Lançamento do Livro Digital “Rock História The Silver Boys”

Por Jean Kelson Costa do Carmo

Rock História The Silver Boys – 1992 a 2018 de Jean Kelson Costa do Carmo (Jean Carmo) é um livro escrito no gênero textual relatório onde apresenta o registro da carreira musical de uma das bandas de Rock de Macapá/AP mais longevas.

Neste livro registro o leitor poderá encontrar as informações registradas em arquivos pessoais e publicações em vários meios de comunicação sobre as datas de shows, locais e seus produtores, entrevistas e apresentadores, bem como outros artistas que fizeram parte desta estrada ao longo de 26 anos na história do Rock Amapaense.

Sobre Jean do Carmo

Além de escritor, Jean Carmo é cantor, instrumentista e compositor amapaense. Começou seu trabalho musical aos 13 anos de idade, tocando em igrejas. Depois integrou a banda Silver boys. Após um longo período tocando covers de bandas como The Beatles, Nirvana, Ramones, Pink Floyd entre outras.

Iniciou sua carreira autoral em 2012, com canções direcionadas para temática regional como valorização cultural e histórica do povo amapaense, mitologia amazônica e a preservação ambiental. Jean tem estilo próprio, combinando o blues, o rock e o funk dos anos 60 e 70, com ritmos regionais como o Marabaixo. Suas canções tratam de temas conhecidos na cultura e região amazônica

Em 2016 o artista lançou seu primeiro disco, denominado “Amazônidas” e em novembro de 2018, gravou o EP intitulado Outras Canções.

Apesar do viés autoral, Jean nunca parou de tocar e cantar o bom e velho Rock and Roll e é a soma de sua longa experiência musical que ele apresenta no show de hoje.

Para adquirir a obra, acesse os sites:

https://baiuca.chicoterra.com/produto/rock-historia-the-silver-boys/?fbclid=IwAR3doUCKMWmZf0wgaeAuLTEi2RoJbJpliFmKGf3f_Arq_Xirh38NtrCFgMU

Banca Rio’s Beer funciona a todo vapor com atendimento delivery, retirada e com kit’s personalizados para presente

Em meio a tudo o que vivemos, sabemos de uma coisa: uma hora tudo isso vai passar. Nesse intervalo de tempo, a Banca Rio’s Beer não parou e, para continuar a atander seus clientes da melhor forma, inovou seus serviços de entrega, com Delivery e Drive Thru, desde às 18h até à meia-noite. Aliás, a loja já se prepara para melhor receber quem aprecia bons chopps, cervejas artesanais e cervas especiais, em nova localização na Avenida Mendonça Furtado, nº 1773, no bairro Santa Rita.

Enquanto isso, não se preocupe, porque você não vai ficar com sede até lá. Durante a quarentena, a Banca Rio’s Beer mantém os serviços de entrega e retirada, onde o cliente pode receber em casa ou vir na loja buscar. E aproveita pra dar um olho no novo local (contatos para tal ao final deste informe). Com o cardápio on-line, dá pra conhecer a variedade de produtos e fazer o seu pedido. Dá só uma olhada: https://app.menudino.com/bancariosbeer.

Kit’s para presentes

Na hora de presentear um familiar, um amigo ou uma pessoa querida que aprecia uma boa cerveja, a Banca também tem uma excelente opção com os kit’s personalizados. Muito paid’égua, os conjuntos têm embalagens reaproveitáveis, feitas artesanalmente pela querida Rita, que manja muito e capricha no preparo do material. Ela entra em contato com você e deixa a lembrança com a cara da pessoa que você quer homenagear.

Em casa, curtindo as melhores cervas graças ao delivery da Banca

Quem me conhece sabe: sou chegado numa boa cerveja e cliente fiel da Banca – que considero o setor ideal pra tomar umas com estilo. Lá você encontra marcas como Weiss’s, IPA’s, Pilsen’s, Stout’s, Porter’s, Witbier’s, entre tantas outras disponíveis na carta diversificada da loja. São os melhores chopps e mais de 50 rótulos de cervejas nacionais e importadas. Eu peço sempre. E recomendo!

Mais informações:

Igor Maneschy: 96 98117-8839
Rita Barcessat: 96 98133-4223
Austy Maneschy: 91 98509-2293

Redes sociais da Banca:
Instagram: @bancariosbeer
Facebook: https://www.facebook.com/bancariosbeer/?fref=ts

Elton Tavares – Jornalista, cervejeiro e cliente da Banca Rios Beer desde 2016.

ADORADORES DO LIVRO IMPRESSO (*) – Crônica de Fernando Canto

 

Crônica de Fernando Canto

Desde o surgimento dos computadores pessoais que ouço falar no fim do livro impresso. E já se vão anos.

Cientistas falam de um mundo novo, de substituição de tecnologias, e apontam como exemplo a revolução sem igual na história que foi a invenção do livro impresso, por Gutenberg, pois antes disso só havia livros copiados, manuscritos que valiam fortunas. A revista Superinteressante do mês passado traz um artigo muito atual sobre o assunto, enfatizando esses aspectos inclusive com a informação de que a revolução citada acima já acabou há dez anos, “quando a internet começou a crescer para valer”, e que ela passaria uma borracha na história do papel impresso e começaria outra. Cita que “os 7 milhões de volumes que a Universidade de Cambridge mantém hoje nos 150 quilômetros de prateleiras de suas várias bibliotecas caberiam em quatro discos rígidos de 500 gigabytes. Só quatro. Sem falar que ninguém precisaria ir até Cambridge para ler os livros”.

Mas apesar disso tudo a internet não mudou muito a história dos livros. Permanece um mistério inexplicável. O livro não foi morto nem enterrado. A Super diz que o segundo negócio online que mais deu certo (depois do Google) é uma livraria, a Amazon. E informa também que o mercado de livros eletrônicos deslanchou nos E.U.A com vendas em torno de 350 milhões de dólares em 2009, sendo que em 2008 elas atingiram um patamar inferior a 150 milhões.

Concordo que ler um livro no computador é um negócio ruim, até mesmo insuportável, porque ler por horas numa tela é o mesmo que ficar olhando uma lâmpada acesa. Não há quem aguente. Porém já apareceu (há três anos) o primeiro livro realmente viável: o Kindle, da Amazon, que cabe 1.500 obras e só pesa 400 gramas. Tem tela monocromática e pequena. Ele não emite luz e a tela é feita de tinta, preta para as letras e branca para o fundo. No início deste ano apareceu o iPad, da Apple, que segundo a revista citada, “tudo o que o Kindle tem de péssimo este tem de ótimo: tela enorme, colorida, páginas que você vira com os dedos, sem botão como se estivesse com um livro normal, mas a tela é de LCD. Não dá para ler um romance inteiro nele”.

Agora dezenas de empresas estão trabalhando para unir o que os dois têm de melhor, até chegarem ao livro eletrônico perfeito. A Phillips, por exemplo desenvolve o protótipo Liquavista, com tela de tinta colorida e a Pixel Qi um com LCD sensível ao toque, mas que não emite luz, de acordo com a informação da Super.

Mas enquanto o “livro perfeito” não vem vou fazendo como os adoradores de livros impressos o fazem sem pestanejar: curtir meu afeto por eles. Quantas pessoas, apaixonadas ou não, já não guardaram dentro deles flores, folhas, cartas, bilhetes, e até mechas de cabelos que lhes trazem boas lembranças, de amores e de desilusões? Folheá-los pode significar o encontro com algumas cédulas de real guardadas por acaso para uma ocasião e esquecida sem querer. Arrumá-los na estante é um trabalho que nunca dá preguiça. Lê-los, sobretudo, é apreender e conhecer o legado da Humanidade. No livro eletrônico essas historinhas bobas de quem ama os livros não seriam possíveis.

Recentemente, ao receber meu livro “Adoradores do Sol” da editora que o confeccionou, confesso do prazer de senti-lo ao tocar sua capa e abrir suas páginas, de ver impresso um trabalho de anos, da satisfação de tê-lo nas mãos e de saber que iria compartilhar com meus queridos leitores as informações e opiniões que deixei escritas em um objeto vivo, que todos podem, como eu, acariciar e carregar nas mãos. Que venha o livro eletrônico. Tudo muda, mas o livro impresso ainda é o bicho.

(*) Texto escrito em abril de 2010 (portanto, desatualizado tecnicamente) e publicado no jornal A Gazeta. Mas, vale ressaltar que os shoppings estão, ainda, cheios de livrarias.

Sou uma anamorfose ambulante!

Certa noite de 2010, por sinal muito divertida, eu e alguns amigos conversávamos no Bar Norte das Águas, sobre sermos as “ovelhas negras” de nossas respectivas famílias. Em um momento brilhante, minha amiga e mestra em Psicologia, Janisse Carvalho, disse: “Nós somos anamorfoses”. Claro que nenhum de nós entendeu o significado do termo. Leiam o texto:

Sou uma anamorfose ambulante!

Eu e Janisse, em 2013, durante uma de nossas divertidas reuniões etílicas

Por Janisse Carvalho (*)

Uma anamorfose (do grego anamorphosis) é uma imagem deformada que aparece em sua verdadeira forma quando visto em alguns “não convencionais” caminhos. É a representação de uma figura (objeto, cena, etc.) de maneira que observada frontalmente parece distorcida ou mesmo irreconhecível, tornando-se legível quando vista de um determinado ângulo, a certa distância, ou ainda com o uso de lentes especiais ou de um espelho curvo.

As anamorfoses sociais têm sido estudadas pela psicologia social, o professor Antonio da Costa Ciampa, da Universidade de São Paulo (USP), compara o conceito que vem das artes visuais com as chamadas personas non gratas de nossa sociedade, os marginais. Aqueles que burlam as regras!

Uma anamorfose se diferencia do comportamento corrupto, pois este é carregado de mau-caratismo e se caracteriza em querer se dar bem em cima dos outros. As anamorfoses são almas transgressoras que, segundo o rabino Nilton Bonder, líder espiritual da Congregação Judaica do Brasil e autor do livro “Alma Imoral”, são necessárias para a evolução do mundo.

Em sua obra, Bonder compara o sujeito que deu o primeiro passo diante do Mar Vermelho como um transgressor. Ou seja, uma anamorfose é o sujeito que, por não concordar, consciente ou inconscientemente, com o que lhe é imposto, com aquilo que o oprime de alguma maneira, transgride!

Eu diria que pessoas consideradas “loucas” por muitos, em suas respectivas épocas, eram anamorfoses. Ícones como Van Gogh, Pablo Picasso, Raul Seixas, Janis Joplin, Jimmy Hendrix, Freud, Chico Xavier, Nietzsche, Jesus, etc. O problema não está em cometer erros, está em não compreender os sentidos que estes mesmos erros podem alcançar e significar para a sociedade o que está por trás deles. Anamorfose é, no final das contas, outra forma de dizer a verdade! Por isso são, na sua grande maioria, incompreendidas.

Diante da explicação de Janis (como chamamos nossa ilustre e inteligente amiga), brindamos a nossa saúde, as ovelhas negras, ou melhor, anamorfoses. Daí, o resto da noite foi regado a dezenas de boêmias bem geladas e muitos outros assuntos interessantes, como sempre. É por essas e outras que adoro essa galera. “Mas louco é quem me diz que não é feliz…”

(*) Janisse Carvalho é psicóloga, militante da Cultura, professora universitária, atriz e professora de Teatro

Uma lady – Crônica de Lulih Rojanski

Crônica de Lulih Rojanski

   Eu sou uma pessoa educada. Sem pretensão, sou educadíssima. Educada para resmungar palavrão ameno quando bato a canela ou o cotovelo na quina de um móvel, para gritar palavrão obsceno quando o motorista da frente dobra sem sinalizar – especialmente quando ela dobra à direita (que sempre me soa a nocivo) e para xingar o político ladrão.

   Meus pais me deram educação primorosa. Não tinha ainda sete anos quando me ensinaram a revidar humilhação, desrespeito e calúnia. Foi isto, inclusive, que me garantiu dar pedradas em quem me dava tapas na escola, a chamar de piolhento o menino que me tratava por polaca azeda. O preconceito contido em “polaca” era insondável.

   A questão de não levar desaforo pra casa é bastante filosófica. Levar desaforo ou devolvê-lo vai depender sempre da disciplina que se tem para, no instante da contenda, lembrar-se do Buda ou do diabo. Eu bem que tento cultivar atitudes de tolerância quando sou ofendida. O sujeito que tem o dobro do meu tamanho e não quis desviar de mim numa calçada estreita, por exemplo, quase recebeu uma ameaça de morte. Mas minha tolerância só chegou até aí. Olhei para aquele brucutu cheio de saúde e disposição e perguntei-lhe se tinha mãe.

   Sou educada o suficiente para acreditar que o limite da tolerância para uma ofensa depende da temperatura do seu sangue. O meu é lava. Sou descendente de judeus poloneses, meus avós escaparam por pouco do Holocausto. Não posso e não quero deixar nada barato.

   Já me deparei com gente que me achou com cara de mosca morta porque o revide não veio na hora. Mas a educação para responder à altura que eu trouxe do berço não passou da hora da sobremesa. Com toda a educação que me é inerente, matei a cobra e mostrei o pau, assim que meu ofensor se convenceu de que tinha feito 1×0.

   A educação que recebi também veio com palavras mágicas que despertam sorrisos, que estendem mãos, que abrem portas e que estimulam gentilezas. De todas elas, a que mais gosto é: obrigada! Demonstrar gratidão faz parte do pacote de educação que me deram. E a quem não sabe ser grato pelo que recebe, dedico outra expressão mágica que só os bem-educados sabem usar corretamente: foda-se!

   Fui educada para a paciência, para a solidariedade, para a generosidade e a humildade. Nem sempre é possível colocar tudo isso em prática, mas a paciência tem sido meu maior desafio. Perco a paciência comigo mesma quando percebo que ainda espero algo maior do ser humano. Ou quando me perco no labirinto do “tudo é sobre mim”. Mas também sou educada para sair de fininho e me recolher à significância dos que sabem se mancar e encontrar a saída do labirinto. Au revoir.

100 dias de solidão – Por Carlos José Marques (Égua-moleque-tu-é-doido)

Foto: Adriano Machado

Por Carlos José Marques

Com o perdão e a licença poética do magnífico Gabriel García Márquez, aqui o enunciado é para classificar esse longo e — aos olhos de todos — interminável interregno. Lá se foram mais de três meses e o isolamento encerra lições que devem, pelo bem ou pelo mal, transformar a humanidade e a maneira como vivemos em sociedade. Em todas as direções. Econômica, política, de relações interpessoais, profissionais, de conduta emocional e de visão de mundo. Nesses tempos de absoluto confinamento para alguns, de descaso com as medidas para outros, de riscos para quem não tem qualquer opção que não a de sair, vivemos o imponderável, o medo do desconhecido e da morte propriamente dita. Diante da ameaça sorrateira as máscaras caíram. De diversos personagens. Talvez de todos.

Haters dissimulados mostraram a autêntica face e encontraram o ambiente ideal para destilar o ódio que acalentavam. Os desprovidos de compaixão assumiram como de fato não reservam qualquer interesse pelo próximo. São eles em primeiro lugar. Seus negócios, sua realidade, a sobrevivência pessoal que importam. Quanto aos outros? Que simplesmente…morram. É da vida. “Faz parte!”, disse aquele líder bananeiro de atitudes tresloucadas.

Governantes do fim do mundo expuseram a carapuça mais sombria e abominável da ausência de caráter e capacidade de liderança. Nesse caso, nenhum deles superou em aberrações e irresponsabilidade o mandatário brasileiro Jair Messias Bolsonaro, um escroque de maldade e intolerância que maquinou afrontas à segurança nacional e crimes de responsabilidade em profusão. Tripudiou do drama alheio andando de jet ski, a cavalo e em aglomerações provocativas que escandalizaram o mundo. Ignorou qualquer gesto de consolo aos familiares destroçados pela doença, enquanto sugeria fazer um bom churrasco, com três mil participantes, para esquecer tudo e zombar das restrições. Vangloriou-se da condição de “atleta” que não cede a uma “gripezinha”. Foi o insensível em estado puro.

Nesses 100 dias de solidão, quase 60 mil morreram, mais de um milhão caíram de cama vitimados por uma pandemia implacável. E isso apenas no Brasil, que exibe recordes impensáveis e vergonhosos — boa parte decorrente da imprudência, irresponsabilidade, politicagem tacanha de gestores que não entendem o autêntico sentido da palavra governar. Brasileiros estão aprendendo na marra, e de forma dolorida, o quanto custa e o tamanho do problema que é fazer uma escolha eleitoral errada. O contemplado, em circunstâncias limite, sai movido estritamente pelo propósito da sobrevida nas urnas, abrindo caminhos ideologicamente nefastos e socialmente injustos. Messias Bolsonaro, no hiato dos últimos 100 dias, para além da coleção de peripécias, abusos e desvios de conduta, desde que assumiu há mais de um ano, viu seu mandato se esfarelar. Praticamente virar pó, diante de tantas perversões. No momento encontra-se envolto nas investigações do laranjal do filho zero um, de seus comparsas e do esquema de rachadinha, que já levaram para a cadeia o dileto amigo de 40 anos de relação, Fabrício Queiroz, e colocaram em suspeição o advogado da família, tido como um faz tudo da casa. Abatido, o presidente ainda está precisando lidar com acusações de ter interferido na Polícia Federal e, suprema humilhação, tendo de depor para explicar o inexplicável.

Os empresários amigos e políticos aliados foram alvos de batidas policiais e de averiguações em inquéritos que levantam esquemas de financiamento ilegal de fake news e de mobilizações antidemocráticas de ataques aos poderes constituídos. Para completar, o Planalto ainda se enfronha numa mal explicada operação de fuga do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub que saiu às pressas do Brasil, com passaporte diplomático que não poderia usar, para evitar ser pego para julgamento no STF. É uma pororoca de maus presságios que cercam Bolsonaro e um governo que submerge, isolado, solitário, há bem mais de 100 dias. Como tábua de salvação, mistura-se ao que existe de pior na política, o cordão de encalacrados do Centrão que pede verbas e postos em troca de sustentação.

Bolsonaro desce ao poço e se pendura na mediocridade administrativa. Não quer que sejam votadas as reformas, administrativa e tributária, para evitar dissabores com eleitores. Disse isso de viva voz. Alegou ser um “desgaste muito grande” o engajamento nessas pautas que ajudariam no desenvolvimento do País. Ele não está preocupado com isso. É um desinteressado das reformas, do combate à corrupção, da luta em prol do bem comum. Na solidão do poder, governa para ele, para os seus, para os apaniguados. A bem mais de 100 dias é assim, em um interregno que não parece mesmo ter fim.

Fonte: Isto É

Bolsonaro prega a guerra e depois a paz. E segue em sua ciclotimia

Bolsonaro, esse ciclotímico, parece que sempre se mostra mais claro, elegante, sincero e autêntico em certos ambientes, como naquela reunião de lordes, realizada em 22 de abril.

Em outros ambientes, Bolsonaro não consegue traduzir nem o que ele mesmo diz.

Na manhã desta quarta (17), o presidente afirmou isso que você assiste no vídeo.

Horas depois, na solenidade de posse do novo ministro das Comunicações, mudou de tom, de mensagem, de linguajar, de tudo, enfim.

E pregou, vejam só, a harmonia entre os poderes e proclamou suas paixões pela Constituição e pela democracia.

Viva Bolsonaro, esse ciclotímico.

Fonte: Espaço Aberto

Fogo pela janela (Crônica ou lamento) – Por Jaci Rocha

Crônica ou lamento de Jaci Rocha

Às 18, o alarme tocou, hora do meu intervalo da lida. Fui dar uma olhadinha lá fora, o mundo ‘pela minha janela’. Havia um fogo intenso, em direção à minha janela direita, mas dessa vez, não me assustei. TODOS OS DIAS, agora são assim. Este mesmo vizinho acende a ‘fogueira’, o que gera um desconforto geral (a primeira vez que vi, achei que devia chamar os bombeiros, tal a proporção).

Não por acaso, também é pessoa que já fez uma ou duas ‘reuniões’, em tempo de plena pandemia, precisando de intervenção policial para ‘dispersar’. Observei com tristeza, que se trata de um eleitor do ‘messias’. Um daqueles eleitores que propagam querer que o Brasil seja um país correto, mas não fazem o certo, sem serem obrigados a isso. Eles querem o ‘certo’, mas ‘fazem o errado’… e justificam que é ‘porque ninguém faz o certo’. Alguém da psicanálise deve explicar.

Eu mal acredito.

O que me recorda sempre o personagem ‘Bêbado’, do livro ‘O Pequeno Príncipe’, que bebe para esquecer… a vergonha de que bebe.

O fogo que vejo aqui, da minha janela, a pandemia, a situação política do País. Tudo tão relacionado e tão ‘desconectado’. É um incêndio mesmo.

E estamos bêbados.

É uma reinvenção triste da máxima popular ‘mais perdidos do que cego em tiroteio’.

Sim, estamos ‘mais perdidos que bêbados em um incêndio’.

Salve-se quem puder.

(Longe de generalizações, é apenas um leve ‘divagar’ sobre nosso baixo senso de coletividade)

Pela janela azul do manicômio – Crônica porreta de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Um mundo ainda não corrompido se estende pelas ramificações da cidade, em alamedas de flores, que atravessam o grande oceano. É o mundo não corrompido que vejo pela janela azul do manicômio.

Um mundo desprovido de césares e eunucos, de tédio e de policiais. Onde foram abolidas todas as penas, de morte e de vida. Em cujas praças, esquinas e avenidas olhares se atrevem, se atravessam e se comunicam com os segredos da vida, sem colisão de pensamentos. Esse mundo quer existir para todas as pessoas através de mim. Esse mundo me quer como mensageiro de sua paz cotidiana, de respeito mútuo, de fraternidade.

Eu necessito urgentemente de uma caneta para descrever esse mundo, anotar sua fórmula. Corro em direção à escrivaninha em busca de caneta. Quero deixar registrado esse mundo fabuloso, que me acena na noite, pela janela azul do manicômio. Quero dizer que esse mundo existe e pode ser por nós alcançado.

Abro as gavetas, uma por uma. Reviro os papéis na escrivaninha e não encontro caneta, lápis, qualquer coisa com que se possa escrever. Não acredito! Não pode ser! Nunca fiquei sem caneta em toda a minha vida e justo agora que mais preciso…

Começo então uma busca frenética. Remexo pastas. Violo armários. Coloco pelo avesso os bolsos de todas as roupas. Atropelo objetos. Mas tudo é inútil! Não encontro uma caneta sequer e o mundo ainda não corrompido aguarda lá fora, navegando na noite.

Lembro que na esquina da rua do manicômio azul há um boteco onde poderei comprar uma caneta ou quantas eu quiser ou puder ou precisar. Abro a porta do quarto, desço as escadas, pulo a janela do andar térreo e saio correndo pela rua em direção ao boteco. Os enfermeiros de plantão logo são avisados e partem em meu encalço. Não há tempo para explicar a eles que não se trata de uma fuga. Eles não entenderiam a urgência de se comprar uma caneta em plena madrugada.

Continuo correndo em direção ao boteco, o último, o único aberto na noite, em todo o planeta. Acelero a marcha porque o sonolento dono do boteco, sem desconfiar da importância daquele ato, fecha va-ga-ro-sa-men-te a porta antes que eu consiga alcançá-la. Inutilmente, fico batendo desesperado na porta do boteco que abriga vários e vários pacotes de caneta.

Os enfermeiros chegam, trazendo uma camisa de força. Eu me rendo e sou conduzido de volta ao quarto. Me aplicam um tranquilizante e eu fico inerte na cama, observando pela janela azul do manicômio um mundo ainda não corrompido se dissipando na noite.

Canção do Filho Agradecido* – Crônica de Fernando Canto para sua mãe

Por Fernando Canto

Minha mãe está ali, do outro lado da rua ao lado de minha irmã, me olhando. Mas eu não posso atravessar porque muitos veículos passam constantemente em alta velocidade. A alegria de reencontrá-las é grande e o coração palpita na possibilidade de abraçá-las, afinal faz tempo que eu não as vejo.

Elas estão lá e esboçam sorrisos de ternura, como que convidando para uma conversa longa ao redor da mesa onde um café fumegante feito em casa, saindo do coador, explode em seu odor. Os carros não param. Não há semáforos nesse cruzamento. Elas percebem meu desespero e espalmam as mãos pedindo calma, porque é perigosa a travessia e eu devo esperar o movimento dos veículos para poder passar. Fico agoniado e não tiro os olhos delas. Mas os carros dão lugar à manadas de animais em estouro, e quando a poeira passa, um trem se segue em seu lugar. É grande o movimento. E agora uma chuva fina molha os caminhões em comboio veloz no meio da rua, ensopando o som de suas buzinas barulhentas. Do outro lado da rua duas figuras diáfanas desaparecem progressivamente, indiferentes ao meu chamado, enquanto os obstáculos móveis pouco a pouco somem da minha vista.

Então eu acordo com os batimentos cardíacos fora do normal e uma imensa saudade rompe abruptamente os globos dos meus olhos embotados, formando milhares de gotículas cristalizadas no chão. É um dia de sol e chuva, mas de luz intensa varando os vapores no céu azul equatorial.

Sobra um espanto materializado na parede do quarto. Fecham-se as cortinas…

Fernando Canto

Restou-me a sensação do nada, um vazio cheio de alguma coisa, o sentido da ausência, não da falta, pois “não há falta na ausência”, diria Drummond inventando exclamações alegres por aí. Ficou ainda a lembrança das criaturas que desafiaram a vida e puseram filhos no mundo, predispostas que estavam a romper círculos enfadonhos e mesmices tentaculares que enredam a normalidade do ciclo vital.

E no interlúdio do sonho e da memória, do nascimento e da morte, do dia e da noite, uma canção renova-se mergulhada na saudade da planta e da flor. Uma canção encarna a melodia magnificamente soprada pelas ruas, onde só a escuta quem tem o ouvido treinado para ouvir sob o barulho dos carros da cidade. Dentro dessa canção se pronuncia o amor, palavra-escritura indecifrável para alguns ou guardada nos bolsos de outros. É uma canção que se inscreve em mosaicos, que venta e fustiga esconderijos de metal e é tecida com agulhas de ouro. Quem assobiá-la será feliz e descansará em macias almofadas de seda do oriente, recheadas de penas de ganso.

Por garantir essa promessa é que me alardeio proprietário de palavras inventadas, de músicas compostas em nome do amor e da memória. Eu narro essa façanha improvisada de fazer-me condutor do lume da saudade, a fim de vê-lo sempre aceso dentro do coração.

Dona Saúde – Mãe de Fernando Canto

Inominada rutilância és tu, Mãe. Anjo astral, iluminadora. Grato eu sou pela concessão da espada nesta onírica epopeia inacabada em que me encontro e venço diariamente. Agradecido fico pelo indisfarçado crescimento das abelhas que colhem o pólen das hortênsias, dos jasmins e das papoulas que ainda florescem em teu jardim. Aqui teu filho lavra a terra, planta e separa o trigo onde lhe salpicam o joio. Aqui teu filho ainda pule a pedra bruta posta ao meio do caminho. Aqui ele canta a canção que lhe ensinaste para limpar os obstáculos e carregar os fardos inevitáveis que surgem nas ruas por onde passa.

Inefável rutilância tu és, Mãe. Fulcro lírico, bálsamo dos dias funestos, porto necessário ao barco sem destino. Grato eu sou pelos rios que atravesso nas pontes que me ensinaste a desenhar e transpor. Agradecido fico pelas metáforas da vida que Deus mandou-me e que eu, por ti, pude interpretar.

*Publicado em 2008, no Jornal do Dia. Macapá-AP.

O valor das artes e os artistas plásticos – Crônica porreta de Fernando Canto

Por Fernando Canto

O Amapá sempre foi muito injusto e ingrato com seus artistas plásticos. Talvez porque não vivem na mídia como os músicos e compositores ou, mais raramente, como os escritores quando premiados.

Há muito acompanho a evolução das artes amapaenses, pois sempre admirei a pintura e busquei incentivá-la, tentando valorizar cada novo artista que surgia e promover aqueles mais considerados, com exposições montadas dentro e fora de Macapá. Por acompanhar esse processo possuo uma razoável coleção de telas e esculturas de diversos artistas, iniciada na década de 70. Algumas figuram em catálogos, capas de livros e outros impressos e já participaram de mostras periódicas de arte.

Raríssimos são os fiéis que vão às missas na igreja mais antiga da cidade que sabem identificar a autoria dos belos painéis iluminados atrás do altar. “Fuga para o Egito” e “São José Carpinteiro”, exemplos clássicos de pintura acadêmica, são do padre Lino Simonelli, aquele padre italiano brincalhão de barba longa e branca, que a todos envolvia com sua simpática e humilde forma de ser. Poucos também deram o devido valor ao padre Fúlvio, um arquiteto italiano que projetou igrejas e outras obras importantes da Diocese de Macapá. Fúlvio também pintou dezenas de obras de arte com seu estilo bizantino, enriquecendo de detalhes o traje dos santos retratados, as cercaduras e coroas, sem contar que o tipo de tinta e as cores que usava davam um significado especial às telas e um valor estético fora do comum.

Uma das maiores expressões do modernismo brasileiro morou no Amapá. Pelo que conheço há apenas uma única obra de Aluísio Carvão em Macapá. Está na residência governamental. É uma pequena pintura da grade de ferro de um calabouço da fortaleza de Macapá em tons vigorosos de vermelho claro-escuro, adquirida provavelmente no primeiro governo do Território do Amapá. Carvão era cunhado de Janary Nunes. Premiadíssimo, ganhou bolsa de estudos para estudar pintura na França e se radicou no Rio de Janeiro, onde suas obras foram valorizadas e seu trabalho reconhecido.

Muitos dos nossos melhores artistas migraram para aperfeiçoar suas técnicas. R. Peixe, que pintava vasos e ladrilhos na antiga Olaria Territorial, estudou no Rio, voltou e se tornou um dos mais importantes artistas locais. Manoel Bispo, o mais fantástico surrealista que conheço, e Olivar Cunha estudaram na escola do Parque Lage, também no Rio. Já Manoel Costa, que misturou estilos de Bianco e Portinari nos seus trabalhos de temática amazônica, consagrou-se com seu talento e ainda hoje realiza exposições no Brasil e no exterior. Vicente Souza, o pintor dos bambus, premiado na Europa, era oriundo do município de Amapá. Infelizmente teve a carreira interrompida pelo seu brutal assassinato no Rio de Janeiro.

O. Cunha, que a todos surpreendeu com a confecção de painéis no programa televisivo “Roda Viva”, apresentado pelo jornalista Carlos Lobato na TV Band, vive em Vitória, no Espírito Santo, onde trabalha como pintor e restaurador de obras de arte e até de igrejas. Considero O. Cunha um dos mais talentosos artistas locais, de quem cultivo a amizade e adquiro telas há mais de trinta anos. São muitos os artistas amapaenses, antigos e novos, todos com brilho próprio que admiro pela criatividade e talento, e torço para que despontem nesse difícil cenário das artes plásticas nacionais. Entre eles estão o Dekko, Tom D.C., Limeira, Homobono, Grimualdo, Ivam Amanajás, Wagner Ribeiro, Irê Peixe, Ernandes, Josaphat e Herivelto. Agora só falta o poder público fazer a sua parte e valorizar esses extraordinários artistas que merecem ser reconhecidos pelo conjunto da sociedade. Porque de uma coisa tenho certeza: todos eles valorizam as coisas de nossa terra.

*Republicado por conta do Dia do Artista Plástico, celebrado hoje, 8 de maio.

Entre Alguém e Ninguém, Regina tem razão! – Por @yurgelcaldas

Por Yurgel Caldas

Não. Regina Duarte – a ex-atriz e agora secretária especial de cultura do governo Bolsonaro – não é uma surtada, nem maluca, nem insana, nem doida, nem fora de si ou qualquer ideia que a retire de seu lugar de um ser que goza de perfeita racionalidade.

Regina Duarte não precisa ser interditada ou necessita de qualquer tratamento de cunho psicológico ou algo que o valha. Regina Duarte tem razão, e isso não significa que ela esteja certa, pois que apenas mostrou, como muitos nesse governo, que possui a racionalidade de que os humanos são dotados.

Regina Duarte apenas mostrou seu lado mais lúcido e claro de alguém afinada com a necropolítica do atual presidente: minimizou as mortes na ditadura militar brasileira e justificou o a omissão de sua secretaria em razão das mortes de artistas brasileiros que recentemente se foram – inclusive disse não conhecer Aldir Blanc, o Aldir Blanc, um dos letristas mais geniais da história da Música Popular Brasileira.

Além disso, Regina Duarte (agora, mais do que nunca, sem o filtro da representação teatral que envolve as personagens de sua vasta carreira, consagrada, aliás, como a Namoradinha do Brasil) não sabe conviver com o contraditório quando ficou ainda mais nervosa, na antológica entrevista concedida à CNN Brasil ao ter que discutir com sua colega, a atriz Maitê Proença, que cobrava uma atuação mais próxima da classe artística – afinal, estamos lidando com a Secretaria Especial de Cultura, que não é mais Ministério.

Regina Duarte, de posse de toda a sua racionalidade, teve todo o tempo do mundo para analisar o convite feito pelo próprio presidente para assumir esta dita Secretaria, e resolveu entrar para o Governo porque foi perfeita para o cargo e se alia a todo o planejamento desse grupo que tem assolado a economia do Brasil, tentando apagar a memória artística e cultural de seu povo. Regina Duarte, como ela mesma declarou, depois de um namoro, resolveu “casar” com Bolsonaro assumindo a Secretaria.

Ainda durante a campanha para presidência, Regina Duarte, em um encontro privado com o candidato Bolsonaro, declarou que ele “é um doce de pessoa”, e que as atrocidades que ele sempre disse eram “apenas da boca para fora”. Lá atrás, na campanha de 2002, Regina Duarte, durante o segundo turno das eleições, participou de uma peça do candidato José Serra, declarando que ela tinha medo da eleição do Lula, que acabou se concretizando. Aquele medo da Regina Duarte era o temor das elites econômicas e o medo da visão patriarcal e colonialista, que nunca deixou de lado os privilégios escravocratas, como o que pauta, por exemplo, o prefeito de Belém a declarar como “serviço essencial” o das empregadas domésticas.

 

Regina Duarte se arrisca a ser Ninguém quando deixar o governo, e isso será breve– ela será alguém que apaga sua própria biografia ao entrar para este governo, que se elegeu sem qualquer plano para a cultura do país. Regina Duarte sabe muito bem o que faz. E não se enganem: Regina Duarte, aquela dotada de razão, logo será uma Ninguém que terá passado por este governo, mas ainda há milhões de Reginas desfilando sua ignorância por esse Brasil afora.

*Contribuição do amigo Yurgel Caldas, que é professor de Literatura da Unifap e do Programa de Pós-graduação em Letras (PPGLET) da mesma instituição.

Campanha “Macapá 100% de Máscara” – Bora entrar e se engajar!

Bora entrar e se engajar na campanha Macapá 100% de máscara❓😷

1 – Cada usando a sua; não sair à rua sem máscara.
2 – Ações individuais solidárias: comprar máscaras das costureiras 🧵e artesãos que as estão produzindo e doar para quem precisa. Trabalhadores informais, aquele amigo ou conhecido que está em situação mais difícil. Quem estiver precisando. Se cada um doar pelo menos uma, já teremos grandes avanços.🤝🤝🤝
3 – Podemos ajudar a divulgar os que fazem para vender. Malharias, ateliês, costureiras e artesãos, que podem gerar novas atividades econômicas, e novos postos de trabalho. Oportunidades na crise. 💲💲💰
4 – Viralize esta campanha, copie, edite, adeque, divulgue em suas redes; dê autonomia à campanha de cada um; usemos as mesmas armas do vírus para detê-lo: a viralização. É criação comunitária; não há direitos autorais privados.

Também podemos estimular ou nos juntar em redes de solidariedade, para produzir e doar. 👩‍❤️

De minha parte, encomendei para os meus e para doar.

Lembrando que as máscaras não são uma “bala de prata” contra o coronavírus; são um equipamento adicional de proteção individual e do nosso próximo, os bem próximos. Fique em casa, o máximo que puder.

O Ministério Público apoia a campanha Macapá Símbolo de cem pontos% de máscara! Viralize esta campanha, copie, edite, adeque, divulgue em suas redes; dê autonomia à campanha de cada um. É criação comunitária; não há direitos autorais.

Uma leitura da Divina Commedia (Inferno) de Dante Alighieri – Por @yurgelcaldas

Por Yurgel Caldas

Talvez seja Dante Alighieri (1265-1321) quem inaugure uma grande tradição na história da literatura ocidental, que tem como foco o Inferno e suas imagens por demais sedutoras. Daí teríamos como derivadas obras como a conhecida trilogia das Barcas, de Gil Vicente, donde se destaca o auto da Barca do Inferno (1517); o poema épico Lost Paradise (1667), de John Milton, e a tragédia Faust, de Goethe (versão completa da primeira parte em 1808; versão completa da segunda parte em 1832). Nesses exemplos, temos a figuração do inferno como elemento que chama atenção do leitor e, mais do que isso, provoca uma leitura atrativa justamente pela descrição que os escritores fazem desse espaço de danação que sempre causou indagações, curiosidades e toda sorte de fantasias no mundo cristão.

Esse é o caso da Divina Commedia, de Dante, longo poema épico escrito em versos decassílabos (a chamada medida nova italiana) durante a primeira vintena do século XIV, que tem como título original apenas a palavra Commedia, mas que, como aponta Anna Maria Chiavacci Leonardi, durante o século XVI, ganha o atributo de “divina” de seus próprios leitores e, a partir de então, as edições subsequentes adotam o atributo como parte do título do poema, tal qual o conhecemos hoje.

A narrativa da Divina Commedia atravessa todo o Universo ptolomaico (em vigor nos tempos de Dante), desde sua fundação arquitetônica (o centro mesmo da Terra), até o limite conhecido àquele momento: o Empíreo. Trata-se, portanto, de um Universo circular perfeita e harmoniosamente desenhado, tal como o concebia o mundo grego (LEONARDI, Anna Maria Chiavacci, “Introduzione” a La Divina Commedia: Inferno, 2005, p. XV).

São nove céus (ou círculos, como aparecem descritos na própria obra) perfeitamente concêntricos onde não há corrupção; mas o problema é que no seu interior existe o homem – mortal, falível e, ao contrário do mundo que o abriga, corruptível. De fato, o homem é um problema exposto na narrativa dantesca, mas também é a solução para que haja a narrativa em si. Sem o homem, a Divina Commedia não teria nenhum sentido. Afinal, o livro narra a viagem de redenção do próprio Dante (personagem falível e mortal), que se encontra no Inferno e busca ascender ao Paraiso tendo como guia o poeta Virgilio (também falível e também mortal), sem o qual seria impossível sequer a esperança de reencontrar a amada Beatrice (metáfora do amor medieval como veículo ao Paraiso – tal como mostraram as tradições trovadorescas provençais e galego-portuguesas, entre os séculos XII e XIII na Europa).

Dante, o personagem do Inferno – espaço por excelência da obscuridade (como se encontra no início do Canto I: “Nel mezzo del cammin di nostra vita/ mi ritrovai per una selva oscura”) – procura sempre a luz, seja a da razão e da poesia (Virgilio), seja a luz da libertação e do amor (Beatrice). E Dante procura a luz porque quer salvar a si próprio em um mundo ainda maniqueísta, tal como o trovador das cantigas de amor na tradição galego-portuguesa. Esse trovador não louva a beleza da mulher amada (a dona, a dama, a mulher cuja beleza é sem par no mundo) pelo mero fato da beleza ímpar em si; mas sim porque o trovador é consciente de sua falibilidade, e encontra no ato de amar uma dama perfeita – não só em termos físicos, mas também morais e espirituais – a forma excelente de acessar a possibilidade de se salvar. O amante excelente e humilde poderia salvar sua alma se amasse fielmente sua dama – único meio estético de não ir para o Inferno.

Dante é assim: busca na visão iluminada e iluminadora de Beatrice (como a Terra Prometida por Deus a Abraão e seus seguidores hebreus) a única possibilidade de sair de um espaço infernal e encontrar a luz. A Commedia dantesca pode ser lida também como a narrativa de uma viagem, um percurso, um destino – tanto de seu personagem Dante, que vaga num espaço sem tempo que é o próprio Inferno, quanto de seu leitor que assume a condição de viajante e peregrina pelo quadro medieval e terrivelmente cristão pintado pelo poeta fiorentino. A viagem, aliás, que é tema central nas narrativas homéricas ena Eneida de Virgilio, o guia de Dante através do Inferno, não deixa de ser uma metáfora da condição de todo leitor de textos literários.

*Contribuição do amigo Yurgel Caldas, que é professor de Literatura da Unifap e do Programa de Pós-graduação em Letras (PPGLET) da mesma instituição.