Como vai a vida? – Crônica de Pat Andrade

Crônica de Pat Andrade

Já tem um tempo que eu vendo meus livrinhos empapuçados de poesia. Uns são ilustrados por mim mesma, com desenhos autorais ou colagens; outros têm ilustrações retiradas da internet. Também já fiz livros e cartões manuscritos – uma loucura, porque essa façanha me ajudou a desenvolver uma doença degenerativa e sem cura: a síndrome do túnel do carpo, que eu não vou descrever aqui porque não tenho paciência e nem palavras para tanto. Basta que saibam que me causa dores terríveis do lado interno do antebraço e por vezes paralisa o movimento do meu dedo médio, o que dificulta muito o uso da pena, que me é tão caro. Mas deixemos isso de lado e passemos ao que interessa – ou não.

Nas minhas incursões pelas ruas da cidade, rumo aos cafés, bares, restaurantes e afins, onde tento – renitente – vender poesia, encontro muita gente conhecida e muitos perguntam como estão as coisas, como vai a vida e outras amenidades. Deixei de responder com a verdade, pois considero uma crueldade com quem está desfrutando a vida de modo tão aprazível – bebendo, tomando um café com delícias, comendo uma chapa mista etc – dizer como vai a vida. Imagine você se eu dissesse “não vai nada bem, pois temos centenas de milhares de pessoas morrendo de fome ou catando lixo pra sobreviver” ou “não vai bem, porque centenas de mulheres tem sido assassinadas, estupradas, violentadas física e psicologicamente” e “não vai bem, porque crianças são molestadas todos os dias por gente da própria família”. Eu também poderia dizer que a vida não anda tão boa por causa do desemprego que afeta milhões de famílias Brasil afora ou por causa da pandemia, que ceifou milhares de vidas; por causa da destruição da Amazônia e suas populações nativas. Posso responder que não acho que a vida vai bem quando se descobre que pessoas que julgávamos amigas são na verdade um monte de víboras sedentas de poder.

Enfim… São muitas as razões pra achar que a vida não vai bem, mesmo. Mas não tenho coragem; não tenho esse direito; penso nos olhares perplexos que virão ao encontro do meu, e nos comentários tipo “como assim? tu estás exagerando” entre outras frases feitas que sairão de pronto dos meus interlocutores.

Então, aos que não enxergam nada, aos que se recusam a enxergar ou aos que não se importam, sigo contando a mentirinha diária e inocente – que todos acreditam piamente – de que a vida vai muito bem, obrigada.

Maradona:” O Mais Sujo de Todos os Deuses ” – Crônica de Marcelo Guido.

Crônica de Marcelo Guido

Talvez cansados da mesmice , ou querendo criar a indignação sobre o como é possível, ou querendo colocar mais magia neste já tão controverso esporte bretão, os Deuses do Futebol permitiram que um descesse a terra.

Era Maradona, de baixa estatura , brigando com a balança e uma canhota infernal.

Fazia das quatro linhas o seu feudo, onde era senhor e com maestria de quem sabia sempre o que estava fazendo conduzia a bola como poucos, ofensivo o fundo das redes era seu objetivo.

Dribles curtos, passes milimétricos, visão apurada a dez tinha um novo dono.

Surgiu de vermelho, encarnado no Argentino Juniors, ganhou notoriedade no Boca , passou pelo Barcelona e virou lenda no Napoli.

Em 86 o mundo se curvou a ele, com a mão de Deus a melhor resposta sobre as Malvinas, e no mesmo jogo uma pintura onde deixou para trás meio time dos pais do futebol, esse é o Gênio.

Como humano, sucumbiu aos prazeres mundanos, nunca foi exemplo, mas permaneceu adorado por seu povo.

Povo que o mesmo sempre representou em campo e fora dele, as raízes da vida antes miserável permaneciam no homem e intercalada os momentos, Maradona caia como humano mais levantava como um ser Mitológico.

Sua vida poderia ser escrita por Gabo, perante todo realismo fantástico que o mesmo fez, ou uma letra de uma boa cumbia, onde a tristeza e felicidade se encontram em versos melodias.

Ainda vieram o Sevilha, News Old Boys para lhe dar a 10 e entrarem para o panteão honroso de pavilhões defendidos pelo próprio Deus.

Gostaríamos de imaginar que sem os problemas extracampo como seria esse jogador, talvez o maior de todos, talvez mais títulos, mas não seria Maradona. Os erros também faziam parte dele.

Em 94 o golpe final, pela primeira vez preparado , com foco no título a landrolona não o permitiu.

Mas ao retornar ao seu amado Boca deu as últimas alegrias como jogador ao seu público, este que nunca o abandonou, que a 1 ano chorou com a partida repentina.

Maradona foi um exemplo de jogador, um exemplo humano, a verdadeira constatação que o bem e o mal são fases gêmeas da mesma moeda.

Por que amamos Maradona, deixo isso para o grande Eduardo Galeano que certa vez o resumiu assim: “Maradona se tornou uma espécie de Deus sujo, o mais humano dos deuses. Isso talvez explique a veneração universal que conquistou, mais do que qualquer outro jogador. Um Deus sujo que se parece conosco: mulherengo, falador, bêbado, ganancioso, irresponsável, mentiroso, fanfarrão ”.

Enfim, ele encantou Reis, respondeu a guerras, peitou a FIFA, traiu a máfia, ganhou o mundo e pagou um preço alto.

Genial e insolente, a cara do povo e pelo povo se vez lenda , pelas estórias que sempre serão contadas, Maradona, ” El Pibe” sempre estará nos campos inesquecíveis da história do futebol.

Há um ano ele é eterno.

*Marcelo Guido é jornalista, pai do Bento e da Lanna, além de maridão da Bia.

Mais vida, menos grana – Crônica de Elton Tavares (com Ilustração de Ronaldo Rony)

Ilustração de Ronaldo Rony

Crônica hedonista de Elton Tavares

Certa noite , ao conversar com amigos e dizer que não guardo um vintém do que ganho com o meu suado trabalho, eles ficaram assombrados. Disseram que é loucura, que ‘issos’ e ‘aquilos’, especialmente sobre reservas econômicas para possíveis emergências. Eu disse que prefiro mais vida e menos grana.

Não, não é que eu não goste de dinheiro. Claro que gosto, mas tudo que ganho, no batalho e sempre honestamente, é repassado para custos operacionais e caseiros. O restante é gasto e muito bem gasto em vida. E não sobra nadica de nada para acumular.

Além da minha incorrigível falta de perspicácia financeira, nunca ganhei somas consideráveis com meus trampos, seja este site, na assessoria de comunicação ou escritos (sim, vivo literalmente de palavras). Mas o que entrou no meu bolso, apesar de eu não conhecer essa tal de economia, jamais foi desperdiçado.

Eu bebo e não é pouco. Como da mesma forma. Gosto de viagens e dos momentos em que fiz um monte de merdas legais com os meus brothers. Isso tudo custa caro. Em nem todo o dinheiro do mundo poderia comprar aqueles dias de volta. Ou seja, mais vida, menos grana.

Quando não usei minha grana pra curtir a vida com amigos, ajudei pessoas. E essa é a melhor forma de torrar os trocados. Como disparou outro gordo louco no passado: “não quero dinheiro, eu só quero amar”. Grande Tim!

Falando em citações (amo usar frases de ídolos), uma vez o Belchior disse: “e no escritório em que eu trabalho e fico rico, quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor“, na canção “Paralelas”. Boto fé nisso.

Algumas pessoas que conheci no passado, amigos e até familiares, após se estribarem, ficaram um tanto pavulagem demais e com suas vidas muito menos divertidas.

E isso me recorda o bom e velho Johnny Cash, que certa vez pontuou: “às vezes eu sou duas pessoas. Johnny é o legal. O dinheiro causa todos os problemas. Eles lutam”.

Ou os Paralamas do Sucesso, na canção “Busca a vida”: “…Ele ganhou dinheiro, ele assinou contratos, e comprou um terno e trocou o carro. E desaprendeu a caminhar no céu …e foi o princípio do fim!“.

Aos que desaprenderam o caminho, deixo a canção-poema : “Desejo que você ganhe dinheiro, pois é preciso viver também. E que você diga a ele pelo menos uma vez quem é mesmo o dono de quem“.

No meu caso, sigo dando mais valor em viver do que em poupar para um futuro incerto. Menos grana, mais vida, meus amigos.

É isso!

Elton Tavares

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado ontem. 

40 anos do soco de Anselmo Vingador – Um texto para flamenguistas

Como bom flamenguista, sempre leio, assisto e ouço tudo sobre o Flamengo. Entre os títulos conquistados pela máquina rubro-negra dos anos 80, comandada por Zico, um fato marcou a Libertadores de 1981, conquistada no dia 23 de novembro daquele ano: um soco. Sim, uma porrada desferida por Anselmo, atacante do Flamengo no zagueiro Mario Soto, do clube chileno Cobreloa.

Vamos por partes. Depois de passar invicto até a final, o Mengão, campeão brasileiro de 1980, decidiu com o torneio com o Cobreloa. No primeiro jogo das finais, realizada no Maraca, o time da casa venceu por 2×1, com dois gols de Zico. Na partida de volta, no Chile, o time do Flamengo apanhou muito dos donos da casa (agressões mesmo), liderados pelo zagueiro Mario Soto (o brabão) e acabaram ganhando o jogo por 1×0.

Nessa partida, o Mengo ficou desfalcado dos jogadores Lico, com um corte na orelha e Adílio, ferido no olho. Ambos abatidos pelo defensor chileno. Li em algum lugar que ele agredia os jogadores brasileiros com uma pedra no punho fechado, se é fato, não sei dizer. Relatam jornais da época que o próprio Pinochet (um dos enviados de Satanás à Terra), nas tribunas, virou-se para um adepto e disse chocado: “Não está exagerando, o nosso Mario Soto?” Imagine como o cara estava “virado no cavalo do cão”…

Então rolou a “negra”, uma terceira partida, em campo neutro, realizado há exatos 40 anos, no Estádio Centenário, em Montevidéu, no Uruguai. O Mengão, que tinha infinitamente mais bola, venceu pelo placar de 2×0, com dois gols do Galinho.

Anselmo dando o soco e hoje em dia.

Mas ainda faltava a forra contra Soto, foi aí que, no finalzinho do jogo, o técnico do Mengo, Paulo César Carpeggiani, chamou Anselmo, um jovem atacante de 22 anos, e disse: “ vai lá e dá um soco na cara do Mario Soto”. Anselmo entrou na partida, se aproximou do zagueiro chileno e, na primeira jogada, deu um pau na cara do chileno, que foi a nocaute. O lance causou um porradal, o jogador do Flamengo foi expulso junto com Mario Soto. A decisão logo acabou e o Flamengo virou campeão da América.

Depois foi só festa. No desembarque do time no Galeão, a delegação se deparou com uma imensa faixa escrito: “Anselmo vingador!” Pronto, Anselmo era tão herói quanto Zico. Mesmo suspenso, o “Vingador” viajou com o time para o Japão, onde o Mengão derrotou o Liverpool e sagrou-se Campeão Mundial Interclube, em 1981.

Mario Soto, do Cobreloa do Chile, após levar um soco de Anselmo, do Flamengo, na finalíssima da Taça Libertadores da América de futebol. Montevidéu, Uruguai. Foto publicada na revista Placar, edição 1206, em 1223/11/2001, página 37.

Li várias reportagens sobre este fato, mas as duas melhores declarações foram:

Este episódio exprime uma contradição insolúvel do futebol e da vida. Todos nós temos discursos humanistas e politicamente corretos em favor do espírito esportivo e do sentimento cristão. Mas quem sofre uma agressão covarde não esquece. Futebol é arte, balé, xadrez, mas é um jogo viril e abrutalhado em que façanhas como a de Anselmo refletem o alto grau de testosterona e de agressividade primitiva que nos leva a correr atrás da bola. Nosso lado civilizado homenageia aqueles que descartam a vingança física e se contentam com dar o troco na bola e no placar. Mas dentro de cada fã do futebol existe um brutamontes-mirim que não resiste à poesia de um murro bem dado” – Jornalista Braulio Tavares – Jornal da Paraíba.

Tenho sobre essa porrada uma tese irrefutável – ali, graças a Anselmo, as ditaduras latino-americanas que assombraram o continente durante a Guerra Fria começaram a desabar. O destino do próprio Pinochet foi selado naquele momento. Não é a toa que, em recente pesquisa publicada na Inglaterra, acadêmicos de renome consideraram que as três quedas mais impactantes da história foram a do Império Romano, a do Muro de Berlim e a de Mario Soto na final da Libertadores.” – Luiz Antonio Simas, professor carioca.

Bom, acredito que em certos momentos, extremos claro, um murro vale mais do que mil palavras (risos). Aquele soco lavou o peito de milhões de rubro-negros. Viva o Mengão e o Anselmo Vingador! Há 40 anos, direto do túnel do tempo…E hoje seremos novamente campeões da América. Mengão sempre!!

Elton Tavares – Jornalista e flamenguista em tempo integral (e bom de porrada, rs).

Repórter cinematográfico Sal Lima gira a roda da vida. Feliz aniversário, irmão!

Sempre digo que gosto de parabenizar, neste site, as pessoas por quem nutro amizade. Afinal, sou melhor com letras do que com declarações faladas. Neste vigésimo terceiro dia de novembro, Manoel Lima de França, o popular “Sal Lima”, gira a roda da vida e lhe parabenizo, pois se trata de um irmão de vida deste editor e cara demais porreta. O figura chega aos 52 anos com um espírito de 20 e poucos, mais experiente e conhecedor das boas malandragens. Ali é safo e gente boa.

Conheci o Sal em 2010, quando fui trabalhar na Assessoria de Comunicação do Governo do Amapá. Ele, fotógrafo cinematográfico dos bons e experiente, e eu, à época, um assessor novato na equipe. Dizem que não fazemos amigos, os reconhecemos. Foi assim com o cara, pois o gosto por Rock, cerveja e a boa malandragem nos aproximou e lá se vai uma década.

Sal é o marido da Ruth, pai de quatro caras, meio maranhense, meio tocantinense, pescador, boleiro, flamenguista, bicolor, amante de rock and roll e maluco das antigas. Ele é um cara honesto, franco, bruto, sincero, possui senso crítico, inteligência, lealdade, sinceridade e honestidade em alta escala e aquela rebeldia jovial paid’égua.

Autêntico como poucos que conheço neste mundo de gente que só faz capa, Sal vive do jeito que quer, que gosta, desprovido de mesmice ou convencionalismo, tudo por uma vida menos ordinária. Fã de Beatles, Bob Dylan, Chico Buarque, Ramones, Led, Pink e outras tantas do Roquenrou, sempre está com seu campo de força anti mau-humor ligado.

Apreciador de cervas enevoadas e bons papos molhados com as melhores e piores companhias da cidade, farrista exemplar e consideradão por várias galeras. Ele é um dos caras mais porretas que conheço e que tenho a honra de ter a amizade. Safo, esse figura paid’égua saca dos atalhos da vida, imperceptíveis para otários. “Bora tirar os pregos da certeza e colocá-los na dúvida”, Sal Lima, parafraseando seu irmão mais velho, que deve ser outro limpeza (risos).

Sal é um marido apaixonado pela esposa, um paizão para seus filhos e um cara do bem. Além de amigo dos amigos e um irmão que o jornalismo me deu. Um cara presente na minha vida e agradeço por isso.

Sal, mano velho, que teu novo ciclo seja ainda mais feliz, produtivo e iluminado. Que sigas pisando firme e de cabeça erguida em busca dos teus objetivos, sempre com esse senso de solidariedade, gente bonisse e coragem. Que tudo que couber no teu conceito de sucesso se realize. Que a Força sempre esteja contigo. Amo você, manão. Que vivas, pelo menos, mais uns cem anos assistindo vitórias do Flamengo, fazendo tuas pescarias, curtindo tua família e pirando com a gente, teus amigos. Parabéns pelo teu dia e feliz aniversário!

Elton Tavares

Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo – Resenha de Marcelo Guido

Resenha de Marcelo Guido

Sem filtros e conta gotas, meu amigo Elton Tavares lança outro livro.

Com olhar peculiar que lhe é presente Elton Tavares , o ” Godão”, continua a saga diária de mascarar a realidade e dar um toque sutil como um coice de cavalo na mesmice do dia dia.

Como bom cronista, falador , amante da noite e de uma boa gelada, o autor consegue transcender entre o usual coloquial dos contos,  colocando de sua mesma forma o sabor literário em pequenas histórias.

A importância de cada frase escrita na montagem das estruturas não deixa o leitor desgrudar os olhos com medo de perder algo que vai fazer falta no final de cada texto, poucos caras conseguem isso ao escrever.

A pena na mão direita,  ou a frieza das duas cutucando um teclado coloca cada ponto, vírgula,  exclamação, interrogação ou final uma pequena parte da alma do autor, ” Papos de Rocha” , está longe de ser um mero recorde do genial ” Crônicas de Rocha” lançado a um tempo atrás.

Seja falando da ” Saudosa Drop’s e Heroína “, ou de personagens corriqueiros ” Pobre Soberbo”, ou um relato fiel do ponto de vista de fã sobre a Litte Big e pior a narrativa constante sobre o maldito gol do Petkovic (foda-se) , o autor se mostra genial na arte do ” Eltontavarismo“, licença poética/termo inventado por mim.

O exemplar conta ainda com as belas ilustrações do Ronaldo Rony, um outro gênio maluco, o que dá um ar de sarcasmo e sagacidade ou seja muito sacana.

” Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, foge do usual, deixa o comum para trás e transforma a leitura em algo salutar, botando para escanteio o trivial.

Uma boa pedida com cerveja gelada, cigarros Free e outras coisitas mais.

Recomendo.

Vale a pena conhecer e conferir!

*Marcelo Guido é jornalista, pai do Bento e da Lanna, além de maridão da Bia.

Sobre o emocionante e diferente casamento do Tonho e Jamila – @tonhocost

Hoje (21), faz oito dias que o publicitário/designer Antônio Costa e a médica Jamila Tavares casaram. Ela é minha prima e ele meu mais novo primo postiço. Mas não foi um casório comum não. Claro que estava cheio de gente elegantérrima, com a presença da maioria dos meus familiares do lado da família paterna, que é a minha ligação com a então noiva. Ah, também fui um dos muitos padrinhos do casal, o que muito me honrou.

Sabem, sou um solteiro convicto e sempre que falam em casório, lembro do filme “Quatro Casamentos e um funeral”, de 1994, quando Charles ( Hugh Grant ), disse, no discurso do casamento de Angus e a Laura no filme: “Senhoras e senhores, só há uma ou duas coisinhas que acho que devo dizer como padrinho. É o seguinte: estou, como sempre, absolutamente fascinado por qualquer pessoa que consiga fazer este tipo de compromisso. Sei que não ia conseguir fazê-lo e acho que é maravilhoso que eles consigam“. Concordo, mas esse sou eu.

Tonho é extrovertido, gaiato, sagaz. Jamila é tranquila, observadora e coerente. Ambos são muito inteligentes e talentosos. Eles se conheceram na Comunidade Caju, congregação católica que fazem parte. Namoraram por quase dois anos e todo esse processo de autoconhecimento que mergulharam, conseguiram o equilíbrio para o casamento.  Todos nós, amigos e familiares, ficamos felizes por eles.

Ah, confesso que, como não sou lá muito religioso, quando me disseram que a cerimônia duraria pouco mais de 2h, pensei: “se não fosse padrinho, ia direto pra festa”. Que nada, o negócio foi tão lindeza que nem vimos o tempo passar. Foi emocionante do início ao fim da missa.

Para começar, Antônio entrou ao som da Marcha Imperial, uma canção Sith, do universo Star Wars (do qual sou fã e o Tonho mais fã ainda), o que achei demais paid’égua. Depois entramos, nós os padrinhos (eu com a irmã do noivo, a Nanda Costa, gente fina demais) antes da noiva. Claro que fiquei nervoso, pois sou um jornalista de bastidores e qualquer exposição deste gordo já dá um suor na testa de tensão.

Minhas primas Ana e Paula e os maridos Elder e Ednardo também  fizeram parte do grupo de padrinhos. Meu irmão, cunhada, tios e outros primos, também na Igreja. Foi um negócio renovável, pois estávamos quase todos reunidos novamente, com exceção da tia Maria, desde que a vovó partiu. Foi muito bom.

Jamila entrou com tio Paulo, seu pai, com aquela música clássica que as noivas entram nas igrejas para casarem-se,  típico de finais novelescos. Falando no tio Paulo, que ficou no altar junto dos demais genitores do casal, ele gosta de uns sons maneiros e sabe que gosto de boa música, a cada som que a sensacional banda tocava na igreja, ele me olhava e eu balançava a cabeça dando a entender que dizia: “porreta”.

Mas como já disse, a cerimônia toda foi muito mais que isso. Foi emoção desde o momento que uma senhora idosa, avó de Jamila vem aos passos lentos com as alianças (a gente, eu minhas primas, choramos nessa hora. Pois foi inevitável lembrar da Peró), até o SIM de ambos, seguidos de declarações de amor.

No final, eles deram aquela caprichada peculiar de um romance bem escrito: Tonho puxou a canção “Hallelujah“, de 1984 (que pode se tratar de uma referência ao fim de Salmos, em que se cantava o aleluia, assim como uma menção irônica ao ensinamento bíblico de que se deve sempre louvar e dar graças a Deus, não importa qual seja a situação), clássico da música mundial composta por Leonard Cohen (e Antônio cantando bem), que Jamila emendou (ela sempre canta bem, pois além de médica é cantora). Tudo em voz alta, de forma lenta, profunda e ritmada. Foi sensacional.

Porém, tinha mais surpresa. Os amigos e também padrinhos deles, levantaram dos bancos da igreja com microfones e revezaram-se na continuidade da canção “Hallelujah“. Égua! Foi fantástico! Mágico mesmo, sem nenhum exagero, magia como na canção. Foi um privilégio assistir a tudo aquilo de perto.

E a festa? Realizada logo após da missa na Assembleia Paraense, o “piseiro” foi digno de um conto de fadas. Logo na entrada, tinha fotos dos nossos avós falecidos, João e Peró, entre outros familiares dos noivos que hoje moram nas estrelas e nos corações de quem ainda está por aqui.

A gente se divertiu muito na festa. Foi tudo muito lindo. Digno de um final daquelas comédias românticas ou séries que adoramos assistir. O roteiro, claro, foi todo escrito por Tonho e Jamila, os também protagonistas.

Dito isso, devo confessar que aquele casamento entrou para minhas memórias felizes. Afinal, no caso da minha família, o amor só precisa de uma oportunidade e um pouco de coragem para sentirmos o afeto que temos uns pelos outros.

E, acima de tudo, reforço os meus votos de felicidades aos queridos Tonho e Jamila. Que a Força sempre esteja com vocês, queridos. Muita paz, luz, harmonia, amor e sucesso nesta união. Beijo do Godão!

Elton Tavares

A chegada do primeiro avião em Macapá – Crônica/resgate histórico paid’égua de Fernando Canto

Imagem encontrada no Blog Canto da Amazônia, de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Não obstante Macapá ser um burgo crescido em função da Fortaleza de São José, por aqui, após 1920, viviam algumas dezenas de habitantes arraigados em sua cultura e vida mansa. Muitos aspectos contados pelo Sr. Martinho Ramos – um dos líderes da festa do Divino Espírito Santo e da Santíssima Trindade, o Marabaixo – caracterizam todo o provincianismo de uma cidade que não imaginava crescer antes de ser escolhida a capital do Amapá, em 1944.

Mas Macapá foi crescendo, observada carinhosamente por muitos que hoje, aposentados, guardam a riqueza da memória e todo um micro-mundo que jamais afugenta o espírito e a naturalidade de gostar daqui. O Sr. Martinho Ramos sabe disso e o seu falar calmo contava, neste depoimento histórico, as transformações e as comparações da velha e da nova Macapá.

Avião Catalina anfíbio – Imagem: Google

“Quando passou por aqui o primeiro avião, eu estava com dois anos de idade, mas pelos meus antepassados eu soube de muitas coisas que se passaram na época (1923), inclusive o Sr. Eufrásio foi quem conseguiu nos dar uma grande música do Marabaixo, que tem o título de ‘A irmã Catita viu o salão/Assim, atracada assim eu não subo não’.

Avião Catalina anfíbio – Imagem encontrada no Facebook do Gilberto Almeida.

“O avião era uma Catalina, anfíbio, descia n’água e em terra. Mas como nós não tínhamos pista de pouso, eles resolveram descer na água. Então, o povo todo correu; aí o Sr. Eufrásio começou a enversar toda a história do avião:

– Corram, corram minha gente. Vamos na praça espiar, o barulho vem de cima e é n’água que vai pousar.

Padre Júlio [Maria Lombaerde] – Imagem encontrada no blog Porta Retrato

Em seguida, todo mundo correu lá pro Torrão, que era o nome de onde está localizado o Novotel. Na ocasião, o velho Eufrásio, observando que os ocupantes do aparelho eram todos alemães, fez:

– À cabeça do alemão, muito sol ele apanhou na taberna do Ventura, um guarda-chuva ele encontrou.

Seguindo, vieram à cidade onde nós tínhamos um padre alemão [na verdade, o padre era de origem belga], o padre Júlio [Maria Lombaerde], que, ao conversar com um dos tripulantes, soube que a gasolina deles havia acabado.

Marabaixo – Foto: Fernando Canto

“Eles estavam perdidos e sem gasolina. Foram recolhidos pelo padre Júlio e aqui ficaram. Logo depois que a maré encheu, eles abriram o avião para visitação pública. As pessoas foram até ao avião, mas não sabiam como entrar. Então um cidadão prontificou-se em auxiliá-las. Quando o cidadão quis atracar na cintura de uma mulher [a irmã Catita] para pô-la no avião, ela disse: “Atracada assim eu não subo não”. O velho Eufrásio viu e tirou o verso que é o estribilho da música (Viu a irmã Catita pelo salão/ Assim, atracada assim eu não subo não)”.

A irmã Catita não ficou aborrecida porque felizmente ela disse aquela expressão sem saber e sem se preocupar se havia um poeta observando tudo para dar a música do marabaixo que deu.

O Poder do Tambor – (crônica demais paid’égua de Fernando Canto) – @fernando__canto

Foto: blog do Márcio Batista

Crônica de Fernando Canto

Não é de hoje que vejo – e ouço – algumas associações de sincretismo entre o catolicismo e os ritos de origem africanos no Amapá como o Candomblé e o Tambor de Mina.

Nunes Pereira, uma das raras referências etnográficas do folclore amapaense, disse em seu livro “O Sahiré e o Marabaixo” (Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 1989, pág. 101/115), que quando esteve no Laguinho e no Curiaú em 1949, observou que os tambores utilizados não exerciam claramente sobre os negros o poder transfigurador que os instrumentos de percussão têm na África ou do tipo usado nos terreiros Mina-Gêge de São Luís do Maranhão. Mesmo assim registrou os mais estranhos e emocionantes movimentos de dançarinos no Marabaixo.

Observou que (aos negros) “Nem lhes faltaram, nas máscaras luzidias de suor, o fulgor das pupilas e nos ritus dos lábios carnudos, a expressão dramática, que a posse do Guia, Santo ou Vodum, lhe transmite, e a expressão sensual, que nasce dos sentidos, açulados pelas libações e pelos contactos dos corpos em festa”… Mais adiante ele viu “saltos elásticos de alguns jovens, tais os dos bailarinos acrobatas, ou negaças fulminantes de capoeiras” que lhe reafirmavam um justo conceito, não de antropólogo, mas “de um viajante fascinado”.

Nunes Pereira ficou mesmo encantado com a dança dos negros e mestiços que aos poucos se avolumava no salão sob o comando do Mestre Julião Ramos. E informa que se “nos lembramos das atitudes místicas dos Voduns Mina-Gêge, erguendo os braços para o alto ou baixando-os para abrir mãos que se diriam afagar a terra, também nos lembramos dos passos do frevo pernambucano e das marchinhas do carnaval carioca”. Sua descrição da dança arremata que “Mestre Julião, de súbito, como se fosse envolvido pela fascinação daquele ritmo e daquelas atitudes, entrou a substituir um dos tocadores das ‘caixas’, arrebatando-lhe o instrumento. E, então, pela expressão de sua voz e pela segurança de seus toques, a dança atingiu o seu Pathos. E nela fomos envolvidos também”.

Dizendo isso, suponho que ele tenha mergulhado na “mucura”, a bebida alcoólica muito utilizada no Marabaixo, pois nenhum antropólogo é de ferro.

Tradição: garoto toca caixa de marabaixo em Mazagão, Amapá – Foto: Julio Maria

Ele ainda tentou atrair as negras velhas para conversas sobre terreiros, sobre Mães de Santo e Vodus, mas elas se esquivaram discretamente, entretanto sem poder negar que tudo isso lhes era familiar.

Certa vez eu presenciei uma incorporação sob os tambores do Marabaixo, porém imediatamente retiraram o “cavalo” (uma mulher) do recinto, não dando chance para perguntas.

Sobre esse assunto fui informado de outro caso, provocado por uma bebida possivelmente alucinógena preparada com cachaça e a casca macerada do caimbé branco, árvore abundante no cerrado das cercanias de Macapá.

No Haiti, sincreticamente São Tiago é associado a Ogum, o deus daomeano, com seu ar feroz, barba hirsuta e espada erguida. Em Cuba Ogum se equipara a São Pedro por levar em suas mãos as chaves do céu que são de ferro e a Santiago dos castelhanos, que, a cavalo, os ajudava na guerra matando mouros. No Brasil durante as cerimônias, os “adosu” por eles possuídos assumem uma expressão feroz e durante as danças empunham uma espada e executam a mímica da guerra e dos combates. Segundo Pierre Verger, a assistência grita, saudando: “Ogum ye”. Seus adeptos, muito numerosos, usam colares de cores azuis-escuras e braceletes de ferro. Na Bahia ele é assimilado a Santo Antônio e no Rio de Janeiro a São Jorge, que é outra personagem, ou figura da Festa de São Tiago de Mazagão Velho

Não é de hoje, repito, que essas coisas estão ligadas ao Marabaixo. Mesmo que se diga que seus principais ritos sejam de origem católica, a ancestralidade comanda o inconsciente coletivo. E o toque do tambor é muito poderoso. Inderê, Olô!

20 de Novembro Dia da Consciência Negra – Por Marcelo Guido

Por Marcelo Guido

Por que precisamos desse dia?

Criada em 2003, a data nos remete ao passado e tem o intuito de fazer uma reflexão da inserção do negro na sociedade brasileira, escolhido o dia 20 de novembro não à toa , já que é a data atribuída à morte de Zumbí dos Palmares, um dos maiores e históricos lideres negros que já habitou nossa pátria.

Mas por que ainda hoje precisamos refletir se somos no papel um país multirracial, se nosso sangue miscigenado encantou o pai da seleção natural Charles Darwin, se nossa sociedade é tropical, abençoada por Deus e bonita por natureza ?

É amigos, quem nos dera não precisar! Vivemos um verdadeiro “apartheid” não oficial. Isso porque a política nefasta, que por muitos anos foi responsável pela segregação na África do Sul, é aplicada em nosso país na pior forma, a forma oculta.

A necessidade de uma data oficial como essa é para lembrarmos que a cada 100 vítimas de assassinatos no Brasil , 71 são negras, que a extrema maioria de nossa massa carcerária nos presídios é negra, que a maioria das famílias que vivem na miséria no Brasil é negra. Por isso a reflexão.

A dívida que se tem com o povo afrodescendente é mil vezes maior , foram 400 anos de escravidão, marca essa que para poder tirar de nossa história, precisaríamos ser redescobertos.

O Brasil foi um dos últimos países a deixar de ser escravista. Por isso a reflexão. Para mostrar para muitos que politica de cotas raciais, instituída no Brasil apenas em 2014, não trata-se de uma esmola, e sim de uma reparação histórica para com o povo negro. Por isso a reflexão.

Pra lembrar a todos que foi só a partir de 2003, mais exatamente no dia 09 de janeiro, com o advento da lei 10.939, que o currículo escolar brasileiro teve que colocar a temática “História da Cultura Afro –Brasileira” para que os alunos pudessem entender o por que do respeito com a cultura Afro.

Só por esses aspectos, o dia da consciência negra já se faz necessário.

Refletir sobre os erros para que nunca mais eles sejam repetidos, para que o jovem negro possa ter orgulho de sua raça, origem e cor. Por mais cabelos naturais e menos alisamentos nas meninas . Que o orgulho negro seja realmente reconhecido.

Precisamos deste dia para saber que ascensão social do negro não é um favor, e sim um direito. Para que as escolas, repartições e universidades sejam sim um espaço de ampla inclusão.

Zumbi vive em cada jovem médico negro, em cada advogado negro em cada ministro negro, em cada professor negro.

Para que intelectuais históricos, como Machado de Assis e Castro Alves possam ser referenciados como realmente foram.

Para que o elevador social que é quase um templo- já diria Jorge Aragão – seja esquecido e realmente fique no passado. Para que Wilson Simonal saia do limbo cultural o qual foi colocado.

Para que máximas como a do grande educador Paulo Freire , reconhecido mundialmente pelos serviços prestados à educação, sejam enterradas de vez: “os negros nascem proibidos de serem inteligentes” .

Para que nossa sociedade seja mais justa e menos hipócrita.

Viva Zumbi, Cartola, Ivone, Jovelina, Mano Brow , Ben Jor, Leci, Serginho Chulapa , D2, Tony Tornado, Tim Maia, Mussum e todos aqueles que um dia lutaram por igualdade, meu máximo respeito.

Um Salve para todos os negros.

*Marcelo Guido é Jornalista, Pai da Lanna e do Bento e maridão da Bia.

O Tratado Noturno em uma mesa de bar  – Crônica de Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena

Crônica de Lorena Queiroz

Como todo ser noturno que ama habitar à meia luz da boêmia, andando pelos caminhos incertos das garrafas verdes e marrons, já me deparei analisando várias vezes este mundo que, a princípio, parece a alguns, fútil e vazio de perspectivas. Ora, se você pensa assim deve ser um daqueles sujeitos estranhamente sóbrios que nunca contou um segredo a um garçom considerado, aquele que te apresenta a conta quando o dia nasce e que sabe mais da tua vida que a tua própria mãe. Agora vou mentir um pouco dizendo que não te julgo, pois todos sempre o fazem, dizer que cada ser sabe da própria felicidade e que os caminhos são próprios de cada um, mas na verdade, que vida incompleta penso eu ser a sua. Concordo com o pensamento Bukowski quando diz que ser são é fácil, mas pra ser bêbado tem que ter talento.

O fato é que a mesa de bar é um divã, um confessionário onde embalado pelo álcool e os petiscos que entupirão nossas artérias e nos trarão um péssimo dia seguinte, despejamos uma parte significativa de nós. Uma porção que nunca daríamos em outro lugar. Talvez a boemia tenha que ser promovida a religião, pois eu nunca contei para um padre o que já disse desavergonhadamente em uma mesa de bar. E se Jesus multiplicou o vinho, eis aí o aval de que eu precisava.

Não, caro leitor, não quero que você se torne um alcoólatra que acabará em alguma sarjeta com a cara lambida por algum vira-lata marrom e amistoso. Mas é como nosso velho safado disse, você precisa ter talento para se meter com os seres noturnos e se você não possui tal traquejo, beba sua água com gás e faça caminhadas quando o sol te agredir menos a pele. Eu gosto da filosofia da mesa de bar, esse tratado em que todos se entendem mesmo quando o peso do álcool torna as coisas desconexas, onde um sujeito só julgará o outro se este tiver bebido menos, assim, certamente estará ele no lugar errado. São momentos de liberdade e de amores que duram a eternidade que os minutos te proporcionam, e isso é bom, pois também é bom esquecer ou simplesmente não lembrar de tudo.

Portanto, seja paciente com os bêbados, seja gentil com a noite, mesmo se você for um ser diurno. Somos feitos de filosofia, histórias e saudade. Nossos devaneios nunca incomodarão ninguém, pois eles se esvaem quando fechamos a conta e o dia. Por fim, siga o conselho do poeta francês Charles Baudelaire: “Para não ser escravos martirizados pelo tempo, embriagai-vos, embriagai-vos, sem cessar! Com vinho, poesia ou virtude, a vossa escolha.”

*Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site, além de prima/irmã amada deste editor.

A entressafra criativa – Crônica de Elton Tavares (Ilustrada por Ronaldo Rony)

Crônica de Elton Tavares

De tempos em tempos, não consigo filosofar, mesmo que de forma barata, sobre a vida. Antes redigia um texto por dia com tanta facilidade. É, nem escrevo mais tanto sobre boemia, um de meus assuntos prediletos. Quem dera ter o dom de poetizar ou redigir uma crônica sobre uma invenção qualquer.

Essas insônias solitárias, na companhia de livros, fotos, papos virtuais e a madrugada com a trilha sonora recheada de The Cure promovem uma mistura de sensações e doideiras. Sobre isso, não basta neste momento para um bom texto.

Aí volto a tentar escrever algo legal, seja sobre o trabalho, este novo blog e todas as possibilidades…

Quem sabe sobre amigos.

Nada.

Me faltam ideias.

Normal, é a “entressafra criativa”. Talvez sobre o dia a dia de um assessor de comunicação-jornalista-editor? Nada…quanta tolice!

Quando ocorre, substituo o conteúdo feito de invenção por posts informativos. Claro que com referências e assuntos que acho que são relevantes.

O jeito é canalizar a energia para leitura, afinal os livros sempre fertilizam as ideias e aquecem a paixão pela escrita sobre tudo, até os sonhos. É, vou ler um pouco e tentar dormir. Tomara que amanhã eu vá à forra, viva mais, experimente mais dessa experiência que é existir, e assim, a entressafra criativa vá embora.

Por enquanto, vamos aos sonhos – outra maneira de encontrar com o lúdico de viver. É isso!

Daqui a pouco: pequena crônica de Ronaldo Rodrigues para sexta-feira à noite

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Daqui a pouco vou levantar desta cadeira, abrir a janela e gritar para o tráfego que corre lá embaixo, na avenida, que já raiou a liberdade no horizonte do Brasil.

Daqui a pouco vou afrouxar a gravata, arregaçar as mangas, abrir a porta com um chute e sair correndo até a rua, por todas as ruas, em busca do bar perfeito, que é exatamente o imperfeito.

Daqui a pouco vou adentrar o paraíso e o purgatório onde me aguardam as piadas mais infames e grosseiras, lado a lado com os comentários mais sagazes e coerentes.

Daqui a pouco vou gozar o direito de ir e vir aos botecos & bares & valas & esgotos & espeluncas & inferninhos.

Daqui a pouco vou usar minha liberdade condicional, com a condição de voltar para a prisão totalmente embriagado.

Daqui a pouco as borbulhas de cerveja que nascem no fundo do copo irão explodir no meu cérebro justamente no momento em que eu der a tacada mortal na bola de bilhar.

Daqui a pouco vou pegar o regime semiaberto, escancarar o regime, fugir para sempre de tudo e de todos e, na segunda-feira, me resignar e voltar para a prisão do escritório.

Daqui a pouco, bem pouco, vou acionar a lista dos meus contatos para dar início à grande rebelião. Mas só daqui a pouco.

Um ano do apagão: Nunca vi uma noite como aquela. Nunca vivemos um período como aquele

Macapá na noite de terça-feira (3/11/2020) – Foto: Aog Rocha

Crônica de Elton Tavares

Eu nunca tinha visto/vivido uma noite como aquela. Parece que todos os raios do planeta caiam somente nesta cidade equatorial, nosso lugar no mundo. A tempestade era digna de um filme apocalíptico, raios e trovões que parecia que o céu estava desabando sobre nossas cabeças, algo surreal. E tudo isso dentro de uma crise pandêmica, pois há exatamente um ano, quando ocorreu o apagão no Amapá, a Covid-19 matava dezenas de pessoas por dia em nosso estado.

Sim, na noite de 3 de novembro de 2020, dos 16 municípios amapaenses 13 deles foram afetados com um apagão de energia elétrica, causado por uma pane em um transformador (o qual a concessionária amapaense não tinha equipamento reserva) que durou mais de 20 dias. Foi uma tragédia. Uma humilhação. Uma catástrofe sem precedentes.

Imagem: Fantástico/G1 Amapá

Teve fome, agonia, tristeza. Teve letargia no socorro que nunca chegava. Teve prejuízo, revolta, resignação. Teve protestos/guerra nas redes sociais e nas ruas. Teve solidariedade, teve descrédito e pouca esperança. Teve medo. Teve pessoas assistindo a tudo sem fazer nada. Uns por egoísmo, outros por conveniência. Teve desespero!

Com o apagão, vivemos as crises sanitária e energética aterrorizantes. O Governo Federal demorou a nos ajudar, mesmo com o esforço mútuo de instituições e parlamentares locais. Foram muitos os heróis conhecidos e anônimos que ajudaram pessoas naqueles dias sombrios com distribuição de milhares de cestas básicas em comunidades e periferias nas cidades tomadas pela escuridão. O esforço dessas pessoas foi crucial para colocar comida na mesa de famílias cuja renda foi ceifada pela pandemia e falta de energia.

Imagem: Fantástico/G1 Amapá

Teve um rodízio de energia desleal. Dividida em dois turnos – de 0h às 6h e 12h às 18h ou de 6h às 12h e 18h às 0h – a retomada parcial do serviço, prevista para durar uma semana, se estendeu por quase um mês e impôs todo tipo de limitações aos amapaenses. Aliás, passamos de todos os limites naquela época tenebrosa.

A interrupção no fornecimento de energia elétrica no Amapá já se estendeu por 22 dias (oscilando entre blecautes, racionamentos e rodízios de energia), sendo que os efeitos danosos deste “apagão” foi uma tristeza difícil de contar em apenas uma crônica. Aquela loucura foi o maior e mais prolongado apagão na história do país.

Sim, foi em novembro de 2020 que o mundo acabou para muitos. Ultrapassamos a linha e o Amapá se viu dentro de um abismo escuro. O que a vida reservou pra gente, hein? O único aprendizado na dor enquanto aqueles dias se arrastaram, cheios de perdas, revolta e notícias tristes, foi sermos solidários. Pelo menos foi o que aprendi.

Um dia, após a Covid-19 ser erradicada de vez, talvez eu escreva um livro com o título: “Depois do Fim do Mundo – Uma crônica para sobreviventes”.

Apesar do melancólico e inimaginável período, seguimos iluminados pelo dom da vida. Espero que não, sinceramente, não tenhamos que viver aquilo nunca mais. Pois é triste lembrar. Uma pena que tenha sido assim!

*Revisão e edição da amiga jornalista Gilvana Santos.