Reverência ao poeta Alcy Araújo (que faria 100 anos hoje) – Por Fernando Canto – @fernando__canto

Hoje – Centenário do nascimento do poeta e jornalista Alcy Araújo – Fotos: Blog da Alcinéa

O Amapá precisa preservar, reconhecer e homenagear seus grandes nomes em todas as áreas de atuação. Sou fã de escritores, compositores, músicos, poetas e artistas. Por conta disso, republico aqui o texto do escritor Fernando Canto, em homenagem ao poeta Alcy Araújo, que faria 100 anos hoje, 7 de janeiro (Elton Tavares).

Reverência ao poeta Alcy Araújo

Por Fernando Canto

Alcy Araújo foi um dos nossos mais importantes poetas, e intelectual militante da cultura. Ele foi pioneiro do Território Federal do Amapá e aqui trabalhou como jornalista e servidor público, exercendo altos cargos no decorrer de sua vida profissional. Como escritor incursionou pelo campo da poesia, do conto e da crônica, entre outros.

Era compositor e chegou a ganhar os primeiros festivais de música realizados em Macapá. Mas foi a poesia que marcou definitivamente e de forma gloriosa a sua carreira. Boêmio e amigo de todos, Alcy influenciou dezenas de poetas em suas criações, desafiando-os a produzirem e se aprimorarem. Era conhecido nas rodas boêmias como “Tio” Alcy. Deixou uma quantidade incontável de textos literários que precisam ser publicados e divulgados, pois eles não perdem a atualidade.

Seus livros “Autogeografia” e “Ave-Ternura” foram publicados em 2020, pelo projeto literário “Letras de Ápacam”, da Prefeitura Municipal de Macapá. Contam com apresentação e prefácio meus e do poeta paraense João de Jesus Paes Loureiro.

Entretanto, suas produções literárias precisam ser reunidas e estudadas em várias estâncias do conhecimento, já que nem a Academia (Universidades) local, que tem o dever de preservar a arte e a memória dos escritores não o faz.

Alcy Araújo foi nossa maior referência poética. Precisa ser reconhecido cada vez mais pelo que fez e pelo legado intelectual e artístico que deixou. Por isso o Amapá tem o dever de preservar a memória criativa e cultural dos seus escritores, a fim de que eles possam ser conhecidos pelas novas gerações e pelas vindouras.

É preciso reverenciar seu legado, pois o “Tio Alcy” influenciou várias gerações de artistas e colaborou decisivamente para a formação cultural e intelectual de vários deles.

A você, poeta Alcy Araújo, a nossa gratidão!

* Alcy Araújo faleceu em 22 de abril de 1989.

Amapá celebra centenário de Alcy Araújo, ‘o poeta do cais e das borboletas’

O Amapá celebra neste domingo, 7, o centenário do nascimento do escritor e jornalista Alcy Araújo, conhecido como ‘o poeta do cais, dos anjos e das borboletas’ e que dedicou parte da vida a eternizar em palavras as histórias e as memórias amapaenses, sendo o único poeta do Norte do Brasil a integrar a “Grande Enciclopédia Brasileira Portuguesa”, editada em Lisboa.

Alcy Araújo foi umas das personalidades homenageadas na 1ª Folia Literária Internacional do Amapá, realizada pelo Governo do Estado, em 2023, para celebrar a literatura e a poesia, reunindo escritores de várias partes do Brasil e do mundo, no Parque do Forte. No evento, houve um memorial dedicado a Alcy Araújo, com um acervo literário disponibilizado para que o público pudesse mergulhar na arte do poeta.

Ainda em 2020, a Prefeitura de Macapá lançou o projeto literário “Letras de Ápacam”, idealizado e coordenado pelo poeta Joãozinho Gomes e pelo sociólogo João Milhomem. A iniciativa possibilitou a edição e a reedição de obras dos poetas modernistas do Amapá, entre eles, Alcy Araújo, com os volumes ‘Autogeografia’ e ‘Ave-Ternura’.

O talento e a memória de Alcy Araújo seguem sendo perpassados por suas filhas, Alcineia e Alcilene Cavalcante, também jornalistas, que continuam a levar poesia e esperança para a sociedade e para a cultura amapaense.

Trajetória

Nascido no distrito de Peixe-Boi no Pará, em 1924, Araújo despertou cedo para o talento literário e, ainda jovem, trabalhou como repórter, articulista, redator e chefe de reportagem nos principais jornais do Pará, incluindo a Folha do Norte, O Estado do Pará e O Liberal.

Em 1953, ele se casou e mudou-se para Macapá, onde seguiu com a carreira literária e jornalística e trabalhou em diferentes jornais impressos e emissoras de rádios, inclusive a Rádio Difusora. Neste período, também atuou como redator do gabinete do governador.

Araújo também construiu um vasto acervo literário dedicado à poesia. Seus livros, como ‘Autogeografia’, ‘Poemas do Homem do Cais’ e ‘Jardim Clonal’, são testemunhos de sua maestria poética. Sua partida em 1989 não silenciou sua voz, pois deixou inéditos vários livros, incluindo ‘Ave Ternura’, ‘Histórias Tranquilas’, ‘Cartas pro Anjo’, ‘Mundo Partido’, ‘Terra Molhada’ e muitos outros.

Alcy foi o primeiro jornalista amapaense a participar de um Congresso Nacional de Jornalistas, em 1957 e fez parte da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 25. Ao longo de sua vida, também deixou contribuições para a cultura e arte amapaense, após lutar pela criação da Escola de Artes Cândido Portinari e Teatro das Bacabeiras.

A poesia de Alcy Araújo era um reflexo de sua alma pura e cheia de esperança. Ele usou sua arte para lutar por uma sociedade mais justa e igualitária. O poeta do cais e das borboletas’ continua a inspirar e a encantar com suas palavras que devem ser conhecidas por essas e pelas futuras gerações.

A conexão com a terra e com a dor dos aflitos, estava presente em suas palavras, assim como a esperança que, muitas vezes, parece inútil para os desesperados como ele retratou nos versos de um dos seus poemas ‘Canto a terra, a dor dos aflitos e a inútil esperança dos desesperançados’.

Texto: Cristiane Nascimento
Fotos: Arquivo familiar do poeta
Secretaria de Estado da Comunicação

Tabuleta – Texto Poético de Luiz Jorge Ferreira

Texto Poético de Luiz Jorge Ferreira

Minha mãe ficou de mal com a chuva, e cobriu todas as plantas do quintal com uma antiga manta toda manchada de sereno, cuspe de anjos, e sêmen colorido de joaninhas. Passou a molha-las com lágrimas de saudade das Araras, que passavam em migração e ela sentia suas falta…

Eu resolvi desenha-las na face superior da manta que o sol beijava quando vinha por sobre o telhado pálido do Grêmio Estudantil, e se ia atabalhoadamente para as ilhas, onde uma lua minguante servia em escamas de mãe d’água um inebriante aluã…

Quando mamãe soube proibiu as nuvens de umedecerem as cuias, proibiu os cacos de espelhos de refletirem a lua, e me proibiu de desenhar flores…

Uma noite escura em que os morcegos iludidos pelo escuro…escuro…sentaram no pátio perto da minha bicicleta Caloi, para cantarem em Mi Bemois toda o repertório de Noel…

Mamãe repartiu o pão caseiro com Maricota a mulher do Jardineiro, e foram tecer as galhadas do Maracujazeiro para proporcionar repouso aos Zangões…

Eu peguei minha louças, meus ladrilhos, minha mini porta de mármore Carrara, e andei até encontrar um holofote de luz branca que chamou a chuva que escutou, e chegou cantando…

Mamãe emocionada se encantou fizeram a paz, e eu não aguentei e nasci…Dizendo que a saudade é um pedaço do passado que ninguém consegue esquecer.

Assustado… vendo os abutres beliscando o Arco-íris, então eu puxava o azul dos teus olhos e com ele manchava o céu.

E com seus sorrisos construí castelos úmidos, e uma Ponte Pênsil que servia de balanço para a Primavera quando ela vinha de Amsterdam no Sol da manhã, porque de tarde fazia muito frio e era uma ilusão soprar com o bafo dos Mapinguaris desenhados no Caderno de Pauta, as costas branca dos picos gelados da Noruega.

Como eu já havia nascido e minha mãe se preparava para lançar dois ovos a bombordo do Amapá…para chocarem com o calor da floresta…meus irmãos.

Esqueci da festa e passei a chorar por tudo que não compreendia, e como de nada entendo…

Resolvi deitar no sereno que eu tinha solicitado aos dias nublados.

Hoje estou enraizado.
Em mim.
Não sei se sou o Açaí.

*0sasco (SP) – Dia Qualquer de 2024.

Poema de agora: Rastro de estrelas – Pat Andrade

Rastro de estrelas

é tanta estrela
no céu da Amazônia
que – ai, meu Deus! –
nem cabe…

o menino ribeirinho
que com elas sonha
– ai, meu Deus! –
ele sabe
e conta pra gente
que o rastro de luz
que brilha
sobre as águas
é – todo ele – feito
de estrelas cadentes
que resolveram tomar
um caminho diferente.

Pat Andrade

O Poeta Isnard em carne e osso – Por Fernando Canto

Isnard Lima – Foto: Arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

Por Fernando Canto

Conheci muitos poetas que me fizeram ver o mundo de outra forma. Desde os tempos do Grupo Escolar Barão do Rio Branco ainda ouço as “Vozes D’África” de Castro Alves ecoando pelas praças da cidade como se viessem mesmo do outro lado do oceano e retumbassem versos com vigor pelos campos do Laguinho. E eles me dizem no acompanhar do ritmo ligeiro do batuque: “Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? / Em que mundo, em que estrela tu te escondes, / Embuçado nos céus? / Há dois mil anos te mandei meu grito, / Que embalde desde então corre o infinito… / Onde estás, Senhor Deus? ”

A poesia joga a semente da planta e alarga suas raízes. Só depois é que compreendemos sua ideologia e caráter, pois a entendemos como um ente que traspassa a alma e que inicia a fervedura da arte. Assim fui conhecendo os poetas no dia-a-dia dos estudos e até arrisquei meus primeiros versos, que ninguém acreditou que fossem meus, por isso foram destruídos pela fúria adolescente quando enfrenta o descrédito.

Isnard Lima – Foto: Arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

Um dia vi que poetas eram mesmo de carne e osso, embora estranhos. Conheci pessoalmente o Ray Cunha, o Zé Edson dos Santos, o Manoel Bispo, o Silvio Leopoldo, o Odilardo Lima e o curioso Isnard Lima, o mais velho deles. Tivemos nossas primeiras conversas no antigo Clã Liberal do Laguinho no início dos anos 70, época bastante tumultuada, quando falar em democracia era crime. Ali aprendi com eles a ser parceiro de música, de sonho e de esperança, apesar dos percalços do caminho como a impagável “Operação Engasga-engasga” que tentou estragar nossas vidas. Os que não foram presos por pensarem na liberdade migraram para outros centros do país e começaram a pôr em prática seus pensamentos, escrevendo canções, publicando livros, realizando exposições.

Dos presos injustamente que voltaram ao nosso convívio só o Isnard voltou a produzir textos com certa regularidade, mas era muito perseguido pelos chamados “revolucionários” e assim retornou a sua vida de boêmio, que alegrava os bares por onde parava. Neles, sua presença física fazia parte do cenário, assim como sua poesia, às vezes lírica e pródiga, iluminava a noite.

Isnard Lima – Foto: Arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

Tempos depois fomos estudar juntos para o vestibular da Universidade do Pará. Ele e a mulher, uma vizinha dele e eu. Passamos os quatro e fomos para Belém enfrentar a vida. Um dia, ainda lá, sua mãe a professora de piano Walquíria Lima, morreu de grave doença. O poeta ficou órfão de mundo. Depois, já advogado, voltou e realizou seu livro de crônicas.

Creio que poetar não é só ajuntar palavras com a sabedoria de quem observa minúcias. Ela também arrebata o que não deve, molha e enxuga imagens. Escrita ou falada ela incide sobre o mundo em raios de aconchego, rebate o despropósito de desatinos noticiados sem pressa. A poesia é arte de encantar, pela soberba luz que tem, até a esperança escondida sob pedras. No presente ela é real de tal modo pétrea que judia a percepção, assim como estende o passo do verso pelas nebulosas verdes do futuro. A poesia é necessária na hora que o mundo se parte em prantos e nos conduz ao estado incompreensível de poetas. É como um féretro de gafanhoto conduzido por formigas de fogo na primeira manhã de março após a chuva. É operativa e vítima viva; amarrada, mas não amordaçada; simbólica, que não concede a ninguém formas aprisionadas, estilos e chavões dos espaços escolares. Ao contrário, voa, evola-se, anja-se e rompe-se comunicando ao homem e seu espírito, que mesmo muitas vezes seca, louca ou amarga, é doce na intenção imensa da criação do autor.

O poeta Isnard Lima, autodenominado “Cafajeste Lírico”, tinha 64 anos quando morreu. Às sete da noite do dia 11 de julho de 2002 fui informado que um vizinho o encontrara caído, ao lado de um aparelho de aerosol usado para amenizar o sofrimento de um enfisema pulmonar, fumante inveterado que era.

Eis, poeta, a minha homenagem pelo Dia da Poesia, que compartilho com todos os poetas de nossa terra, quando sei que nas fímbrias das nuvens gargalhas alegre e ironicamente tiras rosa do teu chapéu e as joga na madrugada.

*(Texto publicado em março de 2007 – JD)

Saudade de Maiakovski – Crônica de Lulih Rojanski

Crônica de Lulih Rojanski

Gostaria que Vladimir Maiakovski tivesse chegado aos 50 anos. Que tivesse atravessado os 50 em vez de se fazer atravessar por uma bala aos 36. Uma tristeza e um paradoxo. Ele próprio condenava o suicídio em seus escritos: “A pessoa que deixa voluntariamente a vida leva consigo o mistério de sua decisão. Nenhuma explicação penetra na essência real da atitude tomada. Elas somente entreabrem a cortina sobre o segredo, mas o próprio segredo permanece escondido atrás do final triste da vida”.

Assim como gostaria de percorrer a web e encontrar textos de protesto sobre a atual sem-vergonhice política brasileira, gostaria de ler um poema que Maiakovski tivesse escrito aos 50, depois de ter testemunhado por inteiro o regime sanguinário de Stálin. Hoje ninguém mais escreve o testemunho de nada, muito menos em forma de poema.

O poeta da revolução poderia também ter vivido para envenenar o cretino do Stálin, que viveu até os 73 anos e teve tempo para promover o genocídio de pelo menos 20 milhões. Maiakovski desperdiçou um tempo precioso que poderia ter sido vivido para combater, até o dia em que conseguissem pegá-lo, assim como a Trotsky e a muitos outros. E se não o pegassem, faria, em forma de versos, estragos capazes de fazer Stálin querer morder o próprio calcanhar.

Gostaria de conhecer o pensamento de Maiakovski aos 50. Pois se hoje é considerado um dos maiores poetas do século 20 e ainda influencia poetas do mundo inteiro, imagine se tivesse vivido pelo menos mais duas décadas. Mas… seria possível Maiakovski se superar?

O segredo permanece escondido atrás do final triste de sua vida. Matou-se, talvez, por impotência diante da realidade dos seus dias, e nós, que estamos aqui olhando a vida pelo retrovisor alheio e reclamando do que os outros deixam de escrever, temos direito a pensar o que?

De minha parte, ouso contradizer-me, ou melhor, passar a limpo o que disse de início: penso que, por tudo o que disse e fez enquanto poeta, Maiakovski já nasceu com 50. Quem mais poderia ter inspirado “O amor”, uma das mais belas canções de Caetano Veloso?

Vladimir Maiakovski – O Amor

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
– Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra.

Tradução: Augusto de Campos e Boris Schnaiderman

Poema de agora: GRAVIDADE – Pat Andrade

GRAVIDADE

nasci lunar
e por isso mesmo
gostaria de pairar
de flutuar
gostaria de ser leve
mas nem sempre dá

a vida pesa
o tempo pesa
a verdade pesa
e o mundo me mantêm
grudada no chão

a contragosto
finco os pés na terra
enquanto o cérebro
me alerta para a gravidade
das coisas

às vezes um poema
me leva pro alto
me facilita um salto
e me arrisco

iludida
minha alma incauta
teimosa se atira

uma força quântica
se manifesta
o longe não se alcança

a alma volta
ao ponto de partida
atordoada
machucada e ferida
invariavelmente

mal se recupera
e antes que perceba
se arrisca novamente

Pat Andrade

Poema de agora: Expresso Postal – Luiz Jorge Ferreira

Expresso Postal

Todos os Natais da minha vida.
Estão nas Cartas que fiz para o Papai Noel.
Todas Cartas…abertas ou fechadas.
Estão sujas das minhas digitais.
Algumas tem lágrimas secas.
Outras têm xingos do avesso.
Muitas nada têm.

Todas as mães amam o Natal.
Guardam Cartas dentro d’alma…abertas ou fechadas.
Eternamente Cartas para o Papai Noel.

Todos os Papais Noel
ressuscitam no Natal.
São Mudos, São Surdos,
São Invisíveis a olhos nús.
São Analfabetos Poliglotas, não entram nas casas pobres, não leem cartas.
As minhas nunca leram.
Ou nunca as receberam.
Ou eu não sabia escrevê-las.
Ou um vento mau as escondeu sob o tempo do esquecimento.
E se não tinha endereço.

Porquê eu não desenhei minha cara.
Moleque…banguela.
Nariz escorrendo…fuligem no rosto…remela no olho…
Um muito de fome.
Inconsolável!
Chorando aos prantos por um carro de plástico, intensamente amado, guardado na alma tão profundamente…
Que nunca o ganhei.

Luiz Jorge Ferreira, em Natal um dia destes.
Osasco São Paulo Brasil.

Espetáculo ‘O Canto Azul’ mistura poesia, música e dança: Grupos Âmago e Poetas Azuis se juntam em apresentação única nesta quarta-feira (20)

A poesia falada e a música autoral dos Poetas Azuis se unem com a performance e movimentos artísticos do Grupo Âmago, em uma apresentação única e exclusiva, nesta quarta-feira, 20 de dezembro, às 20h, no Museu Sacaca. O espetáculo intitulado O Canto Azul, resulta de um projeto realizado virtualmente em 2020, que agora ganha sua primeira versão presencial.

O projeto começou com o desejo desses grupos em produzir sua arte durante o período pandêmico, no ano de 2020, em que nem todos podiam sair de casa. Individualmente os bailarinos do Grupo Âmago ganhou uma música escolhida pelos Poetas Azuis para que pudessem performar em suas casas e daí veio o nome, Canto Azul. Assim, cada um do seu canto podia montar uma apresentação e divulgar nas redes sociais e, que agora, ganha a versão presencial e ao vivo.

Um momento que representa mais que só a união de dois grupos de artistas. “Trazer o Canto Azul para a cena presencial e fazer esse encontro iniciado na internet para uma troca de afetos na realidade, significa dizer que nós estamos renovados, preparados para novos desafios enquanto artistas e que de fato sobrevivemos a um período difícil da humanidade, que foi a pandemia e que nos ressignificou e que nos tornou poesia”, ressalta o diretor artístico e coreógrafo do Grupo Âmago, Pablo Sena.

Durante cerca de 50 minutos de apresentação, o espectador poderá se emocionar e divertir com performances únicas entre canções e poemas já conhecidos dos Poetas Azuis. “A gente uniu um apanhado de canções que estiveram com a gente nos últimos anos e vimos elas serem transformadas pelas performances artísticas dos bailarinos, o que tem nos dado muita felicidade em compartilhar o palco com esses artistas incríveis”, destaca o poeta Pedro Stkls.

Serviço:

Apresentação “O Canto Azul”
Data: 20 de dezembro (HOJE)
Local: Museu Sacaca
Hora: 20h
Ingressos:
Antecipados R$25,00 no link ( https://shre.ink/rNJP)
Na hora do evento: R$ 30,00

Assessoria de comunicação

Parabéns, Amanhã! – Texto poético de Luiz Jorge Ferreira

Parabéns, Amanhã!

...eu desconfio do futuro…
…mamãe dizia que não me preocupasse muito com os anos que deveriam vir
…que um dia eles chegariam com suas surpresas, e seus novismos e suas saudades sempre guardadas dentro de uma foto amarelada…
Ele está por aí, você não o enxerga mas ele vem com sua existência curta, pois logo passa do Hoje para Ontem…
Eu ouvia com minha incredulidade dos 09 anos mal completados, e apanhava a bomba para calibrar o pneu da bicicleta Caloi Copa do Mundo, que indocil aguardava escorada no estrado de pachiuba feito para extender a roupa lavada e posta a secar.

Para mim tudo aquilo era o presente…filho do futuro.
E o tempo só podia vir com a noite, pois depois de dormir a gente acordava, e já era outro dia…

Ou podia vir na chuva, pois bastava chover vinha o sono que nos levava quando profundo para o outro dia…

Hoje desenho figuras com palavras, e as escoro em paisagens do passado…
Queria encontrar a porta que mamãe conservava fechada a maior parte do dia…
Eu achava que o futuro se abrigava lá atrás dela, com receio dos curiosos em adivinhar o que lhes traria o amanhã.

Achasse eu essa porta, me aproximaria dela e faria o caminho de retorno ao velho quintal, onde o extendedor de roupas, os Cúrios, os Bem te vis, as Libélulas, as sombras ligeiras dos urubus, e os ecos das vizinhas falando sobre o preço do litro do Açaí…

…e o som das brisas nas folhas das mangueiras…
Ao me verem surgir cheio de cicatrizes provocadas pelo abraço da vida.
Dissessem…
…Bem-vindo…
A sua bicicleta está com os dois pneus vazios…

Luiz Jorge Ferreira

Poesia de agora: PARA O POEMA – Patrícia Andrade

PARA O POEMA

aqui dentro da gente
o poema inquieta
desassossega
mas não sai

é necessário
a tristeza completa?
é preciso a angústia
habitar o poeta?

não precisa ser assim
não precisa da dor lírica
não precisa da aflição
e também é dispensável
o desespero da solidão

para o poema bastaria
uma serenata ao luar
ou uma canção popular

para o poema bastariam
os cabelos molhados de chuva
a boca úmida de desejo

para o poema bastaria
o orvalho da noite
o vento alegre
na folhagem

para o poema bastaria
uma manhã de sol
a tinta azul
a se espalhar pelo dia

bastaria para o poema
despertar do pesadelo
da folha em branco
deixar fluir a utopia

escrever rios de amor
navegar uma paixão
e desaguar em poesia

Patrícia Andrade

Poesia de agora: SAMAUMEIRA – Poema em prosa de Fernando Canto (muito legal)

Foto: Elton Tavares

SAMAUMEIRA – Poema em prosa de Fernando Canto

Poema em prosa de Fernando Canto

“Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs alma nos cedros… no junquilho.
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma! ”
(In A Árvore da Serra, de Augusto dos Anjos)

Por te querer dançante Deusa da Paisagem eu te agradeço, Irmã do Vento/ cromo/ lastro/Fadário da Cidade.

Eu te agradeço Cosmo Vivo/Escada para o Céu, por seres generosa ao repartir tua água, ao espargir tua sombra e ofertar teus galhos e abrigar os entes em noites sonhadoras.

Samaúma, Mãe do Mundo, Escada para o Céu, tu que tens sapatos sapopemas e frutos painas-voadoras; que transitas enraizada entre as águas dos subterrâneos da floresta e a superfície, onde se arrastam ofídios primordiais e pássaros lendários se acolhem nas ramagens; tu que reténs a dimensão da verticalidade e a perpétua regeneração da tua evolução cósmica.

Samaúma, Samaúma, algum mistério escondeu teu rosto no dia da morte da tua mãe aflita. Inerte, talvez, ela te escondeu na bruma da manhã de abril em lírica magia. E te fez rainha, ainda que tuas folhas respirassem em agonia à beira do Rio-mar.

Yaaxche, Árvore Sagrada. Malpanka, Mãe da Humanidade. Lupuna, mafumeira, Rainha da Floresta. Pulin, ocá, kumaca, bongo, paina lisa, ora, kapok, poilão, pulin, algodoeira. Pelo planeta fincas tuas raízes tabulares ante os olhos espantados dos humanos e suas linguagens ternas de admiração por ti. Eles, que perdidos, se orientam tocando os tambores dos teus pés.

Da tua fronde avistas os troncos seculares na arrebentação dessas marés lançantes, onde avatares-pássaros revoam, inefáveis, sobre o Panorama do Mundo, o Araxá, o teu lugar. Então dominas toda a paisagem, inflexiva ao vento do Amazonas, que te brinda em libações diárias.

Se em ti habitam arcanjos, anhangas, curupiras e matintas, és a própria potestade a gerir um ecossistema interdependente, nunca, todavia, como tuas irmãs castradas na floresta pelo golpe das serras amoladas ou mortas pelo fogo da cobiça. E teu corpo, em plena luz, é fonte de óleo e essência vital para nós todos.

És Lírica Magia, Poste Xamânico, Templo da Alma Pura, Caminho do Céu. Teus galhos são degraus do sonho de Jacó, por onde transitavam os anjos. Serias também, crescente vegetal do sonho de tantos nabucodonosores?

Árvore da Vida, Campânula Gigante, tuas folhas trazem a sombra que precisam os entes da latitude zero do equador de cáustica estação. Tuas painas são almas que fluem pelo céu azul de setembro.

Lembro-me das tropas de amarelos tratores-caterpillas, dos comandantes suados, dos operários mandados rebentando argilas de civilizações passadas, dos homens que venceram na clivagem odienta de tantas sumaúmas do caminho.

Eu te agradeço, Samaúma.

Eu te agradeço por sobreviveres além da bruma da manhã. Eu agradeço a todos que te permitiram fecundar a terra com tua Semente-Alma, pois és, ainda, encarnação que nos une firmemente, após tantos átomos quebrados, como o carbono em um composto orgânico feito de tantas esperanças fraternais.

Eu te agradeço, Samaúma, por dançares sob o sol recoberta de um verde-encantador e por viveres sem cansaço sob a chuva, até quando te despojas de tuas folhas todo ano.

Eu te agradeço, Samaúma, por seres Coluna Axial deste lugar, onde tentas sustentar a alegria retida nos olhos dos que te querem viva e soberana no Panorama do Mundo.

Eu te agradeço, Samaúma, por me fazeres crer que a memória é um esteio que comemora o meu lugar no mundo, mesmo à revelia de uma procela intempestiva vinda do oceano, que me banha de amor para falar de ti todos os dias em que te vejo na paisagem.

Macapá, 13 de setembro de 2017.

*Fotos: Elton Tavares.

Poema de agora: Atrasando o Relógio para voltar o tempo – Luiz Jorge Ferreira

Atrasando o Relógio para voltar o tempo

…Não amo Dezembro como gostaria
Deitado no sofá onde cochilando embaralhei sonhos e pesadelos …
Ouço a chuva batucar nas telhas de zinco no pátio onde perambulam três tartarugas…
Aguardo Dezembro chegar assim que a Madrugada do dia 1°
descolar meia noite da sua posição de sentinela
entre Ontem e Hoje.

Dezembro chega arrastando consigo uma melancolia azeda que embaralha meus sentimentos, então eu quero ser Cristo para perdoar os tristes, quero ser vinho para embriagar as dores, quero ser o Papai Noel para povoar os corações de prendas, ‘ Pingos de Amor’ como cantava Paulo Diniz.

Mas de súbito para de chover, paro de estalar os dedos da mão, fixo meu olhar nas minhas mãos tolas bailarinas, que trôpegas tem a sina de se cruzarem em um vai e vem de adeus.
Dezembro nem bem chegou envelheceu..
Eu nem bem envelheci desamei o Sol.
Emudeci para a lua…

E desenhando borboletas azuis cada vez mais anêmicas, contei tantos Dezembros…
Que dos que me lembro…
Espalhei na chuva para o pânico das tartarugas…
Assustadas com as mágoas, tristezas e melancolias vestidas de Renas, correndo as dezenas, saindo zonzas de dentro de minha alma vestida de
Natal.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: Alguns Pecados Meus – (Paulo Tarso Barros) – @paulotbarros

ALGUNS PECADOS MEUS

Deixei de escrever cartas:
sou um tolo,
porque só um tolo não escreve cartas,
só um néscio não gosta de cartas.

Deixei de ler e escrever poemas:
sou um infeliz,
porque só um triste não gosta de ler
ou de poder escrever poemas,
só um desventurado não gosta de poemas.

Deixei de acordar mais cedo:
sou um indolente,
porque só um apático e tolo
permanece dormindo
e priva-se das auroras.

Deixei de tomar banho nos rios:
sou um sujo de espírito,
um impuro de alma,
pois somente pessoas assim deixam
de tomar banho e de nadar nos rios.

Paulo Tarso Barros