Percepção e a falta dela


“Tem coisas bobas na internet que são tão importantes porque nos fazem ver o que está na cara e não conseguimos enxergar. Tem gente que passa todos os dias em frente ao Rio Amazonas, aqui em Macapá (Ap) e não consegue ver. Não conseguir ver o maior Rio do mundo? Se não consegue ver este Rio não enxerga nem a ponta do nariz.”

Édi Prado – Jornalista (de quem gosto muito). 

Desabafo da Mariléia Maciel

CAROS AMIGOS,

Nos últimos dias fui notícia na rede social twitter porque não foi conferida a fonte da informação por quem me atacou, e a veracidade da mesma por quem twittou. É do conhecimento de todos que mantenho relação de respeito com os profissionais da imprensa e de compromisso com meus assessorados. Ao longo dos anos tive a oportunidade de assessorar diversos políticos, entidades e eventos, sempre sendo leal e divulgando da melhor maneira as ideias e objetivos de meus contratantes.
Nunca passei por situações como ter que responder na justiça por qualquer texto por mim escrito, até porque enquanto não tenho a total confiança de quem me contrata, não ouso enviar informações sem autorização. Também até agora não aconteceu de ter que deixar um serviço porque faltou confiança da parte de meus assessorados ou por irresponsabilidade, com meus chefes anteriores tenho até hoje relação de amizade.
Atualmente assessoro o Governo do Estado, a Liga das Escolas de Samba do Amapá, sou diretora de comunicação da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho e sempre que tenho tempo aceito convites de assessorar outros eventos culturais. A todos dedico o mesmo empenho, caso contrário prefiro não aceitar a proposta. Baseada nestas informações que repasso e asseguro, tenho a dizer o seguinte:
– Na Liesa sou subordinada a um conselho e à diretoria. Neste carnaval coube a mim a responsabilidade de repassar informações para a imprensa através de e-mail, telefone ou pessoalmente, agendar entrevistas e receber jornalistas.
– Estava ainda sob minha responsabilidade a presença da imprensa no Sambódromo, em especial na pista, que por determinação superior, no momento do desfile pertence às escolas de samba. Logo, se alguma agremiação sentisse que sua evolução foi prejudicada por alguém da imprensa, a responsabilidade seria totalmente minha.
– Tive que resolver problemas como a presença de pessoas que não trabalham em nenhum veículo de comunicação no Corredor da Imprensa. Me preocupei com o tratamento que seria dispensado e consegui, com apoio do GEA e da Liesa, dar uma sala e tratamento melhor que em anos anteriores.
– É de conhecimento de todos que não costumo me comunicar através de twiter, tenho um que consegui esquecer a senha. Minha comunicação dá-se de outras formas. Portanto a informação repassada pelo twitter da Liesa não partiu de mim e nem fui consultada se ela deveria sair. Como disse, sou uma simples assessora de comunicação.
– Assim que tomei conhecimento do que estava na rede social, procurei tomar as providências por conta própria e, logo depois, por determinação do presidente Orles Braga. Isso foi presenciado por diversos colegas de imprensa que estavam no Sambódromo.
– Entendo a paixão de colegas por ideologias, partidos, escolas de samba e futebol, mas não me conformo com o ataque injusto e imaturo de um colega brincante que me acusou de ser responsável pela informação do twitter e fui chamada de incompetente e outros adjetivos de baixo calão.
– Todas as informações saídas através de meu e-mail ou por telefone foram autorizadas pela direção da Liesa, assessoria jurídica e diretoria. Apenas um texto foi publicado de maneira incorreta, mas a informação repassada foi aquela. Assim que tomei conhecimento da falha, fiz a correção e pedi desculpas a algumas pessoas da agremiação que foi injustiçada.
– Recebi telefonemas de pessoas prestando solidariedade e mim, outros me incentivando a entrar na Justiça, inclusive de brincantes de Piratas da Batucada. Preferi me defender e esclarecer aqui o ocorrido.
Espero contar com a compreensão de todos, lamento o que foi falado a meu respeito. Amo o carnaval, desfilo e vejo o espetáculo desde meus dez anos e desde 1996 cubro a festa. Minha escola raiz é Piratas Estilizados, cumpro minha missão com paixão em Boêmios, sempre gostei de ver o Piratão desfilar pela garra e beleza, e sofro quando vejo meus filhos chorando pela escola de coração deles. Sei quando há falhas da agremiação e reconheço quando outras escolas são melhores que a minha preferida. Isso é amar o carnaval,a profissão e respeitar o próximo.
Mariléia Maciel 

Eu… eu sou caboca porque Deus me fez assim….


Aqui por Manaus, nos chamamos de caboclos, essa mistura louca que tem mais sangue índio do que dos outros. O termo caboclo – assim mesmo, escrito com ‘L’ – é o mais antigo na língua portuguesa, mas como somos brasileiros acima de tudo, demos um jeitinho de colocar na gramática o caboco. 

E o que isso quer dizer? Bom, que somos um tanto preguiçosos, um tanto teimosos, um tanto do nosso jeito e um tantinho mais de qualquer coisa regional. É do caboco dormir em rede, comer pão com tucumã e queijo coalho, beber suco de cupuaçu no café da manhã, ou um café preto bem forte, porque caboco que é caboco é macho pra caramba!

É do caboco andar muito pra chegar bem aliiiiii! É nosso o jeito de comer peixe com farinha do uarini usando a mão, porque a colher num serve muito nessas horas. Catamos as espinhas pros mais novos, já que elas são tão ‘gitinhas’ que a meninada pode se engasgar.

Somos nós, cabocos, que sempre damos um jeitinho quando as coisas vão mal. Que amamos uma cadeira de balanço. Que reclamamos do muito calor ou do monte de chuva, mas nunca pensa em se mudar.

É tão nosso tanta coisa, que até criamos um novo ‘dialeto’, o ‘amazonês’. Aliás, tem um livro com este nome, de Sérgio Freire, que está na livraria só esperando por mim.

Vou terminar falando mais ainda da comida, porque cada Estado e região do Brasil são diferenciados por ela e por seu modo de falar. O Sudeste descobriu a pouco o nosso açaí, que significa Juçara, tá pra ti? E o seu Guaraná daquela marca famosa é todo produzido pelos cabocos e filhos de índios de Maués, principalmente. Neste fim de semana, provei o tal guaraná com açaí. Gosto diferente, mas ainda com sabor da gente, e a combinação deu certo. Porque caboco, meu amigo, gosta mesmo é de misturar!

Tenho orgulho de minha metade índia-caboca porque sim, afinal, caboco num dá muito explicação, meu velho, pois já sabe que tá certo!

Caboquês puro!

Darth J. Vader

Artigo de Luís Fernando Veríssimo sobre o BBB*


Que me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil (BBB), produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas conseguimos chegar ao fundo do poço. […] Chega a ser difícil encontrar as palavras adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência.

[…] Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível. Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo. Eu gostaria de perguntar se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade.

Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis? São esses nossos exemplos de heróis?

Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros, profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os professores) , carteiros, lixeiros e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor e quase sempre são mal remunerados.

Heróis são milhares de brasileiros que sequer tem um prato de comida por dia e um colchão decente para dormir, e conseguem sobreviver a isso todo santo dia.

Heróis são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna.

Heróis são inúmeras pessoas, entidades sociais e beneficentes, ONGs, voluntários, igrejas e hospitais que se dedicam ao cuidado de carentes, doentes e necessitados (vamos lembrar de nossa eterna heroína Zilda Arns).

Heróis são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como mostrado em outra reportagem apresentada meses atrás pela própria Rede Globo.


O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e moral. São apenas pessoas que se prestam a comer, beber, tomar sol, fofocar, dormir e agir estupidamente para que, ao final do programa, o “escolhido” receba um milhão e meio de reais. E ai vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a “entender o comportamento humano”. Ah, tenha dó!!!

Veja o que está por de tra$$$ do BBB: José Neumani da Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil reais a cada paredão.

Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social, moradia, alimentação, ensino e saúde de muitos brasileiros? (Poderia ser feito mais de 520 casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores). Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores.

Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa…, ir ao cinema…, estudar… , ouvir boa música…, cuidar das flores e jardins… , telefonar para um amigo… , visitar os avós… , pescar…, brincar com as crianças… , namorar… ou simplesmente dormir. Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construída nossa sociedade.

 Luís Fernando Veríssimo 

Papo de rocha do velho Marley

“Eu amo de verdade aqueles pra quem eu digo isso e me irrito de forma inexplicável quando não botam fé nas minhas palavras. Nem sempre coloco em prática aquilo que eu julgo certo. São poucas as pessoas pra quem eu me explico…” – Bob Marley. Boto fé, penso da mesma forma.

Silêncio precioso

Era julho de 2001, estávamos bebendo na pista de skate em frente ao Banco do Brasil.
Conversávamos sobre futebol, meninas, rock, loucuras, o sol, a lua e as estrelas. Alguém, que não me recordo agora, falou para o calado Ângelo Tadeu (que passou aquela noite toda em silêncio, somente bebendo e escutando):
Pô cara, fala alguma coisa…”
Ângelo, com toda a calma que lhe é peculiar, respondeu: “É no silêncio cuidadoso que a prudência se abriga”.
Achei do cacete a resposta do cara. Um dia aprenderei essa lição.
Elton Tavares 

Renegue-se a rebelião dos intocáveis

Por Agassiz Almeida

Ao assistirmos incrédulos e ao mesmo tempo indignados, aos acontecimentos que irromperam nas altas esferas do Poder Judiciário, fatos me chegam à mente e despertam para a  elaboração desta mensagem dirigida a Vossa Excelência. Remonto aos trabalhos na Assembléia Nacional Constituinte (1986- 1988), dos quais participei na condição de membro da Comissão de Organização dos Poderes, através da qual pude alcançar o acendrado corporativismo das instituições judiciárias do país.

Àquela época, a proposta da criação de um conselho de justiça foi derrotada. Décadas se passaram; e hoje, no descortinar de 2012 não podemos compreender as reações desenfreadas de um grupo de associações judicantes em contestar o trabalho, altamente dignificante, da corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon.

A este respeito, salta à minha memória o livro “A rebelião das elites”, de Christopher Lasch, no qual o autor analisa como certas elites corporativistas  reagem  quando ameaçadas nos seus privilégios.

Até poucos anos passados, mergulhadas numa redoma sob couraça de barreiras intransponíveis, as instituições judiciárias inadmitiam qualquer controle externo, atualmente em face do processo de democratização e fiscalização de suas ações, através dos seus dirigentes  classistas,    rebelam-se quando alguns dos seus integrantes são chamados à responsabilidade funcional, como agentes  do Estado.

Sob uma visão histórica da nossa formação, desde o império, fomos encontrar as raízes desta desencontrada rebelião das associações judicantes.

O que testemunhamos? Poucos anos atrás, uma cortina ameaçadora e silenciosa, encobria qualquer procedimento investigatório acerca dos agentes judicantes. Hoje, dirigentes de associações classistas procuram inverter o pólo das acusações apontando a ministra corregedora como passível de ação administrativa e até penal.

Desloca-se o foco acusatório. Neste cenário, os indigitados poderão receber o passaporte da impunidade.

Neste momento, a consciência da nação procura encontrar a razão pela qual as entidades associativas do judiciário tentam revestir certos agentes indigitados na prática de ilícitos  sob a aura da intocabilidade, vedando uma análise investigativa.

Tudo parece imergir para decisões comprometedoras. Pressente-se algo incompatível com as aspirações do país. Forças encasteladas nos altos poderes ameaçam enfraquecer as funções do Conselho Nacional de Justiça.

O corporativismo no Brasil sempre se colocou bem diante das mais diversas conjunturas, e delas soube extrair imediatas vantagens.

Por lei, todo agente do Estado, como parlamentar, magistrado, promotor de justiça etc, deve entregar cópia  da sua declaração de imposto de renda aos órgãos onde exercem as suas funções.

Há algo maior por trás deste joguetear. Qual o escopo principal de tudo isto? Golpear os poderes do Conselho Nacional de Justiça,  já tão limitados.

Cria-se o clima do sobressalto. Bradam: “Quebraram sigilos fiscais e bancários.” Mera encenação.  E quem violentou os princípios da moralidade e se apropriou dos recursos públicos, o que deve responder?

Sr. ministro, a nação assiste impactada a rebelião dos intocáveis. Reduzir o Conselho Nacional de Justiça a um mero órgão recursal  é fazê-lo caricato.

Agassiz Almeida, escritor, Promotor de Justiça aposentado, ex deputado constituinte de 1988. Membro da Comissão da Organização dos Poderes na Assembléia Nacional Constituinte. Autor dos livros, “A República das elites” e “A Ditadura  dos generais”. Participou de congressos mundiais em defesa dos direitos humanos.

Em apoio à ministra Eliana Calmon, desembargadores e juízes do Rio abrem seu sigilo para o CNJ

Cinco magistrados — três juízes e dois desembargadores — do Tribunal de Justiça do Rio decidiram abrir mão do sigilo bancário, telefônico e fiscal para a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon. O grupo autorizou ainda que seus parentes também tenham suas contas vasculhadas. A decisão é uma demonstração de apoio às investigações do órgão, epicentro da maior crise do Judiciário. Os ofícios à ministra foram enviados pelos juízes Marcos Peixoto, Alcides da Fonseca e João Batista Damasceno e pelos desembargadores Siro Darlan e Rogério Oliveira. No Rio, há 900 juízes e 180 desembargadores.
Contas Abertas 2
A decisão dos magistrados ganhou adesão ontem. Quem entrou no ‘bloco de solidariedade’ foi a desembargadora Márcia Perrini, que, como os outros, colocou o seu patrimônio e o da família à disposição de qualquer avaliação da ministra. ‘Temos obrigação de prestar contas. O trabalho da ministra é dar transparência ao Judiciário’, defende Siro Darlan.
Contas Abertas 3
O apoio de juízes e desembargadores do Rio à Corregedoria do CNJ ganhou debate acalorado em página no site de relacionamento Facebook. No grupo, há 144 magistrados cadastrados. Muitos criticam a ação de Eliana Calmon e tratam com desprezo a decisão dos magistrados de abrirem suas contas. Outros apoiam. Ponto para a democracia.
Contas Abertas 4
A caça aos chamados ‘bandidos de toga’, como a ministra Eliana Calmon batizou, também ganhou o apoio da população. Pelo menos é o que indica o balanço parcial da Ouvidoria do CNJ. De outubro a 18 de dezembro, o canal, uma linha direta com o cidadão, registrou 190 manifestações sobre o tema: 180 delas eram de elogios à ação do órgão.
Meu comentário: O Brasil torce pela ministra Eliana Calmon, sei que é difícil, mas tomara que ela vença essa parada.

Sobre um amigo que foi embora

A gente nunca sabe lidar com a perda das pessoas de quem a gente gosta. Sejam familiares, sejam amigos, sejam colegas, a gente apenas não tem os mecanismos, emocionais ou sociais, pra lidar com a idéia de que uma pessoa que é importante pra nós, de cuja presença nós gostamos e precisamos, apenas foi tirada do nosso convívio e não existe a chance de que ela volte. Soa errado, soa arbitrário, soa cruel. É o tipo de coisa que, por mais que aconteça, por mais que a gente tente entender, por mais que seja parte do processo e da dinâmica da vida em si, nunca fica mais fácil, nunca faz mais sentido. Por mais que a gente viva, por mais que aconteça, a gente nunca vai ficar mais experiente nisso, aprender a lidar melhor, estar realmente preparado pra perder alguém.
 
Por isso cada um acaba desenvolvendo sua forma de lidar com isso. Sejam métodos pessoais, sejam doutrinas religiosas, nós buscamos formas de encontrar conforto e possivelmente alguma lógica na perda. Pensamos que as pessoas de quem nós gostamos foram pra um lugar melhor, consideramos que tudo que acontece, de bom e de ruim, é parte de um grande plano, imaginamos que existe uma lógica positiva por trás dos eventos negativos e esperamos algum dia compreender isso, não apenas pela garantia da felicidade das pessoas de quem sentimos falta mas também para permitir que a gente veja o mundo como um lugar bom e justo.
 
E bem, como já mencionei antes, eu não sou uma pessoa muito religiosa. Eu não consigo acreditar nos grandes planos, eu não consigo confiar nas grandes maquinações, eu tenho dificuldades de entender que existe algum critério, por mais insondável que seja, que defina quem fica e quem parte, quem merece e quem não merece. Claro, eu gosto de pensar que existe algo como um céu, que existem recompensas pelas coisas boas e para as pessoas boas, que todo mundo que a gente perde está num lugar melhor, recebendo o que mereceram por serem as pessoas espetaculares que foram, não apenas por eles, mas também porque isso permite ver um pouco de lógica no mundo e não achar que tudo não passa de acaso, sorte, azar e coincidências. Não é algo que eu acredite, não é algo que eu sinta que é verdade, mas com toda certeza é um desses assuntos nos quais eu torço pra estar errado.

Então a minha visão sempre foi a de que, como eu não sei se existe realmente algo depois, se existe mesmo um “lá”, tudo que eu posso fazer é manter as pessoas de quem eu gosto, mesmo que elas tenham partido, o mais próximo possível de mim enquanto ainda estou aqui. E eu tento fazer isso lembrando delas, do que elas foram, do que elas me deixaram e do que elas me ensinaram. Um pouco porque elas são parte de mim, um pouco pela saudade que elas deixam e um pouco pela minha idéia de que, ainda que pessoas possam partir, as histórias sempre ficam, e contando essas histórias nós damos um jeito de manter essas pessoas mais perto.
 
E ontem eu perdi um grande amigo, um daqueles caras que eu tranquilamente considerava meu irmão, o Ronaldo Campbell, que não apenas estudou comigo na faculdade como também dividiu a mesma casa nos tempos de república. E junto com a incredulidade de ver partir um cara mais novo que eu, possivelmente uma das pessoas mais animadas que eu já conheci e da tristeza de saber que nunca mais eu vou poder conversar, beber ou apenas jogar videogame com ele e reclamar que ele usa macetes, me vieram a mente todas as histórias que eu, ele, e tantos outros amigos, temos juntos.
 
Porque o Ronaldo é parte de muitas histórias. Ele era do meu grupo quando apresentamos aquele trabalho de filosofia bêbados e criamos o “paradigma do gato-tijolo de kant”, ele estava na minha classe quando fizemos aquela apresentação e perdemos pontos por usar fogos de artifício dentro de um prédio, ele estava no meu time de futsal quando eu fiz um gol tomando uma bolada na costas dada pelo goleiro adversário. Na verdade ele foi a primeira pessoa a vir comemorar comigo e disse que finalmente eu tava botando em prática o que fazia nos treinos.
 
Ele disputava rodas de bisca na república valendo garrafas de bacardi, ele foi meu cúmplice naquele noite em que começamos a roubar pequenas coisas numa loja de conveniência, deixamos a idéia fugir ao controle e quase fomos pegos tentando sair com um saco de 50 kg de ração sendo que nem tínhamos cachorro, o que nos fez entender que o crime não apenas não compensa como não faz sentido nenhum de vez em quando. Ele fez aulas de boxe tailandês junto comigo, ele foi meu co-diretor nos dois curta-metragens que eu fiz na faculdade, ele estava do meu lado quando eu quase briguei com um anão num show sertanejo por conta de um mal-entendido. Ele foi um grande amigo, ele foi um grande parceiro, ele foi um cara, sob qualquer método de julgamento que eu consiga imaginar, definitivamente acima da média.
 
E acho que a melhor forma de honrar o que esse amigo foi pra mim é, mais do que mostrar o quanto eu estou triste pela perda, lembrar o quanto foi divertido e o quanto eu tive sorte de poder conviver com ele pelo tempo que eu convivi. Seja conversando com os amigos em comum, seja falando dele pra outras pessoas, seja contando essas mesmas histórias pros meus filhos daqui a 10 anos ou pros meus netos daqui a 50, eu acredito que essa é a forma que eu tenho pra, se não processar essa perda, pelo menos tornar ela um pouco menor e saber que alguma coisa desse cara tão sensacional ainda vai ficar com todos que gostavam dele. E bem, é isso. Espero que você esteja num lugar melhor, cara, sempre vamos sentir saudade. E nunca vamos deixar de contar histórias sobre você.