Poema de agora: SÓ DE BRINCADEIRA – Pat Andrade

SÓ DE BRINCADEIRA

andei brincando de não amar ninguém
até que o dia amanheceu diferente
e pude ouvir os passarinhos lá fora
e pensei que cantavam pra gente

andei brincando de caminhar sozinha
até que a estrada pareceu mais bela
e pude prender tua mão à minha
e me senti segura, dispensei a cautela

andei brincando de ignorar sentimentos
até que senti no teu peito um pulsar
e pude ver que ainda há em mim
um coração que quer brincar de amar

PAT ANDRADE

Poema de agora: Macapaaba – Jorge Herbert

Kitesurfista no Rio Amazonas, em frente a Macapá – AP, com Arco-Íris por trás. Momento sublime na foto sensacional de Floriano Lima.

Macapaaba

Cheguei pra te ver rebelde
No arco-íris do nosso horizonte
Mas enxerguei reacionários ao teu redor
Roendo teus doces e surrupiando teus salgados

Salta dessa roda de flibusteiros
Que te fazem indigente todos os dias
Indígena Aruaque, Mulher Negra Tucuju, minha Cabocla feliz
Salta teu pulo de gata
Livra teu grito

Mira nos embusteiros
Balança essa rede de panemas
Um sopro vendaval
Pra expulsá-los de teus seios

Solta neles um soco
No saco
Na boca do estomago
Não atira pela culatra

Foto: Gilmar Nascimento

Acerta o passo
Acerta a mira
Destila tua (l)ira
Nos que te fazem mal
Acerta neles o quebranto
Dos séculos

Joga-os nas marés brabas
Dos Caruanas barrentos
Ferozes do teu lindo rio
Faz desse rio imensidão futura

Foto: Floriano Lima

O presente é teu
Dona de destino bravio
Deusa dos rios e ventos
Musa das Amazonas
Do meu grandioso amor
De meu olhar atento e apaixonado
Por tuas luzes e batuques

Rainha das danças de saias rodadas
Coloridos Bailiques
Doces Aporemas e Araguaris
Não permita mesmices baratas

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Teu sonho é outro
Grandioso
Teu futuro é ouro
De tudo o que te roubaram

Não permite mais esse passado
De piratarias gravatas
De reinados ancestrais
Forjadas nas mãos da escravidão

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Teu suco é Macapaaba
Não solidão e dor
Teu suco é sabor
Alimento de tuas filhas
Que são como tu
Nobres e resistentes
Macapaaba do Equador!

Jorge Herbert

Poema de agora: Sagrado feminino – (@cantigadeninar)

Sagrado feminino

Tem vezes que eu queria ser bicho.
Ser gente pesa.
Ser mulher pesa ainda mais.
dores mensais
dores diárias
seios fartos que servem só para ser colo do mundo
me desnudo
em paciência e sangue.
(Ser mulher no Norte
é sustentar o país inteiro)
Mesmo escolhendo não ter filhos
sou mãe daqueles ao meu redor:
amigos
alunos
colegas
namoradas
sei o nome de todos de cor
e jamais devo esquecer.


Mulher não pode falhar em nada,
mulher só precisa fazer as tarefas,
lembrar e ceder.
Ser mulher é abrir mão.
Ser mulher é não dizer não.
Sim para a mais suja proposta
sim para um encontro de bosta
sim para um compromisso extra
sim para uma reunião besta
sim para tudo que resta.


Inclusive…
Ser mulher também é emudecer.
Já tive
que encontrar meu próprio remédio
para superar calada um assédio…
Aliás, essa é a única coisa
que à mulher é permitido esquecer.

Lara Utzig

Poema de agora: POSSIBILIDADES – Pat Andrade

POSSIBILIDADES

hoje, quero te falar
de vozes que não se calam,
de portas que não se fecham.

quero te falar
de sonhos que se realizam,
de esperanças que não se perdem.

quero te falar
de flores que ainda se abrem,
de crianças que ainda sorriem.

quero te falar
da vida que ainda pulsa.
do desejo que ainda brota.

hoje quero te falar
do que ainda é possível.

porque em mim e em ti
ainda cabe poesia,
ainda cabe amor,
aqui e agora, nesse instante.

porque ainda existimos
e, juntos, de mãos dadas,
somos muito mais
do que um dia podíamos ser.

PAT ANDRADE

Poema de agora: Fortaleza do Santo José – Jean Carmo

Foto: Manoel Raimundo Fonsea

Fortaleza do Santo José

Mas um dia,
nestas terras d’além-mar
Na foz do grande rio Amazonas,
dos índios de outrora.
Tu, Gallúcio, fiel servo da coroa
Deste início ao projeto de guardar.

No dia 29 de junho do ano da graça
De Nosso Senhor Jesus Cristo de 1764.
Com tamanha fortaleza a defender
Os interesses da realeza vigente.

Foto: Floriano Lima

O Revelim, o fosso,
a ponte e os pesados canhões.
As pedras e os pretos trazidos
Os índios, o trabalho corrido, as vidas perdidas.
Nos quatro cantos:
São José, São Pedro, Nossa senhora da Conceição e Madre de Deus,
cada baluarte vigia.

Pena que tu não ouviste,
nem viste ela lutar
Teu Senhor te levou bem antes,
de vê-la concluída.
Aos 41 anos, com malária deixaste esta vida.
Conto-te pois, que não houve batalha sequer
Para tal defesa dela esperada.

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Gigante e imponente
Cuidada e por vezes esquecida
Fortaleza de São José de Macapá
Nossa história, nossa vida.

Jean Carmo

Poema de agora: CANÇÃO DA LIBERDADE – Assunção Andrade

CANÇÃO DA LIBERDADE

Eu quero ser livre como as aves
e as ondas do sagrado mar.
Ir ao encontro dos planetas como as naves,
ter a liberdade de viver e sonhar!


Eu quero sentir a liberdade
em toda a sua plenitude,
usando a minha fé e a verdade,
vivenciando-a em sua magnitude.
Eu quero a canção da liberdade entoar
como o hino oficial da minha existência;
ter o direito de pensar e falar
pelos que não são ouvidos ao implorar clemência!


Eu quero a liberdade inserida
em minha condição de mulher e cidadã
integrante de uma sociedade revestida
da ideologia patriarcal, arcaica e vã!

Assunção Andrade.

*Assunção Andrade é poetisa, professora, economista e mãe da poeta Pat Andrade.

Poema de agora: O Roubo do Velho Forte – Obdias Araújo (Macapá 262 anos)

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

O Roubo do Velho Forte

Tu sabias
que a Fortaleza
foi toda construída
no Curiaú?
Diz que o Sacaca
o Paulino e o Julião Ramos
vieram em cima da Fortaleza
varejando até chegar na beira do Igarapé Bacaba
onde amarraram a bichona na Pedra do Guindaste
e foram tomar uma lá
no boteco do sêo Neco.
Diz que o o Alcy escreveu uma crônica
E o Pedro Afonso da Silveira Júnior leu
Oito horas da noite
no Grande Jornal Falado E-2.
Diz que, né?
Diz que o mestre Zacarias
vinha em cima do farol
tocando um flautim feito
com as aparas da porta de ébano…
E que Dona Odália vinha fazendo
flores de raiz de Aturiá
sentada no maior de todos os canhões
brincando com a Iranilde
que acabara de nascer.

Diz que o Amazonas Tapajós vinha
cantando ladrões de Marabaixo
-ele, o Edvar Mota e o Psiu.
E o João Lázaro transmitia tudo para a Difusora.
Diz que até o R. Peixe pintou um mural
-aquele que ficou no pátio da casa do Isnard
lá no Humilde Bairro de Santa Inês
de onde foi roubado pelo Galego e trocado
por duas garrafas de Canta Galo
e uma de Flip Guaraná, lá na Casa Santa Brígida…
Hoje Macapá amanheceu bem
mais triste que de costume.
Roubaram a Fortaleza!
Levaram o velho forte! De madrugada
Dois ou três bêbados remanescentes
viram passar aquela enorme coisa boiando
rumo norte, parecendo uma usina
de pelotização.

Andam comentando lá
pelo Banco da Amizade
que foi o Pitoca
a Souza
o Quipilino o Pombo
o Zee e o Amaparino…
E que o Olivar
do Criôlo Branco
e o Cirão
estão metidos nessa história.
Eu, hem!

Obdias Araújo

Poema de agora: MACAPÁ, MINHA CIDADE – Pat Andrade

Macapá – AP – Foto: Elton Tavares

MACAPÁ, MINHA CIDADE

Minha cidade comemora
mais um ano de existência.
Digo minha, porque dela
me apodero, todos os dias,
em dura jornada;
todas as noites,
em longas caminhadas.
Macapá me cobre
com seu céu inconstante,
me descobre em versos e rimas;
me abriga em seus bares,
em suas ruas, em seus becos,
em suas praças, em seu rio…
Macapá me expõe, me resgata,
me ampara, me liberta…
E aqui permaneço,
retribuindo com meu amor,
minha esperança
e minha alma de poeta.

Pat Andrade

Poema de agora: A cidade submersa – Pedro Stkls

A cidade submersa

quando a cidade quase submerge
agarra-se numa boia
um tronco de árvore sonâmbulo
que vagueia pelas águas
no mapa sublinho a palavra Macapá
que quer dizer:
senhora de óculos sentada de costas para o portão
com 262 primaveras floridas
em uma saia de marabaixo
a coisa mais bonita do mundo
aquilo que vem enfiado nos pés
uma ponta de madeira, uma dança
o meio do mundo
uma fortaleza nunca usada
lugar de muitas bacabas
boêmios, laguinho
por onde um trem nunca para
em nenhuma estação
há sempre de seguir viagem
é um trava língua pronunciar: buritizal
é inevitável sobretudo não dizer:
“cidade morena ou linha do equador”
desconfio que a palavra Macapá
não vem do tupi como dizem os historiadores
surpreendente seria se Macapá
tivesse sido extraída do barro escuro
que estranhamente se espreguiça
no rio amazonas.

Pedro Stkls

Macapá Cheia de Prosa e Verso (Por Fernando Canto) – republicado por conta dos 262 anos de Macapá

Por Fernando Canto

“Adelantado de Nueva Andaluzia. Tu sabias, mano que esse foi o primeiro nome oficial às terras do nosso Amapá?

Em 1544 o Rei da Espanha, Carlos V, concedeu a Francisco Orellana este lugar, mas o grande navegador não chegou a assumi-lo por ter naufragado quando para cá se dirigia.

Desde Pinzon que os espanhóis e os portugueses disputavam acirradamente nossas terras em virtude do Tratado das Tordesilhas.

Depois vieram os holandeses, os ingleses e os franceses.

Depois portugueses, índios e negros, nossos avós, garantiram nossos destinos conquistando definitivamente a foz do rio Amazonas rechaçando com atos de heroísmo os flibusteiros e marinheiros europeus.

E nós, como povo, temos nossa História. Brava História.

Por isso, compadre, que um dia, na antiga Província dos Tucujus, chegou o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado para fundar neste local a então Vila de São José de Macapá.

Era o dia 4 de Fevereiro de 1758.

Daí em diante esta cidade cresceu e se fez bonita.

E em maio de 1944 Macapá foi transformada em capital do Território Federal do Amapá, criado um ano antes.

Foram chegando os pioneiros.

Cada qual com seu trabalho e sua coragem. Saga e valentia.

Só mesmo homens e mulheres dispostos a trabalhar poderiam modificar aquele quadro triste de doença, analfabetismo e miséria. Nossos pais e avós, todos juntos, reuniram suas forças para trabalhar por esta terra. O sentimento de amor e de progresso era superior ao esmorecimento e ao pessimismo.Tudo foi modificando-se.

Chegou o primeiro carro e o primeiro avião.

O primeiro campo de aviação foi construído e foi para o ar o primeiro programa na velha e querida Rádio Difusora de Macapá, uma das pioneiras do Brasil.

Instalou-se a primeira usina de luz, o primeiro hospital.

Égua! O Caixa de Cebola foi o nosso primeiro ônibus. Depois veio o Gavião Malvado… Tudo tinha nome ou apelido.

Havia a “Turma do Buraco” que arborizava Macapá…

Em Macapá faziam sátira com a música “Cidade Maravilhosa” e cantavam assim: “Cidade Maravilhosa/ Cheia de catabil…”

Pois sim, essas pessoas que a cantavam, assim o faziam porque não tinham a visão do futuro.

Macapá tinha o horizonte aberto para receber as mãos dos homens trabalhadores que chegavam de todas as paragens.

E juntos, com os que aqui já se encontravam – mineiros, cariocas, nordestinos, gaúchos – todos trabalhavam e pensavam em progresso. E como na lenda da cigarra e da formiga uns cantavam, mas a maioria trabalhava.

E esta cidade, mano, foi crescendo ao som do Marabaixo que a preta velha cantava na Quarta-Feira da Murta pelas ruas do Laguinho e da antiga Favela.

“Passei pelo lírio roxo
Cinco folhinha apanhei
Cinco sentido qu’eu tinha
Todos os cinco lá deixei”.

Todo um sentimento poético abraçava a cidade. E Macapá estava linda sob o sol.

Aliás, a luz sempre simbolizou a vida.

O sol beija o rio na maior parte do ano. E ao nascer todos os dias ele traz para nós a esperança de dias melhores e mais mansos.

Sabe, mano, enquanto soubermos discernir o bom do ruim faremos deste lugar a razão de nossa felicidade, pois ela permanecerá acesa nos nossos lares.

Devemos ainda aprender a amar nosso chão e nosso céu de sonhos. Temos tudo para ir adiante, assim como nosso primeiro nome, lembras?

Adelante, adiante, para a frente.

É importante sermos otimistas e ter os pés neste solo. Batalhar e trabalhar para fazer desta terra um mundo de coisas boas.

Sim, um mundo moldado com as mãos e com a respeitável inteligência de nossos irmãos.
Tu já fizestes uma viagem, não foi? Sem querer tu pensaste em alguns detalhes e fostes e voltaste.
Assim como tu, nossos dirigentes também pensam, planejam e realizam obras que nossos filhos vão falar com orgulho e seus corações também falarão através de um grande sorriso em suas bocas.

É preciso continuar planejando para atender aos anseios de nossos irmãos carentes.
É preciso combater os malefícios e pensar no bem-estar geral. É preciso, compadre, é preciso trabalhar.
E nós estamos trabalhando prá viver e se for preciso até morrer por este lugar.
Adiante, adelante, adelantado.
Bem ali, no mais tardar das esperanças tu construirás o teu tempo.
Nem que seja sobre a folha que cairá de uma árvore sob o impacto da chuva.

Olha, mano, deves ter a certeza que o rio corre para um único destino: o mar.
E nesta linda cidade paira a luz sobre nossas cabeças.
Então, iluminados, devemos homenageá-la.
Já viste o rio amazonas deitado no seu leito. Já viste a importância da Fortaleza de São José. Já viste também os namorados apreciando o rio parir uma lua gordinha lá no Quebra-Mar.

Então tu sabes, mano, como é linda e hospitaleira a nossa cidade, né? Pois é.
O Marco Zero do Equador passa aqui pertinho, separando o mundo em dois hemisférios. Já notaste que vem tanta gente aqui pra visitá-lo?
Tem uns turistas louros, morenos, pretos e amarelos que só tiram fotografias com as pernas abertas dizendo que estão no meio do mundo.
Sabes por quê? Ora, Macapá é importante…

Mas tu sabes o que significa a palavra Macapá? Não?
Macapá é uma variação de Macapaba, que quer dizer, na língua dos índios, estância das macabas, o lugar de abundância de bacaba.
Bacaba é uma fruta boa e gostosa, né?
Apesar de gordurosa ela alimenta muito a gente e o seu vinho ainda tem aparência de café com leite.
É assim como o açaí, o nosso petróleo comestível que a gente compra um litro na amassadeira do Ramiro e dá de pau na hora do almoço. Temos tanta fruta que tu nem imaginas…

Foto: Max Renê

Temos cupuaçú, graviola, bacuri, jenipapo, uxi, pupunha, camapu, ingá, chega a dar água na boca.
Mas, compadre, Macapá é uma linda morena.
Vês que de manhã aquele solzão bate no Amazonas que chega até encandear a gente.
Macapá é uma cidade segura. Aqui o rio nunca transbordou.

E quando o sol vai embora, mano, nós ficamos com a certeza que ele voltará.
E assim como nós acreditamos nisso, nós acreditamos no futuro e no trabalho de nossos irmãos.
Na essência da poesia a Macapá o que vamos encontrar é a alma do povo. O povo que sonha, ama e constrói.
Neste poema, cada dia reescrevemos um verso apaixonado. Uma declaração de amor à nossa cidade, que mesmo se tornando uma capital diferente daqueles dias de Adelantado, não aceitou perder sua alma, nem endurecer seu coração.

Nota do Editor: Esta arrumação de história, prosa e poesia do escritor Fernando Canto serviu para ilustrar cartazes e folhetos distribuídos há algum tempo por iniciativa do então secretário de Planejamento, Antero Dias Lopes. A tiragem foi limitada de modo que não muita gente teve acesso a essa tirada do Fernando. publicando o trabalho, a A Província dá oportunidade a milhares de leitores enxergarem Macapá por um lado diferente, saboroso.
Jornal do Amapá – N°148 Pág.12, 2° Caderno. A Província do Pará – Belém, Domingo, 17 e Segunda-Feira, 18 de abril de 1988.

Editor: Hélio Penafort.

Poema de agora: Mapa, cá – Jaci Rocha

Mapa, cá.

Sempre que procuro no peito
A geografia do amor
O mar que abriga meu lar

A luz de um lugar acende em meu peito.

Paisagens que o tempo não leva:
Um santo que abraça o amazonas,
Grande casa de pedras, igrejinha,
A bênção, meu S. José!

Sempre que penso no lar,
É batuque, samaúma, maré cheia
Ruas enfeitadas de mangueiras
Capital morena, segunda mãe

Casa minha.

Terra da poesia de Fernando, Alcinéa, Maria Ester
Marabaixo no pé, de Tia Luci até aqui,
É igarapé das mulheres, lendas e crenças,
Flores do mato,

Ervas que curam , vida que abunda,
Cá dentro de mim.

Jaci Rocha

* Parabéns, terra querida.Obrigada, segunda mãe.
Observação: há muito mais poetas, cantores e artistas em geral em nossa linda cidade.
Sintam-se representados.

Poema de agora: Microscópica – (@cantigadeninar)

Microscópica

Enxuga a mão no guardanapo da cozinha antes de encostar em mim.
Eu sou o resto de comida molhada na pia:
restos de alface e arroz em meu camarim
prestes a ser inundado de água fria.
Cubra todas as frutas e o queijo.
Eu sou a mosca que se deleita inclusive com os restos da pia.
Esvoaçante e zumbindo pouso com um delicado beijo
plantando larvas de zombaria.
Eu sou as bactérias da geladeira:
um botulismo, um h pylori…
Não tenho cura, mesmo que se queira,
nem com overdose de antibióticos hardcore.
Eu sou esse farelo de bolacha do jantar
que denuncia a falta de faxina no porcelanato
e talvez esse papel de manchar
seja minha única serventia de fato.

Lara Utzig