Cheguei pra te ver rebelde No arco-íris do nosso horizonte Mas enxerguei reacionários ao teu redor Roendo teus doces e surrupiando teus salgados
Salta dessa roda de flibusteiros Que te fazem indigente todos os dias Indígena Aruaque, Mulher Negra Tucuju, minha Cabocla feliz Salta teu pulo de gata Livra teu grito
Mira nos embusteiros Balança essa rede de panemas Um sopro vendaval Pra expulsá-los de teus seios
Solta neles um soco No saco Na boca do estomago Não atira pela culatra
Acerta o passo Acerta a mira Destila tua (l)ira Nos que te fazem mal Acerta neles o quebranto Dos séculos
Joga-os nas marés brabas Dos Caruanas barrentos Ferozes do teu lindo rio Faz desse rio imensidão futura
O presente é teu Dona de destino bravio Deusa dos rios e ventos Musa das Amazonas Do meu grandioso amor De meu olhar atento e apaixonado Por tuas luzes e batuques
Rainha das danças de saias rodadas Coloridos Bailiques Doces Aporemas e Araguaris Não permita mesmices baratas
Teu sonho é outro Grandioso Teu futuro é ouro De tudo o que te roubaram
Não permite mais esse passado De piratarias gravatas De reinados ancestrais Forjadas nas mãos da escravidão
Teu suco é Macapaaba Não solidão e dor Teu suco é sabor Alimento de tuas filhas Que são como tu Nobres e resistentes Macapaaba do Equador!
Tem vezes que eu queria ser bicho. Ser gente pesa. Ser mulher pesa ainda mais. dores mensais dores diárias seios fartos que servem só para ser colo do mundo me desnudo em paciência e sangue. (Ser mulher no Norte é sustentar o país inteiro) Mesmo escolhendo não ter filhos sou mãe daqueles ao meu redor: amigos alunos colegas namoradas sei o nome de todos de cor e jamais devo esquecer.
Mulher não pode falhar em nada, mulher só precisa fazer as tarefas, lembrar e ceder. Ser mulher é abrir mão. Ser mulher é não dizer não. Sim para a mais suja proposta sim para um encontro de bosta sim para um compromisso extra sim para uma reunião besta sim para tudo que resta.
Inclusive… Ser mulher também é emudecer. Já tive que encontrar meu próprio remédio para superar calada um assédio… Aliás, essa é a única coisa que à mulher é permitido esquecer.
Mas um dia, nestas terras d’além-mar Na foz do grande rio Amazonas, dos índios de outrora. Tu, Gallúcio, fiel servo da coroa Deste início ao projeto de guardar.
No dia 29 de junho do ano da graça De Nosso Senhor Jesus Cristo de 1764. Com tamanha fortaleza a defender Os interesses da realeza vigente.
O Revelim, o fosso, a ponte e os pesados canhões. As pedras e os pretos trazidos Os índios, o trabalho corrido, as vidas perdidas. Nos quatro cantos: São José, São Pedro, Nossa senhora da Conceição e Madre de Deus, cada baluarte vigia.
Pena que tu não ouviste, nem viste ela lutar Teu Senhor te levou bem antes, de vê-la concluída. Aos 41 anos, com malária deixaste esta vida. Conto-te pois, que não houve batalha sequer Para tal defesa dela esperada.
Gigante e imponente Cuidada e por vezes esquecida Fortaleza de São José de Macapá Nossa história, nossa vida.
Eu quero ser livre como as aves e as ondas do sagrado mar. Ir ao encontro dos planetas como as naves, ter a liberdade de viver e sonhar!
Eu quero sentir a liberdade em toda a sua plenitude, usando a minha fé e a verdade, vivenciando-a em sua magnitude. Eu quero a canção da liberdade entoar como o hino oficial da minha existência; ter o direito de pensar e falar pelos que não são ouvidos ao implorar clemência!
Eu quero a liberdade inserida em minha condição de mulher e cidadã integrante de uma sociedade revestida da ideologia patriarcal, arcaica e vã!
Assunção Andrade.
*Assunção Andrade é poetisa, professora, economista e mãe da poeta Pat Andrade.
Tu sabias que a Fortaleza foi toda construída no Curiaú? Diz que o Sacaca o Paulino e o Julião Ramos vieram em cima da Fortaleza varejando até chegar na beira do Igarapé Bacaba onde amarraram a bichona na Pedra do Guindaste e foram tomar uma lá no boteco do sêo Neco. Diz que o o Alcy escreveu uma crônica E o Pedro Afonso da Silveira Júnior leu Oito horas da noite no Grande Jornal Falado E-2. Diz que, né? Diz que o mestre Zacarias vinha em cima do farol tocando um flautim feito com as aparas da porta de ébano… E que Dona Odália vinha fazendo flores de raiz de Aturiá sentada no maior de todos os canhões brincando com a Iranilde que acabara de nascer.
Diz que o Amazonas Tapajós vinha cantando ladrões de Marabaixo -ele, o Edvar Mota e o Psiu. E o João Lázaro transmitia tudo para a Difusora. Diz que até o R. Peixe pintou um mural -aquele que ficou no pátio da casa do Isnard lá no Humilde Bairro de Santa Inês de onde foi roubado pelo Galego e trocado por duas garrafas de Canta Galo e uma de Flip Guaraná, lá na Casa Santa Brígida… Hoje Macapá amanheceu bem mais triste que de costume. Roubaram a Fortaleza! Levaram o velho forte! De madrugada Dois ou três bêbados remanescentes viram passar aquela enorme coisa boiando rumo norte, parecendo uma usina de pelotização.
Andam comentando lá pelo Banco da Amizade que foi o Pitoca a Souza o Quipilino o Pombo o Zee e o Amaparino… E que o Olivar do Criôlo Branco e o Cirão estão metidos nessa história. Eu, hem!
Minha cidade comemora mais um ano de existência. Digo minha, porque dela me apodero, todos os dias, em dura jornada; todas as noites, em longas caminhadas. Macapá me cobre com seu céu inconstante, me descobre em versos e rimas; me abriga em seus bares, em suas ruas, em seus becos, em suas praças, em seu rio… Macapá me expõe, me resgata, me ampara, me liberta… E aqui permaneço, retribuindo com meu amor, minha esperança e minha alma de poeta.
quando a cidade quase submerge agarra-se numa boia um tronco de árvore sonâmbulo que vagueia pelas águas no mapa sublinho a palavra Macapá que quer dizer: senhora de óculos sentada de costas para o portão com 262 primaveras floridas em uma saia de marabaixo a coisa mais bonita do mundo aquilo que vem enfiado nos pés uma ponta de madeira, uma dança o meio do mundo uma fortaleza nunca usada lugar de muitas bacabas boêmios, laguinho por onde um trem nunca para em nenhuma estação há sempre de seguir viagem é um trava língua pronunciar: buritizal é inevitável sobretudo não dizer: “cidade morena ou linha do equador” desconfio que a palavra Macapá não vem do tupi como dizem os historiadores surpreendente seria se Macapá tivesse sido extraída do barro escuro que estranhamente se espreguiça no rio amazonas.
“Adelantado de Nueva Andaluzia. Tu sabias, mano que esse foi o primeiro nome oficial às terras do nosso Amapá?
Em 1544 o Rei da Espanha, Carlos V, concedeu a Francisco Orellana este lugar, mas o grande navegador não chegou a assumi-lo por ter naufragado quando para cá se dirigia.
Desde Pinzon que os espanhóis e os portugueses disputavam acirradamente nossas terras em virtude do Tratado das Tordesilhas.
Depois vieram os holandeses, os ingleses e os franceses.
Depois portugueses, índios e negros, nossos avós, garantiram nossos destinos conquistando definitivamente a foz do rio Amazonas rechaçando com atos de heroísmo os flibusteiros e marinheiros europeus.
E nós, como povo, temos nossa História. Brava História.
Por isso, compadre, que um dia, na antiga Província dos Tucujus, chegou o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado para fundar neste local a então Vila de São José de Macapá.
Era o dia 4 de Fevereiro de 1758.
Daí em diante esta cidade cresceu e se fez bonita.
E em maio de 1944 Macapá foi transformada em capital do Território Federal do Amapá, criado um ano antes.
Foram chegando os pioneiros.
Cada qual com seu trabalho e sua coragem. Saga e valentia.
Só mesmo homens e mulheres dispostos a trabalhar poderiam modificar aquele quadro triste de doença, analfabetismo e miséria. Nossos pais e avós, todos juntos, reuniram suas forças para trabalhar por esta terra. O sentimento de amor e de progresso era superior ao esmorecimento e ao pessimismo.Tudo foi modificando-se.
Chegou o primeiro carro e o primeiro avião.
O primeiro campo de aviação foi construído e foi para o ar o primeiro programa na velha e querida Rádio Difusora de Macapá, uma das pioneiras do Brasil.
Instalou-se a primeira usina de luz, o primeiro hospital.
Égua! O Caixa de Cebola foi o nosso primeiro ônibus. Depois veio o Gavião Malvado… Tudo tinha nome ou apelido.
Havia a “Turma do Buraco” que arborizava Macapá…
Em Macapá faziam sátira com a música “Cidade Maravilhosa” e cantavam assim: “Cidade Maravilhosa/ Cheia de catabil…”
Pois sim, essas pessoas que a cantavam, assim o faziam porque não tinham a visão do futuro.
Macapá tinha o horizonte aberto para receber as mãos dos homens trabalhadores que chegavam de todas as paragens.
E juntos, com os que aqui já se encontravam – mineiros, cariocas, nordestinos, gaúchos – todos trabalhavam e pensavam em progresso. E como na lenda da cigarra e da formiga uns cantavam, mas a maioria trabalhava.
E esta cidade, mano, foi crescendo ao som do Marabaixo que a preta velha cantava na Quarta-Feira da Murta pelas ruas do Laguinho e da antiga Favela.
“Passei pelo lírio roxo Cinco folhinha apanhei Cinco sentido qu’eu tinha Todos os cinco lá deixei”.
Todo um sentimento poético abraçava a cidade. E Macapá estava linda sob o sol.
Aliás, a luz sempre simbolizou a vida.
O sol beija o rio na maior parte do ano. E ao nascer todos os dias ele traz para nós a esperança de dias melhores e mais mansos.
Sabe, mano, enquanto soubermos discernir o bom do ruim faremos deste lugar a razão de nossa felicidade, pois ela permanecerá acesa nos nossos lares.
Devemos ainda aprender a amar nosso chão e nosso céu de sonhos. Temos tudo para ir adiante, assim como nosso primeiro nome, lembras?
Adelante, adiante, para a frente.
É importante sermos otimistas e ter os pés neste solo. Batalhar e trabalhar para fazer desta terra um mundo de coisas boas.
Sim, um mundo moldado com as mãos e com a respeitável inteligência de nossos irmãos.
Tu já fizestes uma viagem, não foi? Sem querer tu pensaste em alguns detalhes e fostes e voltaste.
Assim como tu, nossos dirigentes também pensam, planejam e realizam obras que nossos filhos vão falar com orgulho e seus corações também falarão através de um grande sorriso em suas bocas.
É preciso continuar planejando para atender aos anseios de nossos irmãos carentes.
É preciso combater os malefícios e pensar no bem-estar geral. É preciso, compadre, é preciso trabalhar.
E nós estamos trabalhando prá viver e se for preciso até morrer por este lugar.
Adiante, adelante, adelantado.
Bem ali, no mais tardar das esperanças tu construirás o teu tempo.
Nem que seja sobre a folha que cairá de uma árvore sob o impacto da chuva.
Olha, mano, deves ter a certeza que o rio corre para um único destino: o mar.
E nesta linda cidade paira a luz sobre nossas cabeças.
Então, iluminados, devemos homenageá-la.
Já viste o rio amazonas deitado no seu leito. Já viste a importância da Fortaleza de São José. Já viste também os namorados apreciando o rio parir uma lua gordinha lá no Quebra-Mar.
Então tu sabes, mano, como é linda e hospitaleira a nossa cidade, né? Pois é.
O Marco Zero do Equador passa aqui pertinho, separando o mundo em dois hemisférios. Já notaste que vem tanta gente aqui pra visitá-lo?
Tem uns turistas louros, morenos, pretos e amarelos que só tiram fotografias com as pernas abertas dizendo que estão no meio do mundo.
Sabes por quê? Ora, Macapá é importante…
Mas tu sabes o que significa a palavra Macapá? Não?
Macapá é uma variação de Macapaba, que quer dizer, na língua dos índios, estância das macabas, o lugar de abundância de bacaba.
Bacaba é uma fruta boa e gostosa, né?
Apesar de gordurosa ela alimenta muito a gente e o seu vinho ainda tem aparência de café com leite.
É assim como o açaí, o nosso petróleo comestível que a gente compra um litro na amassadeira do Ramiro e dá de pau na hora do almoço. Temos tanta fruta que tu nem imaginas…
Temos cupuaçú, graviola, bacuri, jenipapo, uxi, pupunha, camapu, ingá, chega a dar água na boca.
Mas, compadre, Macapá é uma linda morena.
Vês que de manhã aquele solzão bate no Amazonas que chega até encandear a gente.
Macapá é uma cidade segura. Aqui o rio nunca transbordou.
E quando o sol vai embora, mano, nós ficamos com a certeza que ele voltará.
E assim como nós acreditamos nisso, nós acreditamos no futuro e no trabalho de nossos irmãos.
Na essência da poesia a Macapá o que vamos encontrar é a alma do povo. O povo que sonha, ama e constrói.
Neste poema, cada dia reescrevemos um verso apaixonado. Uma declaração de amor à nossa cidade, que mesmo se tornando uma capital diferente daqueles dias de Adelantado, não aceitou perder sua alma, nem endurecer seu coração.
Nota do Editor: Esta arrumação de história, prosa e poesia do escritor Fernando Canto serviu para ilustrar cartazes e folhetos distribuídos há algum tempo por iniciativa do então secretário de Planejamento, Antero Dias Lopes. A tiragem foi limitada de modo que não muita gente teve acesso a essa tirada do Fernando. publicando o trabalho, a A Província dá oportunidade a milhares de leitores enxergarem Macapá por um lado diferente, saboroso.
Jornal do Amapá – N°148 Pág.12, 2° Caderno. A Província do Pará – Belém, Domingo, 17 e Segunda-Feira, 18 de abril de 1988.
Sempre que procuro no peito A geografia do amor O mar que abriga meu lar
A luz de um lugar acende em meu peito.
Paisagens que o tempo não leva: Um santo que abraça o amazonas, Grande casa de pedras, igrejinha, A bênção, meu S. José!
Sempre que penso no lar, É batuque, samaúma, maré cheia Ruas enfeitadas de mangueiras Capital morena, segunda mãe
Casa minha.
Terra da poesia de Fernando, Alcinéa, Maria Ester Marabaixo no pé, de Tia Luci até aqui, É igarapé das mulheres, lendas e crenças, Flores do mato,
Ervas que curam , vida que abunda, Cá dentro de mim.
Jaci Rocha
* Parabéns, terra querida.Obrigada, segunda mãe. Observação: há muito mais poetas, cantores e artistas em geral em nossa linda cidade. Sintam-se representados.
Enxuga a mão no guardanapo da cozinha antes de encostar em mim. Eu sou o resto de comida molhada na pia: restos de alface e arroz em meu camarim prestes a ser inundado de água fria. Cubra todas as frutas e o queijo. Eu sou a mosca que se deleita inclusive com os restos da pia. Esvoaçante e zumbindo pouso com um delicado beijo plantando larvas de zombaria. Eu sou as bactérias da geladeira: um botulismo, um h pylori… Não tenho cura, mesmo que se queira, nem com overdose de antibióticos hardcore. Eu sou esse farelo de bolacha do jantar que denuncia a falta de faxina no porcelanato e talvez esse papel de manchar seja minha única serventia de fato.