Poema de agora: Prazer, sou Maria – @alcinea

Prazer, sou Maria

Dá licença, seu moço,
que eu agora vou me apresentar:
Sou Maria,
mulher guerreira,
não puxo briga
mas não corro de bicho-papão
nem tenho medo de coroné metido em fardão.

Sou Maria,
mulher simples e humilde
mas tenho alguns tesouros.
Não sou dona do mar
mas conheço os segredos da floresta
e marimbondo de fogo não vai ferrar.

Sou Maria,
mulher poeta e jornalista.
De noite escrevo versos,
de dia escrevo notícia.
Minha caneta é liberdade
a consciência o meu guia.
Sou doce, mas valente,
nem tente me calar
pois não tenho medo da sua gente.

Me ajoelho só pra Deus.
Santo e poeta eu olho com o coração
e político da tua laia
eu olho de cima pro chão.

Pra quem é do bem
eu digo: “Vem comigo, amor”
Pra quem é do mal
eu só sei dizer “Xô”.

Encerro minha apresentação
te fazendo um pedido:
Fica lá no teu quadrado
deixa em paz o povo tucuju
ou eu viro Maria mal-educada
e te mando…

(Alcinéa Cavalcante)

Poema de agora: PÁSSARO – Fernando Canto

PÁSSARO (*)

O pássaro defecará sobre teus ombros
Se não te assemelhares a ele
Nestes dias de ranço, de fel

Antes de qualquer anormalidade
Deverás procurar o inatingível
nas frestas
das tardes
e nos casarões
que imaginaste
para a construção do teu ninho

Será um processo inusitado em tua vida
dela tirarás um movimento tenro
que por certo contribuirá para que voes
e busques
quantas vezes necessário for
a flor que em tua idade
arde
arrasa
sangra
enquanto sentes te fluir mulher.

Não é conselho nem ordem nem obrigação,
É lei!

A tua metamorfose à semelhança
no canto
e no voar
no jeito de beber da água e de comer
e ainda pousar no arbusto.

Primeiro, o ato da criação não será bíblico.
não haverá molde
nem mãos divinas nem barco nem sobro
já és da terra e do céu
já és do chão e do ar

E é débil a condição da resistência.
Tu não resistirás a essa permuta.

Digo-te agora que do teu canto
saltarão as cores do arco-íris
e nunca a chuva apagará a lenda
do fogo dos teus olhos
Pois é irreversível o plumear da epiderme.

Tuas antigas mãos trafegarão no oxigênio
sem deixar rastros
porque a liberdade não semeia marcas.
Tu serás estrela
e não darás concessões do teu brilho
à pálida lua
ou a um sol antigo

Quero ainda te dizer que não serás
a aurora
Embora tenha refletido que renascerás
radiante
e adiante ofuscarás
a vista dos animais sem teu porte

Se és mulher em véspera de asa
voa
voa
Não sacrifica mais a prática
da liberdade.

Sei que é premonitória a semelhança

Haverás de ser ave, e, ouve,
Está perto a tua missão.

Quando te souberes mansa
terás que saborear as sombras,
Essas que talvez empatem teu caminho

Mas tu construirás teu ninho
nas frestas das tardes quentes
à imagem e semelhança
do pássaro que passou ou que passará por ti,
na noite. Outra vez.

Fernando Canto

 

(*) Do livro “Os Periquitos Comem Mangas na Avenida. Macapá. DIO, 1984.

Poema de agora: Papo de Maluco – Marcelo Guido e @ManoelFabricio1

Papo de Maluco

Faz tempo que não vou no puteiro
Ando meio sem dinheiro
E com pouco amor para dar
Lá é carnaval o ano inteiro
Não existe o desespero
Nem pedem alvará
A propina lá é foda
Três minutos. Umazinha
Mês que vem é só passar
O fiscal sai satisfeito
Seu papel cumprir
Dever feito
Não esquece de avisar o prefeito
Mês que vem é só passar
Não precisa vir engomado
Paletó, papo furado
Muito blá , blá , blá
Puta é bicho bom, diz o que quer
Três vias
Secretario da folia
Coração de puta
Só perde para o de mãe
Bicho
O amor mais fácil
Mais sutil
O toque
O cheiro
O gosto
O beijo
Nem que seja
Por um breve
Momento
Mas a vida
É isso
O mais importante
É lembrado
Não me interessa
Intervalos

Manoel Fabrício e Marcelo Guido – Amigos , foliões , parceiros … Pessoas “do bem” e não “de bem”

Poema de agora: Velho Albatroz – Luiz Jorge Ferreira

Velho Albatroz

Todos os dias, quebro-me ao meio
Como um albatroz cego de encontro ao vento
Giro ao teu redor, como um atônito cata-vento.
sedento de pó e luz.

Posso voltar a voar com uma das asas esculpidas pelo sol, que mergulhou no horizonte.
Para que não estranhes minha ausência, tens meu olhar.
Grafitado lilás no muro ressecado do final da rua.
Ficarei em silêncio, como muitas vezes fiquei.
Mesmo que os sons saídos da boca do rádio, lembrem o outono.
O mesmo em que colhemos frutos, embebidos em sal e mel.

Eu me lembrei dos danos, de rasgar os planos e do sufocar dos anos.
Amarrei a camisa ao redor da cintura e caminhei
Ainda comigo, a asa, agora como uma mordaça, me calando o sopro e sufocando aos sonhos.

Luiz Jorge Ferreira

* Do Livro “Nunca mais sairei de mim Sem levar as asas” – Rumo Editorial-SP- 2019.

Poema de agora: MEU JARDIM – Carla Nobre

MEU JARDIM

Já teve um dia
Que eu quis partir de vez
Mas eu decidi ficar


Havia tanta folhagem bonita
No meu jardim
Que eu nunca tinha olhado
Havia muita dor
Onde eu só tinha me lamentado
Beleza e dor
Alimentaram minha decisão de ficar
Chorei 600 dias
Em samambaias mortas
Eu já quis partir de vez
Para esse buraco
Que ainda existe fundo dentro de mim


Ele não é feio
Nem monstruoso
É apenas um buraco imenso
Lajotado de solidão
Já teve um dia
Que eu quis partir de vez
Mas eu decidi ficar
Acender velas
Tocar sinos


Mesmo sem vontade
Eu decidi cuidar do meu jardim
Deixar ele cuidar de mim
Arei a terra
Peguei em minhoca
Preparei uma horta
É muito triste cuidar de um jardim
Tão descuidado em memória ruim
Mas eu decidi ficar
Limpar as larvas de mim
Esse meu jardim é traiçoeiro
As vezes seca inteiro de novo
E eu me despedaço imediatamente
Mormaço, areia, pedra


Até que da lágrima descrente
Brotam sementes perdidas
Chicórias riem
Flores rosas brilham
Então o jardim ilumina meu buraco de solidão
Assim, em paisagens onde eu só morreria
Borboletas azuis enfeitam os dias
Há quem diga que isso é sorte
Eu prefiro acreditar
Que é simplesmente a vida verdadeira
Depois do casulo triste da morte

Carla Nobre

Poeta do Amapá recebe prêmio ‘Destaque da Literatura do Extremo Norte’ no Pará

Marven Franklin, juntamente a outros homenageados, recebe o prêmio Destaque da Literatura do Extremo Norte em Belém, no PA — Foto: Marven Franklin/Arquivo Pessoal

Por Ugor Feio

Morador do município de Oiapoque, no Amapá, o “Poeta da fronteira”, como é conhecido Marven Junius Franklin, de 50 anos, recebeu o prêmio “Destaque da Literatura do Extremo Norte” durante o 35° Baile dos Artistas, em Belém, no Pará.

O escritor recebeu a homenagem no dia 28 de fevereiro, por sua obra “Oiapoque in Blues”, inspirada na vivência dele no município, localizado a 590 quilômetros de Macapá.

Para o poeta, a premiação é um passo importante para a literatura amapaense, que reconhece o trabalho realizado ao longo dos 15 anos morando na cidade que faz fronteira com a Guiana Francesa. Ele foi um dos 60 escritores homenageados durante a solenidade, sendo o único representante do Amapá.

“Meu trabalho é conhecido como literatura de fronteira e reflete muito sobre o que já vivi. Nasci no estado do Pará, mas meus textos falam da minha experiência no Amapá. Esse reconhecimento é gratificante”, disse o poeta.

Livro “Oiapoque in Blues” de Marven Franklin, inspirado na vivência do poeta em Oiapoque, no Amapá — Foto: Marven Franklin/Divulgação

A dificuldade de acesso ao Oiapoque e a grande preservação da mata são as principais inspirações de Marven. Ele conta que a obra dele “retrata a materialização das fronteiras real e imaginária, que se concretiza aos olhos do leitor através da poesia”.

“Tanto se fala dos defeitos do Oiapoque e da dificuldade em morar lá. Têm coisas boas também. Meus textos são produzidos em cima dessa solidão vivida nas regiões de fronteira, especialmente a angústia em meio à mata e seu clima nebuloso”, explica.

O escritor já conta com premiações como o 3° Prêmio Henrique José de Souza de Literatura, Concurso Literário de Presidente Prudente, Concurso Nacional Novos Poetas e Concurso de Poesias da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil de Mariana (MG), entre outros.

Fonte: G1 Amapá

Poema de agora: Pecado Venial…Pecado Mortal – Luiz Jorge Ferreira

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Pecado Venial…Pecado Mortal.

Eu nasci no dia em que o sol falou pelos cotovelos, e uma mulher velha benzeu a água do Amazonas com o sal do mar.

Eu sofri de asma, porque faz parte da angústia, aspirar sonhos e gemer silêncios.

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Macapá.( …porção quente do Paraíso…) me viu dono dos meus pés, no dia em que a Cruzeiro do Sul, mostrou-me a terra redonda. My Good!
Os homens voam, inclusive com suas próprias asas.
Eu abussulo. Olhos turvos. Hino Escoteiro. Crendo na Ostia Branca.
Sobre mim e dentro o Deus. Nas minhas mãos e na minha boca…o Pecado Venial e o Pecado Mortal.

Perto de mim o funcionalismo da União vendia o salário aos Comerciantes da Doca da Fortaleza, minha mãe fritava o ovo e punha quente no meu prato…misturava farinha,lágrimas e dor da fome, assim temperado, eu comia órfão.
Perto do pote, ela tomava água com água, subia a rua poeirenta e ia ensinar aos homens do futuro, para que eles nunca mais fizessem uma professora brasileira passar fome.

Eu ficava só nas tardes que abraçava, chupando mosquitos, desenhando sombras entre sombras, excitando meu membro imberbe com espuma do sabonete Eucalol.
Então o tédio me afogava, e eu punha-me a atirar pedras no infinito, o infinito estava perto, e eu estava velho pois já tinha sete anos.
Mas queria minha mãe em casa, e perto um pai que o vento tornara poeira.

Soletrei a palavra:- Ódio.
Caí de joelhos e me vi como me vejo…calado.
E o mundo querendo provar do corpo, do suor, do sangue.
Então rasguei o Zorro, afoguei as figurinhas do Álbum, amarrei a causa do gato no silêncio das minhas próprias perguntas.
E fiz pipas azuis que feriram nuvens brancas.
Para os anjos de mármore que urinavam sobre os meus olhos pondo remelas de concreto, pus a língua.

Ao tentar voar correndo pelas ruas, no limite imposto entre a garrafa de cachaça, e o sexo da prostituta que comigo dormia, caí na desgraça, e perdi o rumo.
E um dia o velho quebra-mar quebrado pelo mar…Disse-me…
Vai…e eu olhando sua face corroída pelas ondas…para onde?
O peito ameaçava ruir, porque eu ameaçava ser poeta.
E ele que amarrava seu coração nas linhas de espuma.
Cuspiu-me ao rosto.


Vai para terras em que o homens sejam ouvidos.
Em que as mulheres sejam olhos.
Para que suas rimas verdes deixem de ser atoas.
Vai para as terras em que as crianças sejam estômagos cheios.
Para que tua fome social, seja mera sobremesa.

Nas minhas mãos e na tua boca..O Pecado Venial, o Pecado Mortal…

Luiz Jorge Ferreira

(*) Do livro Cão Vadio. Macapá, Imprensa Oficial, 1986.

Poema de agora – Válvula de não-escape (@cantigadeninar)

Válvula de não-escape

quase oito:
café da manhã com biscoito
alguma tragédia nacional
antes de ir trabalhar
Brumadinho
passo a ferro a camisa de linho
já evito o jornal
mas a rede social
Imagem de love, heart, and rednão deixa eu me enganar

chego no trampo
o colega me dá outra notícia ruim
enrolo o meio de campo
e saio pela tangente
dando voltas no jardim

tudo contamina
a política, o próprio café
os agrotóxicos
[os amigostóxicos
os narcóticos
ultimamente, até a fé

fim de expediente
CO2 pelo cano
apressados me fecham no trânsito
buzinam e xingam
entretanto meu carro é 1.0
pergunto-me se Homero
escreveria hoje um épico urbano

volto para casa
não ligo a televisão
todavia, fugir da desgraça
não a impede de acontecer
lancho o dormido pão
percebo que estou vivendo uma trapaça
em minha bolha de apatia
não há para onde correr
amanhã será outro dia
outro dia para não ser.

Lara Utzig

Poema de agora: À Véspera do Escarro – (@cantigadeninar)

À Véspera do Escarro

Camarão que dorme a onda leva.
Homem que se distrai é engolido pela selva.
Dormi; distraí-me.
Traí-me.
No meu sonho, muito me iludi.


Imaginei um mundo onde as pessoas não precisavam prejudicar umas às outras para serem felizes.
Onde puxar o tapete não é a única forma de vencer que existe.
Acordei pisoteada, coberta pela areia da praia,
Subjugada por não me igualar à tal laia.

Neste mundo não há lugar para ingênuos.
Augusto dos Anjos advertiu e era mesmo um gênio.
Neste mundo, os bons são sempre esmagados.
Terra miserável só dá frutos putrefatos.
Neste mundo, o trigo já anda pouco:
A lama que nos espera multiplicou o joio.

Entretanto, se for para me tornar tão vil,
Se for para transformar meu coração em mero objeto vazio…
Permanecerei nos braços de Morfeu, pois neles o mundo é menos feio
E que venha a onda, levando-me junto com meu pueril devaneio.

Lara Utzig