Poema de agora: Um dia chamado hoje…um momento chamado agora – Luiz Jorge Ferreira

Um dia chamado hoje…um momento chamado agora

Meu coração é uma Melodia com asas.
Muda o ritmo das suas incursões aladas…mas termina quase sempre no chão.
Meu coração é um desenho fosco.
Sem detalhes coloridos,
Cheio de entalhes mal definidos.
Que apenas ocupa a meia metade do esquerdo peito…que carrego comigo a um tempão.
Há dentro de mim e perto dele um espelho para que ele se veja, e não se sinta só.
Ele se reflete a si mesmo.
Quando o encontro vermelho, é sinal que chorou.
Aí, eu declamo Pessoa, ele imagina que sou eu, e zomba.
É quando saio para chorar tristonho , junto aos Anjos da terceira esquina.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: Tatuagens do tempo – Fernando Canto – @fernando__canto

Tatuagens do tempo

Quando minha pele for caindo pela força da gravidade
Quando o tempo abrir avenidas corporais
E o brilho das rugas inevitáveis,
Minhas tatuagens ficarão flácidas e ilegíveis
Pois não terão mais o desenho esticado na epiderme
Contudo, amor, o teu nome gravado permanecerá legível sob meus olhos lassos do uso de lentes,
Eles que são observadores da linha do tempo
E do tempo que as linhas costuram minhas memórias
Em cirurgias perdidas nas cerrações
Da paisagem.

Fernando Canto

Poema de agora: O tempo não conta para a eternidade – Fernando Canto

O tempo não conta para a eternidade

Aos poetas disfarçados de lógicos
Ainda que tarde
A hora arda
O tempo estanca
E o texto escorre

O tempo é mesmo
Âncora invisível
Bússola quebrada
Teia silenciosa
A entupir as bocas das entranhas.

O tempo não conta para a eternidade
Lírico e lento
Lapida em cinzel de sonho
A pedra etérea da vaidade

Fernando Canto

Poema de agora: – Avesso do Espantalho – Luiz Jorge Ferreira

Avesso do Espantalho

Depois que mamãe morreu, sobramos eu, uma bailarina de louça, e um dog de nome Flip.
Um sobrado enorme de frente para o sol, ficou maior ainda.
O cão viciou-se em mostarda, e eu me viciei em solidão.
A bailarina de louça tornou-se alcoólatra.Iniciou a colecionar Posters da Madonna, e filmes antigos do Paul Newman.

Todas as Quintas-feiras, assim que começava a chover, ouvíamos Jazz.
Em noites de lua cheia Frank Sinatra, e assim que íamos dormir, Tom Jobim.
Eu não cortei mais as unhas dos pés, e Flip não roeu mais ossos, e começou a comer alpiste.
As coisas de mamãe dobrei, e as coloquei dentro de um dedal.
Suas teorias sobre a preamar, e acasalamento dos botos, transcrevi em Morse.
As roupas mais coloridas, os apetrechos, os penduricalhos, e os olhares mais a fins, doei para a bailarina de louça.
Com ela a prendi a dançar Fado, domesticar Faunos, e beber orvalho.

O sol invadiu a casa. Enferrujou as janelas.
Descascou as paredes.
Empenou as portas.
Fragmentou as telhas.
Sugou as falas.
Sujou as idéias.
Apagou os sorrisos.
Por fim, exausto, foi.

Ficamos sentados ao redor de mim.
Eu, e dog , e a bailarina de louça.
Contando calados, as batidas ímpares do meu coração.
Eternamente… começando por cinco.

Luiz Jorge Ferreira

 

 

* Do Livro O Avesso do Espantalho. Scortecci / 2010/ São Paulo.Brasil.
** Além de poeta, Luiz Jorge Ferreira é cronista, contista, escritor e médico amapaense que reside em São Paulo e também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).

Poema de agora: Nº 6 do do livro Amapátria – Fernando Canto

Nº 6 do do livro Amapátria

E assim como o fogo estica o couro dos tambores
E a mão que toca a vida e seus amores,
O canto encobre o som desses batuques que agitam saias
E toalhas da gente do mar abaixo
E a lembrança da senzala que nunca mais virá.

Fernando Canto

BILÍNGUE (Poema de Fernando Canto para o Elton Tavares) – @fernando__canto

BILÍNGUE (Poema de Fernando Canto para o Elton Tavares)

Tenho duas línguas
De fera:
A doce de sonho
E a áspera que espera
Há tempos
Provam os lábios
Do mundo

– Melíflua e exata –
Uma beija
E a outra mata

Poema de agora: Caminhada – Fernando Canto

Caminhada

Aos que caminham dentro de si e ainda se assombram

De manhã
Meu corpo
É longo
Em sua sombra
Caminhante

Ao meio-dia
Assombro-me
Em segredo
– Encolhidinho –
No equinócio
Da alma

À tarde
Eu me projeto
Rumo ao mar
Com o sol
A bater meu rosto
Nos umbrais da noite

E se um lado é luz
Que me orienta
E de outro
Meu rastro
É a escuridão

Sou, perdoem-me,
Um obscuro ponto
Na paisagem
Que me embala
Ao sol do dia seguinte.

Fernando Canto

Escritor Gabriel Yared lança a obra “Desterra”, seu novo livro de poesia

Escritor Gabriel Yared lançará, HOJE, dia 5 de abril de 2024, às 19h, no Bistrô Hangar 79, em Macapá, a obra “Desterra”, seu novo livro de poesia, o segundo do gênero literário.

O autor é macapaense de ascendência árabe e libanesa. Nasceu em maio de 2000 e é estudante do curso de Letras Francês da Universidade Federal do Amapá (Unifap). Seu segundo livro de poesia chama-se “Desterra” (editora Folheando, 2023) e parte de um lugar em que o eu se questiona sobre seu lugar no mundo, tratando de questões da sexualidade, ancestralidade e estabilidade emocional.

Mais sobre o escritor

Gabirel é editor-chefe da revista digital Égua Literária, que publicou, entre 2021 e 2023, contos fantásticos escritos por autorias da Região Norte do Brasil.

Seu romance de estreia chama-se “Semente de Sangue” (editora Corvus, 2021) e acompanha uma família que luta contra uma maldição hereditária surgida no período colonial na Vila de Mazagão Velho. O livrot em sido objeto de estudo na disciplina de Literatura Amapaense, trabalhos de conclusão de curso e dissertações de mestrado da UNIFAP.

Seu primeiro livro de poemas chama-se “As flores e as dores que ele me deu” (2022) e reúne poemas escritos entre 2018 e 2021, versando sobre a paixão, a decepção amorosa e a reconstrução do eu após o fim da vida a dois. O filme foi adaptado para o cinema em curta de mesmo nome, co-dirigido por Yared e Lucas Carvalho e co-escrito em parceria de Yared e Ian Reis, alcançando festivais nacionais e internacionais de cinema.

Mais sobre o livro que será lançado

“Desterra” reúne poemas de Gabriel Yared escritos entre 2022 e 2023, em meio às reflexões sobre relações familiares, um término recente e o entendimento como um indivíduo racializado em um momento de melancolia. É em meio às dores e as alegrias que essas relações com o outro e consigo mesmo proporcionam que a voz lírica desses versos se reconhece, ao escavar sua intimidade com o objetivo de encontrar respostas em suas raízes e no passado.

Assessoria de comunicação

Poema de agora: Luarina – Luiz Jorge Ferreira

Luarina

Para tentar ficar com você …extrai os dentes do Siso.
Bebi Gin com Cinzano…
Falei fanho no Celular, para enganar seu mano.
Fotografei estrelas recortadas de um revista colorida de etiquetas, e na escuridão do banheiro sob a luz escura de um abajur de neon criei uma lua com seu nome e a coloquei no jardim perto do seu Girassol.

Para gravar a cor dos seus olhos, decidi desenha-los no forro detrás do sofá da sala, e comprei duas caixas de lapis coloridos, por fim misturei as cores dentro de uma xícara com o que sobrou do Gin derramado no biombo do banheiro, e joguei a esmo, atrás do quadro copiado de Romeu e Julieta,e das duas estatuetas de Querubins e Arcanjos, o que coloriu de um modo desproporcional toda a roupa de Momo para o próximo Carnaval.

Eu me deitei a noite durante o frio de Abril de shorts com que jogo bola na Quinta-feira, de Camiseta da Portuguesa bem puída, esperando que num sonho destes em que você perambula por uma praia sob coqueiros e samambaias, catando ostras e estrelas do mar, eu aparecesse e nesse recanto de encanto, é que o seu olhar nadando com os Botos,a flutuar em paz… é então que eu noto que ele é Lilás como as violetas da França…e você nem olha para o lado onde tudo isso eu fiz acontecer, escrevendo sobre a folha branca do papel, só porquê não encontrei lugar nas nuvens, então foi que eu quando pude, desenhei sobre a própria pele agora imberbe, apergaminhada a se parecer com uma estrada magra de terra seca, e sinais com pelos, agora tortas lombadas, ansiosas, por receber do mar…água.
Por sua causa a sede nos abraça, e malina, nos maltrata, nós envelhecendo terrivelmente.
Por sua causa…
…por sua causa…dentro dos meus sonhos, já não sonho mais!

Luiz Jorge Ferreira.

Poesia de agora: A mentira – Bruno Muniz

A mentira

[No contrapé de um sorriso
morava a mentira,
que dava risada
mas era de vidro]
– O que houve com ela?
– Era de vidro
– O que houve?
– Encontrou uma verdade
– E daí?
– Não estava acostumada. Se assustou, se desequilibrou, caiu.
– Era de vidro?
– Era
– Tão linda
– Tão linda.

Bruno Muniz

Poema de agora: Cheiro Azedo (Corredores) – Luiz Jorge Ferreira

Cheiro Azedo (corredores)

Aqui comigo tenho o urro dos bois vagabundos na memória
E com eles eu reencontro os cheiros que eu considerava
enterrados.
À noite eles perambulam nos corredores
Junto com estrelas e sombras na parede.

Estou repleto de mim, tatuado de sol, dentes sujos
De fiapos de frutas e restos de palavras
E ao sul dos quintais minha infância toma banho nua
Sente frio e olha-me assustada com a quantidade de rugas
Olha-me os pés e suas rotas de fugas
Que nunca vão além de um palmo
Eu canto canções antigas
Cuja melodia parece uma praga dita em russo e tusso.

Aqui, quando o sol se afasta espalhando negro
É que chegam os fantasmas dos bois
Com seus urros e babas que mancham
As cortinas, as vaginas e os saltimbancos.

Assanham e arranham
A prenhez da luz e a epilepsia das sombras recortadas na parede
Com eles fogem os cheiros.
Lembra-los dói
Por isso eu expulso gritando hora, dia e ano
Em que nasceram os girassóis pintados por Van Gogh

Eles comem as prateleiras, as dobradiças
E os dentes postiços da Yeye
Sujam o corredor e a fé dos protestantes da terceira rua
Pisam no sorriso da Mona Lisa e mijam.

Minha infância nua os chama para Macapá
Expulso-os aos berros e aos urros,
Cantando uma cantão tão antiga
Que parece estranha e amiga.

Eles deixam um cheiro tão azedo
Que o tempo fica lerdo
Os ossos fraturados estalam, os olhos ficam escuros
E absorvem a luz que foge das pupilas dos fantasmas dos bois.

Solitário, morro e apodreço sozinho
Pelos corredores o cheiro azedo só incomoda
A prenhez dos urubus.

Luiz Jorge Ferreira.

*Do livro Defronte a Boca da Noite ficam os dias de Ontem.

Poema de agora: Estou bêbado (Leão Zagury)

Estou bêbado

É a única maneira de viver atualmente
Não por causa do fardo da idade que agora carrego nos ombros
e me obriga a olhar o chão
Não mais consigo ler jornais,
e saber das matanças, das idiossincrasias e das dores
A mim, abstêmio, só resta a embriaguez
À noite pergunto às estrelas
Pela manhã à brisa, que agora sopra quente
Com vinho, cerveja ou aguardente?
Se me indicam um desses líquidos
Prefiro os de maior teor alcoólico:
poesia e sonhos.

Leão Zagury

*Leão Zagury é poeta, médico e escritor amapaense.
**Contribuição de Fernando Canto.

Poema de agora: Renascer – Pat Andrade

Renascer

renasci mais forte
pra resistir ao peso da vida
que me arrasta para
os precipícios cotidianos

retornei com as asas
que me foram arrancadas
há tempos,
sem anestesia, nem nada

retomei o que é meu por direito
e me foi tirado sem permissão,
em uma época de escuridão

recuperei a voz para dizer
o que quero e preciso,
sem a mão que me tapava
a boca a cada grito

reinventei minhas
noites de insônia,
para ver melhor
a luz do luar

redescobri meus desejos,
respeitando o tempo
de cada coisa

e ainda sou eu mesma,
com remendos na alma,
dúvidas constantes
e um quase nada
[necessário] de calma

Pat Andrade