Na meninice Dr. Paulo Seu Fredolino e mestre Davino brincavam de alvorecer pelo quintal incomensurável do hospital municipal (caçavam raias-manteigas & porfiavam [altivos] para quem chegava primeiro ao frondejante pé de mucajá). Dr. Paulo morreu de câncer Seu Fredolino faleceu de tuberculose e mestre Davino [até hoje] leva seu bumba-meu-boi para pascer em minhas lembranças. Ah, na meninice eles eram mais felizes!
Eu no Cine Macapá. Sean Connery doutro lado da rua, apalpando as costas da lua. Rin tin tin latindo para as pipas coloridas que riscam o céu blue de blues. Tenho o bolso cheio de lágrimas grisalhas, e dúzia de balas de Menta. Tenho no bolso da calça Lee, o ano de 1962… esticado desde lá até 2019.
E como as rosas de Isnard ficaram órfãs. Eu desenho todos os desenhos que fiz no muro do IETA…no meu calcanhar. E ando passos que tatuam a caminhada que faço…com ecos azedos do passado.
E onde está o 007…Onde estamos nos… As mãos ocupadas em desmanchar dos dedos, os nos, dados atoa, sobre a calçada…pintada de lilás. Titânia e Oberon, luas de Urano, dependuradas na árvore, a terceira.
Aquela que as raízes como atrizes, por ouvirem tanto a voz de Marlene Dietrich, com seu sotaque alemão…dizem… Monsieur… Monsieur…jogue em nós…borra de café.
Detrás de nuvens de chuva, espiã o Sol. Detrás dos meus óculos de grau. Espio Deus. Nenhum se vê perfeitamente. Como doe um pouco o cariado dente. Mastigo bala de Menta. Foi um dia desesperançado de esperanças, aquele Domingo de Junho de 1962.
Eu no Cine Macapá. Trato de copular com Brigitte Bardot. Antes que a pipoca do saco de pipocas, acabe de acabar.
houve uma época da minha vida em que acendia cigarro brincava de ser maria fumaça queimava solidão que todos babacas que passavam por algum tipo de lugar meu deixavam. no meio da cortina branca perdi uma parte minha deixei mãe pai irmão e fui ser rebelde da minha causa ilusória
abria garrafa de cerveja com o dente disfarçava o gosto amargo com halls melancia só não sabia como disfarçar a partida de duas pessoas que naquela época me traduziam alegrias hoje apago bagana de cigarro com o pé
e faço meu fumo com fórmulas combinações e ervas de poesia bandeira meireles barros quintana beber prado guadalupe sant’anna nobre lucinda soeiro monteiro e me tranco no quarto até bater a rima.
No ringue, jazia; luva vazia de um tapa sem mão. Um soco no estômago levou-me ao chão e no primeiro round já sofri um nocaute. Peso pena, que pena! Não sou grande o bastante: nunca fui boa em lutas, competições e disputas. Entre meios e fins… Saudades wins.
Quando a tristeza anestesia a esperança De um amor que se findou, Este mesmo amor gera uma lembrança De um fio que sempre esteve por um fio… E enfim se cortou.
O fio, outrora de cobre Agora não cobre a costura do tear. Frágil, este mesmo fio se descobre E amortece, e tece O não se importar.
De tanta dor, o amor não se esquece, Mas cria espaço para a chaga fechar. E o fio, por um triz, Virou cicatriz Até a pele sarar.
Depois de anestesiado Pelo amor do passado Que ainda está vivo, Apenas um pouco sonolento… Em desmedido sofrimento, Termino de bordar o tecido:
Meus passos de novo… Não mais Cidade Velha. Não mais Bengui. Não mais Bar do Parque. Não mais Feira do Açaí. Mesmo assim, Do velho cartão postal, Belém acena e me sorri.
Lá vem Belém, moreninha brasileira, com perfume de mangueira, vestidinha de folhagem. E vem que vem, ligeirinha, bem faceira, como chuva passageira refrescando a paisagem.
Lá vem Belém, com suas lendas, seus encantos, seus feitiços, seus quebrantos, seus casos de assombração. E vem que vem, com seu cheirinho de mato, com botos, cobra Norato, com rezas, defumação.
Lá vem Belém, recendente, feiticeira, no seu traje de roceira, na noite de São João. E vem que vem, com seus banhos de panela, alecrim, jasmim, canela, hortelã, manjericão.
Lá vem Belém, a Belém dos meus encantos, dos terreiros, Mães de Santo, das crendices, do pajé. E vem que vem, com sobrados de azulejo, vigilengas, Ver-o-Peso, na enchente da maré.
Lá vem Belém. No dia da Trasladação vela acesa, pé no chão, sempre firme em sua fé. E vem que vem, o povo implorando graça, sempre que a Berlinda passa com a Virgem de Nazaré.
Lá vem Belém, junto de Nossa Senhora, dia do Círio ela implora saúde, paz e dinheiro. E vem que vem o povão, o povo inteiro porque Deus é brasileiro e Jesus nasceu em Belém.
Sylvia Helena Tocantins Escritora e membro da Academia Paraense de Letras
Existe um perigo eminentemente Entre nós dois Ligação fatal De batimentos cardíacos Veias arteriais E emoções banais O dia a dia aponta o caminho Quase certo É incerto o futuro E saber disso é a única certeza Há horas em que o acreditar no amor É a nossa salvação.
Deus acabou de criar-me, e cuspiu. Eu saí manco, correndo, tropeçando, desdentado, anão. Por sorte duas mulheres nuas. Jogando pedras na lua. Deitaram-me entre elas, e eu mamei. Elas cataram meus piolhos, teceram fios com os meus pelos. E com os meus olhos fizeram dois Candeeiros. Que acenderam entre o Sul e o Sol.
Primeira Manhã.
Minha irmã catava manhãs frias. Colhia sobras de outros dias. E mastigava avelãs. Fazia um barulho azedo. Preparava-se para menstruar, quando morreu.
Primeira Tarde.
Primeiro passaram os cavalos. Magros, cheios de carrapatos. As patas sujas de quilômetros. Os dentes sujos da fome. Os dorsos manchados de chicotes. Vinham do Norte como eu.
Primeira Noite.
Bêbado de orgasmo/ tatuado de abraços/ Mudo de palavras/Cego de ver/ Quis dormir.
As duas mulheres faziam chá. Cobri-me com as minhas mãos, agora já tatuadas. Apaguei um pirilampo azul. Olhei para o horizonte desenhado a mão. Havia um torto Equador. Era minha irmã… …..que paria de cócoras para o Oeste, uma noite escura cheia de latidos de cão, gemidos, e demorados uis. Fingi que dormia, e morri.
Epílogo.
Nunca mais acordei. Quando Deus me procurou. Eu me escondi dentro de mim. E nunca mais me achei.
Luiz Jorge Ferreira
*Luiz Jorge Ferreira é amapaense, médico que reside em São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames). ** Do Avesso do Espantalho, Editora Scortecci – 2010 – São Paulo.
Criticam a rima pobre De quem combina amor com dor. “É inconcebível que em uma língua tão nobre, Limite-se tal riqueza com aquilo que se vai por”! Eleva-se o verbo com o substantivo; Aceita-se também adjetivo, Mas considera-se crime o binömio amor/dor. Mal sabem que esta é a única consequência deste sentimento: Um recheio de lamento Que, por fim, Transforma-se em mais um poema ruim, Acinzentando todas as cores. Onde amores… Há dores.
eu VENHO CINTILANTE e áspero calor eqüINO sobre o mundo ARAUTO que sou de um novo tempo desde a hora em que as ONDAS do Amazonas rebentaram o alúvio das encostas na primeira MANHÃ
eu VENHO CAVALGANTE no cerrado e nos estirões inebriado com o bramIDO das cachoeiras e com o ronco dos MACAréus CavALGO sim em banzeiros caudatários de uma pororoca enorme – estro sem fim – sacralizando vôos vindOUROs além desta procela que se instaura incompreensível no meu tempo
passará A VEZ do ÁZIMO pão posto bruto que agora é tempo de pousio da espera da nova fertilização da terra quando deveremos ARAR novas angústias e colher o juSTO fruto e descascá-lo e cortá-lo à lâMINA afiada na curva dos varadOUROs
(Canto, Fernando. EquinoCIO, Textuário do Meio do Mundo. Ed. Paka-Tatu. Belém-PA. 2004.)
No instante supremo, no minuto único, desses que só no momento de existir, atingem o presente, digo que estou pronto: Aliás , espero assim desde o início, sem ao menos saber o que é o início!
Espero, disso eu tenho certeza! Eu até nasci esperando, em uma sucessão terrível de auroras.
Faz muito estou pronto: para deixar livre a prostituta cheia de complexos, desnecessários e impróprios, mas que machucam, -e isso me faz melhor!
Estou pronto a vomitar a verdade, mesmo que para salvar ladrões, viciados, necessitados, vendidos mas todos vivos -e com muita honra!
A salvar os loucos, os gênios de grandeza, os dos hospícios. Estou pronto!
Diga a todos estou aqui, irmãos! Quantos outros não teremos, bêbedos, lúcidos. Nossos irmãos sim, e não reparas isso?
Tu louco eu também, nós devemos socorrer mesmo os que não existem e os que ainda vão nascer. Ajudar a todos voando como poeira cósmica,
sem normas a formar uma grande roda, e ver, no meio dela dançar, na agonia da morte, a convenção.