foram tantos os perigos que nem mais os lembro, nem saberia contá-los. Venci a todos.

Carrego em minhas costas uma longa idade, eu sei. Mas ainda ando cheio de esperança e sonhos, apesar da cadeira de rodas. Ardo na expectativa de assistir ao futebol na TV nas tardes de domingo, acompanhado de um gole de aguardente para matar a saudade do meu tempo velho, e acelerá-lo. Hoje minhas memórias pertencem aos outros. Trago em mim apenas minha própria vida, imperturbável até a morte, respaldado que estou por um contrato assinado em cartório.

Lá fora a política e a ganância dos humanos não morreu de dor. Elas não doem para quem vive dela. Doem para os dependentes, para os bajuladores que há séculos rodeiam os poderosos. Doem para os religiosos, que em nome do que acreditam, de tudo fazem, ao contrário do que querem acreditar. Quem dói em mim é a própria dor, quando chega lancinante, emergindo dos ossos e dos tendões. Nem digo das dores do coração, do rim e do fígado transplantados, pois tenho remédios eficazes. Mesmo assim sou otimista e tenho sonhos e esperanças.

Se fui rico como poucos, já não tenho mais amigos, nem parentes nem herdeiros. Se fui detentor de poder político e econômico, a troco do suor dos pobres, agora tenho uma ótima renda que me permite usufruir dos avanços da tecnologia, principalmente das descobertas da química e da medicina deste mundo capitalista, mesmo que na solidão – meu destino de viver uma vida longa vida – fique à mercê das ordens de cuidadores num degredo social necessário – e não voluntário. Num tempo de esperança – e não de espera – da morte.

Hoje alguém me disse que completo 116 anos, que pareço jovem. É que estou sem rugas e com uma grande cabeleira preta, mas não rio mais. Nada em mim é meu, nem a memória nem meus esquecimentos de lampejo, como já disse antes. KKKKK! Nem meus dentes os tenho mais para sorrir. São de titânio. Trago sob a pele – só eu sei – as verdadeiras rugas – ruas da face – que não aparecem no meu rosto verdadeiro. Ninguém me cumprimenta. Não há bolo de chocolate, não cantam parabéns a você nesta data querida. Não existe o primeiro pedaço vai para quem? Talvez porque não haveria lugar para tantas velas e o pulmão não aguentaria soprá-los de uma só vez. Ainda assim persisto no meu otimismo. Lá fora está tudo queimando como no dia em que meu avô morreu.

Acho que este mundo vai mudar devido a tempestade de fogo dos meteoritos insólitos e seus bólidos resplandecentes. Vai mudar, sim, pela ablução ardente dos degenerados, dos sobreviventes. Ora se vai. Já disse a vocês, que me cercam e rasgam minhas vestes, que a dor é a origem da espécie e os humanos chovem antes da morte vaticinada. Ah, eu não paro de sonhar e de ter esperança em ver este mundo destruído.

O FERNANDO DE TODOS NÓS – Crônica Sensacional de Carlos Bezerra (*) sobre Fernando Canto

Fernando Canto, com o título de Cidadão Amapaense – Foto: Sônia Canto

Por Carlos Bezerra (**)

Sou um homem de sorte, para a tristeza dos meus inimigos, que eu os tenho e muitos., pois não aceito compactuar com a lassidão moral que devasto o mundo no geral e o Brasil no particular, recusei-me a morrer há uns anos atrás, de modo que continuo vivo, lépido e lampeiro.

Graças a isso tive o privilégio de participar do lançamento do livro “O Bálsamo e Outros Contos Insanos”, do escritor amapaense (o Pará das nossas origens que me perdoe) Fernando Canto.

Nosso talentoso e querido amigo, Fenando Canto. Um cara PHODA!

Foi uma noite de gala para a nossa incipiente, mas nem por isso, menos viçosa Cultura. Presentes, amigos de todos os naipes. Escritores, compositores, poetas e cantadores, alguns já de renome, outros nem tanto, mas todos, ímpares nos seus campos de atuação. Uma noite de alegria, de confraternização, de fé e de esperança nos destinos da nossa tão maltratada terra. Noite de música. O Grupo Pilão, impecável como sempre, nos remete para a beleza e a angústia das nossas florestas ancestrais. A presença de Manoel Sobral, Zaide, Obdias, Jamil, Luiz Guedes, Hélio Pennafort, Bomfim Salgado, Isnard Lima, Graça Vianna, Manoel Bispo, Vitória, Hernani Guedes, Zé Miguel, entre tantos outros, nos dá ideia dos que compareceram para levar o abraço, o carinho e o incentivo ao nosso escritor do qual o Brasil ainda ouvirá falar. É possível que esteja possuído do puxa-saquismo mais deslavado mas, um dos meus credos é o de que os meus amigos não têm defeitos. Quanto aos inimigos, se não os tiverem, eu arranjo um.

Fernando Canto – Caricatura do artista plástico e ilustrador J. Márcio. Colorida pelo designer Adauto Brito.

Fernando Canto é uma das mais belas páginas do livro extraordinário chamado Amapá. O Amapá das ruas poeirentas, do motor de luz na praça da igreja, do Trapiche Eliezer Levy, da Doca, do Merengue, da Piscina Territorial, da nossa juventude perdida que não voltará jamais, nem ela nem as ruas seguras e casas idem, pela ausência de maldade dos macapaenses de então. Fernando torna mais verdadeira a afirmação do nosso poeta maior, Álvaro da Cunha, quase esquecido mas nem por isso menor: “A lua minguante do Amapá, brilha mais do que a lua cheia de qualquer outro lugar”.

O Brasil e o mundo tiveram muitos Fernando: o Noronha, o Católico, O Lopes, o Dias, o de Magalhães, o de Melo e atualmente o Cardoso. Nós, amapaenses, tivemos mais sorte. O nosso Fernando é Bálsamo, é literalmente Canto.

Jornalista Carlos Bezerra – Foto: Tribuna Amapaense.

(*) Crônica publicada no jornal Diário do Amapá. Macapá, sexta-feira e sábado, 18 e 19 de agosto de 1995.
(**) Jornalista e cronista amapaense, in memoriam.

Poema de agora: O BANHO DE ÁPACAM – do poeta Joãozinho Gomes e fotos de Manoel Raimundo Fonseca

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

O BANHO DE ÁPACAM

Agora Deus ergue
o rio Amazonas
em sua cuia de prata
e derrama-o sobre a cidade.
Cai o rio sobre a cidade
lava a lama urbana,
leva-a à vala a vasa
que a levara um dia,
a leva leviana
que nunca a amara.
Em mim a cidade mora
jamais se mura!
Vejo-a agora à água pura
a se banhar lá fora.

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Lá fora a cidade se dá
à veracidade do seu batismo cristiano,
amo ver a cidade a mover-se
em seu asseio suburbano.

Em seu seio subo
e abano com asas de ébano
de um banal tucano
o que não lava
o caudaloso banho;
– este rio é Deus
em estado líquido
por isto ser deste tamanho!

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Límpida a cidade
está, agora – focos à cidade
para que vejam a sua cor.
Invejará lhe a aurora
ao ver à sua cara
o áurico cosmético que a cora.
Do alto obelisco
onde eu hábil a belisco
e o seu poeta mora,
oro à esta hora à sua
limpeza santa, à
sua fragrância nata
à sua beleza tanta
com essa tez de mata
– esplendorosa infanta
à luz da sua ribalta;
o céu é sua ribalta!

Joãozinho Gomes

*Ápacam : Macapá ao contrário.

Luto é tema de e-book lançado por professora da Unifap

A morte pode ser um tema natural para alguns, mas ainda há àqueles que sentem a questão como desafiadora e se submergem diante da sua consequência, o luto (reação natural ante a perda de um familiar). A psicóloga Ms. Anna Valeska Procópio, docente do curso de medicina da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), recentemente publicou o e-book: “Saber dizer adeus: reflexões sobre a finitude da vida”. A obra surgiu a partir de estudos, em grupos de acolhimento ao luto e suas próprias observações e leituras de mundo sobre o tema.

O livro é dividido em cinco capítulos que abordam as dores do luto, os registros existenciais como marcas das presenças ocultas, a dimensão espiritual na vida e na morte; os caminhos com as saudades dos que já se foram; e o saber dizes adeus. A professora explica que não há repostas prontas e únicas sobre as indagações de vida-morte. “Nós convidamos o leitor a desvelar reflexões possíveis acerca do amor, da morte e dos lutos, sem paradigmas”, explica.

Mesmo sem tratar diretamente sobre o momento atual de pandemia, a experiência a qual todos estamos imersos trouxe alguns trechos mais intensos no livro sobre o medo da morte e as despedidas impossibilitadas que o cenário causa. Segundo a autora, o tempo de pandemia desperta em nós nossas condições finitas, nossas condições de sermos para a morte. E isso nos inquieta, nos sensibiliza por um viés de humanidade.

“A morte sempre existiu. Mas o contexto que atualmente estamos mergulhados é diferente. A pandemia trouxe a explicitação da condição que somos de seres para a morte. Isso nos inquieta, nos amedronta. Isso requer muita amorosidade, muita disponibilidade dos demais no conforto dessas dores”, pondera.

Live

Na próxima sexta-feira, 28, às 9h, a autora participa de uma live sobre o tema no canal oficial da UNIFAP no Youtube.

Serviço:

O e-book “Saber dizer adeus: reflexões sobre a finitude da vida” pode ser adquirido no site amazon.com.br.

Ascom Unifap

Liberdade para Anne Frank – Crônica muito porreta de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Sempre que vejo alguma manifestação reivindicando alguma coisa, ou muitas coisas, penso em Anne Frank. Penso em alguém segurando um cartaz que bem poderia ser ultrapassado, mas não é. Um cartaz que diz: “ LIBERDADE PARA ANNE FRANK”.

“Anne Frank! Como assim?”, pergunta meu interlocutor invisível, aquele a quem sempre recorro quando tenho uma ideia meio fora de alguma lógica, se é que existe alguma lógica em alguma coisa. Pois a história de Anne Frank fugiu à lógica. Quem dera fosse apenas um filme, em que termina a ação, desligam-se as câmeras, desfaz-se o cenário e todos voltam para casa.

Penso em Anne Frank enclausurada por cerca de dois anos num esconderijo mínimo, um sótão, com sua família e outras pessoas, tentando escapar à perseguição nazista. Penso em Anne Frank e me pergunto quem vai devolver a ela o que foi tomado. Os sonhos de se tornar escritora ou atriz. As condições para que ela exerça com plenitude o alvorecer de sua sexualidade.

Um cartaz no meio de uma manifestação do nosso tempo pedindo liberdade para Anne Frank não estaria fora de propósito, nem soaria anacrônico, por que a perseguição a Anne Frank continua. Na guerra da Síria, por exemplo, que dura mais de sete anos e que não dá chance para que as crianças sejam somente o que deveriam ser: crianças, e não adultos menores dormindo e acordando em meio a sobressaltos. Há milhares de Anne Frank no caminhar desesperado dos refugiados, saindo de um lugar onde só há incerteza e indo para um lugar em que não há certeza alguma. Quantas Anne Frank estarão agora nas favelas, no meio do fogo cruzado de nossa guerra não declarada oficialmente, que faz suas vítimas diariamente? E quantas delas estarão aprisionadas em casa, cercadas de conforto e de solidão?

Quem vai pedir desculpas em nome da humanidade e de que forma isso pode acontecer? Como chegar e dizer assim: “Foi mal aí, Anne. Saia desse esconderijo, venha sentir o vento fresco no frescor do seu rosto de menina de 14 anos. Venha viver a sua vida, venha fazer tudo aquilo que a sua personalidade apontava em sua narrativa e digressões sobre a vida, o mundo, as pessoas. Venha passear livremente, paquerar, se quiser. Venha ser menina, ser moça, ser mulher. Venha ser famosa de outra forma, por outros escritos, além do seu diário. Ou não: seja somente alguém anônimo que acorda todas as manhãs e parte em busca da sobrevivência, que nunca é fácil, mesmo em tempos de paz. Ia escrever “mesmo em tempos de paz, como o nosso”, mas não achei que estava correto falar assim, apesar da vontade de que assim seja.

Não quero ficar triste. Anne Frank não era triste, embora sua vida de adolescente também comportasse momentos de tristeza, angústia, revolta e até umas fofoquinhas aqui e ali. Muito parecida com a maioria dos adolescentes. E como muitos adolescentes, Anne Frank era também vivaz, alegre, “pra cima”, como se diz hoje. É com essa imagem que termino esta crônica, não sem antes fazer um convite a mim mesmo, ao meu interlocutor invisível e a quem possa passar adiante esta mensagem sempre atual: “Vamos libertar Anne Frank!”.

Poema de agora: O Senhor do Tempo – Patrícia Andrade

O SENHOR DO TEMPO

por força do acaso
a vida segue
um curso inusitado
o senhor do tempo
é dominado pelo sono

perseguido por pesadelos
recorda o mundo de dor
que orbita ao seu redor

o passado se precipita
sobre o homem
resistir é inútil
a razão dá espaço
à fúria animal

o presente
é um furacão que se agita
nem sempre consegue
usar as armas que tem
a luta é desigual

o futuro
pode ser que não exista
mas aceita os riscos
e segue a pista
nada é normal

este homem ao acordar
se obriga a improvisar
pra viver a vida real

Patrícia Andrade

Poema de agora: O AMOR SENDO UM LABIRINTO – Marven Junius Franklin

O AMOR SENDO UM LABIRINTO

O que dizia François Truffaut sobre o amor?
O que falar do amor de Rapunzel:acorrentado na mais alta torre do fim do mundo [esperando o hipotético]
O amor sendo labirinto de espelhos , onde dorme?
Onde jaz quando deixa de pulsar no peito débil de uma mulher repudiada?
Para onde vagam as almas desprezadas quando se diluem em dor?
Neruda amou o impossível
[falou de rosas em vez de pedra]
e dizia que dois amantes bem-aventurados não têm fim nem extenuação
Sim, o amor é diferente de solidão
[e por isso deveria apenas arquejar sereno a dormir caudaloso
no peito dos amantes]
Oh Natália! Onde achas que meu coração zanza a não ser ao teu redor?
[feito planeta em trajetória pelo seu mundo]

Marven Junius Franklin

Poesia de agora: Crono – Maria Ester

Crono

Nasci na década de 70
Deram-me um nome Maria
Não fui batizada.

Maria passa pra casa
Maria vai para escola
Maria arruma tuas tranças…

Com o tempo me deram números
Identidade, CPF, emprego aos 14
e daí senhas e mais senhas…

Gostava de Sinatra, Bob Dylan e
Lou Rawls a vizinha achava estranho, dizia:
“leva pra benzer que passa…”
Não passou.

Na década de 80 ostentação era livros
Julio Verne, Ziraldo,
Gaardeer e adorava Marx
nas viagens viram amuletos da sorte
Em 2000 tive medo do bug do milênio.

Daí pra cá tenho medo de tudo…

Ah! menos do teu amor.

Maria Ester

Poema de agora: Rosas – Arilson Souza

Rosas

Oh, rosa encantada,
de perfume ímpar
e beleza exaltada!

Oh, rosa do vento,
que demarca pontos
no linear do tempo!

Oh, rosa menina,
que desperta paixões
com sua beleza divina!

Oh, rosa de Hiroshima,
cria da ignorância.
A rosa assassina!

Rosa da vida!
Rosa da sorte!
Rosa do amor!
Rosa da morte!

Arilson Souza

Poema de agora: Remendando palavras – Luiz Jorge Ferreira

Remendando palavras

Filho não se prometa limpar as coisas que espalhei pela casa
Nem amarre as noites lá fora… para que percam a hora de lustrar as estrelas que enferrujam sobre as gaiolas
Não derrube as gavetas no chão, pode misturar as palavras, e palavras misturadas não soam bem.


Há de se atentar com a cicatriz de passos quando correr a vassoura sobre o chão
Deixei muitas caminhadas desenhadas rumo ao horizonte e nunca fui…
São gestos inúteis desenhados sobre as costas do gato de pelúcia
São apostas de um jogo de astucia com o olhar penetrante dos cães.

Filho respeite os vasos, as flores e as folhas secas, essas são as que mais representam a efusão da vida e se abrigam da vida na morte.

Leia os cadernos, sim os cadernos de folhas soltas partidas, de reconstrução de proparoxítonas, da inclusão suave do til, do desespero do não, e da perplexidade do sim.
Quando for rasgá-lo se for canhoto, troque de mão, as letras choram sob uma pressão muito forte, as suavidades são muito desejadas por elas.

E essa velha casa, a respeite sob suas pisadas… há de lembrar…
Que ela me acolheu com um ventre, que um dia acolherá você.
Escancare as janelas, acenda todas as lâmpadas, molhe todas as plantas, ponha minha fotografia a porta da rua, e espalhe boas novas mesmo que a solidão seja a única expectadora…
Pode ser que a saudade apareça vestida como uma colegial…
Pode ser… pode não ser…
De fato os dias estranhos estão ficando banais.

Luiz Jorge Ferreira

*Do livro “Nunca mais vou sair de mim, sem levar as asas”.

Lei Aldir Blanc: Secult premia mestres da cultura popular e tradicionais do Amapá

A Secretaria de Estado da Cultura do Amapá (Secult/AP) , por meio de edital da Lei Aldir Blanc, reconheceu diversos mestres das culturas populares do estado, com o prêmio Maestro Siney Saboia. São 298 artistas que configuram neste hall que deve ser eternizado no Amapá, pela secretaria.

A premiação, que aconteceu no dia 20 de dezembro de 2020, é um reconhecimento devido à atuação de personalidades como Tia Biló, Nonato Leal e Munjoca, que tanto ajudaram a construir o alicerce artístico do estado, que hoje segue preservado e continua sendo difundido, em forma de memória histórica para as demais gerações de amapaenses.

Tomamos todos os cuidados para que o recurso da Lei Aldir Blanc chegue à cadeia produtiva cultural conforme os critérios exigidos. O Amapá precisa preservar, reconhecer e premiar seus grandes nomes em todas as áreas de atuação. Temos trabalhando neste fortalecimento cultural e é uma satisfação homenagear essas 298 personalidades da nossa cultura, tradição e história“, pontuou o titular da Secult, Evandro Milhomen.

Esses artistas contemplados ajudam e ajudaram na promoção da diversidade cultural do Amapá. É destinado a homens ou mulheres que possuem grande experiência e conhecimento dos saberes e fazeres tradicionais, com vida e obras voltadas para expressões culturais amapaenses, e ações reconhecidas nos locais onde vivem e atuam.

A Secult disponibilizará uma galeria, no site do órgão, com banners de todos os artistas contemplados com a premiação, para eternizar os homenageados dentro da plataforma digital.

Algumas das personalidades premiadas:

Tia Biló – 96 anos exalando Marabaixo

Benedita Guilerma Ramos, a “Tia Biló” é uma das contempladas pela A Secult/AP, com prêmio “Maestro Siney Saboia”.

“Tia Biló” nasceu em Macapá, em 10 de fevereiro de 1925, é filha do Mestre Julião Ramos, um dos grandes precursores do Marabaixo no Amapá, e de Januária Ramos, e trouxe no DNA a paixão pelo Marabaixo herdada do pai. É precursora do primeiro grupo desse ritmo afro, a Associação Folclórica Raimundo Ladislau (fundada em 1988) e que segue encantando várias gerações de amapaenses com seu canto forte e sua batida contagiante.

Tia Biló é grande entusiasta e divulgadora da cultura afrodescendente, cantando e repassando toda tradição e todo o legado deixado por seu pai ao povo amapaense.

Nonato Leal

Outro premiado foi o intérprete e compositor de música popular e erudita Nonato Leal. Nascido no dia 23 de junho de 1927, em Vigia, no Pará. O artista teve um papel fundamental na formação do violão no Amapá. Nonato, foi o primeiro professor de violão no Centro Profissional de Música Walkiria Lima, onde formou uma geração de virtuosos violonistas.

Hoje, aos 94 anos, Nonato Leal é sem dúvida uma importante personalidade e continua dando uma contribuição imensurável à arte. Autor de 22 obras para violão solo, cujo as peças estão ambientadas entre o choro, valsa, MPB, flamenco e seresta. Suas produções foram essenciais na disseminação da sonoridade instrumental e também na formação de uma identidade própria na cultura musical amapaense.

Munjoca

A Secult concedeu o prêmio “Maestro Siney Saboia” também a Joaquim Ramos da Silva, o Mestre Munjoca, como é conhecido. Exímio tocador de Marabaixo, também canta e dança com orgulho, preservando o legado deixado por seu avô Mestre Julião Ramos, de quem herdou a coragem e a bravura para defender e exaltar a bandeira do Marabaixo no estado do Amapá. Presidente da Associação Folclórica Raimundo Ladislau, a primeira entidade marabaixeira fundada no nosso estado, em 1988.

Munjoca desde adolescente dá seu sangue e suor pela preservação e manutenção da cultura negra amapaense, já foi “festeiro” por várias temporadas e coordenador geral do Ciclo do Marabaixo.

No Samba também fez história, na década de 80 foi intérprete da escola de samba Boêmios do Laguinho (sua grande e eterna paixão) e também da Maracatu da Favela. Em 2020, voltou a fazer parte da ala de intérpretes da agremiação laguinhense.

Para conferir a lista com todos os premiados, na íntegra, basta acessar o link: https://cutt.ly/Sb4yjua

Poesia de agora: Confissão – Patrícia Andrade

CONFISSÃO

preciso confessar
meus pecados todinhos:
às vezes, como demais
guardo sempre uns centavos
cobiço o gato do vizinho
detesto gente falsa
quero ficar mais bonita
tenho tesão de manhã cedo
quero dormir mais um pouquinho
me condene, se for capaz
de não pecar nem um tiquinho

Patrícia Andrade

Poema de agora: Zonzo – Luiz Jorge Ferreira

Zonzo

Hoje meu coração despertou a galope.
Quase derrubou-me no sofá com a outra metade dos dentes.
Assustou o gato de porcelana e suas dezesseis aranhas entre suas teias, embaraçou minhas hemácias dentro das veias, se espalhou pelo Wi-Fi rumo a Disneylândia.

Hoje a água dentro da torneira do jardim…
Desnecessariamente zombou de mim…
E se transformou em lagrimas…
Os Zangões em seus ternos de Gabardine escuro.
Abrigaram-se nas fissuras do muro achando que era festa da Independência.

Desci os degraus de pares a ímpares, com a pressa dos Reis Magos para ver Cristo…
até parar na encruzilhada entre a sala e o corredor que sai na cozinha.

Meu coração então resolveu pular um Frevo.
Destes Frevos do Moraes Moreira …
Destes que se inicia a pular em um ano, junto com as Fadas do Dente.
E se termina de repente…
Quando a realidade, nos abraça.

Luiz Jorge Ferreira

 

*Do livro “Defronte a boca da noite ficam os dias de Ontem”.

Poema de agora: ESPANTO INICIAL – Marven Junius Franklin

Imagem da genial fotógrafa oiapoquense Iara Dit Clauzel.

ESPANTO INICIAL

quando cheguei em Oiapoque
pensei que a mata era o céu
& as ruas eram nuvens em silêncio
– depois veio o espanto:
(o cais se confundia
com a antemanhã
& o rio era uma aurora boreal
que pulsava defronte)
logo o pôr do sol
se apresentou
& confesso:
— senti um temor abissal
aí, quando amanheceu
observei que o rio era blue!

Marven Junius Franklin