Estou pronto para ir às estrelas. Coloquei as meias sujas dos últimos passos. Limpei com areia as lentes cinzas dos óculos. E arrumei ideais sobre ideias, e lembranças inúteis. Entre planos esquecidos emudeci alguns dos meus gritos. E violentei minhas sombras projetadas na parede da sala. Com sílabas tônicas retiradas de uma música afônica. Saída de um rádio sobre a estante.
Estou pronto para ir às estrelas. Rabisquei com os dedos sujos de dedos. Rotas estranhas que vão se perder em suas axilas. Desaparecer em suas costas largas, e embaraçarem-se entre seus cabelos. E como anônimos Pontos Cardeais, retornarem a mim. Eu agora, sombra pregada na parede, ando em círculos, tendo contra mim, o Tempo e o Vento. Ambos velhos e cabisbaixos…surdos a música afônica que sai pela boca do rádio. E escapa pela fresta da janela.
Estou pronto para ir às estrelas. Satisfaço-me em lembrá-la como antes. Lábios abertos, e estilhaços de risos, flutuando até mim. Eu estou com as mãos ocupadas pelas palavras. Livrando-as da chuva fina que enfileira pingos.
Escrevo algo como tantos outros algos que escrevi, talvez uma despedida para ninguém, ou um pequeno adeus. E nunca os completo!
Fica difícil exilar-me nas estrelas. Há a angustia da espera, que me enche de nódoas . Umas nuvens vagabundas escondendo a saída. E um barulho rouco de uma música. Algo como um choro, que sai da boca do rádio. No momento maravilhoso em que calo. As mãos, e a fala.
Luiz Jorge Ferreira
* Poema do Livro Thybum – Editora Expressão & Arte – 2004 – São Paulo.
Estavam fugindo de mim pela janela da sala todos os meus fantasmas Uns ainda envoltos em toalhas de banho, e outros vestidos de estranhas casacos… Eu com um lápis crayon tentava desenhar a face de Deus em uma folha branca Mas eles molhavam com uns respingos que lembravam o cheiro de Curimatã. Alguns mascavam chicletes, outros iam ao toalete, outros me xingavam em Alemão Dois ou três quiseram me dar a mão, mas acabaram deixando um Jornal do Pasquim. Outro lambuzou o corrimão da escada que levava ao Ártico. de Glostora. Um deles, que parecia canhoto, quis escrever no papel que eu mantinha sobre a tampa do piano, toda a história, do homem na terra…
Achei longa, e toquei Tico Tico no Fubá… mas ele pediu Strauss, somente uma Valsa em Mi Menor Dormimos a tarde, cansados, eu distraído com a velocidade dos pensamentos, a presença de rugas, e o terceiro movimento da Heroica. Eles de mangas arregaçadas, jogando sinuca, apostando fragmentos de paixões desenfreadas, um ganhou Romeu…
Outro trocou Julieta por uma garrafa de vinho Chileno… que abandonou na terça-feira de Carnaval… Estava muito calor … Comi gelo, e molhei os cabelos com uma xícara de Chá Preto… Na bandeja Ostras Madrepérolas, uns retratos da Revolução Francesa.
Flores Congeladas, e Polens Envidraçados. Saltimbancos da Caixa de Música, anêmicos prometiam amar os Girassóis, eu veloz prometi a mim…amar-me! Um fantasma carregado de sotaque Irlandês… Gritou…- Não te traías… Messallina te enforcará com a linha do Equador. Empapuçado de pó de toucador, fingi definir o amor, e me apaixonei por anáguas Depois flutuei entre um compasso, e outro de um Tango bem cantado, rodopiei insano… Sai pela janela…todo molhado.
A alma calma cintila aguardando o passaporte embrulhado em um papel perolizado de chocolate Nestlé. Os gnomos saíam de dentro do meu estômago, mas saíam felizes, eu parecia ser o pai de todos os Ghosts, e os vendia por quilos, coisa que ruborizava as estrelas nas entrelinhas das vielas vizinhas.
Não se afastem de mim a galope, não se aproximem a trote, estou tonto de Gim, culpa dessa Tilápia louca que me mastiga a boca a engolir minhas palavras. Brincamos de trocar nomes, eu lhe apelidei de Vida, ela me chamou de Alma. Perambulo a esmo com meus segredos costurados em Organdim preso a um vestido lilás… Como poderemos dançar em paz. Ela insiste em ser eterna.
Eu só peço que ela seja bela, e finja como uma atriz. Eu sou apenas um fantasma, a desejar pular pela janela, e se dispersar nas trevas desesperadamente olhando para trás.
Luiz Jorge Ferreira.
*Do livro “Defronte a Boca da Noite…ficam os dias de Ontem” – Rumo Editorial São Paulo Brasil. 2020.
1. Urge dizer a todos que te amo e me alastrar, sôfrego, à tua procura diária falar aos quatro cantos que o amor é necessário na aventura floral desses caminhos e que o rio transborda, seca e deixa restos porque sou resíduo de ti, que me semeias e me acendes em busca de um novo tempo.
Tu és fêmea, e como tal carregas, de milênios, a inconclusa compreensão concebida no teu útero, estigma mundano – o homem, o preconceito.
2. Não seria fortuita a insaciável renitência dos olhares que nos tangem – céticos – a mover pálpebras à palidez da luz da lua. Seria por certo a espelhação daquelas almas conflitantes e inseguras Na absoluta podridão de suas mazelas.
3. Perfurados ou não, nós nos cerzimos rasgados ou não, nos costuramos, temos tempo para usar borracha e corrigir o desenho do futuro – arte coloquial que criticamos desde a configuração abstrata delineada no passado.
4. Faz-se urgente empanar a couve-flor, enrolar charutos turcos e beber vinho do porto. A água está no copo de alumínio pra tirar a espinha atravessada na garganta, pois se o rio dá de comer o peixe não tem culpa dessa fome incontrolável.
5. Decididamente tenho que gritar acompanhando o vento ainda que me vire de repente pois a alastração do meu amor por ti é inevitável é profusa, é disseminadora.
6. – Quem é esse? Hão de inquirir, procurando agruras: – Ofiófago, furfurácio, bucéfalo, hendecágono, biltre, escatológico, onívoro, herbicida, satrapanca, hetacombático, súcio, teratológico, celeumático, metacromático, tabífico, santiâmem, ovovivíparo, safilítrico, tribático, safídico, troglodítico, tranchucho, safardana…? Ou ainda: – Onírico? Um pássaro? Um avião? – pelos poderes de Grey Skul, eu tenho o sonho! A força desmedida e crua – extensão do meu amor.
7. Por essa ambientação do cosmo que transformo O sol em sol O sol em sonho O sonho em safra permanente de existência.
8. Não haverá ritmo ou canção o brilho desse amor estará preso ao laço que se ampliará conforme o tempo. A chuva pingará o essencial nas estranhas da terra e a terra germinará o exato para que vingue a flor e a flor perfumará o necessário para estimular os sentidos todos eles, inclusive aquele que inventarem à noite para que o sonho sobreviva de manhã.
Estão abertas até 22 de fevereiro as inscrições nos editais para seleção de projetos culturais no Amapá a partir de recursos da Lei Paulo Gustavo. Produtores e agentes culturais podem participar dos editais Latitude Zero e de premiação Maré Cheia.
Os editais lançados pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult) somam aproximadamente R$ 22,6 milhões e devem contemplar cerca de 1,2 mil iniciativas nos 16 municípios do estado.
Do total de recursos, R$ 14,6 milhões foram destinados ao segmento audiovisual, R$ 5,6 milhões para outros segmentos culturais e R$ 1,1 milhão para a operacionalização da lei.
O governo informou ainda que R$ 1,3 milhão foi destinado a uma adaptação do Centro de Difusão Cultural João de Azevedo Picanço para uma Sala de Cinema.
Edital Latitude Zero
O edital seleciona até 365 projetos do audiovisual, com valores que variam de R$ 1,5 mil até R$ 400 mil. O responsável pelo projeto deverá exercer a função de criação, direção, produção, coordenação ou gestão artística de destaque com capacidade de decisão dentro do projeto.
O edital de premiação Maré Cheia vai selecionar agentes culturais de diversas áreas que tenham prestado contribuição relevante para o desenvolvimento artístico e cultural no Amapá há pelo menos dois anos. Serão mais de R$ 5,6 milhões em premiações para 835 projetos, que podem variar de R$ 5 mil a R$ 10 mil.
A proposta foi batizada em homenagem ao ator e humorista que morreu em maio de 2021, vítima da Covid-19. Paulo Gustavo era um dos artistas mais populares do país e faleceu aos 42 anos.
Para o Amapá foram destinados cerca de R$ 30 milhões pelo governo federal, sendo cerca de R$ 22,6 milhões para o estado e R$ 7,5 para os municípios. No estado, a lei foi regulamentada através do Decreto nº 8.901 de 13 de novembro de 2023, onde se dispõem que os recursos previstos serão utilizados em ações emergenciais destinadas ao setor cultural.
Os cinco municípios com maior previsão de transferência de recursos no Amapá são Macapá (R$ 4,6 milhões), Santana (R$ 952 mil), Laranjal do Jari (R$ 419 mil), Oiapoque (R$ 233 mil) e Porto Grande (R$ 189 mil).
O Projeto “Jornada Fé, Luta e Arte” reunirá no período de 19 a 21 de janeiro, artistas de vários segmentos da cultura e da literatura amapaense, na Bibliogarden – biblioteca comunitária localizada no Amapá Garden. Durante três dias, o espaço estará aberto ao público que poderá participar de oficinas e apreciar recitais, performances de dança e poesia, exibição de filmes, encontro com escritores e exposições fotográficas. A programação diversificada e gratuita acontecerá a partir das 16h.
O objetivo, além de promover encontros com talentos locais para compartilhar a diversidade de obras e expressões artísticas que são produzidas no estado, é comemorar o Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa, que acontece domingo, 21. O evento é realizado pelo grupo Abeborá das Palavras, com o apoio da Prefeitura de Macapá, Coletivo Juremas, Maré Literária, Arte da Pleta e Amapá Garden Shopping.
“Essa programação compartilhada num espaço democrático, que é a Bibliogarden visa dar visibilidade a diversidade de manifestações religiosas e artísticas. É preciso respeitar e conhecer os diversos credos que nos rodeiam. Essa é mais uma ação em que nossos artistas irão trocar experiências com o público e todos estão convidados”, frisou Carla Nobre, escritora, poeta e uma das coordenadoras da Bibliogarden.
16h – Exposição fotográfica: Macapá em Prosa & Verso – Aog Rocha
Exposição fotográfica: Ecos do Amapá – Raih Amorim
Exposição fotográfica: Salmos e Paisagens – Bárbara Ribeiro
Exposição Poemas de Sustentabilidade – diversos escritores e artistas
Oficina de Caderno Artesanal – Carla Nobre, Bárbara Primavera, Ana Anspach e Raih Amorim
Sábado, 20
18h – Exibição do filme Tempo de Chuva – Direção: Nani Freire
Exibição do filme Capitão Açai – Direção: Marcelo Nobre
19h – Recital “Quem me benze” – Bárbara Primavera
20h – Performance “Variações do Infinito” – Carla Nobre
20h30 – Leitura de Poemas Paquete “O Exílio dos Olhos” – Pedro Stkls e convidados
21h – Performance “Toda reza é santa” – Grupo Abeporá das Palavras
Quando ponho os pés em Belém, Penso que a vida não passa; Logo ela, a vida, apressada e mutante. As ruas de minha vida, em minha vida, São as mesmas, com maquiagens que eu ignoro, Com penteados que não quero ver, Com alguma coisa de novo querendo despontar das coisas velhas Que se recusam a morrer. Eu percorro cada beco Com o mesmo sobressalto dos dias passados, Coração acelerado pelo medo E pelo amor. Ah, minhas amadas que ainda vagam por aquelas ruas, Que sorriem quase inocentes, Que me fazem sofrer, Amalgamadas naquela piçarra atemporal, Naqueles charcos que não evaporam, Naquele mato cortante e eterno. Ah, amadas minhas, que eu jamais toquei, Que é feito de todas elas Aprisionadas nessas vias fantasmas? Por que não descansam em paz Como tudo o que vive E que um dia se vai? Por que ainda se riem Num eco interminável? O eco, repetição insistente Do que não pôde ser calado, E que viaja em movimento próprio Para as bordas da eternidade, É vivo porque se move E move-se por ser vivo. A vida é movimento e pulsação, Todas as coisas vivas se movem, Mesmo as aparentemente estática Estão a se mover neste universo de pressas. Os cataclismos, As explosões, Todas as estações São manifestações vivas do movimento divino. A saudade é viva Porque é o movimento incorpóreo Da alma em busca do que não está. O amor é vivo Porque é o movimento De todos os sentimentos de desejo A ebulir na veia E a palpitar no coração e nos olhos. A morte é viva Porque é o movimento cíclico da renovação, Da transformação em outras vidas, Da infindável procura pela eternidade. A poesia é viva Porque é o movimento inútil De tomar as palavras por arranjo Para dar visibilidade ao que a alma Esconde do campo visível material. Se me movimento por Belém, Mesmo sem estar lá, É porque busco vida. Busco fôlego como um afogado Precipitando-se para a superfície. Vejo espectros de minha felicidade, Vejo vultos de meu medo, Vejo minhas amadas a cantarolar Uma ciranda em um idioma Que eu não conheço mais, Numa dança que eu nunca aprendi. E vejo rastros de uma esperança Que se embrenhou nas matas de um tempo Que eu só consigo alcançar em sonho, Porque o sonho é vivo… Porque se move.
Na ante sala onde deixei minhalma agora vivem os pombos Os seus muitos arrolhos talvez sejam os soluços dela Esses arrolhos não passam pela janela Eu com minha curiosidade me esfrego ao chão e passo por debaixo da porta agora torta pelo entra e sai do tempo. E vou olhar em volta e nada vejo…não sabia que almas não se enxergam e se ouvem tangos…e se escutam Baladas…a semelhança da Musica dos Pholhas …My Mistake… Voltam ao passado pisando para trás atabalhoadamente.
Sei que almas sofrem de saudade… Sofrem de Artrite…sofrem de solidão…e são tímidas… Só surgem a noite e não tem fisionomia…ninguém as reconhece Elas atravessam sob a chuva, sob a lua, sob meu olhar miope, e dançam com minha sombra, um Bolero Cubano, e eu choro uma lagrima, disfarçada de coceira nos olhos…
Estou em farrapos…o cão percebe que sofro e uiva de um jeito desastrado que força um vizinho assustado a abrir a janela…a lua foge para sua casa e deixa um rastro que os Pirilampos nele se embriagam e aumentam a esteira infindável de pisca-piscas coloridos. Todos morremos uma vez, eu acho que já morri três… Vejo que perdi as pálpebras e meu olhar está despido, por isso a alma envergonhada se escondeu na ante sala… E em mim se instalou o pranto como um vivente esquecido, que vive eternamente triste, até com a sua própria alegria…
Por último emudecem os pombos…tudo ao seu redor faz barulho, até o silêncio quando chega faz barulho… Por isso as almas nos assustam, e se assustam até com assobios do vento nas venezianas… Os pombos como nada compreendem, voam com suas almas sem asas, sem rumo, e se me convidam, digo que lhes sigo… Como voam sem rumo, eu me apresso a segui-los…assim que a vida me devolva… Asas e rumos!
Luiz Jorge Ferreira
*Do livro Defronte a Boca da Noite ficam os dias de Ontem.
Lá vem Belém, moreninha brasileira, com perfume de mangueira, vestidinha de folhagem. E vem que vem, ligeirinha, bem faceira, como chuva passageira refrescando a paisagem.
Lá vem Belém, com suas lendas, seus encantos, seus feitiços, seus quebrantos, seus casos de assombração. E vem que vem, com seu cheirinho de mato, com botos, cobra Norato, com rezas, defumação.
Lá vem Belém, recendente, feiticeira, no seu traje de roceira, na noite de São João. E vem que vem, com seus banhos de panela, alecrim, jasmim, canela, hortelã, manjericão.
Lá vem Belém, a Belém dos meus encantos, dos terreiros, Mães de Santo, das crendices, do pajé. E vem que vem, com sobrados de azulejo, vigilengas, Ver-o-Peso, na enchente da maré.
Lá vem Belém. No dia da Trasladação vela acesa, pé no chão, sempre firme em sua fé. E vem que vem, o povo implorando graça, sempre que a Berlinda passa com a Virgem de Nazaré.
Lá vem Belém, junto de Nossa Senhora, dia do Círio ela implora saúde, paz e dinheiro. E vem que vem o povão, o povo inteiro porque Deus é brasileiro e Jesus nasceu em Belém.
Sylvia Helena Tocantins Escritora e membro da Academia Paraense de Letras
E assim como o fogo estica o couro dos tambores E a mão que toca a vida e seus amores, O canto encobre o som desses batuques que agitam saias E toalhas da gente do mar abaixo E a lembrança da senzala que nunca mais virá.
A minha poesia, senhor, é a poesia desmembrada dos homens que olharam o mundo pela primeira vez; dos homens que ouviram o rumor do mundo pela primeira vez. É a poesia das mãos sem trato na ânsia do progresso. Ídolos, crenças, tabus, por que? Se os homens choram suor na construção do mundo e bocas se comprimem em massa clamando pelo pão? A minha poesia tem o ritmo gritante da sinfonia dos porões e dos guindastes, do grito do estivador vitimado sob a lingada que se desprendeu, do desespero sem nome da prostituta pobre e mãe, do suor meloso da gafieira do meu bairro sem bangalôs onde todo mundo diz nomes feios, bebe cachaça, briga e ama sem fiscal de salão. – Já viu, senhor, os peitos amolecidos da empregada da fábrica que gosta do soldado da polícia? Pois aqueles seios amamentaram a caboclinha suja e descalça que vai com a cuia de açaí no meio da rua poeirenta. Cuidado, senhor, para o seu automóvel não atropelar a menina!…
Hoje, dia 08 de janeiro de 2024, Alcy Araújo nascia do município paraense de Peixe-Boi. Mas foi aqui no Amapá que realizou suas utopias, fabricou sonhos e vislumbrou grandes especulações que iriam beneficiar o povo amapaense que tanto amou em vida e nos seus escritos imorredouros. Alcy era imortal da Academia Amapaense de Letras, cujo patrono é o jornalista Mendonça Júnior, jornalista como ele. A sua cadeira é ocupada atualmente pela jornalista e também poeta Alcinéa Cavalcante, filha dele.
Até hoje o poeta Alcy Araújo vive no imaginário dos escritores e leitores que queriam ser como ele. Nós da AAL, que o reverenciamos sempre, criamos para este ano o “Concurso de Poesia Alcy Araújo”, como uma forma de homenagem ao seu centenário. Alcy nos deixou em 1989, mas sua permanência é um fato espiritual que inspira a todos pela beleza única de sua literatura.
Abaixo o texto sobre os 50 anos de publicação do seu primeiro livro, o “Autogeografia”. Preferi deixa-lo na íntegra, pois este era o quadro quando foi escrito.
TRIBUTO A ALCY ARAÚJO PELO SEU “AUTOGEOGRAFIA”
Cinco escritores amapaenses realizaram ontem uma homenagem sui generis ao cinquentenário de lançamento do livro “Autogeografia”, do poeta Alcy Araújo. Esse livro foi o primeiro do mais importante autor que passou pelo Amapá, lançado em julho de 1965.
A homenagem foi feita exatamente às 12h00, em quatro pontos da cidade e sob o monumento Marco Zero do Equador, quando todos leram ao mesmo tempo trechos da obra Alcyniana. Os escritores escolheram esse momento místico para fazer a leitura de textos do livro a partir de quatro lugares da cidade, em direção ao Marco Zero do Equador, a fim de realizar uma Pirâmide Mental direcionada ao vértice desse extraordinário ponto de convergência, receptor de energia astral da cidade de Macapá, que tanto o poeta amava.
Alcy Araújo foi pioneiro do Território Federal do Amapá e aqui trabalhou como jornalista e servidor público, exercendo altos cargos no decorrer de sua vida profissional. Como escritor incursionou pelo campo da poesia, do conto e da crônica, entre outros. Era compositor e chegou a ganhar festivais de música por aqui. Mas foi a poesia que lhe marcou definitivamente e de forma gloriosa a sua carreira. Boêmio e amigo de todos, Alcy influenciou dezenas de poetas em suas criações, desafiando-os a produzirem e se aprimorarem. Era conhecido nas rodas boêmias como “Tio” Alcy. Deixou uma quantidade incontável de textos e poemas que precisam ser publicados e divulgados, pois sua poesia não perde a atualidade.
O Amapá tem o dever de preservar a memória criativa e cultural dos seus escritores, a fim de que eles possam ser conhecidos pelas novas gerações e pelas vindouras. O livro “Autogeografia” merece urgentemente uma reedição, bem como os outros livros que o poeta chegou a publicar como “Poemas do Homem do Cais” e “Jardim Clonal”. Seus contos e crônicas e contos precisam ser reunidos e estudados, entretanto nem a Universidade nem os setores culturais oficiais mexem sequer um dedo para reacender essa memória escrita, preferindo a cultura de massa em detrimento da nossa formação intelectual.
A pirâmide é o símbolo da ascensão. Ela, invertida sobre a ponta, é a imagem do desenvolvimento espiritual: quanto mais um ser se espiritualiza, mais sua vida se engrandece, se dilata à medida em que ele se eleva. Do mesmo modo no plano coletivo: quanto mais um ser se espiritualiza, maior é a sociedade de seres personalizados na vida dos quais ele participa. Convergência ascendente, consciência de síntese, a pirâmide é também o lugar de encontro entre dois mundos: um mundo mágico, ligado aos ritos funerários de retenção indefinida da vida supratemporal, e um mundo racional, que evocam a geometria e os modos de construção. Na pirâmide há, ainda, uma pulsação dinâmica que pode ser vista como o símbolo matemático do crescimento vivo, expressão esta que melhor exprime o simbolismo da pirâmide. Atribui-se a Hermes Trimegisto uma ideia análoga: o cume de uma pirâmide simbolizaria o Verbo demiúrgico, Força primeira não engendrada, mas emergente do Pai e que governa toda coisa criada, totalmente perfeita e fecunda.
O ato realizado pelos cinco escritores não objetivou caracterizar uma liturgia mística ou religiosa, mas uma ação respeitosa àquele que foi nossa maior referência poética e que precisa ser reconhecido cada vez mais pelo que fez e pelo legado intelectual e artístico que deixou. Os escritores foram: Manoel Bispo, Fernando Canto, Paulo Tarso Barros, Osvaldo Simões e Alcinéa Cavalcante (filha do poeta).
Uma forte emoção tomou conta de todos os cinco participantes na hora de realização do ato piramidal e poético, com a leitura dos textos abaixo. Em setembro, por ocasião do Equinócio da Primavera, novo ato será realizado, desta vez com a participação de grupos poéticos e teatrais.
MENSAGEM – (Alcy Araújo)
O mar está ficando cada vez mais distante.
Já quase não divulgo o cais enevoado
que o mar vai levando
e o navio desapareceu em direção
ao outro lado do hemisfério,
deixando meus olhos inertes, sem lágrimas,
dentro da paisagem estacionária do espelho.
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Voltarei a me encontrar com o Mundo.
E, quando terminar este descanso, Amada,
será chegada a hora bíblica de enviar,
por um verso em demanda,
uma mensagem de encorajamento
ao povo nascente que habita
a terra em formação
na Latitude Zero.
TEXTO 2.
Estou nu, como o sou diante do meu Anjo, desde a minha inauguração até o agora. Amanhã, talvez, terei mudado. Metamorfose ou metempsicose. Mas aí estas palavras e estes carinhos terão passado, por ser só este pouco o muito pouco que posso oferecer: o meu humílimo gesto de poeta.