Poema de agora: Eterno Retorno – Jaci Rocha

Eterno Retorno

Desde que acordei
Já deixei pra trás tanta coisa!
Meu sonho esquecido da noite anterior,
A beleza da lua passada,
E até um belo par de asas…
É que o tempo cria demônios
Redemoinhos e tufões
E leva embora tudo que somos – efemeridade
Para trazer, com o mover do mundo,
Novas partículas de segundo.
Por isso, adeus, adeus!
Mas é sempre até breve…
Pois na curva do arco-íris
O amor (mágica infinita)
Em si, repete.
O vento que fez a curva,
Girou a roda do universo
voltou no dobrar da esquina,
arejou certezas,
e hoje dança com as cortinas…

Jaci Rocha

Do lado de dentro: chegou o novo livro virtual da poeta Pat Andrade

Capa: Artur Andrigues

Em tempos de pandemia, a arte se reinventa para sobreviver, para seguir respirando, com ou sem máscara.

A poeta Pat Andrade tem em seus livrinhos virtuais sua principal fonte de renda atualmente.

Já publicou quatro deles, nesse período, sempre buscando parcerias dentro ou fora de casa, desde a primeira publicação: Uma noite me namora conta com arte do também poeta, Pedro Stlks; a segunda – Em tempos de lonjura – tem a participação de seu filho, Artur Andrigues, que ilustrou e diagramou toda a edição. O terceiro livrinho, Delírios e subterfúgios, foi uma publicação solo.

Agora, chegou a vez de Do lado de dentro – de novo com a parceria do Artur, que fez a capa.

A publicação conta com 16 poemas autorais que refletem bastante o título do livro. Como diz a poeta, na apresentação da obra: “o lado de dentro de muita coisa: da casa, do cotidiano, da vida, da morte, do amor, de mim mesma”. Um livro cheio de experiências pessoais traduzidas em poesia, na sua forma mais simples: o verso livre.

Uma particularidade do trabalho da Pat Andrade é a maneira como vende seus livros: a poeta deixa os compradores à vontade para pagar o que quiserem por cada livro. Portanto, o leitor é quem sabe quanto custa adquirir suas publicações.

As vendas são feitas por ela, diretamente. Preferencialmente pelo Whatsapp. O pagamento é feito por transferência bancária. Contatos pelo fone (91)99968-3341 – Pat Andrade.

Poema de agora: Velhos & Novos (Jaci Rocha)

Foto: Makseul Martins

Velhos & Novos

( ” por amor às causas perdidas”)

É demodé escrever à mão
Ouvir uma canção do Ney
Está ultrapassado, e, do outro lado
Ninguém acredita em papai Noel…

Dizem que daqui a 1000 anos
Ninguém saberá dizer ” te amo”
Não haverá camada de ozônio
E seremos alienígenas de nós…

Não existirá papel marché
Coisas que existem apenas para deleite
Como riso, teatro, sorvete
Ou bichos sentimentais,

Bichos como eu e como tu
São coisas esquisitas
Que pedem guarida
À memórias escritas com a tinta da emoção …

E, de antemão
Desistiram de fazer parte
Do dia a dia que arde
No calendário seco
Da modernidade

Perdem tempo – e ganham vida
Com a luz estonteante das estrelas
Brincam de escrever poemas
E escrever na areia
Mensagens de amor…

Jaci Rocha

Poema de agora: Mapa, cá – Jaci Rocha

Mapa, cá.

Sempre que procuro no peito
A geografia do amor
O mar que abriga meu lar

A luz de um lugar acende em meu peito.

Paisagens que o tempo não leva:
Um santo que abraça o amazonas,
Grande casa de pedras, igrejinha,
A bênção, meu S. José!

Sempre que penso no lar,
É batuque, samaúma, maré cheia
Ruas enfeitadas de mangueiras
Capital morena, segunda mãe

Casa minha.

Terra da poesia de Fernando, Alcinéa, Maria Ester
Marabaixo no pé, de Tia Luci até aqui,
É igarapé das mulheres, lendas e crenças,
Flores do mato,

Ervas que curam , vida que abunda,
Cá dentro de mim.

Jaci Rocha

Poesia de agora: POEMA EM ESTADO BRUTO – Pat Andrade

POEMA EM ESTADO BRUTO

caminho entre
escombros e flores
me surpreendo
entre assombros e dores
e não abaixo a cabeça
pra não perder
de vista o horizonte

tiro forças
de um poema rabiscado
de um verso maldito
de uma rima esquisita

trago a pena
inquieta e inconstante
e uma página
que não se contenta
em ficar em branco

o que me salva e me sustenta
é sempre um poema
em estado bruto

Pat Andrade

Três Poemas Profundamente Curtos de Luiz Jorge Ferreira

Sobre o partir

Eu já parti muitas vezes,
Parti de Macapá, sem trem, e sem asas.
A boca cheia de farinha d’água…( para malinar com a fome…)
Parti tanto, tonto, ontem…
Hoje talvez, chegar, nem saiba mais…

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Sobre o Amapá

Tenho um paneiro perdendo estrelas pelas bordas…arrasto-o pelas Praias da Fazendinha, deixando um rastro que o Rio lambe.
Tenho um cheiro e uma pele sem cor, que eu cicatrizo no retrato de uma Kodak.
Chove saudade entre Quartos Crescentes e Luas Novas.

Foto: Cinema Infância anos 60

Sobre a Infância

Passeio era ir ao Mercado de Peixes, ver os Urubus apaixonados, pelo pitiú.
Ver o vento moleque sacudir suas caudas.
Molecagem era estilingar nos cães, um Cometa.
Emoção era furtar um doce por conta do açoite do dia anterior.
Domingo na estreia de um filme proibido, queria ser adulto.
Segunda-feira com a bola de meia, queria ser menino.
Felicidade era ir ao Mercado ver os Urubus, dançando sob os cutucões do vento que entravam Mercado
adentro para fechar os olhos dos peixes congelados.

Luiz Jorge Ferreira
*Do Livro Beco das Araras – Editora Scortecci – 1990 – São Paulo.

Poema de agora: O BEIJO DO BOTO – Pat Andrade

A lenda do Boto – Pintura de Jorge Riva de La Cruz

O BEIJO DO BOTO

quando esse rio me atravessa
a Iara canta pro boto dançar comigo
a lua nasce pra iluminar a festa
com seu brilho antigo

na madrugada, miríades de estrelas
confundem meus olhos cansados
no embalo da rede adormeço
muitos sonhos encantados

o sol não demora a levantar
onipresença por todo o rio
a memória doce da noite
se resume a um beijo frio

Pat Andrade

Poema de agora: O ser borboleta – Maria Ester

O ser borboleta

Ser borboleta é substantivo, mesmo que efêmera seja
Borboletar é um verbo que fala da arte de se reinventar
Refere-se ao viver o mundo sincronizado com o Universo numa permanente exclamação
Sem pronomes, sejam eles retos ou oblíquos
Mas pode ser adjetivo, se te deixa com os olhos brilhando
Mesmo que convivas num mundo de cheio preposições
É advérbio quase sempre e nunca raramente…
E até admite o emprego de conjunção
Na felicidade, em liberdade, de verdade!


Borbolete-se, então, criatura de Deus.
Para viver livre!
Para ser feliz!
Pois, o que seria das criaturas sem Deus e sem seu amor.
Viva, oh, ser borboleta!

Maria Ester

Poema de agora: SE – Pat Andrade

SE

se me viro na cama
se perco o sono
se choro sozinha
já não tens como ver

se chamo teu nome
se grito mais alto
se rezo baixinho
já não tens como ouvir

se perco a hora
se quebro o salto
se salta o botão
já não tens como saber

se esqueço o batom
se eu erro o tom
se eu te digo não
já não tens como entender

se a lua não sai
se o sol não se põe
se a chuva não cai
já não há o que fazer

se não és meu bem
se não há paixão
se o amor não vem
já não há o que dizer

Pat Andrade

Poema de agora: RONDÓ DO DIA PACATO – Ori Fonseca

Ilustração: Fernando Lopes

RONDÓ DO DIA PACATO

Eu nunca pensei que amaria tanto
O tempo nu desprovido de espanto,
O dia pacato, o passo sem pressa,
A estrada livre onde nada tropeça,
A noite sem dor, sem medo, sem pranto.

Porque todo dia é um dia santo,
E todo momento é um tempo de encanto
Desde o bafejo em que a vida começa,
Eu nunca pensei que amaria tanto.

Eu olho o tempo, ele me olha e, no entanto,
Juramos paz, cada qual no seu canto,
Mentimos muito, mas ninguém confessa.
E a vida segue, caminha, atravessa
Quisera sem dor, sem medo, sem pranto…
Eu nunca pensei que amaria tanto.

Ori Fonseca

Poema de agora: Telhas Quebradas – Luiz Jorge Ferreira

Telhas Quebradas

Quando tocava El Reloj nas festas do Diretório Estudantil no Grêmio defronte de casa, na Av. Ernestino Borges.
E a Banda exuberava nos sopros e as baquetas do Biroba soavam como Violinos Vienenses.
Eu, deitado em uma rede sem cor, que carregava dentro dela, meus sonos, meu sonhos, e o grafite do meu corpo magro, nela desenhado, meu coração a si próprio atropelava, e acelerava como a caçamba da Prefeitura dirigida pelo Congó em direção ao Curiaú.


Deus ria.
Eu nem sabia onde o amor morava, mas flertava com o brilho das estrelas, que infiltravam sua luz pelas frestas das telhas quebradas.
Havia em mim um estranho desejo de tirar a vida para dançar.


Mas eu ainda não sabia se a vida era apenas aquela sede amarga no calor da noite abafada que eu tentava afugentar com dois goles d’água quentes vindas do pote de barro descascado.
Ou a vida, era a felicidade de ver o Carapanã saciado abandonar os meus pés, e ir ouvir o resto do Bolero, entre as fimbrias do Mosquiteiro.

Eu escutava de onde eu estava o Nando dos Cometas emitir com voz aveludada a terceira parte da Música em um acorde mais agudo, e aquele trinado permanecia no peito por dias e eu me flagrava atravessando o campo Escoteiro, cedinho, indo a aula no IETA, solfejando… “detém as horas te peço, faz está noite perpetua, para que meu bem não se afaste de mim, para que não amanheça […]”.


Logo as estrelas, agora apagadas pela luz do Sol.
Espremiam a grama sob meus pés, pousadas em meus ombros.
Ou eram elas ou eram meus sonhos que tolos e franzinos, se escondiam debaixo da marquise do Grêmio Estudantil.
Dormi.


Hoje desenho meu rosto imberbe nos dias, mas eles estão sujeitos a noites.

Não acho as telhas.
Onde esqueci o Relógio.

Luiz Jorge Ferreira

*Poema Quase Memorial de Luiz Jorge Ferreira, Osasco – SP. 02/09/2020 – Do livro “Defronte da Boca da Noite ficam os dias de Ontem”.

Poema de agora: Painho – Pat Andrade

Pat Andrade, Lula e Bruno.

Painho

ele não era meu pai
mas bem que poderia
eu o chamava de Painho
e era tratada como filha

meu amor por ele
se confunde com noites
e madrugadas perdidas
se mistura com cerveja
e cigarros esquecidos
se expressa em poemas
e canções nunca ouvidas

meu amor por ele
se renova em manhãs
e tardes de domingo
se alimenta nos almoços
e sobremesas servidas
e não morre em mim
mesmo com sua partida

Pat Andrade

Poema de agora: O CALDO – Ori Fonseca

Ilustração: Queda Livre I. Escultura em argila de Raquel Saliba.

O CALDO

Eu posso ver os olhos do futuro,
Lá onde há só pranto e ranger de dentes,
Onde gemem incrédulos e crentes,
No caldo a cozinhar o injusto e o puro.

Ninguém há de escapar do frio escuro,
Lugar onde coabitam diferentes
Vidas: invertebrados, musgos, gentes,
Compondo um cadavérico monturo.

O futuro é sem peso e sem tamanho,
Sem lógica pra o ser que acha que vive,
Lembrança fóssil de onde nunca estive.

Lá no futuro eu tenho um sonho estranho:
A vida é um pesadelo em que acompanho
Minha alma a despencar em queda livre.

Ori Fonseca

Poema de agora: PERIPATÉTICA – Obdias Araújo

PERIPATÉTICA

Esta é uma canção
dos tempos da vovó.

Cantochão gregoriano
Entoado em afresco
vocal monofônico.

Lembra até uma comprida
fila de monges monódicos
atrás do órganon ritual
da liturgia católica
apostólica romana.

Esta modinha
é antiga.
Tao velha quanto
o Vico.

Antiga feito a saca
do Velho Congó.

Antiga feito o berro
do Barba Chata mandando
apagar a poronga.

Obdias Araújo