Poema de agora: PÁSSAROS EM FUNDEADOURO – Marven Junius Franklin

PÁSSAROS EM FUNDEADOURO

Na meninice
Dr. Paulo
Seu Fredolino
e mestre Davino
brincavam de alvorecer
pelo quintal incomensurável
do hospital municipal
(caçavam raias-manteigas
& porfiavam [altivos]
para quem chegava primeiro
ao frondejante pé de mucajá).
Dr. Paulo morreu de câncer
Seu Fredolino faleceu de tuberculose
e mestre Davino [até hoje]
leva seu bumba-meu-boi
para pascer em minhas lembranças.
Ah, na meninice
eles eram mais felizes!

Marven Junius Franklin

Poema de agora: CINEMASCOPE – Luiz Jorge Ferreira

CINEMASCOPE

Eu no Cine Macapá.
Sean Connery doutro lado da rua, apalpando as costas da lua.
Rin tin tin latindo para as pipas coloridas que riscam o céu blue de blues.
Tenho o bolso cheio de lágrimas grisalhas, e dúzia de balas de Menta.
Tenho no bolso da calça Lee, o ano de 1962… esticado desde lá até 2019.

E como as rosas de Isnard ficaram órfãs.
Eu desenho todos os desenhos que fiz no muro do IETA…no meu calcanhar.
E ando passos que tatuam a caminhada que faço…com ecos azedos do passado.


E onde está o 007…Onde estamos nos
As mãos ocupadas em desmanchar dos dedos, os nos, dados atoa, sobre a calçada…pintada de lilás.
Titânia e Oberon, luas de Urano, dependuradas na árvore, a terceira.

Aquela que as raízes como atrizes, por ouvirem tanto a voz de Marlene Dietrich, com seu sotaque alemão…dizem… Monsieur… Monsieur…jogue em nós…borra de café.

Detrás de nuvens de chuva, espiã o Sol.
Detrás dos meus óculos de grau.
Espio Deus.
Nenhum se vê perfeitamente.
Como doe um pouco o cariado dente.
Mastigo bala de Menta.
Foi um dia desesperançado de esperanças, aquele Domingo de Junho de 1962.

Eu no Cine Macapá.
Trato de copular com Brigitte Bardot.
Antes que a pipoca do saco de pipocas, acabe de acabar.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: REPAROS – @PedroStkls1

REPAROS

houve uma época da minha vida
em que acendia cigarro
brincava de ser maria fumaça
queimava solidão que todos babacas
que passavam por algum tipo de lugar meu deixavam.
no meio da cortina branca perdi uma parte minha
deixei mãe pai irmão e fui ser rebelde da minha causa ilusória


abria garrafa de cerveja com o dente
disfarçava o gosto amargo com halls melancia
só não sabia como disfarçar a partida de duas pessoas
que naquela época me traduziam alegrias
hoje apago bagana de cigarro com o pé


e faço meu fumo com fórmulas combinações e ervas de poesia
bandeira meireles barros quintana beber prado
guadalupe sant’anna nobre lucinda soeiro monteiro
e me tranco no quarto até bater a rima.

Pedro Stkls

Poema de agora: Fight – (@cantigadeninar)

Fight

No ringue, jazia;
luva vazia
de um tapa sem mão.
Um soco no estômago
levou-me ao chão
e no primeiro round
já sofri um nocaute.
Peso pena,
que pena!
Não sou grande
o bastante:
nunca fui boa em lutas,
competições e disputas.
Entre meios e fins…
Saudades wins.

Lara Utzig

Poema de agora: Queloide – (@cantigadeninar)

Queloide

Quando a tristeza anestesia a esperança
De um amor que se findou,
Este mesmo amor gera uma lembrança
De um fio que sempre esteve por um fio…
E enfim se cortou.

O fio, outrora de cobre
Agora não cobre a costura do tear.
Frágil, este mesmo fio se descobre
E amortece, e tece
O não se importar.

De tanta dor, o amor não se esquece,
Mas cria espaço para a chaga fechar.
E o fio, por um triz,
Virou cicatriz
Até a pele sarar.

Depois de anestesiado
Pelo amor do passado
Que ainda está vivo,
Apenas um pouco sonolento…
Em desmedido sofrimento,
Termino de bordar o tecido:

Amor-tecimento.

Lara Utzig

Poema de agora: Belém dos meus encantos (em homenagem aos 403 anos da capital paraense)

fotobelemewerton
Belém (PA) completa 402 anos hoje. Já fiz muitas ondas legais nessa cidade. Foto: Ewerton França.

Belém dos meus encantos

Lá vem Belém,
moreninha brasileira,
com perfume de mangueira,
vestidinha de folhagem.
E vem que vem,
ligeirinha, bem faceira,
como chuva passageira
refrescando a paisagem.

Lá vem Belém,
com suas lendas, seus encantos,
seus feitiços, seus quebrantos,
seus casos de assombração.
E vem que vem,
com seu cheirinho de mato,
com botos, cobra Norato,
com rezas, defumação.

Lá vem Belém,
recendente, feiticeira,
no seu traje de roceira,
na noite de São João.
E vem que vem,
com seus banhos de panela,
alecrim, jasmim, canela,
hortelã, manjericão.

Lá vem Belém,
a Belém dos meus encantos,
dos terreiros, Mães de Santo,
das crendices, do pajé.
E vem que vem,
com sobrados de azulejo,
vigilengas, Ver-o-Peso,
na enchente da maré.

Lá vem Belém.
No dia da Trasladação
vela acesa, pé no chão,
sempre firme em sua fé.
E vem que vem,
o povo implorando graça,
sempre que a Berlinda passa
com a Virgem de Nazaré.

Lá vem Belém,
junto de Nossa Senhora,
dia do Círio ela implora
saúde, paz e dinheiro.
E vem que vem
o povão, o povo inteiro
porque Deus é brasileiro
e Jesus nasceu em Belém.

Sylvia Helena Tocantins
Escritora e membro da Academia Paraense de Letras

*Contribuição do jornalista Ewerton França.

Poema de agora: Caminhada – Fernando Canto

Caminhada

Aos que caminham dentro de si e ainda se assombram

De manhã
Meu corpo
É longo
Em sua sombra
Caminhante

Ao meio-dia
Assombro-me
Em segredo
– Encolhidinho –
No equinócio
Da alma

À tarde
Eu me projeto
Rumo ao mar
Com o sol
A bater meu rosto
Nos umbrais da noite

E se um lado é luz
Que me orienta
E de outro
Meu rastro
É a escuridão

Sou, perdoem-me,
Um obscuro ponto
Na paisagem
Que me embala
Ao sol do dia seguinte.

Fernando Canto

Poema de agora: Ligação ( @ThiagoSoeiro )

Ligação

Existe um perigo eminentemente
Entre nós dois
Ligação fatal
De batimentos cardíacos
Veias arteriais
E emoções banais
O dia a dia aponta o caminho
Quase certo
É incerto o futuro
E saber disso é a única certeza
Há horas em que o acreditar no amor
É a nossa salvação.

Thiago Soeiro

Poema de agora: ORIENTE – Luiz Jorge Ferreira

ORIENTE

Deus acabou de criar-me, e cuspiu.
Eu saí manco, correndo, tropeçando, desdentado, anão.
Por sorte duas mulheres nuas.
Jogando pedras na lua.
Deitaram-me entre elas, e eu mamei.
Elas cataram meus piolhos, teceram fios com os meus pelos.
E com os meus olhos fizeram dois Candeeiros.
Que acenderam entre o Sul e o Sol.

Primeira Manhã.

Minha irmã catava manhãs frias.
Colhia sobras de outros dias.
E mastigava avelãs.
Fazia um barulho azedo.
Preparava-se para menstruar, quando morreu.

Primeira Tarde.

Primeiro passaram os cavalos.
Magros, cheios de carrapatos.
As patas sujas de quilômetros.
Os dentes sujos da fome.
Os dorsos manchados de chicotes.
Vinham do Norte como eu.

Primeira Noite.

Bêbado de orgasmo/ tatuado de abraços/
Mudo de palavras/Cego de ver/ Quis dormir.

As duas mulheres faziam chá.
Cobri-me com as minhas mãos, agora já tatuadas.
Apaguei um pirilampo azul.
Olhei para o horizonte desenhado a mão.
Havia um torto Equador.
Era minha irmã…
…..que paria de cócoras para o Oeste, uma noite escura cheia de latidos de cão, gemidos, e demorados uis.
Fingi que dormia, e morri.

Epílogo.

Nunca mais acordei.
Quando Deus me procurou.
Eu me escondi dentro de mim.
E nunca mais me achei.

Luiz Jorge Ferreira

 

*Luiz Jorge Ferreira é amapaense, médico que reside em São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).
** Do Avesso do Espantalho, Editora Scortecci – 2010 – São Paulo.

Poema de agora: Reciprocidádiva – (@cantigadeninar)

Reciprocidádiva

Criticam a rima pobre
De quem combina amor com dor.
“É inconcebível que em uma língua tão nobre,
Limite-se tal riqueza com aquilo que se vai por”!
Eleva-se o verbo com o substantivo;
Aceita-se também adjetivo,
Mas considera-se crime o binömio amor/dor.
Mal sabem que esta é a única consequência deste sentimento:
Um recheio de lamento
Que, por fim,
Transforma-se em mais um poema ruim,
Acinzentando todas as cores.
Onde amores… Há dores.

Lara Utzig

Poema de agora: Lâmina – Mayara La-Rocque

Lâmina

Dizem que tudo começa na infância
O raio
O espectro
A ave
O cedro

A órbita do tempo
se revira nas minhocas
soterradas no estrume

Canta um galo
ao longe
E no ouvido
freme um zumbido
de aurora

Enquanto homens e mulheres
acimentam o chão,
eu lavro uma terra
esquecida

Não sigo os lampejos
as latarias
o trânsito
e os sinais
do mês de dezembro

O sino que toca é outro
Poucos podem ouvir
Porque está além
do cimo das igrejas

ele toca nas quinas
na curva metálica
da janela
sobreaquecendo
ao sol

onde seca o orvalho
nasce sempre
outro tempo

A cada manhã
tem uma lâmina
afiada
Queimando
Evaporando
A água
A sede
– sempre a última gota –
Que tu trazes na memória.

Mayara La-Rocque

EquiNO/cio – A voz dos leitores (Fernando Canto)

eu VENHO CINTILANTE e áspero calor eqüINO sobre o mundo ARAUTO que sou de um novo tempo desde a hora em que as ONDAS do Amazonas rebentaram o alúvio das encostas na primeira MANHÃ

eu VENHO CAVALGANTE no cerrado e nos estirões inebriado com o bramIDO das cachoeiras e com o ronco dos MACAréus CavALGO sim em banzeiros caudatários de uma pororoca enorme – estro sem fim – sacralizando vôos vindOUROs além desta procela que se instaura incompreensível no meu tempo

passará A VEZ do ÁZIMO pão posto bruto que agora é tempo de pousio da espera da nova fertilização da terra quando deveremos ARAR novas angústias e colher o juSTO fruto e descascá-lo e cortá-lo à lâMINA afiada na curva dos varadOUROs

(Canto, Fernando. EquinoCIO, Textuário do Meio do Mundo. Ed. Paka-Tatu. Belém-PA. 2004.)

Poema de agora: LIBERTAÇÃO – Carlos Nilson Costa

LIBERTAÇÃO

No instante supremo,
no minuto único,
desses que só no momento de existir,
atingem o presente,
digo que estou pronto:
Aliás , espero assim desde o início,
sem ao menos saber o que é o início!

Espero,
disso eu tenho certeza!
Eu até nasci esperando,
em uma sucessão terrível de auroras.

Faz muito estou pronto:
para deixar livre a prostituta cheia de complexos,
desnecessários e impróprios,
mas que machucam,
-e isso me faz melhor!

Estou pronto
a vomitar a verdade,
mesmo que para salvar ladrões,
viciados,
necessitados,
vendidos
mas todos vivos
-e com muita honra!

A salvar os loucos,
os gênios
de grandeza,
os dos hospícios.
Estou pronto!

Diga a todos
estou aqui, irmãos!
Quantos outros não teremos,
bêbedos,
lúcidos.
Nossos irmãos sim,
e não reparas isso?

Tu louco
eu também, nós
devemos socorrer
mesmo os que não existem
e os que ainda vão nascer.
Ajudar a todos
voando como poeira cósmica,


sem normas
a formar uma grande roda,
e ver, no meio dela dançar,
na agonia da morte,
a convenção.

Carlos Nilson Costa