Faz muita diferença ser chamada de “Fadinha…” – Crônica porreta de Clicia Di Miceli sobre sua vida contextualizada com o feito de Rayssa Leal

Clícia Di Miceli – Foto: Mara Caldas.

Crônica porreta de Clicia Di Miceli sobre sua vida contextualizada com o feito de Rayssa Leal

Em 1989, quando eu completei 13 anos, pedi para os meus pais um skate de presente de aniversário. Naquele momento, esse era o desejo de uma menina, saindo da infância e entrando na adolescência. Ser adolescente naquele tempo era se guiar muito pelas coisas que vinham do Rio de Janeiro. Moda, marcas, gírias, revistas e um universo cheio de cores shock e cheirando a mar nos ajudavam a construir um imaginário de juventude bronzeada e descolada, tipo turma da Armação Ilimitada do Juba, Lula, Zelda Scott e Bacana.

Entre uma leitura e outra na revista Capricho, vi uma matéria de garotas cariocas e paulistanas que estavam começando a dominar a cena do skate nessas cidades. Aquilo me pegou! Achei do cacete e comecei a me imaginar em um. Passei a frequentar as bancas, indo atrás das revistas especializadas, que não eram muitas e menos ainda, eram as publicações de matérias com elas.

Para ganhar o meu skate, lembro que comecei o pedido pela mamãe que sempre foi patrocinadora dos sonhos dos filhos. Dessa vez ela não me deu muita confiança. Não se negou, mas também não comprou. O papai, figura mais fácil no tema “comprar as coisas”, me perguntou o que eu queria ganhar de aniversário, e claro, respondi de bate e pronto. Eu não sei se na cabeça dele a informação sobre skate já estava compartimentalizada como algo relacionado a gênero, juro que não sei, mas sei que ele comprou e isso é o que me faz ter mais essa linda lembrança com ele. Se, para alguns, um objeto nas mãos de uma menina causava a estranheza e a necessidade de comentários grosseiros e bem diferente de ser chamada de Fadinha, pra mim, ele estava apenas sendo a versão mais linda de um pai realizando o sonho da filha meio criança, meio adolescente.

Nessa época, o papai tinha uma loja em uma das esquinas da rua Santos Dumont, e lá havia uma calçada enorme e rampeada, que acabou sendo o meu parque de diversão particular. Eu subia no skate pra suar, me equilibrar e treinar as manobras que eu via nas revistas. Pra mim, aquilo acabou sendo uma prática solitária. Eu não tinha amigas que andavam de skate, tampouco as que quisessem conversar sobre skate. Natural rsrs. Se juntar aos meninos, àquela altura, já seria demais. Nessa época do vai e vem do skate na calçada da loja, comecei uma paquerinha com um menino da vizinhança e lembro bem que entre uma conversa e outra ele disse que o que me fez chamar a atenção dele foi me ver andando de skate. #Morri hehehe. Pura autenticidade miguxos, simplesmente o brilho da verdade.

Depois de desgastado o primeiro par de rodas, parei. Já havia queimado a energia que queria e matado a minha vontade de andar me equilibrando sobre uma pequena prancha com rodas. Tempos depois, talvez em menos de uma década, comecei a ver pelas ruas de Macapá alguns grupos de meninas andando de skate. Elas se multiplicaram rapidamente e já não causavam estranheza e talvez não precisassem dar tanta explicação do que faziam.

Hoje o mundo se curvou diante de uma garotinha meio criança, meio adolescente e totalmente mulher, andando de skate. Por quê? A reposta não é sobre medalha…é sobre pureza, verdade, alegria, direitos, oportunidades e sobre deixarem as crianças serem livres e felizes. É sobre subir no Olimpo com os filhos, assim como fez o Sebastião no dia em que me deu um skate pra eu brincar e se livre.

Foto (feita pela Mara Caldas): Nesse dia, já estava próximo dos 15 anos, juntei coisas que tinham muitos significados pra mim, muitas já estavam encaixotadas e sem uso, mas quis guardar para sempre em uma foto. No sentido horário, o skate, o microfone da Xuxa, a mochilinha Karga, o Ursinho Mel, pai do Meladinho e o controle do Dynacom (videogame que eu dividia com o meu irmão). No visual, um cabelo repicado nas pontas já precisando de novo corte, um baita anel de tucumã (acho que nessa época eu já tava me tocando que eu e não era carioca e que o meu rio era o Amazonas), uma sandália Papete (respeite as sandálias Papete, ter uma era quase como ter uma medalha olímpica) e um casaco que eu sempre quis ter para amarrar na cintura e ser a mais mais das galáxias. A água de colônia, o porta-joias, a acetona, o leite de rosas e a lata de talco na penteadeira eu não vou registrar.

O breve relato sobre a Little Big, a saudosa banda de skatistas de Macapá

As lembranças do Facebook me trouxeram uma foto da saudosa banda Little Big. Na postagem, os componentes do grupo e brothers das antigas contavam causos e marcavam um reencontro. Aí bateu a nostalgia e resolvi republicar este texto. Saquem:

A primeira formação da Little Big foi com Antônio Malária, no vocal, Ronaldo Macarrão, no contrabaixo, Tibúrcio, na guitarra, e Paulo Neive, na bateria. Todos skatistas.

A banda quase acabou com a saída de Tibúrcio. Patrick Oliveira (hoje líder da stereovitrola) assumiu este posto de forma brilhante. Houve um rodízio na cozinha da Little. A bateria contou com participações do Zico, Ricardo Kokada e Kookimoto, mas quem emplacou mesmo foi o Mário (não lembro o sobrenome do Mário e nem sei por onde ele anda, mas o cara tocava muito).

Eles tocaram juntos da segunda metade dos anos 90 até meados de 2002. Era a banda que mais agitava o rock and roll em Macapá.

A Little foi a banda de garagem mais duradoura e badalada daquela época (certeza de casa cheia onde os caras tocavam). No repertório, tinha punk, indie, hardcore e manguebeat. Chegaram a desenvolver um som próprio, com composições do Antônio Malária, um flerte com o batuque e marabaixo, misturados ao rock.

A banda ganhou força com a percussão de Guiga e Marlon Bulhosa. Inspirados, chegaram ao topo do underground amapaense com as canções autorais “Baseados em si”, “São Jose”, “Beira mar” e “Lamento do Rio”. Quem viveu aqueles dias loucaços lembra bem do refrão: “Eu sou do Norte, por isso camarada, não vem forte”.

Com os amigos Ronaldo e Antônio, da Little Big.

A banda embalou festas marcantes do nosso rock, teve seus anos de sucesso pelas quadras de escolas, praças, pista de skate, bares (principalmente o Mosaico) e residências de Macapá. Quando os caras executavam “Killing In The Name“, do Rage Against The Machine, a casa vinha abaixo. Era PHODA!

Era rock em estado bruto, sem muitos recursos tecnológicos ou pedaleiras sofisticadas. Os caras agitavam qualquer festa. Quem foi ao Mosaico, African Bar, Expofeiras, Bar Lokau, festas no Trem Desportivo Clube e Sede dos Escoteiros, sabe do que falo.

Vários fatores deram fim à Little Big, como desentendimentos internos e intervenção familiar. Eles não estouraram como banda autoral porque não tiraram os pés da garagem.

Em 2012, os caras se reuniram e tocaram em uma festa, mas eu perdi a oportunidade de vê-los, pois estava para Laranjal do Jari a trabalho. A Little Big agitou as noites quentes de Macapá e embalou os piseiros de uma geração. Uma banda que faz parte da memória afetiva de muitos amapaenses roqueiros e já quarentões. E foi assim.

“De um tempo que fomos para sermos o que somos” – Fernando Canto.

Elton Tavares

Hoje é o Dia Nacional do Homem (parabéns aos que são bons)

Hoje é o Dia Nacional do Homem. Data curiosa, pois para mim, todo dia é dia do homem, da mulher, da criança, do amigo, das mães, das avós, etc. Mas já que existe e neste site temos uma sessão chamada “Datas Curiosas” e algumas são justas homenagens a profissionais de determinada área ou de utilidade pública, vamos lá.

A data foi criada com o objetivo maior de reforçar os cuidados com a saúde dos homens (inclusive fazer exame de próstata). O Brasil é o país onde mais se comemora esse dia, porém, ele não tem uma repercussão tão grande e nem é tão comentado quanto o Dia das Mulheres (nem deveria, pois sabemos que para mulheres TUDO é mais difícil).

Bom, sobre o objetivo da data, nunca fui de me cuidar muito. Sobre os homens, conheci muitos de grande valor nessas quase quatro décadas e meia de vida. E alguns que não valem a pena nem lembrar.

Aliás, na minha família, tenho bons exemplos de como ser um bom ser humano. Meu irmão Emerson costuma dizer que nosso pai, que hoje em dia vive em nossos corações e memórias, nos ensinou a ser caras bacanas. É verdade!

Porém, uma mulher me ensinou – mais que qualquer cara – a ser um homem de verdade, a minha mãe. Sou grato aos meus pais pelo que sou. Graças a eles, não sou desonesto, traidor, caguete, vadio, entre outras tantas vertentes de pilantras.

Mesmo não sendo – com o perdão do gerúndio – politicamente correto, faço o que é preciso para tal, dentro das normas, leis e valores que absorvi durante minha educação.

Sou um homem do bem. Ou pelo menos tento, com todas as forças. É verdade que não me dou muito bem com os canalhas, mas acredito ser uma boa pessoa.

Enfim, levo a vida dentro do meu conceito de justiça e coerência, sempre agindo de forma correta. Aliás, conheço muitos homens (assim como mulheres, mas hoje é Dia do Homem…) que não são exatamente “normais”, mas são caras porretas.

Os caras da família Tavares. Meus parentes e amigos. Todos homens bons.

Feliz Dia do Homem aos caras que valorizam a família e os amigos. Que trabalham e batalham sem lesar ninguém, que respeitam seus iguais, sejam figurões ou pessoas menos favorecidas. E aos que não fogem à luta e que são homens de verdade.

Elton Tavares

Meus amigos de Liverpool – Crônica (memória fictícia) de Ronaldo Rodrigues

Crônica (memória fictícia) de Ronaldo Rodrigues

Tudo começou em 1963, quando conheci o John. Ele era meio maluco, falava muito e estava sempre a fim de fazer alguma coisa: montar uma banda de rock, formar um grupo de apoio social ou reunir uma galera boa para invadir um pub e roubar toda a cerveja. Pois foi uma banda que nós resolvemos montar.

Ele apareceu uma vez com um cara que tocava muito, o Paul. Depois, o Paul trouxe outro cara que tocava demais, o George. Tínhamos então eu no vocal, John na guitarra base, George na guitarra solo e Paul no baixo. O Pete, que era nosso baterista, não ficou muito tempo e logo apareceu um tal de Ringo, que já desfrutava de um certo sucesso.

Fizemos umas pequenas turnês, já angariávamos algum prestígio e muita gente curtia nossas músicas. A maioria era de minha autoria, mas o John e o Paul brigavam tanto por serem as estrelas principais que abri mão da minha participação e deixei os dois assinando as músicas, mesmo que várias delas fossem minhas.

Gravar um disco ainda era um sonho muito distante, mas entrou em cena outro cara, o Brian, que surgiu atraído pelo sucesso que fazíamos no pequeno circuito em que transitávamos. Ele já tinha todos os macetes e sabia, como se diz hoje, o caminho das pedras. Antes que o Brian tomasse conta do grupo, eu resolvi sair. Era muita correria: compor, ensaiar, gravar, cumprir a exaustiva agenda de shows… Ufa! E, também, a minha timidez não combinava com o estrelato. A vida pacata que levei desde então foi o suficiente para mim.

Voltei para minha pequena cidade e segui minha carreira de ilustre desconhecido, bem mais quieta do que a vida de celebridade. Aquela banda se tornou mesmo um sucesso mundial e eu passei a colecionar recortes de jornais com shows e entrevistas daqueles amigos que eu havia deixado em Liverpool e que logo depois se mudaram para Londres. Jamais revelei a alguém minha ligação com a banda.

Depois que os rapazes conquistaram o mundo, a banda se dissolveu. Os fãs diziam que o fim foi cedo, que ainda havia muita música boa para vir à tona. A maioria dos fãs culpava a nova esposa do John pelo fim. Outros diziam que o Paul queria a liderança a qualquer custo e isso desgastou a relação. A minha opinião, que não foi pedida por ninguém, é que as coisas boas, para terem existência completa, precisam mesmo acabar. Começo, meio e fim: esta é a fórmula.

Meus amigos de Liverpool continuaram fazendo sucesso em suas carreiras solo, o tempo passou e o período em que fiz parte daquela banda ia ficando nos desvãos mais recônditos da memória. Até que, certa manhã, ao abrir o jornal, fui despertado do meu resto de sono pelo barulho ensurdecedor de vários tiros e a manchete que jamais esperei ler algum dia, a notícia crua, a frieza do assassino. As lembranças voltaram dolorosamente: os óculos redondos, o humor sardônico, as passeatas pela paz mundial. E aquela data ficou para sempre sangrando em mim: 8 de dezembro de 1980. Mas quem vai acreditar nisso?

De Super-Homem a Asterix, minhas HQ favoritas – Crônica porreta de Fernando Canto

Fernando Canto, ainda moleque.

Crônica de Fernando Canto

Quando leio uma revista em quadrinhos hoje é natural que as lembranças povoem repentinamente na minha cabeça, tão importantes o foram como instrumento de aprendizado, num tempo em que não havia grandes obras para serem lidas, a não ser na Biblioteca Pública, um lugar obscuro e quase inacessível para alunos adolescentes como eu que não tinham a orientação dos professores para essa atividade. Na época tudo parecia se resumir no aprendizado de sala de aula.

Lembro que as portas dos cines Macapá e João XXIII ficavam cheias de jovens com revistas debaixo do braço nas tardes e noites de domingo. Estavam ali para trocarem suas revistas já lidas, por outras não lidas, ou preferencialmente por novas. Era uma prática saudável num tempo sem televisão quando a cultura visual estava mais direcionada para o cinema, com seus filmes e seriados, e para os quadrinhos. Era tempo do Território Federal governado por militares. Todos viviam sob uma ditadura severa que se estendia aos seus prepostos: diretores, professores e inspetores das escolas. Os quadrinhos nem sempre eram vistos como instrumentos educativos. Frequentemente os pais eram chamados pelos mestres quando um aluno era flagrado com alguma revista “imprópria”, tipo quadrinhos eróticos. O resultado era uma suspensão na escola e em casa sempre uma repreensão ou surra de galho de cuia no moleque aluado.

Romantismo ou saudosismo, a leitura dos quadrinhos possibilitava viajar com os heróis na luta contra o mal e dava para imaginar que um dia derrotaríamos o inspetor, o professor e o diretor que nos controlavam e eram nossos “inimigos mortais”, nessa ordem.

Batman e Robin, Super-homem, Zorro, Jim das Selvas, Tarzan, Congo Bill, Tex, Búfalo Bill, Príncipe Valente e tantos outros, descortinavam novos horizontes naquela garotada ávida por conhecimento e que esperava dias melhores para as suas vidas. As revistas traziam propaganda de pé de página, anúncios de cursos por correspondência, como o de madureza ginasial (um tipo de curso supletivo), o de detetive profissional, de rádio e eletrônica, etc. É inesquecível o anúncio de um tipo de brilhantina: “Dura lex sed lex, no cabelo só gumex – fixa e dá brilho aos cabelos”.

Mas a gente lia de tudo, inclusive as histórias dos personagens de Walt Disney e de Maurício de Souza, que chegavam recentemente naquele restrito mercado que se resumia nas livrarias Zola, de Francisco (…) e Martins, de (…) Martins, onde também se podia comprar livrinhos de literatura de cordel, como as aventuras de Pedro Malazarte e de Bocage, entre outros.


Anos depois, já na Universidade, pude defrontar com personagens mais sofisticados dos HQ, como os famosos(…) japoneses, os coloridos e novos super-heróis, tais como o Hulk, o Surfista Prateado e o Quarteto Fantástico. Nessa ocasião conheci as aventuras de Asterix, o Gaulês, dos franceses Gosciny e Uderzo. Pirei. Fiz coleção, mandei encadernar e releio sempre. Os personagens dessas histórias são os habitantes de uma aldeia que detém o poder de uma poção mágica usada para derrotar os romanos em situações e aventuras muito loucas.

Há alguns dias ganhei de um filho um presentão: uma edição comemorativa dos 80 anos do velho Uderzo, com histórias desenhadas por famosos artistas das HQ da Europa, nas quais seus personagens encarnam os heróis Asterix e Obelix e sua aldeia irredutível na Gália de 50 anos A.C. Um primor de desenhos de discípulos agradecidos.

Agora só me resta reler o livro comemorativo e esperar que “o céu não caia na minha cabeça”, como dizem os personagens dessas belas e engraçadas histórias.

Primavera recebe mais um ano de vida da jornalista Raquel Coutinho – De @caiocoutop para @Coutinho_Raquel

Caio, ainda moleque e Raquel, em algum lugar do passado – Foto: arquivo familiar dos Coutinho.

Advogado? Médico? Engenheiro? Não! Tudo isso foi sugestão da loira quando eu ainda tava indeciso em qual profissão escolher. Apesar de não negar o que ela queria pra minha vida, nunca meteu pressão nas minhas escolhas. Isso se deve ao fato de que ela é humana, sensível, loirassa e aniversariante nesse mês de julho, dia 2, pra ser mais específico.

Nunca fui bom com presente, então escolhi escrever pra ela (ainda vou comprar o presente ok?), com um dia de atraso. Ela me conhece, eu uso a desculpa que o dia dela é todo dia e, além disso, ela sabe o que eu escolhi pra mim. Ela sabe que meu tempo é doido (igual o dela) e que meus corres são muitos, mas, foi isso o que eu escolhi pra mim.

Caio e Raquel – Mãe e filho jornalistas dos bons.

Não ia me dar o luxo de fazer um release, to escrevendo com o coração, até porque eu me lembro, quando ela ainda tava se formando em jornalismo, eu (muitas vezes andando só de cueca) via as missões que ela tinha e, depois de formada, os projetos de carreira. Foi por meio dela que eu conheci esse mundo que hoje tô “afogado”, no bom sentido, e conheci pessoas incríveis.

Se atentem que eu nem falei de dinheiro, até porque se fosse por ela eu nem estaria aqui, ela sempre foi minha referência de mulher, mãe, amiga e JORNALISTA! Pense num orgulho quando me esbarram por aí e perguntam se eu sou filho da Raquel Coutinho. A minha maior missão é ser eu mesmo, porque ela é monstra, mas, mesmo assim, nunca vou poder negar o alicerce que construiu esse cara que tá escrevendo.

Inclusive, no lance da grana, ela me falou uma vez (apesar de querer que eu fosse médico): “filho você pode ser o que quiser, se tu for bom o dinheiro vai ser consequência”. Hoje eu tô aqui, feliz, independente e muito orgulhoso de ser filho de uma das melhores jornalistas que eu conheço! Te amo, Raquel! Feliz aniversário!

Caio Coutinho

Sobre o show que vi do Interpol – Uma memória afetiva rocker – @Interpol

Dia 29 de março de 2015. Era um domingo frio e cinzento, aliás, o último do mês, quando o Interpol subiu ao palco Skol, no Lollapalooza Brasil daquele ano.

O grupo tocou de 15h30 às 17h debaixo da garoa dos paulistas, o nosso “chuvisco”. Logo a banda nova-iorquina aqueceu o coração e alma dos fãs que estavam no autódromo de Interlagos.

Eu não sabia se pulava, fotografava ou cantava (com meu pobre inglês) as canções da banda indie. A força do Rock and Roll fez aqueles caras levantarem a multidão de fãs. Foi lindo!

Elton Tavares

Só uma dose de felicidade  – Crônica de Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena

Crônica de Lorena Queiroz

Eu, como uma boa curiosa que adora enfiar o nariz nos caminhos inquietos da filosofia, nunca acreditei na felicidade como um estado permanente ou como algo que tivéssemos como certo ou incerto de se conseguir na vida. Sempre acreditei em pequenas, e se você tiver sorte, periódicas doses de felicidade servidas em um copinho de cachaça, horas sim e outras não. Uma dose de riso. Outro dia, uma dose de amor. Semana que vem uma dose de satisfação e raras vezes, uma dose de justiça. A situação humana atual é tão irônica que dividimos parte de nossa esperança em duas doses de vacina.

Existem dias que você terá um balde de tristeza, um copo americano de preocupação. E são nestes momentos que àquela dose, que parecem até amostras de propaganda de marcas de café oferecidas no supermercado, algo que parece tão irrisório quando medido em ml, mas que pode nutrir por mais algum tempo. E pra falar a verdade, quem pode determinar o que é essa tal dessa felicidade?.

O filósofo francês Pascal Bruckner disse que a felicidade não é algo que provocamos apenas pela força do desejo, pois se assim fosse, todos nós seríamos felizes para sempre. É importante lembrar que a felicidade não é algo padronizado, pois temos desejos, perspectivas e almas diferentes. Outro filósofo francês, Luc Ferry, disse em uma entrevista que: “a felicidade é uma ideia absurda e impossível, pois tudo que nos faz felizes nos torna infelizes também. Inteligência faz alguém feliz? Dinheiro faz? Voltar-se apenas para seu estado , faz?. Ou será que o que existe mesmo são os momentos de alegria e espaços de serenidade, entre uma perturbação e outra, inerentes à vida humana?”

O fato é que é muito difícil reconhecer a felicidade porque não existe em forma permanente, e como seres teimosos que somos, continuamos feito criança que corre atrás da pipa levada pelo vento. Almejamos sempre algo que ainda estar por vir. E quem sou eu para criticar qualquer falta?, não ouso, já que meus pensamentos sempre se processam como a narrativa epifânica de Clarisse Lispector.

Pintura “Alexandre e Diógenes”, de Nicolas-André Monsiau (1818).

Durante um tempo eu havia esquecido Diógenes e Alexandre, o grande. Quando em seu banho de sol, Diógenes, interrompido por Alexandre, lhe ofereceu metade de suas riquezas para que Diógenes o acompanhasse. E Diógenes, respondeu: – ‘’De você não desejo nada, apenas que saia da frente do meu sol pois estás me fazendo sombra”. A gente tem a tendência a procurar coisas em lugares errados, dificilmente valorizamos obviedades.

Uns dias atrás eu tive o vislumbre da dose. Ela pode ser singela, pequena, ou um milhão de outras coisas para as mais diversas pessoas, mas para a pessoa que tomou esta dose, foi necessário. Minha sogra acompanha o trabalho do senador Randolfe Rodrigues e tem um enorme carinho e admiração por ele. Claro, sua atuação na CPI merece todos os nossos aplausos.

Dona Chica

Sendo assim, através do meu melhor amigo, Elton Tavares, o senador tirou um pouco do seu tempo e gravou um vídeo extremamente carinhoso e atencioso para nossa Chiquita. Confesso que me emocionei com a reação dela ao carinho inesperado. Ali eu vi, uma dose de felicidade. A felicidade simples de Mário Quintana. A felicidade como gota de orvalho numa pétala de flor, como disse Agostinho dos Santos e Jobim.  Fui dormir me nutrindo com a dose alheia e, quem sabe, outro dia, a vida e Epicuro lhe tragam outras doses, brindemos.

*Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site.

Escreva, Elton, escreva – Minha crônica de hoje (ilustrada por Ronaldo Rony)

Ilustração de Ronaldo Rony

Sabem, quando trabalhava no Portal Amazônia (2008), aprendi que internet é velocidade da informação. Durante um curso de webjornalismo, em Manaus (AM), me ensinaram que é necessária a atualização diária de uma página eletrônica e, se possível, mais de uma vez ao dia.

Quando meu antigo blog foi criado, no final de 2009, lembrei-me dos ensinamentos do Portal e comecei a postar cada vez mais conteúdo. São coisas sérias e besteiras. Foi assim que adquiri esse lance de me cobrar escritos.

Neste meu site publico tudo que me dá na telha, a “blogagem” é um vício legal. Tento informar e divulgar Cultura, coisas interessantes, além de besteiras que me agradam, tentando pontuar as coisas de forma diferente, fugindo das mesmices, modinhas e papos furados. Sempre tentando usar cérebro e coração.

Não gosto de discutir o “sexo dos anjos”, mas perco tempo com disparates legais sim, além de disparar minha opinião sobre qualquer coisa, doa a quem doer. O problema são os questionadores, que não entendem que este site é meu. Mas sou responsável pelo que escrevo aqui e não pelo que eles entendem.

Ah, este espaço está sempre aberto para divulgação de Cultura em todas as suas vertentes, é só mandar por e-mail (endereço no layout do site).

Continuarei sempre a publicar no De Rocha o que me der vontade, mas nunca uma mentira. Como dizem no velho latim (meu amigo Edgar Rodrigues me ensinou este ditado): “Verum, dignum et Justus Est!” (É verdadeiramente, digno e Justo!). A não ser que seja algo engraçado e tão absurdo que ninguém acredite. No mais, esse textículo foi só para matar a coceira dentro da minha cabeça, que diz: “escreva, Elton, escreva!”.

Elton Tavares

A Seringa contaminada de Bambo, o Zagueiro do Futlama (Conto porreta de Fernando Canto sobre o “Bambolê”, que aterrorizou Macapá nos anos 90)

São três da tarde, o sol está quente que dói. E o cara na zaga deixa a bola passar: gol contra o nosso time. De novo ele faz isso. Tamanho cara, eu penso, parece que faz tudo pra gente perder. Culpa do Juninho que não veio hoje porque arranjou o primeiro emprego e indicou o negão aí que é só tamanho e nem sabe pra onde a bola vai. Dou-lhe uma esculhambação, mas ele não liga. Nem tem como substituí-lo, hoje é segunda-feira, tem uns quatro do nosso time trabalhando no comércio. Eu não estou nem aí… Sou funcionário público mesmo…

A maré vem enchendo e a gente vai ter que abandonar o campo na praia. Nosso time era quase imbatível, mas esse cara… Putz! 5 X 0 e saímos ridicularizados pelo adversário. Agora todo mundo vai saber. Vão nos gozar o ano todo. Isso nunca tinha acontecido, éramos os reis do futebol de praia, do futlama, digo, como chamamos aqui em nossa cidade, porque o campo que utilizamos é o leito do rio, que tem uma sedimentação mais sólida depois que a ábardupedrogua seca. Jogamos entre as marés, até o rio encher. E o nosso time, o “Mergulhão”, era o melhor. Era. Antes desse vexame.

*******

É Sexta-feira. Estou no bar da Preta, lá perto do trapiche, tomando uma loura, esperando a namorada e a lua cheia que vem linda, brotando do meio do rio, quando vejo a confusão: gente correndo, polícia chegando com suas sirenes e luzes e um negão descontrolado:

Vou contaminar todo mundo, eu. Ninguém encosta que eu faço o que digo.

Caramba! É o cara ruim de bola da defesa do nosso time. Está com uma seringa na mão e aparenta estar drogado. Os garçons dizem que é um tal de “Bambo”, um menor delinquente, destemido e inconsequente. Fugiu novamente do Centro que abriga menores infratores e quer assaltar todo mundo. Esconde-se atrás de uma coluna e salta como um gato sobre um casal. Ameaça enfiar a seringa na moça, mas ela desmaia e o rapaz foge covardemente sem prestar auxílio à namorada. Mesmo na mira dos policiais “Bambo” consegue segurar uma garçonete do bar contíguo ao que eu estou escondido junto ao balcão. Ela tenta se desvencilhar dos braços enormes do agressor, mas ele a aperta cada vez com mais força. O garçom que se esconde ao meu lado me diz que o cara já contaminou duas pessoas com o sangue dele, que tem AIDS.

Falo baixinho, cético, quase sussurrando: – Mas como esse cara é aidético… Desse tamanho? Acho que ele está blefando. A polícia se aproxima e o cara está irredutível no seu propósito.

– Joga a seringa no chão. Ordena o soldado, segurando o revólver com as duas mãos. – Larga a moça e joga isso logo.

Os olhos do bandido volteiam quase saindo das órbitas, de um jeito que procuram algo no céu. São grandes e negros. Lá fora o rio enche e as ondas do Amazonas se embrabecem com o vento invernal. A lua sai por entre nuvens escuras e uma chuva contumaz desaba na Beira-rio. Ele me vê e parece me reconhecer. Caraca! Ele me viu e diz ao policial que quer trocar a moça por mim. Só assim poderá negociar sua vida.

Um tenente chega comigo e pergunta se eu o conheço. Titubeio na afirmação positiva. Surpreendentemente, e como que hipnotizado por aqueles olhos, caminho em sua direção desobedecendo às ordens do oficial. Peço que não atirem e me posiciono na frente dele. Ele larga a garçonete e me segura pelo pescoço. Dá pra ver a seringa com uns 200 ml de sangue dentro dela. Um sangue claro, semelhante a suco de groselha. Falo para ele:

– Te entrega ou eles vão te matar.

– Não vão, não. A imprensa já tá chegando.

– O que tu queres comigo?

– Quero jogar no teu time de futlama, no “Mergulhão”.

Fiquei mais lívido que quando fui trocado pela garçonete. Puta merda, além de bandido o cara é ruim demais. – Mas por que, cara? Pergunto.

– É que gostei do nome do time e sou amigo do Juninho.

Fiquei pensando, pensando. – Está bem. Quando tu saíres do Centro que tu estavas passa lá com a gente que vais ter lugar garantido, eu te juro.

Legal, disse ele. Eu sou gente boa, eu. Arrematou naquela linguagem própria de adolescentes pobres, membros de gangues suburbanas. Seus olhos eram grandes, mas tristes. Estavam marejados.

Ainda sob a mira dos revólveres dos policiais e sob o foco das câmeras de televisão e celulares de curiosos, ele largou meu pescoço e a seringa supostamente contaminada. Os policiais lhe deram voz de prisão e tentaram lhe algemar com truculência. Mas antes de entrar na viatura, “Bambo” conseguiu puxar do bolso traseiro da bermuda estampada de camuflagem militar, outra seringa. Ao mesmo tempo em que tentava se desvencilhar das pancadas, aplicou a agulha no rosto de um soldado. Levou imediatamente quatro balaços no peito e caiu no asfalto. Os policiais afastaram os repórteres e curiosos e saíram em velocidade com o corpo do menor e o militar que berrava de dor. Foi tudo muito rápido.

*******

Só me restava agora tomar mais uma gelada para aliviar a tensão, já que não fui intimado para depor na delegacia. A namorada chegou preocupada. Já sabia do acontecimento pelas redes sociais. E bebeu comigo para me consolar.

Ainda era cedo. A nuvem escura havia se dissipado e o rio bebia o brilho da lua fêmea. Estendi meu olhar sobre o Amazonas se enchendo de luar e vi um mergulhão solitário emergindo d’água, desenhando a silhueta acima da Pedra do Guindaste, voando na direção ao norte. Parecia uma alma escura a buscar desesperadamente seu ninhal.

Comentei com a namorada o quanto tudo aquilo havia me deixado intrigado. Até cheguei a filosofar sobre a imagem do mergulhão retardatário. Ficamos um tempão olhando o rio e bebendo cerveja. E não demorou muito para o céu se fechar novamente com raios e trovões e nuvens escuras bailando ao vento, a cobrir o magnífico luar.

Não são simplesmente nuvens de chuva, me disse o velho garçom, sorrindo com a gorjeta que lhe dei ao pagar a conta e justificar minha ida por causa da chuva que logo desabaria. – Quando matam um bandido por aqui acontece isso, me disse ele com calma.

– Olhe de novo.

Perscrutei o céu como quem busca desvendar uma ilusão de ótica desenhada. As nuvens eram bandos de mergulhões reunidos, voando em círculos, prontos para pescar nas águas profundas do rio naquela noite trágica.

O discurso discriminador do Marabaixo – Texto/Resgate histórico de Fernando Canto – @fernando__canto

Foto: Márcia do Carmo

Por Fernando Canto

Não é de hoje que o Marabaixo é discriminado. Aliás, as manifestações culturais de origem africana sempre foram vistas como ilegais ao longo da história do Brasil. Do samba à religião, seus promotores foram vítimas de denúncias que os boletins de ocorrências policiais e os processos judiciais relatam como vadiagem, prática de falsa medicina, curandeirismo e charlatanismo, entre outras acusações, muitas vezes com prisões e invasões de terreiros.

Essa discriminação ocorreu – e ainda ocorre – em contextos históricos e sociais diferenciados, e veio produzida por instituições que tinham o objetivo de combater o que lhes fosse ameaçador ou que achassem associadas às práticas diabólicas, ao crime e à contravenção.

Foto: Max Renê

No caso do Marabaixo, há anos venho relatando episódios de confronto entre a igreja católica (e seus prepostos eclesiásticos e seculares), e os agentes populares do sagrado, estes que, por serem afrodescendentes, mestiços e principalmente por serem pobres, foram e são discriminados, visto o ranço estereotipado de que são “gente ignorante” e supersticiosa.

No caso do Marabaixo, há anos venho relatando episódios de confronto entre a igreja católica (e seus prepostos eclesiásticos e seculares), e os agentes populares do sagrado, estes que, por serem afrodescendentes, mestiços e principalmente por serem pobres, foram e são discriminados, visto o ranço estereotipado de que são “gente ignorante” e supersticiosa.

Foto: Gabriel Penha

É do século XIX a influência do evolucionismo que tomava como modelo de religião “superior” o monoteísmo cristão e via as religiões de transe como formas “primitivas“ ou “atrasadas” de culto. Para Vagner Gonçalves da Silva (Revista Grandes Religiões nº 6), nesse tempo “religião” opunha-se a “magia” da mesma forma que as igrejas (instituições organizadas de religião) opunham-se às “seitas” (dissidências não institucionalizadas ou organizadas de culto).

É do século XIX também os primeiros escritos sobre o marabaixo. Em um deles um anônimo articulista o ataca, dizendo-se aliviado porque “afinal desaparece o o infernal folguedo, a dança diabola do Mar-Abaixo”.

Foto: Márcia do Carmo

Ele afirma que “será uma felicidade, uma ventura, uma medida salutar aos órgãos acústicos se tal troamento não soar mais…”. Na sua narrativa preconceituosa vai mais além ao dizer que “Graças ao Divino Espírito-Santo, symbolo de nossa santa religião, que só exige a prática de bôas acções, não ouviremos os silvos das víboras que dansam ao som medonho dos gritos dos maracajás (…), que é suficiente a provocar doudice a qualquer indivíduo”. Assevera adiante “Que o Mar-Abaixo é indecente, é o foco das misérias, o centro da libertinagem, a causa segura da prostituição”. E finaliza conclamando “Que os paes de famílias, não devem consentir as suas filhas e esposas frequentarem tão inconveniente e assustador espetáculo dessa dansa, oriunda dos Cafres”. (Jornal Pinsonia, 25 de junho de 1898).

Foto: Mariléia Maciel

Discursos de difamação do Marabaixo como este e a posição em favor de sua extinção ocorreram seguidamente. O próprio padre Júlio Maria de Lombaerd quebrou a coroa de prata do Espírito Santo que estava na igreja de São José e mandou entregar os pedaços aos festeiros. O povo se revoltou e só não invadiu a casa padre para matá-lo graças à intervenção do intendente Teodoro Mendes.

Com a chegada do PIME – Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras – em Macapá (1948) o Marabaixo sofreu um período de queda, mas suportado com tenacidade por Julião Ramos, que não o deixou morrer. Tiraram-lhe inclusive a fita da irmandade do Sagrado Coração de Jesus, da qual era sócio fiel.

Nesse período os padres diziam que o Marabaixo era macumba, que era coisa ruim, e combatiam seus hábitos e crenças, tidos como hediondos e pecaminosos, do mesmo jeito que seus antecessores o fizeram no tempo da catequização dos índios. Mas o bispo dessa época, D. Aristides Piróvano, considerava Mestre Julião “um amigo” (Ver Canto, Fernando in “A Água Benta e o Diabo”. Fundecap, 1998).

O preconceito dos padres italianos com o Marabaixo tem apoio num lastimável “achismo”. Os participantes são católicos e creem nos santos do catolicismo, tanto que a festa é dedicada ao Divino Espírito Santo e à Santíssima Trindade e não a entidades e voduns como pensam. Nem ao menos há sincretismo nele.

Colheita da Murta Foto: Fernando Canto: Arquivo pessoal

E se assim fosse? Qual o problema? Antes de emitirem um julgamento subjetivo sobre um fato cultural é preciso conhecê-lo. É preciso ter ética. Ora, sabe-se que todos os sistemas religiosos baseiam-se em categorias do pensamento mágico. Uma missa ”comporta uma série de atos simbólicos ou operações mágicas” (Vagner Silva op. cit.). Observem-se as bênçãos, a transubstanciação da hóstia em corpo de Cristo, por exemplo. Um ritual de umbanda comporta a mesma coisa. O Marabaixo tem rituais próprios, ainda que um tanto diferentes. Por isso e apesar do preconceito ainda sobrevive. Valei-nos, Santo Negro Benedito!

(*) Do livro “Adoradores do Sol – Novo Textuário do Meio do Mundo”. Scortecci, São Paulo, 2010.

Hoje – Crônica porreta de Fernando Canto

Hoje eu larguei a bengala de lado. Depois da queda não quero adquirir o vício do apoio para que ele vire permanente.

Assim como o jogador pendura as chuteiras, eu vou guardar a bengala para o esforço necessário da velhice se um dia dela vier a precisar.

Hoje eu larguei o meu terceiro pé, mais que um enigma esfíngico. Largo meu entendimento seguro pelas estradas que ando, sob o desespero mortal de um ser monstruoso que se jogou do precipício quando eu me dispus a enfrentar meu destino e, vejam, o meu passado, viajando por águas de diversas cores e volumes, de sabores e profundezas.

Larguei, sim, um objeto de angústia e lassidão e o pendurei num cabide atrás da porta, como um cigano que tem teto e não se vale mais das noites estreladas para sonhar e amar.

A bengala deixará de me apoiar para que eu, já calcinado pelo tempo, ache no fulcro da terra e no calor da vida a solidariedade e o amor pulsante da humanidade. Assim, esse instrumento que nasceu da madeira torneada, e que me deu segurança no caminho também me tornou digno de olhar para trás.

Com isso deixarei diluir em mim antigos sentimentos calcificados no coração e anzolarei em gestos bruscos, de ruptura, os mais diversos símbolos que a própria academia não conseguiu interpretar no empirismo de seus laboratórios e dos seus paradigmas positivistas.

É um objeto muito útil a bengala. Sua curva da extremidade recebe a mão para sustentar o apoio do andar do pé deficiente pelos caminhos sinuosos e empedrados da cidade.

Ah, um olhar seguro não cabe mais nos olhos. Até a baixa luminosidade do anoitecer e o intenso brilho do nascer do sol remetem ao uso extremo do objeto que deixei de lado.

Mas hoje eu aposentei minha bengala. Dela não mais quero dependência ou vício. Por onde andei com ela cavei no chão pequenos buracos nos quais semeei sementes de perdão, após cansadas viagens.

Depois, por cima desses rios de minha terra, eu a inverti definitivamente em minha vida para transformá-la em âncora.

*Crônica de 2017, após o amigo Fernando Canto se recuperar de um acidente e finalmente parar de usar sua bengala.

O encontro dos astros – Crônica de @JackeCarvalho_

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Crônica de Jack Carvalho

2004 não foi um ano qualquer. Na beira de completar 19 anos, o que eu mais queria era ter um punhado de dinheiro no bolso para tomar minha cerveja, ao som de um bom rock. E qual o caminho mais certo? Arranjar um emprego.

Foi quando coAlanisRiv10.13.2012-245nsegui meu primeiro trampo de carteira assinada na Faculdade Famap. Eu era auxiliar administrativa, atendia os alunos que queriam saber das notas, faltas, resultado de requerimentos e tal. Trabalho suave, sem muito mistério. A sala ficava bem na entrada da faculdade e parecia mais um aquário, cercada de vidros.

Às vezes parecia mais um guichê da Caixa Econômica Federal, cheio de alunos preocupados mais com o número de falta que com as notas. Mas às vezes ninguém passava pela frente. Eram nesses momentos que era tranquilo acessar a internet e navegar suavemente. E naquela época, quando o Orkut não era tão popular no Brasil, quando nem se imaginava que o Facebook ou WhatApp seria as duas principais redes sociais, o Bate Papo da UOL era a saída para conhecer e interagir com pessoas com diversos lugares do país.

Mas claro: eu entrava na Sala AP. E como eu, na época, era meeega fã de Alanis Morrissette, sempre usava o nome da cantora canadense como nickname na sala. O que consequentemente (e porque não intencionalmente?) filtrava os contatos. Pois conhecer a referência feita com o nick, queria dizer que existia uma afinidade musical. Foi quando um belo dia outro cantor apareceu na sala: Ian Curtis.

Que massa!! Qual a probabilidade de você conhecer alguém que gosta das mesmas bandas que você, que escreve um português correto (não se engane: isso sempre foi um critério no BP da UOL) e que mora na mesma cidade?aeb7cffa00470ac167dc41753931fd4e

As tardes no aquário ficaram mais divertidas. Entre trocas de músicas e papos cabeça, a relação entre Alanis e Ian ficava cada vez mais estreita. O que inevitavelmente resultaria num encontro off-line entre os astros. A expectativa aumentava a cada dia. Muito pela afinidade musical quanto pela possibilidade de me envolver com um cara legal (sim, na época eu era mais chegada!!).

Ao passo que a gente acertava o lugar, fomos descobrindo muito mais coisas em comum. Como, por exemplo, o lugar em que o Ian Curtis estudava. Era na mesma faculdade em que eu trabalhava. A coisa começou a ficar muito estranha. Mas legal. Foi quando marcamos o lugar e o horário para nos conhecermos. Por volta das 19h, lá mesmo na faculdade, avistei aquele com as descrições repassadas. A única coisa que eu pensei na hora em que o vi: – Não boto féeeeee!!!!!

O Ian Curtis era nada mais, nada menos que Elton Tavares, que já era meu amigo na época. Mas era mais do que isso: Elton é filho da professora Maria Lucia Neves Vale, que era supervisora na Escola Santina Rioli lá nos idos dos anos 90. Como eu frequentava bastante a sala da supervisão da escola (eu não era uma propriamente uma mocinha na escola), sempre via o Elton ir buscar a mãe nos fins de tarde.

Voltando ao encontro. Quando nos aproximamos, as duas faces eram um misto incredulidade com satisfação.

– Então tu és a Alanis??
– E tu és o Ian Curtis??

Estouramos no riso e confirmamos aquilo que a humanidade conhece: a música aproxima as pessoas. Mesmo as pessoas que já se conhecem. Passados mais de 10 anos, todas as vezes que lembramos dessa história na mesa de bar, o riso solto é certo. Ainda bem, né?

*Isso tudo é a mais pura verdade. História engraçada, muito doida e real. A Jack é uma queridona até hoje e desconfio que sempre será. Valeu pelo texto, broda! – Elton Tavares. 

O dia em que esquentei a cerveja do Arnaldo Antunes na B*****ta – Por Jack Carvalho – @JackeCarvalho_

Por Jack Carvalho

2013 foi um ano incrível para todo macapaense fã de música. O Festival Quebramar, maior evento de música do norte do país totalmente free, trazia nada menos que Arnaldo Antunes, Emicida, Curumin e muitos outros artistas massa. E nesta edição, eu fiquei responsável por coordenar o funcionamento dos camarins.

Aos poucos, cada produtor foi mandando a lista de exigência que tínhamos que providenciar para atender aos pedidos dos artistas. Emicida, por exemplo, pediu chá verde. Outros pediram Red Bull. O Edgar Scandurra pediu whisky. E o Arnaldo pediu cerveja. Muitas packs de cerveja. O problema era adequar esses pedidos ao orçamento disponível para o camarim. Em alguns casos, eu mesma preparei em casa diversos itens das listas, como suco, bolo e o chá.

Público da primeira noite do Festival Quebramar – Foto: Cobertura Colaborativa

Assim consegui equilibrar os gastos e garantir todos os itens. Faltando 1 dia pro início do festival, peguei as listas e fui ao supermercado comprar o que não dava pra fazer, pra no dia seguinte já ter tudo pronto pra quando o festival começasse. Tudo certo na sexta e sábado. Todos os pedidos foram e atendidos e os artistas ficaram satisfeitos.

No domingo era o dia de tocar Curumin e Arnaldo Antunes. Cheguei cedo no palco no pé do muro da Fortaleza de São José e comecei a limpar e arrumar as mesas dos camarins. Coloquei todas as bebidas no gelo, arrumei as pedras pras doses de whisky, petiscos, entre outros detalhes. As primeiras bandas começaram a tocar logo cedo, umas 19h40. Em seguida começaram a chegar os integrantes da banda do Arnaldo. Recepcionei o grupo me apresentando como responsável pelo camarim e que caso precisassem de algo era só chamar. E chamaram!

Foto: blog Galera do Rock (http://glrdorock.blogspot.com/2013/12/resenha-festival-quebramar-2013.html)

Minutos depois que a banda se instalou na sala reservada pra eles, a produtora do Arnaldo Antunes perguntou: – Cadê as Heinekens naturais? Eu dei uma de João sem braço e disse que não tinha sido especificado. Ela puxou a lista do bolso e mostrou: – Olha aqui, são 6 long necks naturais. Ele não pode beber nada gelado antes e durante o show. Ou seja: FUDEU!

Foto: blog Galera do Rock (http://glrdorock.blogspot.com/2013/12/resenha-festival-quebramar-2013.html)

Minha primeira reação foi de sair e ir comprar nos bares da Beira Rio. Mas eu estava muito distante pra deixar tudo e ir comprar cerveja. O jeito foi tirar as 6 long necks da cuba e tentar “amornar” as cervejas. Olha o trampo da porra. Nisso, eu e mais duas pessoas que auxiliavam no camarim, cada uma pegou uma long e começou a esfregar na mão. Essa porra não vai esquentar.

Então tive a ideia de botar a cerveja entre as pernas. Isso mesmo: na B****ta pra ajudar a esquentar mais rápido. E aja esfregar a garrafa igual o Aladdin. E eu pensava: esse porra vai ter que tocar O Pulso. E aí dele que não faça um show bacana. Bicho, essa porra tá queimando feio aí embaixo. Foram longos minutos gelados aonde se costuma a ser bastante quente, diga-se de passagem. Ainda ligamos ventilador do carro no modo quente pra ajudar o processo. Da feita que a cerveja ia amornando, alguém levava no camarim e ele bebia.

Foto: blog Galera do Rock (http://glrdorock.blogspot.com/2013/12/resenha-festival-quebramar-2013.html)

Conseguimos esquentar as 6 heinekens antes dele entrar no palco. Confesso que algo ficou dormente por alguns minutos, mas depois que ele começou a tocar A Casa é Sua, o corpo esquentou e tudo voltou ao normal. E lá estava o Arnaldo Antunes tomando cerveja quente, no copo on the rock que meu pai tinha ganhado de brinde da Monte Casa e Construção um zilhão de anos atrás. E tudo pra dizer que: missão dada é missão cumprida!

*Jack Carvalho é jornalista e Mestre em Ciências da Comunicação.