20 de Novembro Dia da Consciência Negra – Por Marcelo Guido

Por Marcelo Guido

Por que precisamos desse dia?

Criada em 2003, a data nos remete ao passado e tem o intuito de fazer uma reflexão da inserção do negro na sociedade brasileira, escolhido o dia 20 de novembro não à toa , já que é a data atribuída à morte de Zumbí dos Palmares, um dos maiores e históricos lideres negros que já habitou nossa pátria.

Mas por que ainda hoje precisamos refletir se somos no papel um país multirracial, se nosso sangue miscigenado encantou o pai da seleção natural Charles Darwin, se nossa sociedade é tropical, abençoada por Deus e bonita por natureza ?

É amigos, quem nos dera não precisar! Vivemos um verdadeiro “apartheid” não oficial. Isso porque a política nefasta, que por muitos anos foi responsável pela segregação na África do Sul, é aplicada em nosso país na pior forma, a forma oculta.

A necessidade de uma data oficial como essa é para lembrarmos que a cada 100 vítimas de assassinatos no Brasil , 71 são negras, que a extrema maioria de nossa massa carcerária nos presídios é negra, que a maioria das famílias que vivem na miséria no Brasil é negra. Por isso a reflexão.

A dívida que se tem com o povo afrodescendente é mil vezes maior , foram 400 anos de escravidão, marca essa que para poder tirar de nossa história, precisaríamos ser redescobertos.

O Brasil foi um dos últimos países a deixar de ser escravista. Por isso a reflexão. Para mostrar para muitos que politica de cotas raciais, instituída no Brasil apenas em 2014, não trata-se de uma esmola, e sim de uma reparação histórica para com o povo negro. Por isso a reflexão.

Pra lembrar a todos que foi só a partir de 2003, mais exatamente no dia 09 de janeiro, com o advento da lei 10.939, que o currículo escolar brasileiro teve que colocar a temática “Historia da Cultura Afro –Brasileira” para que os alunos pudessem entender o por que do respeito com a cultura Afro.

Só por esses aspectos, o dia da consciência negra já se faz necessário.

Refletir sobre os erros para que nunca mais eles sejam repetidos, para que o jovem negro possa ter orgulho de sua raça, origem e cor. Por mais cabelos naturais e menos alisamentos nas meninas . Que o orgulho negro seja realmente reconhecido.

Precisamos deste dia para saber que ascensão social do negro não é um favor, e sim um direito. Para que as escolas, repartições e universidades sejam sim um espaço de ampla inclusão.

Zumbi vive em cada jovem médico negro, em cada advogado negro em cada ministro negro, em cada professor negro.

Para que intelectuais históricos, como Machado de Assis e Castro Alves possam ser referenciados como realmente foram.

Para que o elevador social que é quase um templo- já diria Jorge Aragão – seja esquecido e realmente fique no passado. Para que Wilson Simonal saia do limbo cultural o qual foi colocado.

Para que máximas como a do grande educador Paulo Freire , reconhecido mundialmente pelos serviços prestados à educação, sejam enterradas de vez: “os negros nascem proibidos de serem inteligentes” .

Para que nossa sociedade seja mais justa e menos hipócrita.

Viva Zumbi, Cartola, Ivone, Jovelina, Mano Brow , Ben Jor, Leci, Serginho Chulapa , D2, Tony Tornado, Tim Maia, Mussum e todos aqueles que um dia lutaram por igualdade, meu máximo respeito.

Um Salve para todos os negros.

*Marcelo Guido é Jornalista, Pai da Lanna e do Bento e maridão da Bia.

Futebol – Texto porreta de Marcelo Guido

Por Marcelo Guido

A vida marcada em sonhos, glórias e decepções; tudo em 90 minutos.

O que seria do mundo sem futebol? Longe de mim imaginar tal heresia. Nem em meus piores pesadelos posso ter a competência de vislumbrar tal desastre.

Como pode pensar a vida, sem as noites etílicas, ou sem amizades verdadeiras formadas e moldadas em campinhos de terra, ruas com traves de chinelos? Ou aquela emoção inusitada em acordar na segunda-feira, com a moral lá em cima, para uma semana, sabendo que teu time fez por merecer no domingo. Pior acordar, querendo que o fim de semana seja só um amargo devaneio de derrota, quando os Deuses da bola simplesmente te esqueceram na rodada passada? É amigos, isso acontece.

Para quem gosta de futebol, isso é uma constante, os dois lados da mesma moeda. A linha tênue entre o afago caloroso da vitória e o amargo beijo da derrota.

Futebol não é exato, não é chato como matemática, não é nem esporte. Não tem nomenclatura melhor para o popular “esporte” bretão do que jogo. Isso, futebol é jogo.

Jogo esse, em que vinte e duas almas levam a responsabilidade de milhões de sentimentos nas costas. Onde mandinga, superstição, mania, tudo faz a diferença. Futebol faz ateu rezar, e teísta duvidar da própria fé. Sei disso.

O jogo fabrica heróis, personifica talentos, faz vilão e mais que tudo, mexe com os sentimentos mais profundos e realistas do ser. O futebol te transforma em humano.

Na torcida, não tem titulo homérico, graduação, patente ou divindade… Todos são iguais, tirando – claro – aquele típico pé frio, que levará a culpa pela existência na terra em caso de revés clubístico.

Nomeamos sempre nossos heróis, tivemos a Enciclopédia, o Divino, o Galinho, o Mané, o Dinamite. Tivemos também o Baixinho, o Animal, o Príncipe, o Reizinho, o Super, e o maior de todos: o Rei.

O futebol tem lei sim: a de Gerson, que em seu único artigo, inciso, parágrafo e outros badulaques jurídicos possíveis, diz que “quem corre é a bola”

O jogo é uma verdadeira ópera, construída com drama e comédia, feita por Almirantes, Mosqueteiros, Urubus, Sacis, Raposas, Leões, Galos – uma infinidade de personagens, onde o herói se torna vilão (olhem para o Galinho em 86) e o mais improvável coadjuvante tem seu momento único (procurem Gabiru em 2006).

E o torcedor, figura máxima, esse sim, o verdadeiro reflexo festivo, o que dá toda gama de personificação, o toque final do espetáculo. Sem o torcedor não existiria palco. Em um mundo atual onde estádios são renomeados de Arena, este sim o mais prejudicado. Quão é feia uma comemoração sem geral. O mais feroz dos hooligans ingleses pediria para sair em meia hora de RExPA no mangueirão.

O futebol é isso. É marcante. É emoção. E para quem diz que é só um jogo, minhas mais sinceras condolências; vocês não merecem uma nota escrita no livro chamado vida.

*Marcelo Guido é Jornalista, Pai da Lanna e do Bento …Maridão da Bia.

Os 24 anos do álbum “Mellon Collie And The Infinite Sadness”, do Smashing Pumpkins

Parece que foi ontem, mas já faz 24 anos que a banda de rock alternativo norte-americana The Smashing Pumpkins lançou o magnífico álbum “Mellon Collie and the Infinite Sadness” (em 24 de outubro de 1995 pela Virgin Records).

Este é o terceiro disco da carreira do grupo liderado por Billy Corgan (o careca antipático do rock sabe fazer canções que tocam a alma e o coração).

Mellon Collie foi o álbum que definiu a cara do rock há 20 anos. Um clássico instantâneo que provou que a música alternativa poderia ser complexa e ambiciosa.

Billy Corgan se encontrava no auge da sua megalomania criativa e lapidou todas as músicas com muita astúcia; desde sua introdução instrumental até a última música, o disco é arrebatador.

Ele contém muitas canções sensacionais, como a beleza da instrumental Mellon Collie And The Infinite Sadness, a visceralidade de “Zero” e “Bullet with Butterfly Wings”, a saudade dramática de “Thirty-Three”, a inocência de “1979” e a aula de vivência em “Tonight, Tonight”. Isso para citar somente as que gostamos mais.

O disco recebeu, com a canção “Bullet with Butterfly Wings”, o Grammy de 1997. A obra foi eleita como 29º maior álbum de todos os tempos, em 1998, pela Revista Q. Em 2003, a revista Rolling Stones o colocou como um dos 500 melhores discos de todos os tempos, no 487ª lugar.

A Revista Time elegeu Mellon Collie and the Infinite Sadness o melhor álbum de 1995. Não à toa, ele está na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame.

O disco é eclético dentro do rock, já que possui desde canções bem melodiosas até rock pesado com guitarras sujas e gritos de FUCK YOUUU. É realmente um álbum memorável, com um apelo artístico fantástico (sem falar naquele encarte sensacional).

Em 1995, Kurt Cobain já tinha ido para as estrelas e tudo que surgia de genial era mais uma esperança. No final, sabemos que o Rock nunca morre. Ele adoece, mas sempre volta com tudo.

Até hoje as músicas de Mellon Collie emocionam e transportam no tempo quem tem mais de 40 anos. Sim, nostálgico. Agora é só escutar Tonight, Tonight, onde o velho Corgan canta “acredite em mim” ou 1979 e viajar no tempo.

Elton Tavares e André Mont’Alverne

Roberto Carlos de Santana, meu louco favorito – Crônica porreta de Fernando Canto

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Crônica de Fernando Canto

Não sei bem em que jornal eu li sobre um maluco que morava numa praia do Rio de Janeiro, mas quem o deixou comigo foi meu amigo RT na volta de uma viagem à cidade maravilhosa. O texto o descrevia como um homem corpulento, negro e barbudo, que fumava maconha, mas que não incomodava ninguém. Cumprimentava a todos e fazia parte da paisagem urbana de Ipanema. Todo mundo o conhecia no bairro e o autor do artigo falava em uma espécie de reencontro com ele depois de muitos anos que passou fora do Brasil.

Em Macapá conheci algumas dessas pessoas alienadas, praticamente abandonadas por suas famílias. E foi exatamente na minha adolescência, quando era estudante do ginásio. Na saída das aulas os mais velhos instigavam os mais novos a fazerem chacotas com elas e apelidá-las quando passavam em frente ao colégio.

Nunca esqueci a “Onça”, que possivelmente não era louca, mas viciada na cachaça. Qtonho-da-lua-4uando convidada fazia espetáculos sensuais, levantava a saia rodada e dançava Marabaixo, sem se desvencilhar da garrafa de “Pitú’ equilibrava na cabeça, rebolando, para o delírio da turma, que a aplaudia sem parar, rindo e gritando com aquelas vozes de fedelhos em mudança, quase bivocais.

Ainda posso ver o “Cientista” lá pelas bandas do Mercado Central trajando seu paletó azul claro e um calção sujo e descolorido. A barba rala, as feições indígenas e o olhar sereno. Vez por outra procurava alguma coisa embaixo de uma ficha de refrigerante ou em uma pequena poça d’água, como se tivesse perdido algo muito valioso. À vezes anotava (ou fazia que anotava) alguma coisa em um papel de embrulho, daí as 32229-loucos-4-originalpessoas acharem que eram importantes fórmulas de um cientista, vindas em um “insigth”, um estalo de ideia. Eu o vi também trajando o pijama de interno do Hospital Geral, de onde fugia de uma ala reservada aos doentes mentais.

Quase decrépito, mas imponente, calvo e meio gordinho era o famoso “Pororoca”. Para mim é inesquecível a cena que vi dele descendo a ladeira da Eliezer Levy, no bairro do Trem, no sol quente do meio dia, bem embaixinho da linha do equador, quando os raios do sol pareciam rachar os telhados das casas e estalar a piçarra. Lá vinha ele, rindo à toa, descalço, de cueca branca e um imenso couro de jiboia enrolado no peito. Um figuraço!aliceatravesdoespelhofilme.jpg2 (2)

Creio que todos os frequentadores do bar Xodó chegaram a conhecer o “Rubilota”, um senhor de aparência forte, que andava invariavelmente sem camisa, que pedia um cigarro e ia embora. Mas de repente surtava e começava a gritar pornofonias das mais cabeludas possíveis. Quando ficava violento era preciso chamar a polícia, mas com um bom reforço, pois ele era durão.

Quem sempre aparecia pela Beira-Rio era o Zé, cearense e empresário de sucesso, mas que enlouqueceu, dizem, de paixão. Ele me conhecia, e sempre que me via nos bares ia me cumprimentar ou pedir um cigarro. Os garçons tentavam expulsá-lo do ambiente porque andava sujo e com o pijama do hospital, de onde fugia igual ao seu colega “Cientista”. Porém esergiocabeleirau não deixava que o escorraçassem.

Havia um cara que eu conheci ainda sem problemas psiquiátricos. Ele tocava violão e cantava na Praça Veiga Cabral, ali na parada das kombis que faziam linha para Santana. Estudava, salvo engano, no Colégio Comercial do Amapá. Anos depois eu o encontrei pelo centro da cidade cantando sozinho pela rua as músicas seu ídolo: era o Roberto Carlos de Santana.

O pessoal da sacanagem do Xodó chegava a pagar R$1,00 para ele cantar o “Nego Gato” no ouvido de algum freguês desprevenido. O RC de Santana chegava por trás da vítima (normalmente um amigo que não sabia da onda da turma) e dava um berro que até o Rei da Jovem Guarda se espantaria. Cantava “Eu sou o nego gato de arrepiar…” em alto e bom som e em seguida saía correndo com medo da porrada até a intervenção dos gozadores que morriam de rir.0,,22536863,00

Esse era o meu maluco predileto. Não sei por onde ele anda, se morreu como a maioria dos aqui citados, se ainda recebe uma grana para cantar o “Nego Gato” ou se ainda canta acreditando que é o Roberto Carlos, lá em Santana. O interessante é que as pessoas sempre têm uma explicação para a causa da desgraça alheia. Dizem que todos eles tiveram desilusões amorosas, que foram vítimas de traições, e por isso surtaram, e assim viveram e assim alguns morreram. Mas com certeza viveram bem, imersos no seu mundo, sem se importarem com que os “normais” pensassem a seu respeito, sem se indignarem com os acontecimentos inescrupulosos dos políticos indignos, estes sim, os deficientes mentais que precisam ser recolhidos definitivamente da sociedade.

O AÇAÍ DO GROSSO – Por Fernando Canto

Crônica Fernando Canto

Depois que ganhou o status como o quinto produto de maior exportação do Estado, o açaí ficou mais caro e escasso por aqui.

Não é para menos que um conhecido bloco carnavalesco do bairro do Laguinho vem trazendo como enredo a conhecida e desejada delícia regional, em um protesto interessante e engraçado, através de uma marchinha de tirar o fôlego, bem característico do tradicional bloco.

Fruto da Euterpe Oleracea, o açaí = yasa’i em tupi, é “a fruta que chora”, e produz um refresco de coloração arroxeada. É louvado por artistas e poetas em pinturas e músicas regionais de grande sucesso, como o “sabor Açaí” de Joãozinho Gomes e Nilson Chaves. Mas também é tão apreciado pela população que conhecemos pessoas completamente dependentes dele na sua alimentação diária. O Carlitão e o Álvaro, da Banda Placa, como tantos outros, fazem estoque do produto em seus freezers. Na entressafra correm atrás do fruto ainda verde, chamado “açaí parau”. Esgotada essa demanda inicia-se outra, a do sorvete que também é estocado e dura bastante, mas rigidamente controlado em seu consumo, até a chegada da próxima safra. Há pessoas que sofrem quando n

ão tem açaí. Uns chegam a ficar doentes e, doentes mesmo, por excesso de ferro e ausência de outros minerais e proteínas no organismo, continuam com a velha mistura do açaí com camarão, com peixe ou com charque assado.

O saudoso bandolinista mazaganense Amilar Brenha, já velho, com diabetes e pressão alta, mesmo proibido pelo médico de ingerir açaí com o acompanhamento tradicional do camarão, não hesitava em pedir o alimento e ser atendido pelos que tinham pena dele. Dizia que depois da música era o seu maior prazer.

Lembro que há muitos anos, na falta brava do açaí, que era considerado alimento de pobre, alguém estabeleceu “democraticamente” que só se poderia vender um litro por pessoa. Então famílias inteiras levavam suas panelas, chaleiras, caçarolas e garrafas de água para a fila do balcão das amassadeiras. Eram famosas a do seu Ramiro, a do seu Arinho, no Laguinho e a do seu Ituaçu (nome duas vezes grande), na Rua São José.

Por gostar tanto desse vinho, o amapaense produziu inúmeras anedotas sobre ele, de forma satírica e até mesmo cruel. A dúvida do Mundoca, por exemplo, quando disse que não sabia se tomava uma garrafa de cachaça ou um litro de açaí com os cinco reais que tinha em certa tarde de domingo; a irrefletida pergunta do pai que recebera a notícia do atropelamento do filho em frente à batedeira: – E aí, o açaí derramou? E a história da bela namorada de um amigo meu que foi convidada para a ceia familiar do natal. Ela pegou um prato e se serviu de todas as iguarias da época e, para o espanto de todos, após misturar o peru com a lentilha, o filé, o pato no tucupi com maniçoba, vatapá, pimenta e salada, abriu um buraquinho no meio do prato, retirou elegantemente um frasquinho da bolsa e despejou o conteúdo, o açaí, bem no meio da comida para então começar a “remar” com a colher. Assustado com aqueles gestos inusitados para ele, meu amigo acabou terminando o namoro.

Todos nós desenvolvemos certos hábitos culturais que se refletem no nosso comportamento diário, mas é com a alimentação que deixamos ver o quanto somos diferentes uns dos outros. No caso do açaí, o hábito de tomá-lo se confunde: Ora é complemento alimentar usado como vitamínico e energético ora é o próprio alimento que se complementa com o peixe, o charque (jabá), o camarão, etc.

Por isso mesmo o bloco do Laguinho inventou até um personagem para lutar contra a falta do produto regional: um tal de Capitão Roxão, um super-herói, cuja missão é evitar que os estrangeiros levem o nosso açaí e deixem só a “chula” (borra) para os laguinenses. O enredo é uma peça humorística onde os açaílatras (dependentes do açaí) têm a esperança do produto não faltar em suas mesas, mesmo com o preço “pela hora da morte”.

Hoje completam 50 anos do Abbey Road, disco antológico dos Beatles

Abbey Road foi o 12° álbum lançado pela banda britânica The Beatles. Foi lançado em 26 de setembro de 1969, e leva o mesmo nome da rua de Londres onde situa-se o estúdio Abbey Road. Há exatos 50 anos.

O disco foi produzido e orquestrado por George Martin para a Apple Records. Este álbum está na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame.

Apesar de ter sido o penúltimo álbum lançado pela banda, foi o último a ser gravado. As músicas do último disco lançado pelos Beatles, Let It Be, foram gravadas alguns meses antes das sessões que deram origem a Abbey Road.

O álbum é considerado um dos melhores do grupo e parecia que os momentos de turbulências tinham passado e tudo havia voltado ao normal entre eles, mas na verdade o maior problema da banda começou a esquentar.

George Martin produziu e orquestrou o disco junto com Geoff Emerick como engenheiro de som, Alan Parsons como assistente de som e Tony Banks como operador de fitas. Martin considera Abbey Road o melhor disco que os Beatles fizeram.

O álbum é o mais bem acabado de todos, um dos mais cuidadosamente produzidos (comparável somente a Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band). Sua estrutura foi bastante pensada e discutida, e as visões discordantes dos integrantes da banda só contribuíram para a riqueza da criação final.

Também foi em Abbey Road que George Harrison se firmou como um compositor de primeira linha. Após anos vivendo sob a sombra de John Lennon e McCartney, ele finalmente emplacou dois grandes sucessos com este álbum: “Here Comes the Sun” e “Something”. Ambas foram regravadas incessantemente ao longo dos anos, sendo que Something chegou a ser apontada pela revista Time como “a melhor música do disco” e como a segunda música mais interpretada no mundo, atrás somente de “Yesterday”, também dos Beatles.

Este disco foi marcado pelo uso de novos recursos tecnológicos que estavam surgindo na época. Um deles foi o sintetizador Moog, que começava a ser utilizado em maior escala dentro do rock.

O sintetizador possibilitava que virtualmente qualquer som fosse gerado eletronicamente. O Moog pode ser notado claramente em músicas como “Here Comes the Sun”, “Maxwell’s Silver Hammer” e “Because”.

Por seu trabalho em Abbey Road, os engenheiros de som Geoff Emerick e Phillip McDonald ganharam o Grammy.

A rápida sessão de fotos em Abbey Road foi feita em 8 de agosto de 1969. Enquanto um policial parava o trânsito, o fotógrafo Iain Macmillan, contratado porque era amigo de Yoko Ono, imortalizava a cena com John, Ringo, Paul e George cruzando a rua. Macmillan, em cima de uma escada, teve 10 minutos para fazer o ensaio e, ao que se sabe, registrou 10 fotos dos quatro aguardando o momento da travessia e caminhando pela faixa de pedestres.

A foto em Abbey Road ainda hoje é imitada por milhares de fãs em suas viagens a Londres.

Segundo uma lenda da beatlemania, a foto também indicava que Paul estaria morto, vítima de um acidente de carro em 1966. Há algumas “pistas” que deram força ao rumor: na foto, Paul está descalço (segundo ele, naquele dia fazia muito calor) e fora de passo com os outros. Paul está de olhos fechados, tem o cigarro na mão direita, apesar de ser canhoto, e a placa do fusca (em inglês, “beetle”) estacionado é “LMW”, referindo-se às iniciais de “Linda McCartney Widow” ou “Linda McCartney Viúva” e abaixo o “281F”, referindo-se ao fato de que Paul teria 28 anos se (“if” em inglês) estivesse vivo. E lá se vão cinco décadas (ou meio século) de amor que sentimos em relação a este maravilhoso disco e a essa sensacional banda.

Fonte: Wikipédia e Semiótica

Borboletas são almas – Crônica porreta de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Há certas épocas do ano que os céus de Macapá se enchem de borboletas amarelas. São nuvens flutuantes que parecem seguir em direção ao sudeste da cidade, atravessando o rio. Milhões delas são vistas diariamente por todos os lugares da região buscando o seu rumo, pulsando a uma dança arrítmica e farfalhando as asas para suplantar os obstáculos que se antepõem na sua louca viagem em busca de calor. Sabe lá quanto tempo não ficaram em estado de larva, encerradas em seus casulos antes de serem belas ninfas a se transformam em insetos alados. Quanto tempo será que a natureza não lhes condenou à escuridão para que num só evento as libertasse abruptamente em suas novas formas? Os pitagóricos diziam que a borboleta era o símbolo da imortalidade, pois, proveniente de Deus e de sua natureza, não se atém estritamente ao invólucro carnal e não está sujeita à morte.

Curiosamente a língua grega usa uma só palavra – psyché – para designar tanto a alma humana como a borboleta. Muitas culturas de antigas civilizações a usaram como representação simbólica de suas crenças e religiões. É possível que a analogia da lagarta em seu estado de crisálida com o homem morto tenha nascido no Egito, pois os defuntos mumificados, enrolados em bandagens de betume e substâncias balsâmicas se assemelhavam a ela no se estojo de seda. O corpo humano não era mais do que o invólucro da alma, que escapa pela porta da morte, assim como a ninfa rompe a extremidade de seu casulo e desenrola suas asas, tornando-se borboleta. Os primeiros cristãos também interpretavam esses fenômenos da mesma forma, e se fechavam para meditar no interior de celas de pedras de onde só saíam quando a alma estivesse pronta para empreender seu grande vôo. Até hoje os ascetas do Himalaia se retiram para cavernas inacessíveis e durante anos só comem o estritamente necessário à sobrevivência para se tornarem gurus, comparando-se a si mesmos às grandes borboletas dos rios Ganges e Indo. Na mitologia japonesa os insetos são associados às flores e conseqüentemente à iluminação búdica.

A palavra borboleta (belbellita) é uma designação comum a insetos lepidópteros diurnos. Existem espécies noturnas como as mariposas, aquelas que voam ao redor da luz. Cristãos da Idade Média interpretavam a chama como a fêmea tomada de luxúria, atraente e falsa, que queima a mariposa, essência da vida. Essa idéia tem sua origem no mito bíblico da Queda, com Eva e o pecado original. A natureza e o sexo passam a ser corruptos, sendo a mulher a representação máxima do sexo e o próprio ser corruptor. Entretanto, o sufismo interpreta poeticamente o fenômeno ao dizer que a mariposa estaria tomada de amor divino pela chama, lançando-se ao fogo místico sem temer o aniquilamento de sua própria vida. A Mariposa esfinge que na nossa região é conhecida por “bruxa” traz superstições como a que ao entrar em uma casa significa prenúncio de morte de um dos moradores.

Esta semana as borboletas amarelas se despediram da paisagem macapaense. Uma ou outra ainda ficam perdidas solitariamente, mas antenadas à procura da luz, num tempo em que o sol se abre em solstício após deitar sobre a linha do equador e deixar sua aura de força sobre nossas cabeças. Da prisão do casulo ao vôo libertário em busca do fogo divino lá vão elas, iluminadas, celebrando a vida em sua essência cheia de energia, enquanto o sol começa um breve afastamento para descansar dos homens e de suas almas-borboletas.

* Texto que deu origem a música Panampanam, a migração das borboletas, com melodia de Osmar Jr.

Rita Freire gira a roda da vida. Feliz aniversário, querida amiga!

Sabem, querido leitorado deste site, já disse e repito: tenho amigos longevos. São caras e meninas com quem dividi momentos felizes de minha existência. Uma entre estes afetos gira a roda da vida hoje, a Rita Freire.

A filha do Barata e da dona Maria José, irmã da Simone, Lourdes e Patrícia é uma pessoa linda, de grande coração e caráter e fé inabaláveis. Conheci a Rita em 1995 ou 1996, não consigo precisar. Mas essa data é só desta vida, pois o amor que sinto por ela é coisa de outra passagem.

Falando em outras vidas, a Rita é uma dessas pessoas iluminadas. Além de boa filha, ela coordena grupos de trabalho na União Espírita do Pará, ajuda uma porrada de gente.

Arquiteta apaixonada por gatos, boa gastronomia e Rock and Roll, ela é também minha confidente, conselheira e parceira. Pois mesmo ela morando há mais de duas décadas “Em Belém do Pará Longe, longe, longe, aqui ao lado, nada nos separa”.

A Rita sempre me apoiou em tudo, mesmo distante. Com ela, vivi coisas totalmente impublicáveis, dos tempos que éramos doideira. A broda já segurou algumas de minhas barras mais pesadas. Enfim, trata-se de uma amiga de quem sempre sinto saudades do convívio e que está o tempo todo na minha memória afetiva e no meu coração.

Na semana passada, Rita passou alguns dias em Macapá. Deu pra matar um pouquinho das saudades, mas espero que o próximo encontro não demore.

Rita, querida amiga, tu és muito importante, perto ou longe. Agradeço sempre o fato da tua existência orbitar a minha e vice-versa.

Que tu tenhas sempre saúde, sucesso e sabedoria junto aos teus amores. Que tudo que caiba no teu conceito de felicidade se realize. Te amo!

Parabéns pelo teu dia e feliz aniversário!!

Elton Tavares

Hoje é o Dia Nacional do Maçom (meus parabéns a Ordem)

Hoje é o Dia Internacional do Maçom. A data é celebrada em 20 de agosto por conta de que no mesmo dia, em 1822, aconteceu uma sessão histórica entre as Lojas de Maçonaria “Comércio e Artes” e “União e Tranquilidade”, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Na ocasião, o Irmão Gonçalves Ledo teria feito um discurso emocionante e inspirador, pedindo a Independência do Brasil ainda naquele ano.

A data oficial foi oficializada no artigo 179 da Constituição do Grande Oriente do Brasil, tornando o dia 20 de Agosto o Dia do Maçom Brasileiro. A iniciativa dele foi aprovada por todos os maçons presentes e registrada na ata do Calendário Maçônico no 20º dia, do 6º mês do ano da Verdadeira Luz de 5.822. Esta data, convertida para o calendário gregoriano (o que é usado na maioria dos países ocidentais), seria equivalente ao dia 20 de Agosto de 1822. Isso teria sido impulso da sociedade maçônica para que o príncipe regente, Dom Pedro I, proclamasse a Independência do Brasil, no dia 7 de Setembro de 1822 (menos de um mês depois da grande reunião no Rio de Janeiro).

O conceito de Maçom diz: “homens de bons propósitos, perseguindo, incansavelmente, a perfeição. Homens preocupados em ser, em transcender, num preito à espiritualidade e à crença no que é bom e justo. Pregam o dever e o trabalho. Dedicam especial atenção à manutenção da família, ao bem-estar da sociedade, à defesa da Pátria e o culto ao Grande Arquiteto do Universo”.

Maçonaria é uma sociedade discreta e, por essa característica, entende-se que se trata de ação reservada e que interessa exclusivamente àqueles que dela participam. Seus membros cultivam o aclassismo, humanidade, os princípios da liberdade, democracia, igualdade, fraternidade. Além do aperfeiçoamento intelectual, sendo assim uma associação iniciática, filosófica, progressista e filantrópica.

Maçonaria no Amapá e meu avô maçom

A Maçonaria existe no Amapá desde 1947, quando foi fundada a Loja Maçônica Duque de Caxias, localizada na Avenida Cloriolano Jucá, Nº 451, no Centro de Macapá. Hoje existem 24 lojas maçônicas no Amapá. Destas, 13 são da Grande Loja do Amapá e 12 da Grande Loja Oriente do Brasil. Além da capital, os municípios de Mazagão, Porto Grande, Santana e Laranjal do Jari possuem uma loja cada.

Meu avô paterno, João Espíndola Tavares, foi maçom. Aliás, foi um homem dedicado à Maçonaria. Vou contar um pouco dessa história:

Em 1968, após ser observado pela sociedade maçônica de Macapá, João Espíndola (meu avô) foi convidado a ingressar na Loja Maçônica Duque de Caxias, onde foi iniciado como Maçom. Logo se destacou dentro da Ordem por conta de seu espírito iluminado. Foi um dos maiores incentivadores de ações filantrópicas maçônicas no Amapá.

João foi agraciado, em 1981, após ocupar 22 cargos maçônicos, com o Grau 33 e o título de “Grande Inspetor Litúrgico”. Ele sedimentou seus conhecimentos sobre literatura mundial lendo de tudo.

Vô João transitou por todos os cargos da Ordem. As cadeiras que ocupou foram sua ascendência à graduação máxima da instituição. Foi Vigilante, 2ª Mestre de Cerimônias, Venerável Mestre, 1º Experto Tesoureiro, Delegado do Grão Mestre para o 11ª Distrito Maçônico e presidente das Lojas dos Graus Filosóficos. Também foi um dos participantes do Círculo Esotérico da comunhão dos membros.

Meu avô é o primeiro da esquerda. Nessa foto, com outros maçons, entre eles o senhor Araguarino Mont’Alverne (segundo da direita para a esquerda), avô de amigos meus.

Ele também integrou o grupo de humanistas da instituição, que objetivava a assistência social e humanitária, oferecendo atendimento médico gratuito ao público. A entidade filantrópica também ministrava aulas preparatórias para candidatos ao exame de admissão ao Curso Ginasial, que hoje conhecemos como Ensino Médio.

Quando ele morreu, em 1996, em nota, a Maçonaria divulgou: “Durante sua estada entre nós, sempre foi ativo colaborador e possuidor de um elevado amor fraterno”.

Há oito anos a Loja Maçônica do município de Mazagão, Francisco Torquato de Araújo, comemorou 20 anos de fundação. No evento, a instituição homenageou seus fundadores, entre eles o patriarca da minha família paterna, João Espíndola Tavares.

Tio Pedro, o Venerável Mestre

Meu tio e querido amigo, Pedro Aurélio Penha Tavares, é o único maçom da minha família. Ele também é o atual Venerável Mestre da Loja Duque de Caxias, que este ano completou 70 anos de fundação. Meu avô, lá nas estrelas, deve ter muito orgulho de seu filho, que seguiu seu caminho Maçônico.

Hoje, tio Pedro, como Venerável Mestre, expediu a seguinte mensagem pela passagem da data:

Tio Pedro, Venerável da Loja Duque de Caxias

O Maçom, por princípio, não deve ter um dia específico para agir maçônicamente. Todos os dias são Dias de Maçon, pois a construção do Templo Interior é um trabalho árduo, diuturno e que leva uma vida para ser concluído “. Parabéns a todos os IIR . ‘ ., livres e de bons costumes, especialmente os que buscam viver como verdadeiros MMaç . ‘ ., “levantando TT. ‘ . à virtude e cavando masmorras ao vício” para que sejam “Justos e Perfeitos”, parabenizou o Venerável Mestre da Duque de Caxias.

Não sei se um dia terei perfil para ser um membro da nobre instituição, mas seria uma honra. Lembro de crescer com um certo fascínio sobre a Maçonaria por conta do meu avô. Além do vô João e tio Pedro, parabenizo todos os meus amigos maçons. São eles: Nilson Montoril Júnior, Fernando Canto, Silvio Neto, Renivaldo Costa, Mateus Silva, Vladimir Belmino, Anderson Favacho e meu, entre outros que não me recordo agora. Congratulações pela data!

Elton Tavares

PREFÁCIO – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Nunca pensei em escrever um livro de contos. Ainda mais com este colorido criado com esta “Tinta Mágica” escorrida das pinceladas de Salvador Dali. Mas escrevi.

Colhi fragmentos escutados na minha infância e pré-adolescência em Macapá.

Juntei personagens e resíduos de acontecimentos e os fui reciclando, preenchendo os vagos com personificação à semelhança do surrealismo.

Ele pronto! Fui ao título, que tomei emprestado do conto “Antena de Arame”.Posto o ponto final. (Nunca se coloca o ponto final)

Para revisioná-lo sentei à mesa de um restaurante em Osasco denominado Frangão e bebi um pouco, reli os contos, e aguardei que chovesse para depois ir embora. Em pouco tempo um rio formou-se pelas ruas adiante ao local que eu estou. Quiçá mais um pouco talvez passe uma canoa tipicamente Amazônica, botos, mutuns, atuns…

Imaginei abstratamente.

Porem distrai-me observando uma mulher e o cão com esforço atravessarem a corrente, e por fim irem-se juntos com a lua e a outra mulher que empurrava com uma vassoura velha um resto de luar para debaixo do tapete.

Comigo estavam as paginas, e alguns comentários de amigos sobre o livro.

Deixei todo este material sobre a mesa e fui ao banheiro atirar fora resíduos líquidos da cerveja sorvida.

Quando voltei, os Contos haviam sumido, estava vazia a mesa. Indaguei ao Garçom. E meus papéis? Os que estavam sobre a mesa. Os contos?

Ele deu-me o troco e se afastou com um meio sorriso. Contos!…Ah! Contos…Achando que eu tinha me embebedado muito rapidamente. Passou um pano limpo e seco sobre a mesa que ficou todo sujo de letras.

Foi ate a Tv e deu duas pancadas ao lado do aparelho visando melhorar a imagem da chuva, da canoa, da mulher, e da lua.

“O que falta aqui é uma Antena de Arame!” – gritei. Para ninguém.

Em seguida levantei para ir embora achando que ele me parecia um dos Personagens dos meus Contos.

Chamei bem alto: “Bebeçudo!” Nem a voz saiu, nem o garçom voltou.

Sóbrio e só. Atravessei a rua, e mergulhei apressado no chão, no vão da calçada, atrás de um monte de formigas, que ali entravam, carregando consigo as páginas que eu procurava.

Não chovia mais.

* Prefácio em forma de Conto como Narrativa no Livro Antena de Arame – Rumo Editorial – São Paulo – 2016

As recordações, os cheiros e o gosto dos sábados em casa

Ir à feira dia de sábados é andar pra trás na linha do tempo e visitar uma época gostosa que levarei para sempre em meu coração. Lembrar do papai e mamãe saindo cedinho para a feira, de mãos dadas, sacola de náilon, ele de bermuda, camisa de botão e sandálias nos pés, ela, de saia e camisa florida ou com a imagem de Nossa Senhora ou vestido. Atravessavam a ponte que liga a Mãe Luzia com São José com a maestria de quem já andou muito em cima de madeira no interior. Voltavam com sacolas de peixes, carnes, verduras, e iniciavam o ritual de sábado: temperar comida para semana toda, som ligado com chorinho, de vez em quando papai interrompia o corte da carne e a mamãe a mistura de temperos para dar uma “rascunhada” pela cozinha.

Como bons ribeirinhos, eles estavam acostumados com peixes, e diferenciavam só de olhar, o pescado novo do moído. Papai foi pescador, e navegou muito atravessando o Amazonas em barco à vela do Bailique até Belém, com a embarcação cheia de mercadorias, ou com o carregamento de madeira. Para ele o rio não tinha mistérios, e conhecia todos os peixes da região, e deles falava com detalhes que deixavam a boca com saliva. Eram estes pescados e mariscos escolhidos com zelo que embelezavam nossa mesa, especialmente aos sábados.

Meu olfato foi treinado para o cheiro de sábado, mais do que dos outros dias da semana, é o que mais faz falta, eles estimulam as recordações e permanecem em minha memória. Cheiro da comida, da caipirinha do papai, do vinho da mamãe, das frutas do quintal, da limpeza feita na casa com capricho, da cera cachôpa ou cardeal passada no piso, do óleo de peroba nos móveis, da carne assando no fogareiro, mujica de camarão, da banana frita, mingau de banana e de tapioca, as coisas de sábado, que até podiam ter outros dias, mas no sábado era feito diferente.

Papai temperava muito bem, mas mamãe cuidava de peixe e carne como ninguém, seu tempero era inconfundível, e o cheiro de sua comida ficava na casa toda e atravessava os muros, fazendo inveja em quem sentia o odor de comida caseira. Fomos acostumados a comer de tudo em casa, de peixes do mato à vísceras, de caça à carne de primeira. Dificilmente comíamos comida congelada, até o frango era abatido em casa, assim como o porco, que também criávamos no quintal. Tudo era muito saudável, a comida sempre fresquinha na nossa mesa, por preferência deles. Mamãe gostava mais de urucum do que colorau, a pimenta ela trazia em grãos, e em casa batia em um pano, torrava no fogão e eu passava espirrando pela cozinha, porque o cheiro dava cócegas no meu nariz.

E os sábados seguiam assim, até a hora do almoço, quando a mesa ficava linda de tanta gente de casa, que vinham comer a comida da mamãe, cozida no fogão ou na brasa, era um entra e sai que se estendia até de noite, porque invariavelmente o almoço emendava com o lanche e a janta. Quando papai comprou o Santa Maria, final dos anos 80, esses costumes de sábado passaram para nosso paraíso, com direito a banho de igarapé e horas de alegrias, união e felicidade da molecada e dos adultos. Era uma carinhosa confusão de redes, moleques atentados, gritaria e muitas, mas muitas gargalhadas. Estas lembranças estão tatuadas em meu corpo e alma. Acho que nossos filhos nunca irão esquecer dessa época, e sinto pena de nosso netos, que não viveram esta experiência de passar dias no meio do mato, brincando de caçar, pescar, jogar bola, alimentar o gado e as galinhas, colher verduras e comer frutas tiradas na hora.

Sempre que posso vou aos sábados na feira, aquecer a saudade. Não aprendi a diferenciar peixe fresco do moído, infelizmente não herdei a aptidão para a cozinha, e mesmo que tivesse facilidade, nunca iria fazer o tempero da mamãe, aquele gosto inconfundível, que não senti mais. A casa não fica mais com o cheiro das comidas e dos costumes da sábado, às vezes eles me vêm do nada na cabeça, já acordei no susto sentindo o gosto do passado e com o nariz empesteado do cheiro da nossa casa, principalmente aos sábados. É nesse dia que eu paro em casa e a saudade aperta o peito e escorre pelos olhos. Sinto uma enorme saudade de nossa vida aos sábados, da casa com quintal e desse depois da reforma que concretou nosso espaço, mas que nunca deixou de ser um local de afeto e reunião da família e amigos.

Mariléia Maciel

25 anos sem o Ita

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Na esquerda, nos anos 80, Ita comigo e meu irmão Emerson. No centro em Natal (RN), em 1990 e na direita, em 1994.

Convivi com muita gente porreta nessa vida. Entre essas pessoas fantásticas, o sensacional Itacimar costa Simões, o querido “Ita”. Ele era marido da minha tia Tatá, pai da Dayane (duas pessoas com quem tenho pouco convívio hoje em dia, mas sou grato a ambas) e um dos mais valiosos amigos que tive a honra de ter. Hoje completam 25 anos que o Ita embarcou na cauda do cometa e seguiu para outra existência.

Ita morreu em 29 de julho de 1994, vítima em um acidente automobilístico na estrada do Igarapé do Lago, no interior do Amapá. Era período eleitoral. Na época ele era candidato a deputado estadual. Ele foi um cara sempre foi alegre, prestativo, inteligentíssimo, igualmente competente. Além disso, aquele figura foi excelente pai, filho, irmão e marido.

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Zé Penha (meu pai) e Itacimar Simões (meu tio). Eles eram grandes amigos por aqui e devem tomar umas lá no Céu.

Ita era professor de ofício, mas ocupou vários cargos administrativos no Governo do Amapá. Além disso, foi o melhor amigo do meu pai, Zé Penha, que também já fez a passagem. Ainda posso ouvir e ver papai e Ita tomando cerveja, jogando dominó ou somente falando adoráveis sacanagens.

Impossível não lembrar de Itacimar no dia 29 de julho e não sentir saudades dele. Ao Ita, todo ano dedico este texto, minha eterna gratidão e amizade. Saudades, tio. Até a próxima vez!

Elton Tavares

Como o contato com a natureza ajuda os wajãpi a defender sua terra ancestral – Via @natgeobrasil

Homens trabalham com tratores na rodovia Perimetral Norte, que cruza a terra dos wajãpis. Os impactos do possível asfaltamento da estrada – como a proliferação de madeireiros – já preocupam a população indígena da área. Foto: Victor Moriyama

Por Felipe Milanez

A floresta debruça-se sobre vales e montanhas a perder de vista, entrecortada por rios caudalosos, tortuosos, encachoeirados. É uma Amazônia idílica, que fascinou os primeiros exploradores e agora deslumbra naturalistas e ambientalistas – é, no entanto, apenas uma das dimensões da vida no território do povo Wajãpi. Entre os rios Oiapoque, Jari e Araguari, no Amapá, no sopé das serras junto do Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, esses indígenas entendem viver no “centro do mundo”, segundo a sua origem e o lugar em que se estabeleceram. Os wajãpis creem ter uma missão: cuidar das matas, do subsolo e do céu para que todos os outros seres possam igualmente conviver neste planeta.

A floresta delimita o universo ancestral dos wajãpis. E eles estavam felizes em seus mundos natural e espiritual, dançando para o herói mítico Janejarã não destruir a humanidade, quando começou a se espalhar pelos rádios a notícia perturbadora: o fantasma da mineração voltava a assombrar. Um decreto assinado pelo presidente Michel Temer, em agosto de 2017, permitiria a abertura de áreas adjacentes ao território deles para que grandes empresas pudessem explorar legalmente cobre e outros minérios – ou, como dizem os wajãpis, “desequilibrar o mundo”, provocando a destruição da mata e da vida. A memória trágica de epidemias espalhadas por garimpeiros nos anos 1970 e 80 estava de volta.

Uma wajãpi banha seu bebê ao lado dos panos típicos que secam. O tecido vermelho, tingido de urucum, é uma marca do povo indígena. Foto: Victor Moriyama.

Na teoria, o que o governo federal fez foi abolir a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), criada pelos militares em 1984. Mais de 30 anos depois, a reserva, de 46 500 quilômetros quadrados – o tamanho de uma Dinamarca –, nunca recebeu grandes grupos mineradores, mas os wajãpis, ainda assim, têm traumas por causa de invasões passadas de garimpeiros clandestinos. “A mineração não vem sozinha. No passado, veio garimpeiro, e com eles muita doença”, diz o professor e cineasta Kasiripina, um líder intelectual dos wajãpis. “O sarampo quase acabou com a nossa população.”

A Renca, entre o Amapá e o Pará, foi criada para reservar minérios para exploração futura. O efeito ao longo do tempo, contudo, foi inverso. Na prática, a luta indígena e ambientalista nos anos seguintes à ditadura consolidou no interior da Renca um mosaico de unidades de conservação, capazes de, até agora, garantir o equilíbrio do ambiente: o Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista do Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e do Rio Paru d’Este.

Filhos do cacique Piriri, os irmãos Apã e Japaita são responsáveis pela caça e pela pesca do grupo de 15 pessoas da aldeia Mukuru. Foto: Victor Moriyama.

No ano passado, agredidos por uma canetada, os wajãpis recorreram às forças de seu mundo espiritual – que, para eles, não está separado das bases materiais de subsistência – para reagir. Uma mobilização articulou amplos setores da sociedade em defesa da Amazônia. Não era apenas a floresta: nas imagens que circularam em favor do mosaico de áreas protegidas, havia a presença de indígenas vestidos com saias vermelhas, de cabelos longos e com brilhantes discursos a favor da relação entre a sociedade e a natureza.

“A mineração destrói a terra e a água”, reclama Kasiripina. “Não queremos isso. Nós cuidamos do rio e da floresta.” Nada mais justo: a luta veio de um povo que não suja a água, não constrói barragem e não destrói a mata para viver.

A aldeia Aramirã é o ponto central de encontro das 93 aldeias espalhadas por todo o território indígena. O lugar conta com placas de energia solar, posto de saúde, centro comunitário e escola. Foto: Victor Moriyama.

Para compreender esse fenômeno de resistência, é preciso olhar para a história recente dos wajãpis – ou seja, como eles conseguiram se fortalecer nas últimas décadas, conhecer o mundo dos brancos, construir instrumentos legais de luta, reconquistar e reviver em seu território. Também é importante a perspectiva multidimensional do conhecimento wajãpi, que explica o mundo de forma bem mais ampla que o conhecimento científico ocidentalizado.

A historiografia diz que os wajãpis estavam no Rio Xingu, na margem sul do Rio Amazonas, provavelmente migrando desde o litoral brasileiro após as guerras de conquista contra portugueses, quando foram aldeados por jesuítas. Então atravessaram o rio e, depois, se refugiaram entre os vales e as montanhas da chamada Calha Norte do Amazonas. Viveram em paz, espalhados em pequenos grupos, sem histórico de conflitos violentos, até a ditadura no Brasil decidir ocupar a Amazônia nos anos 1970.

O cacique Seremeté trata madeira para fazer fogo em uma margem do Rio Kerekuru. Os peixes são defumados durante horas na fogueira. O preparo é conhecido como peixe moqueado, uma especialidade dos povos ribeirinhos da Amazônia. Foto: Victor Moriyama.

Contatados, em 1973, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em meio aos trabalhos de abertura da BR-210, a Perimetral Norte, os wajãpis enfrentaram o avanço violento das frentes de expansão. Com a abertura da floresta pelos tratores, vieram caçadores, garimpeiros e madeireiros. E também missionários evangélicos.

Responsável pelo contato com os wajãpis, em 1973, o sertanista Fiorello Parisi conta que foi guiado por garimpeiros até as aldeias. “Chegamos seguindo os rastros dos índios. Naquele tempo, o conceito da Funai era o de estabelecer contato com grupos isolados. Depois é que se viu o estrago que essa estratégia causa”, recorda o sertanista, nascido na Itália e radicado no Pará. “Eu levei na expedição um dos garimpeiros que já tinham invadido a aldeia deles. E os wajãpis não eram hostis. Não faziam a ligação entre as pessoas de fora e as doenças que transmitem.” Quando Parisi tentou expulsar os garimpeiros, nos anos seguintes, foi vítima de uma tentativa de homicídio: levou cinco tiros, em uma emboscada em Macapá, e sobreviveu por milagre.

Os índios caçam uma cotia que atravessava o Rio Mukuru já mordida pelas piranhas. Caça e pesca são as principais fontes de alimentação do grupo. Foto: Victor Moriyama.

Após quase desaparecerem nos anos pós-contato, os wajãpis começaram a se posicionar contra a ideia de desenvolvimento como algo linear. Para os seus líderes, cresceu nos últimos anos, com o atual governo brasileiro, a tendência de que a floresta deva abrir espaço à agropecuária e à mineração. “Nossa preocupação é com as próximas gerações. E não é um problema para os povos indígenas, mas para o mundo”, diz o professor Viseni, que ensina nas escolas das aldeias.

Percebendo que o “centro do mundo” estava, cada vez mais, cercado, os wajãpis passaram a buscar alianças e a treinar pessoas não indígenas para reconhecer o mundo como eles. Nessa batalha pela sobrevivência, utilizaram a sua melhor arma: o conhecimento adquirido.

Uma wajãpi banha seu bebê ao lado dos panos típicos que secam. O tecido vermelho, tingido de urucum, é uma marca do povo indígena. Foto: Victor Moriyama.

Anos depois do contato, os indígenas passaram a treinar uma antropóloga belga para lutar como sua aliada, Dominique Tilkin Gallois, que se tornou professora de antropologia na Universidade de São Paulo. “Minhas pesquisas seguiam o caminho que eles precisavam”, diz Gallois. Inicialmente, ela trabalhou o território e a história, a mobilidade e a forma de vida – informações que vieram a embasar o laudo da demarcação da terra indígena, uma luta de 16 anos para garantir a integridade territorial. Aos poucos, os wajãpis a levaram a trabalhar sobre cura e xamanismo para, então, pesquisar temas da educação e o desafio de implantar escolas nas aldeias.

A aliança com a antropóloga foi parte da estratégia de conhecer os não indígenas, ensiná-los a respeitar a floresta e criar novas redes de apoio. Juntamente com o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), fundado por Gallois e colegas da USP, os wajãpis conseguiram proteger a arte kusiwa, o sistema de representação gráfico nas suas pinturas corporais. A arte kusiwa foi o primeiro bem imaterial a ser considerado Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – em 2008, seria reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco.

Ainda em uma batalha por reconhecimento no espaço da política institucional, com o apoio da Rede de Cooperação Amazônica (RCA) e da Fundação Rainforest da Noruega, através do Iepé, os wajãpis elaboraram o primeiro Protocolo de Consulta e Consentimento de um Povo Indígena no Brasil, seguindo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 2004. A partir de então, os indígenas conquistaram o direito de serem informados e consultados sobre projetos econômicos que afetem suas vidas e seus territórios – um direito fundamental, que visa estabelecer um novo modelo de diálogo com o Estado.

Um morador da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru toma banho no Rio Jari com seu papagaio. Vizinhos da Terra Indígena Waiãpi, os moradores da RDS se tornaram aliados dos indígenas no combate e fiscalização do território contra a ameaça de garimpeiros. Foto: Victor Moriyama

No documento, os wajãpis pedem que o governo escute suas preocupações sobre o que “pode afetar diretamente a nossa vida, os lugares importantes da história de criação do mundo, a vida dos animais, os rios, os peixes e a floresta”. “Eles têm que chegar a acordos internos de como é que tomam decisões coletivas e dão legitimidade a essas decisões. E também decidir quem pode falar por eles”, diz Luis Donisete Grupioni, antropólogo que auxiliou os wajãpis no processo.

Os wajãpis, hoje, estão divididos em três associações: o Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina), a Associação dos Povos Indígenas Wajãpi do Triângulo do Amapari (Apiwata) e a Associação Wajãpi Terra, Ambiente e Cultura (Awatac). Segundo explicam no documento, “não existe cacique-geral de todos os wajãpis. Cada grupo familiar tem um chefe, e um chefe não manda no outro chefe”. Portanto, sustentam, nenhum chefe representa todos, as coisas externas que os afetam devem ser conversadas pelo conjunto dos representantes. Foi por isso, também, que ficaram tão irritados com a decisão do governo federal de extinguir a Renca sem consultá-los.

A batalha da Renca foi parcialmente vencida: o decreto de extinção da reserva foi revogado, tempos depois, por causa da grande mobilização. Mas o fantasma ainda assusta em tempos de incertezas políticas no país. Os wajãpis insistem: estão preparados para resistir com sabedoria.

Hoje, os indígenas não deixam entrar garimpeiros na floresta protegida, assim como fazem rondas de fiscalização do parque nacional com agentes florestais. E conseguiram acesso à universidade, em Macapá – assim, aprendem com a sabedoria dos mais velhos nas aldeias ao mesmo tempo que acessam livros, filmes e tecnologias da pedagogia moderna. Por outro lado, enfrentam a onda crescente de evangelização, e contraditórias políticas de inclusão que incentivam o deslocamento para as cidades próximas.

O cacique Piriri fuma seu charuto enquanto outros wajãpis celebram com cantos tradicionais. Nessas festas, eles costumam consumir caxiri, uma bebida típica com forte teor alcóolico preparada da fermentação da mandioca.Foto: Victor Moriyama

Viseni, que é estudante da licenciatura intercultural indígena na Universidade Federal do Amapá, conta que o seu povo “não é de ficar no mesmo lugar, por mais que 20, 30 anos. Por isso a gente não acaba com os recursos naturais”. Nas andanças dos wajãpis por seu território, assentados em pequenas comunidades, o conceito de bem viver é pleno de simplicidade: ter boa saúde, alimentação, preservar a cultura tradicional. “Isso, para nós, é viver bem.”

Trafegando entre outras dimensões da existência, os wajãpis enxergam a mata ancestral como um ser vivo, uma extensão de suas vidas. “A terra também sente dor”, conta Kasiripina. “A nossa vida é com o espírito da floresta. É lá que está a nossa alma”, completa Viseni.

Na crise que se instaurou na hipótese de uma nova área de mineração na Amazônia, em 2017, novos ambientalistas entraram em cena. Elegantemente trajando saias vermelhas, com o dorso despido e pintado de urucum, cabelos longos, gestos suaves, vozes quase nunca ouvidas por poucos dominarem o português, sem portar armas, mas sempre unidos, os wajãpis emergiram como intelectuais da floresta que se insurgiram contra a ameaça da destruição.

Fonte: National Geographic Brasil

Máscaras de Mazagão Velho – Crônica de Fernando em homenagem à Festa de São Tiago

Foto: Marcelo Loureiro – Secom.

Texto de Fernando Canto (Uma velha homenagem à Festa de São Tiago de Mazagão Velho)

Há alguns anos ministrei palestra para uma turma de Sociologia do Ceap sobre “Cultura e Poder”, enfocando aspectos da Festa de São Tiago de Mazagão Velho (cavalhada que relembra a lenda desse santo na guerra entre Mouros e Cristãos na África) a convite do professor Luís Alberto Guedes. Nesse dia levei uma caraça utilizada pelos “Máscaras” e pedi aos alunos que a experimentassem em seus rostos. As reações foram as mais diversas e a discussão bem participativa. Entretanto, se por trás da máscara há um mundo de significados, pela frente pode representar a face divina, a face do sol. Ela exterioriza às vezes tendências demoníacas (Teatro de Bali, máscaras carnavalescas), manifesta o aspecto satânico. Ás vezes não esconde, mas revela tendências inferiores que é preciso por a correr, porque não se utiliza uma máscara impunemente. Ela é um objeto de cerimônias rituais, como por exemplo, as máscaras funerárias, que são arquétipos imutáveis nas quais a morte se reintegra. Na China ela se destina a fixar a alma errante.Ela também preenche a função de agente regulador da circulação das energias espirituais espalhadas pelo mundo e visa controlar e dominar o mundo invisível.

Foto: Fernando Canto

Na Festa de São Tiago ela é usada no “Baile de Máscaras” que ocorre no dia 24 de julho, e é um dos aspectos ritualísticos mais importantes, pois simboliza uma cena de regozijo à vitória que os mouros julgavam ter obtido sobre os cristãos O baile ocorre após terem oferecido comida envenenada aos cristãos, visando dar oportunidade aos que quisessem passar para seu lado. É um baile de homens onde todos estão fantasiados, mas às mulheres e crianças é proibida a participação. Eles dançam no sentido inverso ao do relógio até ao amanhecer. Ao meio-dia um personagem mascarado chamado “Bobo Velho” passa três vezes no território cristão e é apedrejado pela assistência, pois se trata de um espião mouro tentando obter informações. Na cena do “Rapto das Criancinhas Cristãs”, os “Máscaras”, dezenas de atores populares, surgem fantasiados, assustando e arrebatando olhares de medo das crianças que os assistem.

Foto: Marcelo Loureiro – Secom

A máscara parece ser uma transferência de energia que tem o sentido de mutação e que transcende o drama. Já o “Baile” é uma festa dentro da festa. É uma cena de um drama em que paradoxalmente ocorre a oportunidade de se desregrar (pela ingestão do álcool). Mas é quando se subverte a realidade constituída, pois a organização social do drama tem seus apelos e sanções: se há notícia de uma outra festa na vila, os “Máscaras” vão até lá e acabam com ela. Fazem respeitar as normas da tradição e tecem críticas à realidade através de um grande boneco mascarado chamado “Judas”, que todo ano muda de nome, conforme o momento histórico e a decisão dos que o confeccionaram.

Foto: Marcelo Loureiro – Secom

O “Baile de Máscaras” é uma forma de representação do potencial subversivo das festas, não só pela crítica, mas pelo dançar constante na direção inversa ao do ponteiro do relógio, tratando-se de um embate contínuo com o tempo, quando os brincantes giram e vão se espiralando, afastando o tempo linear e vivendo a dimensão da memória, num tempo mítico, onde os acontecimentos heroicos se repetem pelos rituais.

Foto: Marcelo Loureiro – Secom

Culturalmente as máscaras de Mazagão Velho podem ser vistas como um aspecto místico da festa porque traduzem o tempo, a memória e o ritual que organiza a memória, a história e a sobrevivência da sociedade. Assim a cultura da festa se efetiva porque suas crenças, gestos e valores são oriundos de um processo de criação de homens e mulheres e que são partilhados por todos, por meio de juízos de valor e símbolos.

Foto: Marcelo Loureiro – Secom.

A utilização da máscara na Festa de São Tiago é de disfarce, de aparência e de jogo estratégico. E para entender melhor esse processo nada como pôr no rosto uma caraça, pois assim cada um assumirá também o papel que subverte e mete medo, e que também diverte, mas, sobretudo, que une e corporifica os valores culturais daquela sociedade.

(*) Do livro “Adoradores do Sol” – Textuário do Meio do Mundo, Scortecci, São Paulo, 2010.