Poema de agora: MEU REPERTÓRIO DE ESTUPIDEZ É VASTO – (Paulo Tarso Barros)

MEU REPERTÓRIO DE ESTUPIDEZ É VASTO

Meu repertório de estupidez é vasto.
Nele meu ser encontra o pasto,
nele meus discursos são escritos,
nele vivo exorcizando conflitos.

Meu cabedal de estupidez se prolifera
pelos cantos da cidade: quimera
presente em nossos vis destinos,
puxando as cordas puídas destes sinos:

que bimbalham na catedral vazia
onde, humilhado, ofereço minha homilia
aos deuses que vagamente intuo,
quando das minhas apostasias recuo.

Meu repertório de estupidez é pleno.
Nele meu ser encontra bom terreno
para desvairar-se perante o mundo
neste seco linguajar moroso e bundo.

(Paulo Tarso Barros)

Poema de agora: DESASSOSSEGO – Marven Junius Franklin

DESASSOSSEGO

[Esse tempo] de medo & sentimentos ilhados…tempo em que o rio desconhece as marés & a noite diz não precisar dos pores do sol.

[Esse tempo] de escuridão & desassossego… tempo em que os alpendres preferem a solidão & a verdade diz não compreender as injustiças.

[Esse tempo] de alamedas desalumiadas… tempo em que o amor desconhece Narcisos incautos& o espelho finge não ser dele os reflexos da dor

Marven Junius Franklin

Poema de agora: As Cores da Saudade – Kassia Modesto

As Cores da Saudade

Eu nunca vi interrogação tão grande e tão mal resolvida
Se eu fosse um pintor, eu faria da saudade a tela mais colorida
Se ela fosse uma cor, somente, eu me pergunto que cor ela seria
Um tom de azul, céu profundo
A me sugar solitária ao seio do mundo?
Um branco limpo e infinito
Enlouquecendo aqui dentro, como em um próprio hospício?
A saudade é uma parceira solitária e fugaz
Que caminha a espreita e vai correndo atrás
De uma fiel companheira, sangria voraz..
Saudade, saudade, saudade…
Minha companheira nas horas tardias
Gostaria de pintar de um azul, verde-mar
Ou as cores da primavera eu poderia recriar.
Dar-lhe um tom cintilante
E deixar pelo menos por um instante
A sua dosagem me embriagar…
A saudade que carrego comigo
É preto, é luto, é medo
A viúva negra a companheira eternamente ausente
O passado ainda presente
A lembrança constante,
O afago ao frio
O arrepio apenas na mesma recordação
A saudade que carrego comigo é como o preto,
É a ausência das cores que guardo no peito.

Kassia Modesto

Poema de agora: Lágrimas por Marielle – Jaci Rocha

Lágrimas por Marielle

Nem aqui, nem ali
Nem nos palácios
Nem na favela
Nem no Rio
Ou SP

Eu, aqui,
No meio do Equador.

05 tiros na mente da Democracia
No seio da mãe Nação,
Nem flores, nem canhão
Violência silenciosa…

Amanhã, mais ódio escorre da TV
No Big Brother-Jornal Nacional
O olho que distorce tudo o que vê
E alimenta a fome da ignorância…

Lágrimas por Marielle,
Caem no território da mãe gentil
Onde a realidade, hostil
Enterra na favela

O direito de sonhar.

Jaci Rocha

*Republicado por conta de hoje completar dois anos do assassinato de Marielle Franco.

Poema de agora: BÔTA – Luiz Jorge Ferreira

BÔTA

Apa…tua…nua…lua…voa..zonza… de lume…e Zinabre…cava a cova…grávida de ovas…
Dança tua dança Mar a baixo d’água D’eu.
Tupã Açu um Sul açoita como Bôta em Cio.
…e tu arriscas ficar velha sem largar de ser bela.
E doida por ti a Fortaleza…
Finge desprezo…


Abraça o velho Rio…rabugento e estridente.
Braçadas de barcaças, e um tronco mufino range demais.
Os eles, os mais de duzentos anos te dizem…te amo…!
Na língua do P.
E eu daqui o imito.
Gritando em Samaraca da janela entreaberta desse Edifício.
Olhando de esguelha o Tietê, e ao longe o Rio Pinheiro.


Assusto a Kalopsita que nunca viu uma Arara de perto, mas ama os tons de cores.
Amo Macapá…como quem ama um turbilhão de lembranças dependuradas em uma fotografia emoldurada com crayon.
A fotografia ainda imune ao ferrugem do tempo.
Resiste.


Ela que tanto brincou comigo e agora se afasta…
Caminha silenciosamente em direção ao Nunca.
Eu fecho a janela e guardo em mim o grito, que agora é saliva, e mergulho no Rio da foto, e nem me molho, nem sobrevivo.
Apenas discuto se foi azul.

Luiz Jorge Ferreira

*Poema do Livro Nunca mais vou sair de mim sem levar as Asas – Rumo Editorial. 2020. São Paulo. Brazil.

Poesia de agora: Poema do Retorno – @alcinea

Poema do Retorno

Voltaste
driblando nuvens e pássaros
e trazendo nas mãos
estrelas azuis que me encantam.
Durante a tua ausência
tentei plantar a paz,
clamei pelo direito de ser livre
e colhi dores e desenganos
que abriram feridas profundas
e machucaram o meu verso,
inaugurando revoltas e frustrações.

Voltaste
trazendo no olhar marrom
esperanças que arranham
as minhas desesperanças.

Mais uma vez,
(talvez inutilmente)
uniremos nossos gritos
pedindo liberdade para viver
amar
cantar
e sorrir.
Serão protestos aos crimes
cometidos contra a liberdade
os nossos gritos
(ainda que não encontrem eco).

Mas, se te faz bem,
posso dizer
que não é proibido
sonhar que todos os caminhos se abrirão
e a liberdade será uma realidade palpável.

Alcinéa Cavalcante

Poema de agora: Vida Desafio – Pat Andrade

VIDA DESAFIO

a vida desafio
corre como um rio
em direção ao mar
enche e seca com a maré
reflete a lua e o sol
não cessa de brilhar

a vida desafio
sufoca como pó
não me deixa respirar
tem cheiro de rapé
tem gosto de jiló
não é boa de provar

a vida desafio
me faz morrer de frio,
me faz arrepiar
abre e fecha o tempo
me tira o movimento
me faz querer chorar

na vida desafio,
eu vivo por um fio,
sempre a me equilibrar
tenho medo de cair
porque ainda ando só
não aprendi a amar

PAT ANDRADE

Hoje: Quarta de arte da Pleta apresenta Sarau lítero-musical Meu Vício é PoEsia

Palavras palavras postas Poesia para alma

Quarta de arte da pleta: Meu vício é Po E sia. Nosso encontro de amor e arte saúda hoje a Poesia Amapaense. Convidamos você para celebrar junto com Alcineia Cavalcante, Negra Áurea, Mary Paes, Carla Nobre, Hayam Chandra, Pat Andrade, Grupo Tatamirô de Poesia, Poetas Azuis, Afrologia Tucuju, Fernanda Canora, Augusto Oliveira, Afrane Tavora, Joãozinho Gomes, Ricardo Iraguany, Aroldo Pedrosa, Ademir Pedrosa, Ronaldo Rodrigues, Tiago Quingosta, Rostan Martins e os músicos Helder Brandão, Wendell Cordeiro, Edu Gomes, Alan Yared e Yana Mc.

Muita gente, muito talento, muita poesia, arte e cultura.

Nosso encontro está confirmado. E temos um bom motivo:

O dia 14 de março é o Dia Nacional da Poesia – uma homenagem a um dos nossos maiores poetas: Antônio Frederico de Castro Alves, nascido em 14 de março de 1847. Essa celebração tornou-se oficial a partir de 3 de junho de 2015, por lei.

Castro Alves é considerado a maior figura do Romantismo. Desenvolveu uma poesia sensível aos problemas sociais de seu tempo e defendeu as grandes causas da liberdade e da justiça.

Denunciou a crueldade da escravidão e clamou pela liberdade, dando ao romantismo um sentido social e revolucionário que o aproximava do Realismo. Sua poesia era como um grito explosivo a favor dos negros, sendo por isso denominado “O Poeta dos Escravos”.

Sua poesia é classificada como “Poesia Social”, pois aborda o inconformismo e a abolição da escravatura, através da inspiração épica e da linguagem ousada e dramática como nos poemas: Vozes d’África e Navios Negreiros, da obra Os Escravos (1883), que ficou inacabada.

Só um gostinho da poesia de Castro Alves.


Basta!… Eu sei que a mocidade
É o Moisés no Sinai;
Das mãos do Eterno recebe
As tábuas da lei! — Marchai!
Quem cai na luta com glória,
Tomba nos braços da História,
No coração do Brasil!
Moços, do topo dos Andes,
Pirâmides vastas, grandes,
Vos contemplam séc’los mil!

Navios Negreiros

Era um Sonho dantesco… O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar do açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar… (…)
E rir-se a orquestra, irônica, estridente…
E da ronda fantástica, a serpente
Faz doidas espirais…
Se o velho arqueja… se o chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voa mais e mais… (…)

(Fonte) https://www.ebiografia.com/autor/dilva-frazao/

Serviços:

Quarta de arte da Pleta
Sarau lítero-musical Meu Vício é PoEsia
Local: Sankofa Av. Beira-Rio, 1488
Hora: 19h
Data: 11/03/2020

Poema de agora: Como Charles me via – Pat Andrade

Como Charles me via

caía a tarde
quando o canto da cigarra
a fez lembrar
das noites bizarras que vivia
pelos colchões sujos
mãos sem braços
em suas coxas
bocas sem rosto

Arte de Emiliano Bruzzone

em sua boca
era toda solidão
e melancolia
langor e lascívia
entre gritos e gemidos
rezava pela luz do dia

Pat Andrade

*Charles é uma referência ao poeta e escritor alemão Charles Bukowski.

 

Poema de agora: OLHO NOS OLHOS* – Ori Fonseca

Ilustração: detalhe de São Jerônimo no Deserto, de Leonardo da Vinci.

OLHO NOS OLHOS*

Eu vejo a luz nos olhos de meu filho,
Aquele brilho, amado Deus, foi meu.
Não dei por mim de quando se perdeu,
De quando se fez treva o que era brilho.

O tempo em tudo é fogo de rastilho,
Trem sobre um trilho que se corroeu.
Não sei dizer de como se esqueceu,
Nalguma curva, de seguir o trilho.

Teus olhos, pobre filho, são passados,
Cheios do brilho que a loucura atrai,
Mas no pavio do tempo a luz se esvai.

Ontem, olhei meu pai de olhos cansados;
Hoje, os meus olhos são enevoados
Da mesma névoa que cegou meu pai.

Ori Fonseca

* A palavra “olho”, do título, não é substantivo, mas o indicativo presente do verbo “olhar” na primeira pessoa do singular.
16:44