Poema de agora: Claridade – @ThiagoSoeiro

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Claridade

Onde fica a luz do fim do túnel?
É difícil saber em certos dias
Onde nem a rotina aguenta
O poema perdido
A palavra que é enfiada
Afida no peito
Corta laços invisíveis
Que só o tempo faz esquecer
Você leu o jornal pela manhã
A notícia era escura:
Nesta cidade não se escreve
mais poemas de amor.

Thiago Soeiro

 

O Elogio do Pé – Poema de Fernando Canto para Ubiratan do Espírito Santo, o “Bira”, craque do futebol amapaense (que completou 61 anos de vida)

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O ELOGIO DO PÉ – Poema de Fernando Canto para Ubiratan do Espírito Santo, o “Bira”, craque maior do futebol amapaense (que hoje completou 61 anos de vida)

I
Ainda que a mão guie
O rápido correr do atleta
O pé equilibra a perseguição da pelota e seu couro
Tal como o ouro em seu brilho
Desperta e arrisca o assombro à cobiça
No fado de explodir a bola
Num voo atômico em direção à rede.

II
O atleta – certeiro – atinge o alvo duas vezes
Pé e cabeça se harmonizam nesse objetivo
E mais vezes, mais os olhos se guiam à rede – incansável,
Mistura de inseto, soldado, animal de testa larga
Arranca cem vezes o grito da torcida enlouquecida.

III
É azul, preto e branco, vermelho
O gosto da loucura ecoante
De rugidos da selva, de cantares da alvorada
E de sangue guerreiro de norte a sul do Brasil:
É Bira de Nueva Andaluzia, paraoara,
Dos pampas, das alterosas,
Do espiritu sancto do gol, das vitórias domingueiras
Das tardes ensolaradas, crepúsculos festivos
Da tela não-pintada de Michelangelo
(Alegoria de Deus que entrega a bola a Adão
No leve tocar de dedos)
Como um contrato entre as partes no Éden tupiniquim.

IV
É Bira, príncipe da arte de chutar no gol
Viajante contumaz do oco da bola
Onde moram os querubins do futebol

V
No contato da chuteira e a bola
Centelhas rompem imperceptíveis aos olhos da torcida
Mas ali, na trajetória da pelota ensandecida
Girando em curva ou reta
Corre o chute mágico do atleta uBIRAtan
Que trave alguma, vento algum, goleiro algum,
É capaz de parar ante o fundo da rede, o seu destino.

VI
É certo que o tempo, implacável como o goleador
Também abre ruas no rosto em movimento
Ventos empoeirados surgem abruptos dos logradouros
Como quem logra a vida em ciclos imemoriais.

VII
Onde se vê de novo o voo rasante dos quero-queros
Sobre verde do gramado?
Talvez no espelho da lembrança
Porque a fama, efêmera e fugaz
Faz da vida o templo da memória, onde se clama
O que ficou para trás
Onde os cantares se repetem em rituais
Para abençoar a glória dos que vencem
Em tempos que escrevemos nosso esquecimento.

VII
A voz grossa dos que torcem e glorificam
Deixam grandes silêncios na alma
Cobram-se cobranças, cobram-se castigos
A falta, a mão, o pênalti
E o gol, que para sempre é objetivo
Resta, então, a festa da massa em labaredas
Em gritos, confetes e bandeiras
(ou o desterro infausto em outros horizontes)
VIII
Entretanto o pé-de-ouro arrisca
Em balés de pés-de-lã/ pés-de-moleque
Pés-de-pato sob as gotas de um pé-d’água na neblina
Nas estações mais aziagas das paisagens-penitências
E realiza seu trabalho de cerzir o tempo e as camisas coloridas

IX
Ora, a inveja é um olhar sinistro
Que se movimenta sobre a dádiva
Ofertada aos talentosos
É um ovo só
Saído das entranhas da serpente,
Para reduzir a alma que alimenta com seu ranço

X
Ora, o futebol não se limita a homens
Em seus campos de lama e de gramas aparadas
Há um árbitro, há rivais que se trajam de esperança
Oponentes opulentos em nervos eriçados
Quando a bola cintilante gruda ao pé do craque
E ele mergulha nas funduras do seu rio
Onde cardumes geram suas eternidades
E esperam uma coreografia não ensaiada
Para, enfim, soltar a voz contida em milênios de partida

XI
Ah, a pira dos deuses parece penetrar em águas abissais
De onde irrompe o grito final do campeão

XII
Quem não viu não mais verá. Nem ouvirá
O clamor dos ribeirinhos do Amazonas, o eco da baía de Guajará
O som ferrífero da serra do Curral e o brado dos gaúchos do Guaíba.
Quem não viu não sentirá
A poesia refletida na potência do olhar, da mira
Da luz mágica do Bira e seu bólido de vidro e luz
Transformando-se em espelho pela última vez.

XIII
E nós aqui tal degredados em nossa própria aldeia
Apenas com as imagens do passado e nosso orgulho
Fomos os pés, os pés do Bira
Quando o chute governava a bola
E a noite vigorava um brinde
A mais um campeonato ganho na história
Pelos pés do nosso ídolo
De sonho e de memória.

Fernando Canto

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Pego carona na homenagem do Fernando. Bira jogou no Esporte Clube Macapá, Clube do Remo e Paysandu Sport Club (foi o maior goleador de todos os campeonatos paraenses disputados até hoje).

O artilheiro também atuou no Internacional de Porto Alegre (onde foi campeão gaúcho e campeão invicto do Campeonato Brasileiro) e Atlético Mineiro. Ele era amigo do meu saudoso pai, Zé Penha. Gosto pra caramba do Bira. No último sábado (21), ele deu mais uma volta em torno do sol. Meus parabéns e vida longa ao nosso artilheiro!

Elton Tavares

Poema de agora: Lembrança – Andreza Gil

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Lembrança

Quando pedi para esquecer,
eu lembrei mais ainda.
Escrevi mais um poema,
mais uma lembrança,
que eu não sei se vinha de dentro pra fora
ou de fora pra dentro de mim.
Eu apenas escrevi,
como se já estivesse escrito,
ou decorado,
como aquela parte que nunca sai de nós.
Como a vida dizendo que é possível tentar esquecer,
mas que não é possível esquecer.

Andreza Gil

Poema de agora: Mapa de esquecimentos – @ThiagoSoeiro

Mapa de esquecimentos – Thiago Soeiro

Sigo a trilha de açúcar se movimentando no chão da cozinha
como quem segue seu destino na vida
quebro a trilha com o dedo
faço um corte no caminho
a parte que vinha atrás ficou perdida
um bando de formigas pretas
paradas no caminho quebrado
como quem fica sem reação com um baque do destino
descobri naquela tarde que
há muito de formigas em nós
também não sabemos refazer tão rápido os caminhos
leva um tempo até você saber se encontrar
outro dia perdir um poema bem no meio de uma frase
e ainda não sei como seguir
há dias me incomoda essa falha
essa interrupção de pensamento
essa perda
as formigas reencontram o caminho pela janela
uma a uma com suas recompensas
as pedras de açúcar nas
costas como um troféu
volto ao poema ainda perdido
na esperança de encontrá-lo
na página branca que ainda está escrito:
Será que onde as formigas moram existe mar?

Poema de agora: Conto de Fadas – Pat Andrade

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Conto de Fadas

o reino que nunca vi
ficava logo ali
lá vivia uma princesa
presa embaixo da mesa
guardada por um dragão
que soltava fogo não
no máximo umas brasas
e também não tinha asas
o príncipe encantado nunca veio
ainda bem…porque era feio
morreu na ponta da espada
mordendo uma maça envenenada

Pat Andrade

Poema de agora: Rainha, mãe e flor (Thiago Soeiro)

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Rainha, mãe e flor

Minha mãe nunca viu o mar, mas cabe em seus olhos a experiência de quem viveu toda a fúria de uma vida sofrida. Suas mãos calejadas guardam história que hoje parecem borrões se apagando ao vento. Seus olhos negros guardam uma ternura tão doce que me emocionam. Poucas pessoas no mundo sabem devolver para a vida sempre o melhor de tudo, para ela o copo sempre está meio cheio, e se hoje foi difícil, amanhã será melhor. Toda essa fé de mulher brasileira, negra, nordestina e sonhadora, ela carrega a vida, sempre nos ensinando a ser fortes. Teve seis filhos com muito amor, e para quem passou parte da vida sozinha uma família grande é realização.

Minha mãe nunca teve tantas chances na vida, nasceu em um tempo e lugar onde não se tinham escolhas. Começou a trabalhar cedo, estudou só até o fim do ensino fundamental, mas nunca deixou de ler, e isso sempre foi seu refugio que a levou para tantos lugares.

Mamãe nunca viu o mar, mas sonhou com ele tantas vezes e me contava que quando cheguei a ver o mar chorei de emoção. Ela me mostrou o mundo das palavras, e foi quem fez que eu me apaixonasse por elas. Se hoje sou jornalista e poeta é porque aprendi com o amor dos versos nascidos em seus olhos. Ela sempre me pede um poema e guarda todas as cartinhas que fiz deste o jardim de infância.

Mamãe nunca soube, mas ela já nasceu um poema.

Feliz Dia das Mães! Te amo.

Thiago Soeiro

Poema de agora: Bilhete – Mário Quintana. Por @PedroStkls1, @ThiagoSoeiro e @rebeccabraga

Bilhete – Mário Quintana. Por Poetas Azuis e Rebecca Braga

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…

[Bilhete] – Mário Quintana, in ‘Antologia Poética’