Poema de agora: Beijo Revolucionário (Pat Andrade)

Beijo Revolucionário

Brasília, 1999
entre centenas de bandeiras,
o vermelho da paixão…
entre as palavras de ordem,
tua voz ecoava mais alto,
causando sensação.
ditador e imperioso,
ignorando o comando de greve,
o amor ocupou meu coração.
veio o beijo,
em plena manifestação…
apaixonado, avassalador,
instalou em mim a revolução.

Pat Andrade

 

Poema de agora: ESPANTALHO (Luiz Jorge Ferreira)

ESPANTALHO

Estou nu, mesmo coberto de pele, de pêlo, de pó.
Estou azul, mesmo colorido da nódoa do tempo.
O que desboto, empilho em monte de ferrugem, e dor.
O que estilhaço, amarro em feixes de lágrimas, e saudades.
O que mastigo, engulo em noites de insônia.
Estou sem cor, sem cheiro, sem tato,sem olfato, e sem paladar.
Estou no mesmo lugar sempre, embora a vida toda eu vague.
De dentro para fora de mim, de mim para fora do dentro.

Sou um Espantalho.
Mantenho os braços abertos para um abraço eterno, com sol e lua.
Tenho um sorriso calado e um grito amordaçado, enormementes pequenos.
Talvez se eu gritar, eu fale, talvez se eu falar, eu grite.
Eu sou um Espantalho, que amo as coisas ao contrário.
A água, o rio, a chuva, o silêncio, a balbúrdia dos Quero-Queros, a solidão da semente, a doçura da serpente, colorida e traiçoeira.
Eu recebo o pouso, dos insetos, das abelhas, e das folhas secas.
Eu sou uma ratoeira, e eu próprio caio nela.

Estou palha, e estou barro.
Estou indo, e estou parado.
Estou cercado de nada, e até o nada me incomoda.
Até que o nada sou eu, e até que eu sou o nada.

Quando me dispo da palha, do chapéu, e do olhar.
Quando me deixo, e me espalho, e me perco mais de mim.
Aí, eu sou o Espantalho, aí eu sei o que valho.
Mas aí.
É tarde demais.

                                                                                    Luiz Jorge Ferreira

* Do Livro O Avesso do Espantalho. Scortecci / 2010/ São Paulo.Brasil.
** Além de poeta, Luiz Jorge Ferreira é cronista, contista, escritor e médico amapaense que reside em São Paulo e também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).

Poema de agora: Em cima da borboleta uma planta! – Annie de Carvalho

Ilutração de Felícia Bastos ([email protected])

Em cima da borboleta uma planta!

É verdade
mas, não importa se acredita
a planta pousa na borboleta.

Matizes de poemas aromatizantes
surgem na linha imaginária que separa
a seiva do dia… como flecha que passa.

Mas eu garanto tudo acaba quando
a parca natureza humana
em vez da flor colhe o espanto.

Annie de Carvalho

Poema de agora: Telhado… – Luiz Jorge Ferreira

Telhado…

O gato é que se assusta… quando eu o assusto com meus miados.
Eu também arranho o vidro da janela.
Eu também adoro afiar as minhas garras.
Perder meu olhar em direção a lua.
Enterrar minhas saudades em buracos escuros.
E uivar comigo, e em mim, de um jeito estúpido, e azul.
A rua é que se cala quando calo meu grito.
Qualquer assobio polui minha retina, com traços curtos e grossos.
Não ligo para os sussurros, e doces amargos, que mancham os retratos de riscos.
Meus espasmos amorosos é que amolecem os postes, e sobem nos muros.
Adiante das casa, adiante das caras, e defronte dos espelhos.

Eu volto para os telhados, agora molhados da língua de Deus.
E grito palavras roucas, e rotas sobre nós, sobre nossos filhos, sobre nossos pêssegos podres, sobre nossas frestas abertas,sobre o eco dos abismos, e gozos.

Quando ouço o barulho da noite, pulo e uivo.
Então é o gato que se assusta quando vomito lilás.
Eu me aquieto a lamber minhas feridas até que a alma sare.

Aí, ele furioso, me arranha.
E eu o arranho, do avesso ao contrário.
Sangram os miados que eu escondo, entre os nós do cajado.
O mesmo com que açoito a solidão.

Luiz Jorge Ferreira

* Além de poeta, Luiz Jorge Ferreira é cronista, contista, escritor e médico amapaense que reside em São Paulo e também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).

Poema de agora: É bom sentir – @ManoelFabricio1

É bom sentir

Mesmo quando tu acha que não sente
A dúvida paira como um pássaro
Na corrente de ar quente
Tu lembra levemente da dor de dente
Tu lembra levemente da topada com o dedão
Tu lembra da queda e do joelho ralado na diversão
Tu lembra da dor e de levantar, limpar a terra e correr
Tu lembra do que havia perdido na memória
Tu lembra que acordou domingo sorrindo
E lembra que sente
E fica se sentindo
É bom sentir

Manoel Fabrício

Poema de agora: Pleito – (@cantigadeninar)

Pleito

bandeiras coloridas
partidos
coletivos
movimentos
ativismo
horário eleitoral nada gratuito

campanha nas campanhas
discursos
além do curso
das horas

jingles mudos —
para candidatos —
que não têm nada a dizer

a militância das palavras
é solitária
não há neutralidade
na ideologia versificada

mudar o mundo
requer urnas
[funerárias

voto no pseudo silêncio
da engajada
lírica luta
fora da caixa
distante da turba
autônoma… singular —
eremitas, uni-vos!

Lara Utzig

Poema de agora: Ligação ( @ThiagoSoeiro )

Ligação

Existe um perigo eminentemente
Entre nós dois
Ligação fatal
De batimentos cardíacos
Veias arteriais
E emoções banais
O dia a dia aponta o caminho
Quase certo
É incerto o futuro
E saber disso é a única certeza
Há horas em que o acreditar no amor
É a nossa salvação.

Thiago Soeiro

Poema de agora: Metáfora (Tãgaha Soares)

Metáfora

o Sol, essa estrela a brilhar
com raios a penetrar o denso negror do mar, do mar
e o mar, a massa a se encandear
com forças para evitar
revolta sem abalar
peixes outrora com vidas e almas vencidas não tardam a boiar
sangra com lança de morte, com garras do forte, o herdeiro do mar…
prensa o nativo do fundo tomando-lhe o mundo que é seu habitat
povo já sem consciência perdeu a essência re raciocinar…
e a luz, em claros focos letais
atrozes torturas traz
causando o inverso da paz, da paz
tenaz, é a ânsia de se salvar
e a dança me faz lembrar
um enxame a revoar
peixes outrora com vidas e almas vencidas não tardam a boiar
sangra com lança de morte, com garras do forte, o herdeiro do mar…
prensa o nativo do fundo tomando-lhe o mundo que é seu habitat
povo já sem consciência perdeu a essência re raciocinar…

Tãgaha Soares

*Além de poeta, Tãgaha Soares Luz foi um grande jornalista e amigo querido. O cara viajou para as estrelas em 2016, mas como ele mesmo dizia: “gente do bem é outra coisa, passa e deixa rastros”.

Poema de agora: Do amor não correspondido – Bruno Muniz

Do amor não correspondido

Não sou como tu,
me envergo à menor ventania;
desabo às melodias de Mozart
como se as lágrimas dissessem-me: cala-te.
Não sou como tu,
sou de invernos sentidos,
de cálidos dias;
levo comigo inóspitos sorrisos,
mas apesar de tudo,
jamais desejei sequer um dia que não fosses feliz.
Tu
que viveu por contratos,
assinava teus beijos,
replicava os abraços.
Tu
que por não descrever-te,
me feris-tes às gotas,
qual milícias de vida.
Tu,
que tentei desamar-te,
expulsar-te dos poros,
devolver-te dos ombros;
mas amor quando nasce nos olhos
não finda nos bares.
Sem amor,
tens a dor de ser livre;
ao amor,
tens a dor por vontade.
E por mais difícil que se possa acreditar,
eu jamais desejei que não fosses feliz.

Bruno Muniz

Poema de agora: Quede – @ManoelFabricio1

Quede

Meus poemas estão aqui e ali
Escritos e descritos
Detritos
Em poeira e tinta de caneta velha
Jogadas na calçada
Perdidos em labirintos
De conexões mentais
E papéis queimados
Hora
Matinais


Quede?
A lua do dia e o gosto do barril
Envelhece
Adormece


Raspei o triturador e encontrei
Poesia
Guardada no cofre de combinações múltiplas de números qualqueres

Manoel Fabrício

Poema de agora: O eclipse – Bruno Muniz

O eclipse

Aí o sol foi ficando moreno,
foi ficando pequeno,
e se mudou pra lua.
Aí nao tinha mais o dia,
nem existia a noite;
tinha o sereno queimando na pele.
Aí são Jorge ficou nu,
a primavera dava manga,
chovia margarida.
Então eu comprei um óculos de lua
e fui à praia vazia;
conheci tanta gente legal!
Mas de tanto calor,
a lua se cansou:
– Você tá me sufocando.
– És tão bela, pena que acordas a cada dia numa fase diferente.
E o sol decidiu se mudar.
Então a lua fez-se cheia, minguante, crescente;
se enfeitou de estrelas,
mas o amor ja tinha se partido.
Nessa partilha,
não se sabe ao certo
quem foi mais triste ou mais alegre.
Sabe-se que esse amor eterno
se acabou na primeira manhã minguante.
Vai ver que de certo na vida,
sejam só as noites;
sejam só os dias;
mas se um eclipse te aparecer,
aproveita.
Vai ver só vai acontecer de novo daqui a cem mil anos.
Vai ver o segredo do ser-pra-sempre
possa estar escondido
entre a humildade de nos reconhecermos frágeis
e a vaidade de sermos tão fortes,
mas tão dependentes da felicidade.

Bruno Muniz

Poema de agora: Busca fantástica – Patrícia Andrade

 

Busca fantástica

minha barca de Caronte
me embala, me carrega…
eu navego para o inferno.
quem responde?

meu submarino amarelo
me naufraga, me afunda…
eu me afogo por Netuno.
quem me salva?

e aquele gigante zepelim,
que parecia tão chinfrim,
me salva e me responde,
trazendo você pra mim.

Patrícia Andrade